Fausto: ?Reforma trabalhista interessa a todos?

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Francisco Fausto, está contando o tempo para se aposentar.

Fonte: Notícias do Tribunal Superior do Trabalho

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O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Francisco Fausto, está contando o tempo para se aposentar. Já tem data marcada para passar o cargo ao seu sucessor em Brasília, 14 de abril, e promete que no dia seguinte pega o avião para Natal, indo direto para sua casa de praia, em Pirambúzios. Potiguar de Areia Branca, presente com assiduidade nos últimos tempos nas rodas de debate sobre os principais problemas brasileiros, Francisco Fausto não perde a oportunidade de reafirmar seu apego ao Rio Grande do Norte. Às vésperas de completar 69 anos de idade, diz que vem para casa esperar a conclusão do processo de aposentadoria e até escolheu o cardápio para o primeiro dia depois que deixar a presidência da mais alta corte da Justiça do Trabalho do País: Venho comer carne de sol com macaxeira. Nesta entrevista a O Poti, concedida em Pirambúzios, de onde sua saída é inegociável no período de férias, o ministro fala de temas sérios que o preocupam, como o trabalho escravo. Na opinião dele, um problema que só será resolvido com penas de natureza econômica contra os maus empregadores.

O POTI - O sr. disse recentemente numa entrevista que a discussão da reforma trabalhista será uma verdadeira guerra. Por quê?
Ministro Francisco Fausto - A reforma da Previdência Social apanha apenas uma parcela da população brasileira. Na verdade, ela apanhou e agrediu os funcionários públicos da União, dos Estados e dos municípios. Eles é que foram altamente prejudicados. A reforma tributária interessa à União, Estados e municípios. Pouca gente participa desse debate porque pouca gente entende de tributação. É um assunto altamente técnico, que não interessa mesmo à opinião pública, que só é atuante naquilo que entende. Mas a reforma trabalhista, não. Ela vai apanhar toda a população brasileira. Hoje ou se é empregado ou se é empregador. Ou você assalaria ou você é assalariado. De modo que toda população vai ter interesse nessa Reforma.

Na sua opinião, o que deve mudar na CLT?
Alguns entendem, como eu entendo, que devem ficar os direitos mínimos, ou aquilo que Arnaldo Sussekind, que ainda é vivo e foi um dos redatores da CLT em 1943, chama de direitos justos. Isso deve ficar. Mas a CLT deve abrir espaço para que haja negociação entre as partes, porque essa é a tendência moderna do direito do trabalho. Por aí se vê que a coisa vai ser difícil.

O sr. acha que alguns desses direitos da CLT são ultrapassados?
Absolutamente. Os institutos jurídicos trabalhistas, agasalhados hoje na CLT, são praticados em toda parte do mundo. Eles são produtos de estudos universitários na Europa, na América Latina, etc, ou de legislações nacionais. De forma que o que se pratica em matéria trabalhista é praticada em toda parte do mundo, todo o universo.

É possível, somente com a mudança na lei, combater com eficácia problemas como o trabalho escravo e o trabalho infantil?
Quanto ao trabalho escravo, eu diria que ele é uma distorção grave do trabalhismo brasileiro, mas que também existe em toda parte do mundo. Aqui no Brasil, ele é detectado com mais freqüência no Pará, sobretudo no sul do Estado. Foi através de uma comissão composta por representantes da OIT, da OAB, do Ministério Público e da Pastoral da Terra que eu tomei conhecimento da existência do trabalho escravo no Brasil, em detalhes. E mais do que isso, de provas muito duras, muito contundentes do que estava acontecendo. Eles me diziam, por exemplo, que nas imediações daquelas fazendas, eles descobrem muitas vezes ossadas humanas. O que significa que a prática do trabalho escravo no Brasil não é apenas uma crueldade de natureza trabalhista, mas fere e agride os direitos humanos, sobretudo o direito à vida. É difícil combater o trabalho escravo somente com a legislação trabalhista. Eu diria até que é difícil combater somente com uma legislação penal.

