Direito e Meio Ambiente: A atuação do Ministério Público em defesa de um interesse metaindividual

João Gabriel Lopes é estudante de Direito da UnB - Universidade de Brasília.

Fonte: Joao Gabriel Pimentel Lopes

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João Gabriel Lopes ( * )

1. Introdução

Nos últimos anos, temos presenciado a ocorrência cada vez mais freqüente de fenômenos ambientais desagradáveis, que anunciam uma tragédia global preparada pelos seres humanos. A expansão das atividades econômicas no decorrer dos últimos três séculos, ocorrida de uma maneira descontrolada, irracional e ambiciosa, tem sido apontada como grande vilã do meio ambiente.

Entretanto, a questão não se resume a essa análise superficial - e puramente material - dos fatos que se sucedem desde o século XVIII. Por trás da cortina trágica que se afigura, existe uma concepção epistemológica resultante de um processo histórico que toma por base o individualismo estrutural da sociedade moderna. Esses dois fatores unidos darão o viés subjetivo da abordagem que aqui proponho.

O foco a que quero chegar, entretanto, foge ao caráter puramente ambiental ou histórico. Meu ensejo maior é de natureza jurídica - consiste numa explanação sobre o modo como os instrumentos jurídicos se institucionalizaram para atender a demandas (como as ambientais) chamadas de metaindividuais, aquelas cujo alvo não mais reside no ser humano enquanto indivíduo, mas enquanto homem socialmente organizado. Referem-se, portanto, ao âmbito da coletividade e foram se estruturando aos poucos, evidenciando-se mais propriamente na última metade do século XX.

A metodologia de abordagem do presente trabalho funda-se, pois, na evolução dialética da humanidade ao longo dos séculos recentes no tocante a questões que se sustentam no âmbito da individualidade e da coletividade. O diálogo entre essas partes e as estruturas que resultam desse diálogo são objetos diretos do estudo jurídico e corroboram para uma perspectiva global do direito.

2. Do individualismo ao retorno dialético da coletividade

Com o advento da era do capital, expressa sobretudo a partir do século XVIII, com a instauração do processo de industrialização na Europa, ficou claro que todo o conhecimento anterior àquele período necessitava ser revisto.

A ética cristã, que pregava a solidariedade de todos, rebaixava a atividade comercial, repugnava o trabalho e exaltava o bem social como fim último de uma ordem - escondendo seus verdadeiros objetivos de manutenção do velho sistema de dominação e subjugação do chamado Tereceiro Estado -, tornava-se ultrapassada. A burguesia ganhava poder econômico e se firmava como classe de influência, apoiada em uma rígida base popular que sonhava com a libertação das forças que lhe oprimiam. Em estudos de sociedades, entretanto, sabe-se que quando uma sociedade se vê à frente dos conceitos de seu tempo deflagra-se uma crise de personalidade. As pessoas são, então, levadas a um comportamento intimista, que as faz refletir sobre sua existência e sobre os mecanismos funcionais da vida em sociedade.

Dessa reflexão surge um dos períodos mais criativos da mente humana. Desde a ética de Calvino até o pensamento racional-empirista do Iluminismo, tudo foi feito para se repensar a posição do homem. Conduzidos pelos interesses de uma nova classe dominante que se firmava - a burguesia -, todo esse pensamento convergiu para uma importância maior dedicada ao indivíduo, ao que toca a sua personalidade. As ciências se desgrudavam dos pés de Deus. O ser humano passou a ser o seu próprio centro, perdendo-se de vista aquela velha imagem dos "filhos de Deus", irmãos que deveriam trabalhar para o bem do próximo.

A nova mentalidade, em rigorosa conformação com a realidade socioeconômica da época, não foi, porém, acompanhada de pronto pelo direito. Este somente no século XIX, quando toda a ciência natural já estava consolidada dentro dos novos padrões, veio a se desenvolver como instrumento do indivíduo para usufruto próprio.

Nem bem se firmou essa concepção, e logo surgiu outra necessidade de revisão. Embora ainda haja dúvidas na Sociologia Jurídica sobre as motivações históricas dessa revisão, podem-se apontar fatores que desembocaram, na segunda metade do século XX, numa análise da atuação do fenômeno jurídico e na proposição de novas formas de se pensar o direito. É bem provável que a divisão em grupos estabelecida pela economia moderna tenha sido a causa principal disso, pois gerou conflitos que muito embora sejam trabalhados pelos códigos como individuais, ganharam contornos coletivos quando se olharam as feições sociais e se promoveram os debates entre os grupos - daí seu caráter dialético.

Essa nova onda de coletividade sensibilizou as pessoas para problemas que eram eminentes na sociedade pós-Segunda Guerra. É nesse contexto que surge a ONU como defensora dos direitos humanos, em 1945. É daí que provém, também, toda a preocupação com as questões relativas à paz mundial - sobretudo no período da Guerra Fria. Uma questão que não pode deixar de ser tratada, ainda mais pelo enfoque que ganhou nos últimos meses, é a do meio ambiente. No caso do Brasil, é interessante notar o processo de institucionalização que a defesa dos direitos ambientais ganhou após o retorno do regime democrático na década de 1980.

