Contratação temporária de excepcional interesse público. Não caracterização. Nulidade da contratação. Efeitos.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho - TRT17ªR.

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ACÓRDÃO - TRT 17ª Região - 01836.2006.101.17.00.7

RECURSO ORDINÁRIO

Recorrente: Município de Ibatiba

Recorrido: Gecinete Pimentel de Carvalho

Origem: VARA DO TRABALHO DE AFONSO CLÁUDIO ? ES

Relator: JUIZ JOSÉ CARLOS RIZK

Revisor: JUIZ GERSON FERNANDO DA SYLVEIRA NOVAIS

EMENTA

CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. EFEITOS. A Constituição da República exige para a investidura em cargo ou emprego público prévia aprovação em concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II, excepcionadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e a contratação temporária de excepcional interesse público, esta nos moldes do inciso IX, do mesmo artigo. É inconteste a nulidade da contratação da autora no presente feito, seja pela não submissão a regular concurso público, seja por não haver sido comprovada a alegada necessidade temporária de excepcional interesse público. Todavia, a nulidade da contratação não afasta a condenação do Município réu ao pagamento do FGTS. Aplicação da Súmula nº 363 do TST.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO, sendo partes as acima citadas.

1. RELATÓRIO

Trata-se de recurso ordinário interposto pelo Município de Ibatiba contra a r. sentença de fls. 37/44 que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais formulados por Gecinete Pimentel de Carvalho.

Em suas razões recursais de fls. 46/54 o reclamado alega que o contrato firmado não é nulo, pois realizado com base no regime jurídico único dos servidores públicos civis do Município de Ibatiba (Lei Municipal nº 112/1990), que autoriza a contratação de servidores sem concurso público "para atender as necessidades temporárias de excepcional interesse público". Assevera que a Reclamante não provou a inobservância dos requisitos previstos nos arts 1º e 2º da mencionada lei. Alega que agiu com respaldo no princípio da autonomia dos Municípios, nos moldes previstos nos artigos 39, 169, 30, incisos I e V, da Lei Maior. Afirma que o regime jurídico estatutário não se coaduna com o recolhimento do FGTS.

Contra-razões às fls. 58/65 pela manutenção da sentença.

Parecer do d. Ministério Público às fls. 70/71 na qual o Parquet argüi a prescrição bienal eis que ajuizada a reclamação trabalhista quando já transcorridos dois anos da extinção do contrato temporário. Requer, ainda, seja expedido ofício ao Sr. Prefeito Municipal de Ibatiba, à OAB/ES e ao Tribunal de Contas para que tomem ciência de que o d. causídico que subscreve o apelo não arguiu a prescrição em favor do Município, colocando em risco o patrimônio público.

É o relatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 CONHECIMENTO

Conhece-se do recurso eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Não há remessa necessária pois o valor da condenação foi de R$1.722,80, inferior, pois aos 60 salários mínimos indicado no parágrafo segundo do artigo 475, do CPC. Inteligência da Súmula 303 do C. TST.

2.1.1 CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO ARGÜÍDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O douto Ministério Público em seu parecer de fls. 70/71 da lavra do i. Dr. Carlos Henrique Bezerra Leite, oficia pelo conhecimento e provimento do apelo voluntário, para decretar a prescrição bienal extintiva pelo Parquet argüída.

Data vênia não se entende ser cabível essa argüição pelo Ministério Público.

Explica-se.

O tema registra posições divergentes nos regionais pátrios, mas o C. TST, reiteradas vezes, decidiu no mesmo sentido exposto na Orientação Jurisprudencial nº 130 da SDI 1:

"PRESCRIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ARGÜiÇÃO. CUSTOS LEGIS. ILEGITIMIDADE. Ao exarar o parecer na remessa de oficio, na qualidade de custos legis, o Ministério Público não tem legitimidade para argüir a prescrição em favor de entidade de direito público, em matéria de direito patrimonial (artigos 194 do CC de 2002 e 219, parágrafo quinto, do CPC)".

Nem mesmo a nova redação do artigo 219, parágrafo quinto, do CPC, alterado pela Lei nº 11.280, de 16/02/2006, a qual concede ao juiz a faculdade de declarar de ofício a inexigibilidade do direito trazido à sua apreciação caso verifique a ocorrência da prescrição, é capaz de conceder ao Ministério Público a legitimidade para argüí-la. Continua-se a discutir se mesmo o Juízo poderia de ofício declarar tal prescrição. Adoto o entendimento de não ser possível a declaração de ofício.

Ademais, o Parquet não detém a condição de parte no processo, nem a de representante judicial do Estado (artigo 129, IX, da CF/88), para isso foram criadas a Advocacia Geral da União e as Procuradorias do Estado e dos Municípios.