O que resolve?
O que resolve é pena de natureza econômica. Há um projeto do ex-senador Ademir Andrade, que já foi aprovado no Senado e que está hoje na Câmara dos Deputados. Eu fiz um ofício ao então presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, pedindo que esse projeto andasse. Na Câmara, ele não andou. Pedi agora ao deputado João Paulo Cunha, e tenho notícia de que ele declarou, pela imprensa, que vai andar. O projeto confisca terras de fazendeiros que são flagrados escravizando trabalhadores. Aí eu acredito que essa é a verdadeira sanção contra o trabalho escravo. Isso sim vai coibir o trabalho escravo.

O que existe de ação de Governo?
Quando o presidente Lula assumiu, ele lançou no Palácio do Planalto o Plano de Erradicação do Trabalho Escravo. Um plano muito bom. Se ele for posto em prática na sua totalidade, eu creio que o trabalho escravo no Brasil não vai subsistir. Acontece que esse plano de governo vem sendo aplicado de maneira muito lenta, embora gradual. Talvez ele não tenha ainda 5% aplicado. O que significa que enquanto ele não é aplicado, outras pessoas estão escravizadas ou mortas.

O sr. acredita que em 2004 será possível dar mais celeridade a esse plano?
Eu acho que sim, eu confio que sim. Porque nós temos hoje à frente da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República o doutor Nilmário Miranda. É uma pessoa de grande visão dos problemas sociais e humanos. E eu acho que ele vai fazer esse plano andar.

Ministro, e o trabalho infantil?
É mais difícil de combater do que o trabalho escravo. Porque o trabalho escravo não está na cultura brasileira. Há cem anos que a escravidão foi abolida e hoje ninguém assume que tenha trabalhador escravizado na sua fazenda. Ninguém diz isso. Tem aí algumas pessoas eminentes da República que estão sendo acusadas disso, e que negam violentamente. O trabalho infantil é diferente. Aqui mesmo no Nordeste nós temos o que chamamos de crias de famílias. São crianças que nós criamos em nossas casas, têm educação, assistência médica, participam do lazer com os nossos filhos, mas têm tarefas domésticas. Portanto, elas trabalham e isso é prejudicial. Na medida em que estão trabalhando, perdem contato com seu lazer, que é higiene mental, e com a educação. É mais difícil porque as pessoas assumem. Em Pernambuco, por exemplo, onde eu atuei por muitos anos como juiz, você tem uma área de terra na zona da mata pernambucana. Essa área corresponde a um dia de trabalho. O trabalhador vê que não está com forças, por problemas de saúde ou qualquer outra coisa, e não pode arar aquele pedaço de terra. Ele leva todos os filhos para fazer isso. E não ganha um centavo a mais. Muitas vezes, a criança representa um adicional ao salário de subsistência de sua família.

Existem outros temas que prometem gerar muita polêmica. Como a reforma do judiciário, por exemplo. O que o sr. acha que deve ser mexido nessa área?
A reforma do Judiciário está criando uma grande polêmica no País todo depois que o presidente Lula, de maneira inadvertida, declarou que se tratava de uma caixa-preta. Não é que não tenha mazelas, é claro que existem. Daí que estão sendo descobertas e estão sendo punidas. O Tribunal Superior do Trabalho já fez intervenção em dois tribunais regionais, um na Paraíba e outro em Rondônia. Há inúmeros outros juízes de primeira instância que foram punidos pela Justiça do Trabalho. O problema é que quando você fala em caixa-preta, dá a idéia de que existe alguma coisa errada que está sendo encoberta pelos tribunais. E isso não é verdade. Agora mesmo, teve a Operação Anaconda. Como é que foi possível? Foi porque um juiz deu uma ordem no sentido de autorizar a escuta telefônica, quando se chegou a conclusões estarrecedoras. A reforma do Judiciário tem que sair, nós precisamos. Só que ela está há 12 anos no Congresso Nacional. O que é surpreendente é que nessa convocação extraordinária, em janeiro, o governo tenha lançado a reforma em pauta. Como vai resolver em trinta dias de férias interrompidas de deputados um problema que não foi resolvido em 12 anos?

Quais os interesses da Justiça do Trabalho nessa questão?
Temos interesse em dois aspectos. Primeiro, no Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que é um conselho capaz de vencer a autonomia administrativa dos regionais e exercer uma fiscalização eficiente. E segundo, na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento do Magistrado do Trabalho. Eu estive com o senador José Jorge (PFL-PE), que é o relator no Senado, e pedi que, se fosse feita de maneira fatiada a promulgação da PEC do Judiciário, que esses dois itens fossem contemplados.

