É injusto julgamento que não permite divergência

Um julgamento que não permite a livre expressão da divergência simplesmente não é justo

Fonte: Folha de São Paulo

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A intolerância em relação a opiniões diferentes não honra a história do Supremo Tribunal Federal.


Tradicionalmente, o Supremo é o lugar onde a justiça se forma pelo contraponto das opiniões de ministros, que detêm notável saber jurídico. Causa-nos preocupação nova tentativa de cercear a troca de ideias.


Convém lembrar dois conceitos. Os embargos declaratórios, segundo consagrados professores da USP, com a evolução do processo penal brasileiro, deixaram de "constituir pedido de reconsideração, vindo a se transformar em verdadeiro recurso". É pacífico que, conquanto não se prestem à rediscussão da causa (o que é reservado aos infringentes), podem alterar o mérito da decisão, desde que haja ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.


O sistema é lógico: não é natural que haja um novo julgamento na análise dos declaratórios, mas também não se pode perpetuar uma contradição que gere um erro ou uma injustiça.


Se isso vale para qualquer tribunal, no Supremo é ainda mais grave porque a injustiça será literalmente perpetuada, já que alguns temas não serão rediscutidos, nem mesmo se admitidos os infringentes. O Supremo decide sobre a liberdade das pessoas em única e última instância.


Por outro lado, chicana, segundo o Aurélio, significa "tramoia; enredo em questões judiciais; ardil; sofisma; contestação capciosa". É uma acusação grave, qualquer que seja o sentido empregado, máxime quando dirigida a um ministro.


Por isso, o incidente ocorrido na última sessão causou espanto. Não se tratou de mais um mero "bate-boca". Ao examinar uma contradição, o ministro Ricardo Lewandowski foi atacado gratuita e injustamente apenas por exprimir uma opinião divergente sobre questão jurídica estritamente técnica.


E, logicamente, não se discute contradição sem analisar o que foi julgado. Não houve discussão nem "bate-boca". Houve um excesso verbal, seguido de um pedido de retratação. No dia anterior, o alvo fora o ministro José Antonio Dias Toffoli.


A "lógica" é a seguinte: quem considera um argumento da defesa é chicaneiro, quer retardar o julgamento, eternizar a discussão e não quer fazer um trabalho sério, em flagrante desrespeito à Suprema Corte.


Se o raciocínio fosse válido, não existiria razão para a previsão legal desse recurso. Afinal, ele só pode ser analisado se houver condições para o debate. Caso contrário, o ponto de vista dos réus seria absolutamente irrelevante, o que não é compatível com um dos fundamentos da Constituição brasileira, o direito ao devido processo legal.


Quem quiser analisar serenamente a defesa, cumprindo seu papel de magistrado, não pode ser desqualificado como inimigo da sociedade. A liturgia republicana não comporta esse tipo de excesso.


O papel institucional da presidência é favorecer, não inibir, o diálogo. É garantir ao plenário condições de deliberar de maneira refletida e calma. Não impor uma posição pessoal, mas possibilitar que a maioria seja atingida, respeitada a divergência.


Um julgamento que procura eliminar o dissenso é injusto por excelência. A sociedade brasileira não pode concordar com a tentativa de calar um juiz, pois a democracia é, para nós, uma conquista definitiva.


Entre as instituições brasileiras, é no Supremo que historicamente se realizou com maior vigor a ideia de tolerância expressa na famosa advertência atribuída a Voltaire.


Pode-se não concordar com nada do que uma pessoa diz, mas deve-se defender até o último instante o direito fundamental que ela tem de exprimir livremente a sua opinião. No Estado democrático de Direito, ao menos, costuma ser assim.

