Condutora de veículo que atingiu mototaxista em via preferencial é condenada a indenizar a vítima

Indenização será de R$ 20 mil por danos morais. Condutora também deverá arcar com despesas correspondente aos lucros cessantes

Fonte: TJPR

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A condutora de um veículo Gol que avançou sobre uma via preferencial, na cidade de Londrina (PR), e atingiu uma mototaxista, causando-lhe graves lesões corporais (fraturas que exigiram intervenção cirúrgica), foi condenada a pagar à vítima a quantia de R$ 20.000,00, a título de indenização por dano moral, bem como uma importância correspondente aos lucros cessantes, ou seja, o que ela deixou de ganhar durante os meses em que ficou afastada de sua atividade profissional.


Essa decisão da 10.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 5.ª Vara Cível da Comarca de Londrina. Os julgadores de 2.º grau elevaram o valor referente ao dano moral e determinaram que a ré também pague uma importância concernente aos lucros cessantes.


Os recursos de apelação


Ambas as partes, insatisfeitas com a decisão de 1.º grau, interpuseram recurso de apelação.


A autora (mototaxista) pediu o aumento do valor relativo ao dano moral.


A ré (condutora do veículo), por sua vez, alegou que a mototaxista desenvolvia velocidade excessiva e trafegava com o farol apagado. Argumentou que os danos não foram comprovados, bem como a ausência de dano moral. Pediu que o valor relativo ao seguro DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados Por Veículos Automotores de Via Terrestre) seja descontado do valor da indenização e requereu que os juros de mora, assim como a correção monetária, sejam fixados a partir da data do arbitramento do valor do dano moral.


O voto do relator


O relator do recurso de apelação, juiz substituto em 2.º grau Albino Jacomel Guérios, fez, inicialmente, um resumo do caso: "(1) A autora conduzia uma motocicleta pela Avenida Leste-Oeste em Londrina quando, por volta das 18 horas e trinta minutos, na interseção dessa avenida com a Rua Amapá, o Volkswagen Gol placa BFP 5559, conduzido pela ré, atingiu-a causando-lhe ferimentos que a teriam incapacitado para o trabalho. (2) Diz a autora, ainda, que é moto-taxista autônoma, com um rendimento em torno de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês e que, em razão das lesões e da incapacidade para o trabalho e para as suas ocupações habituais, deixou de ganhar R$ 21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos reais), considerando todo o período de sua convalescença e teve de despender valores com a contratação de uma atendente de enfermagem, de uma empregada para os afazeres domésticos e com a compra de medicamentos e sessões de fisioterapia. (3) O MM. Juiz rejeitou as defesas substanciais da ré: culpa exclusiva ou ao menos concorrente da vítima, que estaria trafegando com o farol da motocicleta apagado, ausência de comprovação dos danos materiais e não configuração do dano moral, e rejeitando-as condenou-a ao pagamento de R$ 21.600,00 (vinte e um mil e seiscentos reais) de lucros cessantes e de R$ 14.642,97 (catorze mil seiscentos e quarenta e dois reais e noventa e sete centavos) e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de dano moral, questões, todas elas, devolvidas ao Tribunal pelos dois recursos."


"A ré não nega a dinâmica dos acontecimentos: ela trafegando pela Rua Amapá, uma via secundária, e a autora pela Avenida Leste-Oeste, uma via principal. Também não nega a existência de sinalização horizontal e vertical ­PARE no local; procura, no entanto, discutir a culpa exclusiva ou ao menos concorrente da autora, que trafegaria em alta velocidade e com o farol do moto apagado."