O sr. é a favor do controle externo do Judiciário?
Não. Eu sou absolutamente contra o controle externo. O Judiciário no Brasil é um poder de Estado. Diferente da França, por exemplo. Então, se você pode controlar um poder de Estado como o Judiciário, você pode controlar também o Executivo e o Legislativo. E como é que vai ser? Imagine alguém que esteja acima do presidente da República nas ações governamentais. Imagine alguém que esteja acima do Congresso Nacional nas ações parlamentares. Não é possível. Agora, evidentemente, que muita coisa sim o Judiciário tem até dificuldade de administrar. Por exemplo, nós estamos construindo em Brasília um edifício que será a nova sede do TST. Eu sou responsável pessoalmente por todas as despesas. Se amanhã, o Tribunal de Contas disser que há superfaturamento, eu vou ficar tonto com isso, porque eu não sei o preço de um tijolo em Brasília. Então, claro que um juiz não pode administrar uma construção. Agora, controle há. Todo ato que eu assino nessa construção mando para o Tribunal de Contas da União. O que se diz é que não é como o Congresso Nacional, onde o povo controla através do voto. Eu digo que é muito pior, porque se um juiz errar, ele não pode ser candidato de novo. No Congresso, os senadores saem e voltam por eleição. O nosso povo, infelizmente, vota segundo uma preferência que não tem nada a ver com esse tipo de censura moral.

E a remuneração de juízes e ministros? Essa também não é uma questão polêmica?
É muito difícil avaliar o que é justo. Eu diria que você sempre tem de avaliar uma remuneração no serviço público como uma espécie de inter-relatividade. Ela é boa em relação aos outros servidores? É ótima, eu não tenho dúvida. Há servidores ganhando mais do que um juiz? Há. Mas no total da remuneração do servidor, eu acho que a magistratura está bem, com valores razoáveis. A história do teto foi lançada por um projeto de lei que mandava fixar os vencimentos dos magistrados, no tempo de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro mandato. Nunca o Congresso Nacional quis estabelecer esse teto, porque estabelecia também para eles. Nós sempre pedimos porque isso iria resolver de uma vez por todas o problema da magistratura, corrigindo distorções.

Qual o salário de um ministro?
É mais ou menos R$ 12 mil. Ministro do Supremo é mais porque tem um abono, embora esse abono tenha prazo certo para acabar.

Ministro, o sr. se aposenta em abril. Quais seus planos para depois da aposentadoria?
Fico aqui nessa praia. Vou deixar a barba crescer, usar um chapéu de palha, passear. Trago um computador para cá. Vou escrever. Estou lançando um livro, em fevereiro em Brasília, em que falo muito de Natal, de Brasília, de Mossoró, de Areia Branca. Depois, venho lançar aqui.

É um livro de memórias?
Praticamente isso. O título do livro não é muito sugestivo, não sugere bem o que é o teor. O título é Viva Getúlio. Eu combato no livro a subalternidade, seja política, ideológica ou qualquer outra. E me lembrei que, quando eu era menino em Areia Branca, em 1942, fui estudar na Escola Dona Hercília. Lá atrás, no terraço, tinha um papagaio que passava o dia todinho dizendo Viva Getúlio, Viva Getúlio... (risos). Era o tipo da política subalterna da época. Todo mundo rendia homenagem ao ditador. Admiro muito Getúlio, mas não o ditador, e sim o Getúlio que criou a legislação trabalhista, fez a CLT, e que produziu a indústria brasileira.

O sr. pensa em carreira política?
Não. Em 1960, quando me formei pela Faculdade de Direito de Natal, fiz uma opção pela magistratura. Em 61, já estava na magistratura. Fui juiz de Natal, depois do Tribunal Regional de Recife, e em 89, ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Já fiz a minha carreira. Não tenho vocação. Não quero dizer com isso que eu não gosto da política. Acho uma carreira nobre, quando bem exercida. Uma das inúmeras personalidades que eu tenho como grandes políticos - perdão se eu puxo a brasa para minha sardinha - é o meu sogro, um político honesto, Djalma Marinho, autor daquela frase famosa: Ao rei tudo, menos a honra. Mas não me sinto vocacionado para política.

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