Ex-procurador muda ações para questionar Carf

Para o ex-procurador, advogados que compõem tribunais administrativos como julgadores cometem infração ética

Fonte: Agência Brasil

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Depois de ser derrotado em mais de 30 ações populares, o ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel ajustou o foco para atacar decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Nas três ações populares ajuizadas na semana passada contra decisões que cassaram autuações fiscais em temas relativos à Fazenda, Rangel deixou de atacar o mérito e passou a questionar a composição da turma julgadora, composta por integrantes da Receita Federal e por advogados, que representam o contribuinte.


Em 2012, Rangel havia ajuizado 59 ações populares questionando acórdãos que não reconheciam as dívidas tributárias. O argumento era que como o Carf é um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, a União foi omissa em seu papel de arrecadar. Como essa tese não vingou, a estratégia agora é outra: Rangel se concentra em três casos e afirma que as decisões que “liberaram” Camargo Corrêa, Santander e Banco Gmac de pagar tributos que a Receita entendeu devidos foram ilegais porque o colegiado que tomou as decisões era composto também por advogados militantes. E pede que o MP conste da ação na condição de fiscal da lei, ou custus legis.


Nos dias 11 e 12 de agosto, Renato Rangel ajuizou ações contra decisões do Carf que anularam autuações fiscais ao banco Santander, ao banco Gmac e à Camargo Corrêa. As três decisões trataram de temas elencados pela Fazenda como primordiais. O banco Santander tinha questionado o uso do ágio da compra do Banespa para abatimento de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. O caso do banco Gmac tratava de ágio interno: durante uma reestruturação societária, a companhia usou de ágio da compra de empresas dentro do mesmo grupo para abatimento de IRPJ e CSLL. A decisão da Camargo Corrêa negou o argumento da Receita de que a empresa fez a chamada DDL, sigla para Distribuição Disfarçada de Lucro.


Para o ex-procurador, advogados que compõem tribunais administrativos como julgadores cometem infração ética. Cita o artigo 28, inciso II, do Estatuto da OAB, segundo o qual a advocacia é incompatível com as atividades de membros do Judicário e do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, “bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta”.


Rangel argumenta que o fato de um dos julgadores ser advogado atuante é condição para “o reconhecimento da nulidade do processo administrativo em questão, a invalidar a decisão proferida no tribunal administrativo (Carf), restaurando-se, na íntegra, o correto lançamento ultimado pela autoridade fiscal”. A atuação de advogado em tribunal administrativo, na visão do advogado e ex-procurador da Fazenda, também se enquadra no artigo 321 do Código Penal, que define a advocacia administrativa.


O Carf é o órgão do Ministério da Fazenda destinado a discutir impugnações a autuações fiscais da Receita. É quem dá a última palavra administrativa sobre a existência, ou não, de uma dívida tributária.


Inscrição na Ordem


Nos pedidos feitos nos dias 11 e 12 de agosto, Rangel afirma que os membros do Carf deveriam suspender suas inscrições na Ordem, para que não atuem mais como advogados. No dia 6 de agosto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil havia decidido que a participação de advogados em tribunais administrativos como o Carf e os tribunais de impostos e taxas estaduais não exige que eles suspendam suas inscrições. Ou seja, julgadores do Carf podem advogar.


Renato Rangel questiona essa decisão. Afirma que ela se baseou em decisão do Supremo Tribunal Federal de 1994 que autorizou advogados membros de tribunais eleitorais a continuar advogando, desde que não o façam em matéria eleitoral. Portanto, continua o ex-procurador, “resta menoscabada a imparcialidade e impessoalidade do órgão, sendo imperiosa a procedência da presente demanda para anular a decisão ultimada por colegiado viciado, restabelecendo na íntegra o lançamento fiscal”.


Jurisprudência


A decisão do Conselho Federal da OAB foi tomada depois de consulta feita pelo Movimento de Defesa da Advocacia (MDA). A entidade buscou orientação depois de o Tribunal de Justiça de São Paulo anular, por dezenas de vezes, decisões do Tribunal de Impostos e Taxas do estado, a versão estadual do Carf, justamente porque o colegiado era composto por advogados militantes.


O documento enviado pelo MDA ao Conselho Federal da OAB lista quase 20 decisões do TJ. O exemplo citado é um Agravo de Instrumento pelo desembargador Rui Stoco que conclui que o advogado que tem sua inscrição na Ordem ativa só pode advogar e, portanto, o advogado que faz parte do TIT como julgador não pode advogar.


E é justamente esse exemplo o citado por Renato Rangel em suas ações populares. Ele também lista os mesmos diversos acórdãos do TJ de São Paulo listados pelo MDA em sua consulta à OAB.


Histórico


Renato Chagas Rangel já havia ajuizado, em agosto de 2012, outras 59 ações populares com a mesma intenção: cassar acórdãos do Carf que entenderam não serem devidos os tributos alegados pela Receita Federal. Mas, naquelas ações, afirmava que, como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda e tinha “liberado” empresas de pagar dívidas fiscais, a União havia sido omissa em seu papel arrecadador, prejudicando o erário.


Praticamente todas as ações foram derrubadas. Decisões da Justiça Federal do Distrito Federal consideraram a demanda “absurda” e a chamaram de “aventura jurídica”. A argumentação de todas as sentenças foi de que não cabe ação popular para questionar o mérito de decisões administrativas, pois elas são a voz da administração pública. E se a própria administração, maior interessada no tributo, disse que ele não é devido, não se pode questionar essa voz no Judiciário. Caberia ação popular se fosse alegada alguma ilegalidade na decisão, como corrupção de um dos vogais do acórdão ou suborno.


O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no único recurso que julgou, manteve a decisão da sentença e reiterou o entendimento de que a ação popular, por mais que sirva para reclamar de danos ao patrimônio público, não pode discutir o mérito de decisões administrativas.


Nas ações populares de agosto, Rangel pedia para que fossem incluídos os conselheiros no polo passivo, só que a tese não vingou. Em parecer, o Ministério Público afirmou que os membros do Carf não poderiam aparecer como passivos nas ações, pois suas decisões foram tomadas como parte de sua função descrita em lei. E aí Rangel emendou as iniciais para pedir a exclusão dos conselheiros da ação. Ou seja, o MP foi o responsável por sanar as falhas das ações populares.


Processo nº 01946471-72.2012.8.26.0000

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