Falta no país uma cultura de combate à lavagem de dinheiro, avalia juiz

"Temos quase que um medo de aplicar a Lei de Lavagem. A preservação de sigilos e direitos ainda é um dogma entre nós".

Fonte: Notícias do Superior Tribunal de Justiça

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"Temos quase que um medo de aplicar a Lei de Lavagem. A preservação de sigilos e direitos ainda é um dogma entre nós". A afirmação é do juiz federal Flávio Oliveira Lucas, da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, em palestra proferida ontem (26) no encerramento do Encontro Nacional sobre o Combate e a Prevenção à Lavagem de Dinheiro, no auditório do Conselho da Justiça Federal (CJF). Falando sobre os problemas nos processos que envolvem os crimes de lavagem, Lucas admitiu que falta aos operadores do Direito uma cultura no combate a esse crime. "Observamos um exagero na proteção dos sigilos, um receio de detectar os casos de lavagem".

Para ele, um caso que aconteceu no Rio de Janeiro é emblemático. Duas mulheres vindas de Angola desembarcaram no aeroporto do Galeão portando duas malas, cada uma contendo US$ 500 mil. Na alfândega, elas foram apreendidas e a Polícia Federal foi chamada. As angolanas foram presas em flagrante, por terem praticado o crime de falsidade ideológica, uma vez que não haviam declarado esses valores ao embarcarem. "Elas ficaram presas por esse crime, que não tem uma gravidade muito grande", ressalta Lucas. Somente no final do processo criminal, quando a sentença ia ser prolatada, um procurador identificou no processo o crime de lavagem, e pediu o indiciamento das mulheres por esse delito. "A par da carência de instrumentos de efetiva repressão, falta a nós, operadores do Direito, a mentalidade de que devemos tornar prática a Lei de Lavagem", afirma o juiz.

Uma dificuldade assinalada por ele é a falta de comunicação e de colaboração entre os órgãos envolvidos no combate à lavagem. "Não podemos estar desunidos enquanto o crime organizado está unido. Temos de superar nossas desconfianças mútuas", diz Lucas. Ele acentua, ainda, que a necessidade de cooperação permanente entre os organismos não deve se restringir ao âmbito interno. "Se impusermos obstáculos sob o escudo da soberania nacional, não teremos cooperação mútua e não conseguiremos combater esse delito que tem caráter transnacional".

Os programas de proteção a testemunhas, na visão do juiz, também devem ser aprimorados. "O grande ponto fraco da organização criminosa é o delator, e ele não irá delatar se não tiver garantias de uma efetiva proteção", observa. Outro ponto que deve ser avaliado, no entender do juiz, é a flexibilização do sigilo. "O direito constitucional de proteção ao sigilo não pode ter o objetivo de proteger a criminalidade".

Para Lucas, o artigo 1° da Lei n. 9.613/98 (Lei da Lavagem), que enumera os crimes antecedentes ao de lavagem, omite alguns delitos importantes, como por exemplo o de sonegação tributária. Ele explica que o legislador entendeu que somente poderiam ser incluídos aqueles crimes que promovessem aumento patrimonial do criminoso, o que não é o caso da sonegação, cuja conseqüência é apenas o não-recolhimento de dinheiro aos cofres públicos. Conforme o juiz, também poderia ser incluído como antecedente o crime de tráficos de mulheres, que movimenta muito dinheiro. "A estimativa é de que 5% do PIB mundial, que correspondem a mais ou menos US$ 1 trilhão, seja de origem criminosa", informa o juiz.

Uma questão controversa, para ele, são os problemas de ordem probatória nos processos envolvendo a lavagem. Como é um crime que pressupõe a prática de um delito anterior, este último tem de compor o tipo objetivo do crime de lavagem e deve ser objeto de prova. "A Lei de Lavagem não exige prova, mas apenas indícios da materialidade do crime de lavagem, o que já é um avanço", comenta Lucas. Mas, na sentença, ele ressalva, já é necessário haver a certeza da materialidade, e muitas vezes o delito antecedente foi cometido em outro país e somente a lavagem aconteceu no Brasil. Neste caso, é muito difícil exigir a prova da materialidade. "Na minha opinião, devemos exigir apenas a certeza de que o dinheiro é fruto do tráfico", afirma.

Lucas apontou a pesquisa "Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro", realizada em 2001 pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, como um início da discussão sobre a problemática concreta dos processos. No estudo, foram realizadas entrevistas com uma amostra de juízes federais e procuradores federais que atuam na esfera criminal e de delegados da Polícia Federal, para detectar as razões pelas quais as condenações pelo crime de lavagem eram muito poucas. As categorias pesquisadas apontaram três dificuldades básicas no combate à lavagem de dinheiro: questões processuais e probatórias, de recursos humanos e de ordem estrutural.

O Encontro foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, em parceria com o Ministério da Justiça, e reuniu juízes federais das varas especializadas em lavagem de dinheiro, procuradores federais, policiais federais e outros interessados no tema.

Roberta Bastos
imprensa@cjf.gov.br

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