"O acidente ocorreu em um cruzamento sinalizado: a autora transitava pela via preferencial, enquanto que a réu, pela secundária, e ao invadir a preferencial a segunda violou uma regra expressa do artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro. Era seu dever, de acordo com essa norma, parar e somente prosseguir após certificar-se que nenhum veículo trafegava pela avenida, via prioritária, dever descumprido. Era esse o dever mínimo de um motorista prudente, dever que, quando descumprido, permite o emprego do argumento da culpa contra a legalidade, isto é: de uma presunção de culpa contra aquele que causar o acidente violando regras de circulação de trânsito. Pode-se dizer isso com apoio na doutrina e na constatação, que serve de substrato à presunção, de que as regras do Código de Trânsito proíbem condutas que apresentam um potencial lesivo, condutas que se praticadas provavelmente causarão um dano, em razão da própria natureza das coisas, isto é, por contrariarem leis naturais ou regras da experiência. ‘A infração de disposição regulamentar estabelece presunção contra o responsável que, diante dessa presunção, só se pode exonerar mediante prova de força maior, fato de terceiro a ele equiparado ou culpa exclusiva da vítima', ou ‘a simples infração de norma regulamentar é fator determinante da responsabilidade civil'."


"Todavia, a despeito da culpa do ofensor, a sua responsabilidade poderá ser reduzida ou mesmo excluída quando a vítima também proceder com culpa e concorrer de algum modo para o acidente, culpa exclusiva, que quebra o nexo de causa e efeito, ou concorrente, que, sem romper o nexo entre o ato do ofensor e o dano, de algum modo concorre para o resultado. As duas modalidades de culpa da vítima, como fatos extintivos que são, integram o ônus da prova do ofensor demandado, sempre lembrando que a culpa do ofendido deve ter alguma relevância causal, não bastando a culpa, mas sendo também indispensável que o seu ato interfira na produção do dano."


"A primeira questão a apreciar é a da eficiência do concurso de ambas as partes no evento danoso, pois, provando-se que este ocorreria independentemente da culpa de uma das partes, faltará a relação de causalidade entre o prejuízo e aquele concurso. Por exemplo, julgou-se na Itália que o fato de um automóvel seguir fora da mão, embora culposo, não pode ser havido como causa eficiente do prejuízo do peão que, improvisada e distraidamente, se foi colocar na direção do veículo, quando este se encontrava já pertíssimo, sem poder ser travado, nem desviado para a direita.  De igual modo, no caso de choque de dois automóveis, devido à culpa do próprio lesado, será inútil provar que o dono do outro carro não tocou a sua buzina,  quando  se demonstra que a colisão seria inevitável, por muito que o outro buzinasse."


"No caso dos autos: a) não há provas do excesso de velocidade desenvolvido pela autora; estimou-a a testemunha André Key de Oliveira, que também conduzia um veículo e se encontrava parada no mesmo cruzamento logo atrás do veículo da ré, em 80 (oitenta) km/h, ou seja, uma velocidade admitida com a máxima para as vias urbanas de trânsito rápido, como parece ser a Avenida Leste-Oeste (art. 61, I, a, CTB); b) a referência ao farol apagado da motocicleta foi dada pelo marido da ré, que estava ao seu lado no momento do acidente, depoimento, de um informante e em princípio suspeito, que está em completa contradição com o da testemunha André, que disse taxativamente que enxergou a aproximação da motocicleta e que a autora transitava com o farol aceso."


"Quer dizer: a autora não infringia então norma alguma de trânsito; trafegava com o farol da moto aceso e em velocidade permitida para o local; a ré, sim, é quem agiu com culpa, pois, sendo visível a aproximação da motocicleta, competia-lhe permanecer parada e somente avançar depois de cessada a corrente de tráfego prioritário."


"Desse modo, correta sentença neste ponto."


No que diz respeito aos danos materiais, ressaltou o relator: "A ré discute o montante dos rendimentos da autora e mais ainda os danos emergentes dizendo, quando a estes, que os documentos produzidos com a inicial não comprovariam os gastos com tratamento de fisioterapia, atendente de enfermagem e empregada doméstica, por serem esses documentos meramente narrativos e como tais com efeito probatório restrito à prova da declaração, mas não há prova do fato declarado".