3. A atuação do Ministério Público na defesa dos direitos ambientais - Ministério Público e a luta pelo meio ambiente

Nas décadas de 1970 e 1980, o mundo vivia uma verdadeira efervescência de coletividade. Os protestos contra as guerras, os concertos de rock, a clemência por um fim na Guerra Fria e todos os conflitos dela advindos eram expressões dessa efervescência. No Brasil, saía-se de um regime autoritário que não via com bons olhos as reuniões de grupos e desarticulara por métodos diversos - exílio, torturas, prisões - os resistentes que insistiam em pensar por um país.

A volta da democracia fez surgir, com intensidade poucas vezes vista em nossa história, um sentimento coletivo ímpar. E esse sentimento acabou por influenciar a elaboração da Constituição de 1988. Há nela um mecanismo de proteção desses direitos coletivos - o Ministério Público.

A instituição surge na nossa história com o Código de Processo Criminal de 1832, que lhe atribuía somente uma função de promover a ação penal. Já na República, na Constituição de 1891 o MP é subjugado ao Executivo, adquirindo a função de defender os interesses da União. Embora com o tempo tenha adquirido novos poderes que auxiliaram no crescimento da importância da instituição, somente em 1988 se consolidou como órgão independente dos três poderes constitucionais.

A instituição adquire autonomia e se consolida não como um "quarto poder", como vem sendo difundido, mas como um supervisor dos três poderes e um meio da coletividade de ter acesso a eles.

Identifica-se muito claramente no Ministério Público brasileiro a função de ombudsman, instituição surgida na Suécia, ainda no século XIX, que é um mecanismo de apresentação de queixas da população junto à administração pública.

No que e refere ao direito ambiental, tem sido imprescindível a atuação do MP na sua atribuição constitucional de "promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e dos outros interesses difusos e coletivos" (grifos meus). O meio ambiente, enquanto direito metaindividual, indivisível e cujo, titulado por pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato, configura-se como interesse difuso.

O Ministério Público ganha, desse modo, importância imensurável devido à verdadeira revolução epistemológica que o direito ambiental provocou nos meios jurídicos. Esse ramo do direito colocou em xeque uma consolidada dogmática legislativa, pois a partir do momento em que a Constituição admite que a preservação do meio ambiente é função direta do bem-estar, da cidadania e da dignidade do indivíduo, caracterizando esse direito como indisponível, o agente do MP adquire uma função de ruptura. Rompe ele com todo um sistema juspositivista que prega a simples aplicação da norma. O promotor de justiça deixa de ser um mero reprodutor de leis penais para se tornar um verdadeiro protetor de valores, escondidos sob a máscara dos tais "direitos indisponíveis".

Não se pode, entretanto, num disparate naturalista, dizer que o direito ambiental se restringe a esses valores. Tanto não se restringe que cabem sanções penais, promovidas pelo Ministério Público, contra aqueles que agredirem o meio ambiente, conforme positivado na Lei 6.938/81, precursora da ação civil pública (outra atribuição do MP, tema para uma abordagem específica, mas que, resumidamente, consiste no instrumento jurídico de defesa dos interesses difusos e coletivos) e pioneira do tipo no ordenamento brasileiro.

4. Conclusão

Pôde-se perceber, ao longo deste artigo, como o processo de construção do saber jurídico de dá historicamente e de maneira dialética, como está implícito em diversas passagens deste discurso, seja no debate entre individualismo e holismo (coletividade), ou entre direito positivo e moral. O que não se deve, todavia, é incorrer no círculo vicioso que, talvez por influência da dialética marxista, costuma prender alguns pensadores a um pensamento de natureza estrutural. Não quero, com isso, propor que o marxismo é inválido para compreender os fenômenos jurídicos (por extensão, sociais). A questão é que o próprio marxismo merece um pensamento dialético com a política, a antropologia, as ciências ambientais, entre tantas outras áreas que são permeadas pelo saber jurídico.

Em um foco mais específico, porém, o que quis evidenciar foi o modo como um desses campos invadidos pelo direito - o meio-ambiente - foi importante para a consolidação de uma estrutura jurídica imprescindível ao funcionamento e à legitimidade do corpo funcional da administração pública no Brasil. E, para além disso, como a atuação do Ministério Público tem gerado mudanças no próprio pensamento jurídico brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

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Notas:

* João Gabriel Lopes é estudante de Direito da UnB - Universidade de Brasília. [ Voltar ]

Palavras-chave: Meio Ambiente

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2 Comentários

Luiz de Carvalho Ramos Advogado15/02/2008 0:16 Responder

Acadêmico de Direito João Gabriel Lopes, muito nos impressionou a sua manifestação sedimentada derredor de tema tão discutido nos dias de hoje, quando o nosso planeta se encontra como alvo de tantas agressões aos ecossistemas, implicando em malefícios importantes que criam óbices à sua destinação. O Ministério Público tem cumprido com o seu dever. Ainda bem que o temos. Continue a nos brindar com a expressão do seu pensamento.

04/08/2008 16:59 Responder

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