Palavras-chave: injusto julgamento permissão divergência livre expressão

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5 Comentários

carlos roberto silveira silveira@seevissp.org.br19/08/2013 20:54 Responder

olha a questao nao é divergir , e sim nao enrolar o processo, no julgamento dos arrizeiros o min marco aurelio , leu por nove hora para dizer sim ou nao foi 190 paginas, isto é buriocratizar, depois o rcardo min , esta levando as coisas no banho mari, o brasil , nao precisa disto ou deste tipo de enrolacao

Valmir Costa bacharelando em Direito 20/08/2013 16:11

Eu sempre tive a convicção que a transmissão ao vivo das sessões das instituições políticas (Congresso, STF, etc) foi concebida para dar visibilidade, notoriedade à políticos, ministros, etc. não tendo eles contados com o imprevisível. Devido transmissão ao vivo, presenciamos o JB, dirigindo-se ao GM falando sobre \\\"seus capangas\\\"..e por aí vai. Hoje me deparei com artigo do cientista político da USP, Sr. Celso Roma em artigo intitulado: \\\"Suprema Corte Americana é um mundo secreto e a brasileira é um reality-shou\\\". -Estadão, política, 19.08.2013. Aí está a chave do vendaval.

Elisa A Advogada19/08/2013 21:35 Responder

Concordo plenamente com o Carlos Roberto Silveira. O julgamento da AP 470, vulgo Mensalão, está se tornando uma \\\"brincadeirinha\\\" de muito mau gosto para todos os brasileiros de bem. O Presidente JB se exaspera com tanta enrolação. O Ministro Ricardo Lewandowski, um dos favoritos do PT, fala bonitinho mas nada diz. Que dá raiva, ah! isso dá. Ainda bem que o ilustre Presidente Joaquim Batista tem a devida coragem para escorraçar. Tempo sobrando demais, e tempo é dinheiro.Dinheiro do povo. Os condenados já deveriam estar na cadeia.

Carlos Alberto Diniz Bacharel em Direito19/08/2013 21:43 Responder

Muita calma nesta hora! O direito de divergir é garantido pela nossa Constituição Cidadã e, por outro lado, como se pode falar com este grosseiro desrespeito de um dos mais importantes juristas de nosso País? O Ministro Lewandowski merece o respeito de todos os cidadãos brasileiros por sua tremenda contribuição ao Direito Brasileiro: se não fosse essa condição como seria Ministro do STF (ao igual que o Ministro Barbosa)? Com a palavra os detratores do Ministro e da Constituição Federal!

Carlos Alberto Diniz Bacharel em Direito19/08/2013 21:54 Responder

Em tempo: Senhor C.R. Silveira e Sra. Elisa A., por que não pedem vocês a mesma firmeza e convicção do Ministro Barbosa e do Sr. Gurgel para o julgamento do caso denominado de \\\"mensalão mineiro\\\", o qual foi anterior ao tal \\\"mensalão\\\" aqui mencionado? Vale dizer que o tal \\\"valerioduto\\\" começou em gestões do PSDB mineiro, assim como a corrupção nos Correios começou durante a gestão do Presidente F.H. Cardozo e denunciada durante a gestão do Presidente posterior. Que é que há? Esta política dos dois pesos e duas medidas já está enchendo! Olhem para a formação de cartel para metro e ferrovias paulistas com o beneplácito de servidores públicos paulistas dos governos de Covas, Alckmin e José Serra. Tenham coerência e achem de algum modo um jeito de julgar com parcimônia, imparcialidade e muita Justiça.

Fernando Lima Contador20/08/2013 15:11 Responder

Tudo indica que o Sr. Carlos Alberto Diniz é Petista de Carteirinha e presente ou futuro defensor da \\\"classe criminosa\\\", só falta dizer que o Sr. José Dirceu e a cambada não tem nada a haver com o mensalão. Dá um tempo ó Bacharel, cada caso é um caso, não concordo com falcatruas de quem qualquer que seja porem, usar papel higiênico \\\"usado\\\" para abafar outra \\\"m\\\" não tem sentido. Suas palavras \\\"Tenham coerência e achem de algum modo um jeito de julgar com parcimônia, imparcialidade e muita justiça\\\" faça isso, pois ao meu ver o seu julgamento da cambada do PSDB já tem como decisão a pena de morte.

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