"O documento de fl. 25, uma declaração da Associação dos Motos Taxistas e Moto Entrega Faixa Azul do Norte do Paraná expressa o suposto rendimento mensal líquido da autora, R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais), e o número de dias trabalhado por semana, seis. Esse documento, ao contrário dos outros produzidos com a inicial, tem a característica daquele referido pela ré na contestação e nas suas razões de recurso: enunciativo. Nele está declarado um fato, a renda líquida de uma associada. Não se trata de declaração de um empregador confessando o salário pago ao seu empregado, mas de uma declaração de ciência de um fato e que, acima de tudo, não indica a fonte de consulta, ou seja, quais os dados considerados pelo declarante para chegar a uma conclusão assim, circunstância que impossibilita qualquer crítica a respeito da sua credibilidade ou verossimilhança do fato declarado."


"Desse modo, os rendimentos da autora, para efeito de indenização pela perda da capacidade para o trabalho durante a convalescença, deverão ser fixados em um salário mínimo mensal, sem a necessidade de dedução de 1/3 (um terço), como quer a ré, pois não se está fixando indenização pela morte de pessoa que devia alimentos a outrem, mas pela incapacidade para o trabalho da própria vítima, e o artigo 950 do Código Civil é claro a respeito: a indenização pela redução ou perda da capacidade de trabalho mede-se pelo rendimento que o trabalho propiciava à vítima, sem desconto algum (o 1/3 que se considera nas indenizações por morte refere-se aos gastos pessoais da vítima; logo, a regra é inaplicável à vítima que sobrevive ao acidente e continuará tendo 1/3 de gastos pessoais, que devem compor a indenização)."


"Os documentos de fls. 11 a 13, ao contrário, são na verdade recibos. Não contêm declaração de ciência de fato, mas admissão da prestação de serviços pelos próprios declarantes e quitação dos valores pagos pela autora a cada um deles, não se aplicando a eles a regra do artigo 368 do Código de Processo Civil, repetida pelo Código Civil de 2002. Tais documentos valem e têm eficácia probatória sobre os valores pagos pela autora, mais ainda quando se considera que, de acordo com os laudos do IML, especialmente o de fl. 178, corroborado pelo resultado de exame médico de fl. 179, as lesões corporais provocaram na autora incapacidade para o trabalho e para as suas ocupações habituais, a recomendar o seu estado clínico a contratação dos profissionais subscritores dos documentos de fls. 11 a 13."


"Desse modo, a segunda apelação, da ré, deve ser provida em parte apenas para que seja considerado como rendimento mensal da autora, para efeito de indenização pelo período indicado na inicial e na sentença, o valor de um salário mínimo."


No que concerne ao dano moral, asseverou o relator: "O dano moral não é representado apenas pelo sofrimento anímico, espiritual da pessoa. Esse é um aspecto do dano moral, ou uma espécie de dano moral ­o abalo à integridade psíquica. Haverá dano moral, ao contrário, não apenas nessa hipótese, mas toda vez que ocorrer ofensa a alguma dimensão da dignidade humana, expressando-o, adequadamente, a lesão a certos direitos fundamentais, como o direito à integridade física, indubitavelmente lesado no caso dos autos: a autora sofreu um grave acidente de trânsito, com fraturas no fêmur e de planalto tibial D, cujo tratamento exigiu cirurgia; também, houve repercussões na sua capacidade de trabalho; logo, dano à sua integridade física, dado suficiente para a caracterização do dano moral in casu".


"Admitida a compensação do dano moral, e sendo este constituído pela lesão a interesses não-patrimoniais, os critérios mais adequados para a definição da indenização ­­como por mim sustentando em outros recursos dos quais fui Relator ­deveriam prender-se exclusivamente à gravidade do dano, à sua extensão, sem se pensar em uma função punitiva ou preventiva, como, aliás, estabelece o artigo 944, parágrafo único, do novo Código Civil. Entretanto, o uso das duas funções, ressarcitória e punitiva, ao lado do efeito dissuasivo, é aceito na doutrina, majoritariamente, e nos tribunais quase que unanimemente, e afina-se a um senso ético-moral mínimo que quer que o ilícito seja de algum modo punido."


