Decreto sobre trabalho escravo no Brasil pode levar a 'retrocessos lamentáveis', diz OIT

Entidade ligada à ONU alertou que portaria do governo pode enfraquecer a fiscalização e interromper a trajetória do Brasil no combate à escravidão.

Fonte: G1

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) criticou oficialmente nesta quinta-feira (19) as mudanças na definição e fiscalização contra o trabalho escravo no Brasil. A medida foi publicada este mês por uma portaria do Ministério do Trabalho.


Em nota oficial, a entidade ligada às Nações Unidas declarou que a mudança poderá provocar "retrocessos lamentáveis" e "interromper a trajetória de sucesso do Brasil no combate ao trabalho escravo".


Segundo a OIT, a medida que muda o conceito dessa violação pode "limitar e enfraquecer ações de fiscalização". “Seria lamentável ver o país recuar com relação aos instrumentos já estabelecidos, sem substitui-los ou complementá-los por outros que tenham o objetivo de trazer ainda mais proteção aos trabalhadores e trabalhadoras”.


A entidade alertou, também, que a mudança poderá causar o “aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada”.


Na avaliação da OIT, modificações na noção de trabalho análogo à escravidão "devem ser feitas a partir de um amplo debate democrático". "Caso contrário, revisões podem resultar em conceitos que não caracterizam adequadamente a escravidão contemporânea", informou no comunicado.


A mudança também coloca em risco, segundo a OIT, o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), um conjunto de metas assumidas pelo país e os outros 192 Estados-membros das Nações Unidas.


Lista suja


O órgão da ONU também criticou a mudança que dá ao ministro o poder de inclusão de empresas na chamada "lista suja", que engloba aqueles que desrespeitam os direitos trabalhistas. “É fundamental que a definição da lista seja um ato técnico e isento, oriundo dos profissionais de fiscalização que possuem conhecimento dos fatos encontrados”, afirmou a OIT.


Na segunda-feira, Antônio Rosa, representante da entidade em Brasília e coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no país, disse que com o decreto o Brasil deixou de ser referência no combate à escravidão na comunidade internacional.


Definição


A portaria altera os conceitos que devem ser usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho escravo. Até então, os fiscais usavam conceitos da OIT e do código penal.


De acordo com a portaria, será considerado trabalho análogo à escravidão:


- a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;


- o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;


- a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;


- a retenção de documentação pessoal com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.


Confira a nota na íntegra abaixo:


Vinte anos de trajetória no combate à escravidão contemporânea tornaram o Brasil uma referência mundial no tema. Instrumentos e mecanismos foram criados para lidar com a gravidade e complexidade do problema: Comissões Nacional e estaduais, “Lista Suja”, Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, Pacto Nacional, indenizações por danos morais coletivos e uma definição conceitual de trabalho escravo moderna e alinhada às Convenções internacionais da OIT n. 29 e 105. Essas conquistas foram reiteradamente reconhecidas pela comunidade internacional e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como exemplos de boas práticas, tendo sido inclusive objetos de intercâmbio de experiências em ações de Cooperação Sul-Sul. Além disso, é importante ressaltar que a atitude proativa e transparente do Brasil tem sido um elemento importante para as relações de comércio exterior.


No entanto, com a edição da Portaria n. 1129, de 13/10/2017, o Brasil corre o risco de interromper essa trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo. Os eventuais desdobramentos desta Portaria poderão ser objeto de análise pelo Comitê de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada. Além disso, a OIT também lamenta o aumento do risco de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU não sejam alcançados no Brasil, no que se refere à erradicação do trabalho análogo ao de escravo.


Algumas recomendações feitas pelo Comitê de Peritos da OIT ao governo brasileiro, por meio de seu Relatório Anual publicado em 2016, são base para essa nota e para o reforço da disposição da OIT em apoiar o país no crescimento econômico com justiça social.


•Com relação ao conceito de trabalho escravo, o Comitê recomendou que uma eventual alteração não se constituísse como um obstáculo, na prática, às ações tomadas pelas autoridades competentes para identificar e proteger as vítimas de todas as situações de trabalho forçado, bem como à imposição de penalidades aos perpetradores do crime. O Comitê encorajou o governo brasileiro a consultar as autoridades mais envolvidas na temática, em particular a auditoria fiscal do trabalho, o Ministério Público e a Justiça Trabalhista, na discussão sobre uma possível alteração do conceito. Modificar ou limitar o conceito de submeter uma pessoa a situação análoga à de escravo sem um amplo debate democrático sobre o assunto pode resultar num novo conceito que não caracterize de fato a escravidão contemporânea, diminuindo a efetividade das forças de inspeção e colocando um número muito elevado de pessoas, exploradas e violadas na sua dignidade, em uma posição de desproteção, contribuindo inclusive para o aumento da pobreza em várias regiões do país.

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