Além disso, Ministério Público, intervindo como fiscal da lei, pronuncia-se depois das partes e, adotando-se o entendimento de que lhe seria possível argüir prescrição em parecer, na fase recursal, estar-se-ia perpetrando violência ao direito de defesa do autor, exatamente porque não teria como falar após a manifestação ministerial.

Por esses motivos, não se conhece da prejudicial de mérito (prescrição), argüida pelo Ministério Público do Trabalho, por falta de legitimidade recursal.

2.2. MÉRITO

2.2.1. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. NÃO CARACTERIZADA. NULIDADE. EFEITOS. CONTRATOS DE TRABALHO TEMPORÁRIOS SUCESSIVOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 363 DO C. TST.

O Município-Reclamado, ora recorrente, aduz, em síntese, que o contrato firmado não é nulo, pois realizado com base no regime jurídico único dos servidores públicos civis do Município de Ibatiba (Lei Municipal nº 112/1990), que autoriza a contratação de servidores sem concurso público "para atender as necessidades temporárias de excepcional interesse público". Assevera que a Reclamante não provou a inobservância dos requisitos previstos nos arts 1º e 2º da mencionada lei. Alega que agiu com respaldo no princípio da autonomia dos Municípios, nos moldes previstos nos artigos 39, 169, 30, incisos I e V, da Lei Maior. Afirma que o regime jurídico estatutário não se coaduna com o recolhimento do FGTS.

O r. juízo de origem, com fulcro na Súmula 363 do C. TST, condenou o Município a pagar o FGTS devido no período trabalhado, no percentual de 8% ao mês, valendo-se dos fundamentos a seguir transcritos:

"A toda evidência não se insere dentre aquelas justificadoras da contratação sem concurso público (inciso IX do artigo 37 da Carta Magna) a função exercida pela demandante.

Tampouco a prevê a Lei Municipal que, sustenta a defesa, confere lastro à contratação.

Afigura-se, na verdade, cristalinamente, burla ao regime do concurso público.

Celebrado o contrato já vigente a Constituição de 1988, sem observância do concurso público, sobrevém-lhe, inapelavelmente, a pecha da nulidade (par. segundo do artigo 37 da CF/88).

Mas, mesmo a nulidade do ato, em atenção aos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho na ordem econômico-social, na seara trabalhista, há de ser mitigada.

Não há como restituir à obreira as energias já despendidas na prestação dos serviços, e, nada contraprestar-lhe, a par de reduzi-la à condição análoga à de escravo, em violação à literalidade de expressivos princípios constitucionais, contribuiria, ainda para o enriquecimento sem causa do tomador dos serviços, a administração pública, permitindo-se-lhe extrair benefício da própria torpeza.

Solução é, com apoio em construção jurisprudencial das cortes laborais, mitigar os efeitos da nulidade, de modo a por a salvo, além do FGTS (artigo 19-A da Lei 8036/90), tudo o quanto for contraprestacional, o mais, inserindo no âmbito da nulidade.

Inteligência da Súmula nº 363 do Colendo TST".

Vejamos.

Na inicial, a Reclamante aduz que laborou no períodos de 01/06/95 a 31/12/96 e 02/04/01 a 31/12/2004, nas funções de professora, percebendo remuneração mensal no importe de R$ 365,00. Postula o pagamento do FGTS por todo o período laborado.

Pois bem.

Não resta dúvida de que a contratação da Reclamante mostra-se nula, ante a não observância do princípio do concurso público, imperativo para a Administração Pública, nos moldes do artigo 37, inciso II, da Lei das Leis.

Nada obstante, o trabalhador faz jus à remuneração pelos serviços prestados. A uma, porque a relação jurídica efetivamente existiu no mundo fático. A duas, porque a energia laboral desprendida é impossível de se restituir, inviabilizando, pois, o retorno ao status quo ante.

Demais disso, cumpre considerar que os efeitos da declaração da nulidade (que na seara trabalhista operam ex nunc, frise-se) não podem retroagir para prejudicar terceiros de boa-fé.

Se o administrador público, afrontando o comando constitucional, determina a contratação sem observância do concurso, tem-se que o servidor ou empregado contratado nessas condições não está participando da ilegalidade, estando na condição de terceiro de boa-fé.

Logo, em situações como a versada nos presentes autos, em que pese a impossibilidade jurídica de se reconhecer o liame empregatício, constitui medida de justiça social deferir ao obreiro o pagamento das verbas trabalhistas correspondentes aos serviços prestados. Nessa direção, pode-se dizer que no Direito do Trabalho "o nulo produz efeitos", mormente considerando a Logo, em situações como a versada nos presentes autos, em que pese a impossibilidade jurídica de se reconhecer o liame empregatício, constitui medida de justiça social deferir ao obreiro o pagamento das verbas trabalhistas correspondentes aos serviços prestados. Nessa direção, pode-se dizer que no Direito do Trabalho "o nulo produz efeitos", mormente considerando a índole alimentar das verbas trabalhistas.