"E reconhecida a necessidade da indenização cumprir aqueles papéis, os critérios mais razoáveis e apropriados à sua fixação devem ser: (i) os inerentes à lesão em si, ou seja, aqueles que retratam a extensão desta (como a essencialidade do bem atingido, o sofrimento causado à vítima quando isso ocorrer); (ii) os relacionados ao comportamento do ofensor, ao lado de dados econômico-financeiro e sociais, muito embora esses dados não devam relacionar-se à vítima, por não se coadunarem "com a noção de dignidade, extrapatrimonial, na sua essência, quaisquer fatores patrimoniais para o juízo de reparação". O efeito dissuasório deve ser empregado quando a atividade danosa do ofensor puder repetir-se, quando a situação de fato indicar a necessidade de refrearem-se possíveis condutas semelhantes e igualmente ilícitas."


"Mas a função ressarcitória é a prevalecente, por ser própria do Direito dos Danos o princípio da ressarcibilidade da vítima, por consistir a compensação do dano, em outras palavras, a própria razão de ser da indenização. As outras duas funções, embora relevantes, são secundárias, e devem interferir na definição do montante da indenização, embora secundariamente, mas sem perder de vista a necessidade da correção de condutas impróprias do ofensor."


"E ao lado de critérios gerais como a incomensurabilidade do dano moral, o atendimento à vítima, à minoração do seu sofrimento, o contexto econômico do País etc., a doutrina recomenda o exame: (i) da conduta reprovável, (ii) da intensidade e duração do sofrimento;(iii) a capacidade econômica do ofensor e (iv) as condições pessoais do ofendido."


"Muito bem: a) a culpa da ré foi gravíssima. Ela violou um dever básico: não realizar a manobra de transposição do cruzamento sem antes permitir a passagem dos veículos com prioridade de passagem; b) as lesões corporais sofridas pela autora foram gravíssimas, pois redundaram na perda parcial da sua capacidade de trabalho, perda estimada pelo último laudo do IML em 70% (setenta por cento), além de intenso padecimento físico resultado da cirurgia e da fase de convalescença; c) a autora não teve participação alguma no resultado danoso; d) além do sofrimento físico, há de se considerar a redução da sua capacidade de trabalho como um fator a mais a produzir um sofrimento agora psíquico, pela redução da auto-estima que a dependência econômica, consequência da perda da capacidade de trabalho, determina; e) outro resultado das lesões corporais é a redução do comprimento do membro inferior direito uma diferença de pouco mais de cm em relação ao esquerdo, o que implica na dificuldade de deambulação da autora; f) não se tem nos autos nenhuma referência a qualquer tentativa de auxílio à autora por parte da ré; g) não se tem conhecimento da capacidade econômica da ré."


"Desse modo, a indenização do dano moral deve ser elevada para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Os juros e a correção monetária deverão correr da deste julgamento, conforme reiteradas decisões desta Câmara."


Quanto ao DPVAT e ônus da sucumbência, o relator entendeu que: "O valor do DPVAT deverá ser deduzido do valor da indenização do dano material. Quanto aos ônus da sucumbência, a redução significativa do valor da remuneração da autora determina necessariamente a procedência parcial do pedido correspondente, logo, a condenação dela ao pagamento de um percentual das custas e despesas processuais, fixados em 20% (vinte por cento), e dos honorários de advogado, arbitrados em R$ 1.000,00 (hum mil reais) em vista da pouca complexidade da causa, sem embargo do eficiente e bem fundamentado trabalho desenvolvido pelo patrono da ré."


"PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade de votos, provê a primeira apelação para elevar o valor da indenização do dano moral para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com juros de mora e correção monetária deste julgamento, e em parte também a segunda apelação para que a indenização devida à autora seja calculada sobre o valor de um salário mínimo, segundo a variação anual deste, com a condenação da autora ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas e despesas processuais e dos honorários de advogado, arbitrados em R$ 1.000,00 (hum mil reais)."


Participaram do julgamento os desembargadores Nilson Mizuta (presidente e revisor) e Domingos José Perfetto, que acompanharam o voto do Relator.


Apelação Cível n.º 802966-7

Palavras-chave: Mototaxista; Acidente; Indenização; Londrina

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