No caso em exame, não procede o argumento do Município-Recorrente no sentido de estar amparado pela Lei Municipal nº 112, de 1990, que autorizaria o ente público a celebrar "contrato administrativo de prestação de serviços por tempo determinado" (contratos temporários sucessivos acostados às fls. 27/30), para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público (artigo 1º).

Sob um prisma, a própria sucessividade nas contratações de trabalhadores desnatura a natureza jurídica temporária dos contratos.

Lado outro, é manifesto que a situação vertente não se encarta no conceito jurídico de serviços de excepcional interesse público, quais sejam, "os serviços que, por sua natureza tenham características inadiáveis e deles decorram prejuízos à vida, à segurança, à subsistência, à educação, à informação, população, e à continuidade do serviço público".

Isso porque a obreira foi contratada para exercer as funções de professora, mediante sucessivos contratos temporários (cópias às fls. 27/30).

Logo, e considerando que o contrato em análise consumou-se após o advento da Constituição de 1988, inconteste a nulidade da contratação, seja pela ausência de submissão a regular concurso público (artigo 37, inciso II), seja por não comprovada a necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, inciso IX).

Assim, correto o r. juízo a quo ao declarar a nulidade da contratação em observância ao entendimento cristalizado por meio da Súmula nº 363 do C. TST, in verbis:

"A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo artigo 37, II e parágrafo segundo, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS".

Ademais, o artigo 19-A, caput, da Lei nº 8.036, de 1990, expressamente prescreve que:

"É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no artigo 37, parágrafo segundo, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário".

Por outra face, ofende princípio geral de direito o Poder Público, depois de celebrar contrato administrativo ao arrepio da legalidade, princípio basilar da Administração Pública, fazer uso da própria torpeza para se beneficiar, alegando descaber o recolhimento do FGTS na hipótese de adoção de Regime Jurídico Único.

Ninguém desconhece que a contratação desprovida de prévia aprovação em concurso público inviabiliza a inserção do obreiro em tal regime.

Por conseguinte, não há falar em afronta ao princípio da autonomia municipal, mormente quando manifesta a desobediência a comando constitucional.

Mantém-se a r. sentença.

Nega-se provimento.

2.2.2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O Município-Reclamado sustenta que os honorários advocatícios são indevidos, pois ausentes os pressupostos da Lei nº 5.584/1970, nos moldes das Súmulas 219 e 329 do C. TST.

Pois bem.

Na inicial, a Reclamante formulou pedido de assistência judiciária gratuita, apresentando declaração de miserabilidade jurídica à fl. 9.

O r. juízo monocrático deferiu a verba honorária no importe de 10%, ao fundamento de que "negar honorários advocatícios aos não beneficiários de gratuidade de justiça ou que não recorram aos serviços jurídicos dos sindicatos que, afora os grandes centros, são escassos e mesmo inexistentes em muitas regiões do país, é negar ao postulante a recomposição integral do patrimônio lesado, entregando-lhe o Estado apenas parte do direito que ele mesmo reconhece, desde que, é certo, a contratação de advogado pela parte encerra despesas que, de outro modo, não efetuaria".

Correta a r. sentença.

É inegável a relevância das entidades sindicais para o Estado Democrático de Direito, expressamente reconhecida na Constituição da República, a qual estabelece que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas" (artigo 8º, III).

Assim, e em que pese o respeito pelo entendimento cristalizado nas Súmulas 219 e 329 do C. TST, tem-se que a aplicação do princípio da sucumbência (CPC, artigo 20) não se revela incompatível com os postulados desta Justiça Especializada, mormente após o advento da Constituição de 1988, que consagrou a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça como um todo, sem excluir a do Trabalho.

Mantém-se a r. sentença.

Nega-se provimento.

2.2.3. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS SOLICITADA PELO DOUTO PARQUET

O d. Ministério Público do Trabalho requer a expedição de ofícios, com cópia de todo o processo, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo, para que adotem as medidas pertinentes, por vislumbrar indícios de improbidade administrativa na contratação do obreiro (fls. 70/71).

Defere-se a expedição de ofícios, conforme requerido pelo d. Parquet Laboral.

3. CONCLUSÃO

ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e não conhecer da prejudicial de mérito (prescrição) argüida pelo Ministério Público do Trabalho, por falta de legitimidade recursal; no mérito, negar provimento ao apelo e deferir a expedição de ofícios, requerida pelo Parquet Laboral, com cópia de todo o processo, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Redigirá o acórdão o Juiz José Carlos Rizk.

Vitória - ES, 19 de junho de 2007.

JUIZ JOSÉ CARLOS RIZK
Relator

Palavras-chave: Contratação temporária

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