Caso Siemens causa constrangimento a procuradores de São Paulo

PGE encaminhou à ALESP proposta concentrando na figura do procurador-geral o poder de decisão no controle de licitações

Fonte: Agência Brasil

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O exemplo da ação proposta pelo governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), contra a Siemens, considerada inepta pela Justiça e com objetivo político de abafar a repercussão das denúncias de formação de cartel, pode se tornar comum se o Projeto de Lei 25, de 2013, for aprovado.


Elaborada pelo procurador-geral do estado, Elival da Silva Ramos, a proposta concentra na figura do próprio procurador-geral o poder de decisão no chamado controle de licitações, e tira prerrogativas dos demais procuradores, que terão seus postos de trabalho definidos por decisão do comando institucional da Procuradoria-Geral do Estado.


A ação do governo paulista pede ressarcimento de irrisórios R$ 50 mil à Siemens por danos causados ao estado e é motivada pela denúncia feita pela multinacional alemã ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), vinculado ao Ministério da Justiça. Mas a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, ordenou na terça-feira (05/11) que o governador e o procurador-geral refaçam a ação por inépcia, já que não inclui outras empresas denunciadas.


Coincidentemente, nesta mesma semana, quando veio a público a decisão da juíza, Alckmin pediu regime de urgência à Assembleia Legislativa na tramitação do PLC. “Foi uma infeliz, ou feliz coincidência. O que fica claro é que é um projeto que busca aparelhar politicamente a Procuradoria-Geral do Estado”, diz Márcia Semer, presidenta da Apesp (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo).


A situação da rejeição da ação proposta pelo procurador-geral de Alckmin é “bastante constrangedora” para os procuradores, diz Márcia. “Fomos parar na imprensa com a imagem de que propusemos uma ação inepta só para dar cartaz a uma situação política.” Na visão dela, a PGE deve ser um órgão autônomo, desligado do Executivo, opinião que conflita com a do atual procurador-geral.


Contra o projeto, os procuradores organizam uma manifestação na próxima terça-feira (12/11) na Assembleia Legislativa. Na visão da Apesp, um dos pontos mais problemáticos é aquele que dá ao procurador-geral o poder de dispensar o parecer de uma consultoria composta por procuradores para cada licitação em cada secretaria. Para Elival da Silva Ramos, próximo de Alckmin, é preciso dar celeridade aos pregões e trazer ao papel o que, diz, já acontece na prática.


Leia entrevista da procuradora Márcia Semer à Rede Brasil Atual.


RBA - Como a senhora avalia a repercussão da ação proposta pela PGE contra a Siemens, considerada política pelos procuradores paulistas?


Márcia Semer - Não somos nós que consideramos, a própria juíza considerou. Em todo o meio jurídico, quando houve o ajuizamento da ação, uma das dúvidas que se tinha era se a ação, da forma em que foi proposta, seria viável, porque haveria a necessidade de agregar os outros participantes, e a partir disso teria de se esperar o resultado de mais alguma apuração. A decisão não é uma surpresa, era esperada.


RBA - O governador disse que ajuizou a ação primeiro contra a Siemens por ela ser ré confessa e ter de esperar a decisão do Cade...


Semer - Mas é que, como a Siemens se diz parte de um cartel, que envolve mais de um participante, para você buscar a verdade e recuperar o dinheiro malversado teria de ter todos os participantes. Todos teriam de fazer parte da ação. Para a ação prosseguir a juíza determina que a PGE tem de incluir os outros participantes do cartel. Era uma crônica de uma morte anunciada, pois logo que a ação foi ajuizada havia essa dúvida se ela poderia seguir dessa maneira. O sentimento de muita gente na carreira era que de fato, ainda mais depois da manifestação do MP pedindo a inépcia da inicial, isso é sério. Do ponto de vista jurídico é bastante depreciativo pedir a inépcia da inicial. Foi uma atitude que visava mais dar uma satisfação política do que uma atuação mais técnica. Que nós vamos atrás desse dinheiro não resta dúvida. Se há a informação de que o estado foi tungado, vamos atrás. Mas tem maneiras e maneiras de ir atrás, parece que essa não foi a melhor solução.


RBA - Mais do que “dar uma satisfação política”, a ação proposta contra a Siemens não seria deliberada no sentido de diminuir a própria PGE?


Semer - Olha, sinceramente não acredito nisso. Acho que o objetivo não é desprestigiar a Procuradoria, mas foi, naquele momento, mostrar uma série de ações no sentido de demonstrar à população que o governo não tinha interesse em esconder nada, que queria apurar. Acho que o objetivo central mesmo era dar volume às iniciativas políticas do governo para neutralizar a situação de desconforto diante da denúncia.


RBA - Ao defender o procurador-geral afirmando que ele é um dos constitucionalistas mais respeitados do país, o governador não está indiretamente confirmando o caráter político da ação, já que, afinal, como um profissional desse gabarito poderia cometer erro tão primário?


Semer - É, certamente não foi um erro. Realmente ele é um profissional muito capacitado. Mas com certeza tinha noção de que era uma jogada arriscada essa de buscar a recuperação do patrimônio público sem todos os elementos necessários para se fazer isso com segurança. Nossa preocupação deve ser a recuperação do dinheiro. Se vai trazer dividendos ao governador, isso não deve ser uma preocupação nossa. O governador, o presidente da República, o prefeito, qualquer autoridade que anuncie que um órgão público está fazendo seu papel não está dizendo nada, porque é competência nossa exercer esse papel. Não precisamos do governante para dizer que temos de entrar com ação A, B ou C.


RBA - Por que, na sua opinião, as investigações no Ministério Público, depois de tantos anos, não chegam a nenhuma conclusão?


Semer - Eu não saberia dizer do MP. O que tenho visto é que eles reabriram alguns casos que estavam arquivados.  Mas nesses casos em que há suspeita de prejuízo ao patrimônio do estado, seria importante que a classe política procurasse também as procuradorias do estado, Advocacia Geral da União, as procuradorias dos municípios. Quem tem responsabilidade direta de recuperação do patrimônio público dilapidado é a advocacia pública. Talvez esse caso e outros possam servir para lembrar a classe política de que não se precisa buscar apenas o MP, que advocacia pública também está à disposição para receber informações desse tipo, porque, essa sim, é a instituição responsável por reaver patrimônio público malversado. O MP faz isso também, mas essa não é a atividade principal do MP. Já da advocacia pública, é.


RBA - Mas se o caso da Siemens mostra que a ação do procurador-geral foi inepta e notoriamente política, do que adianta procurar a própria PGE de SP?


Semer - Por isso é que defendemos que a advocacia do estado tem que atuar de maneira técnica. Não pode ficar à mercê de injunções políticas. E por isso que temos criticado bastante o PLC 25/2013, que o governador encaminhou à Assembleia, elaborado pelo procurador-geral do estado, que abre uma avenida para que esse tipo de injunção política se espalhe. Essa é uma preocupação que não deve ser só nossa, mas da sociedade. Se nós somos pela Constituição concebidos como um órgão formado para defender o patrimônio do estado, não podemos estar comprometidos politicamente com o governo A, B ou C. Nos casos de patrimônio público, não podemos ter rabo preso. Pelo PLC 25, há uma grande fragilização das garantias do procurador do estado para se manifestar sobre licitações, contratos, convênios, para atuar em toda essa área de orientação negocial do estado, do ponto de vista jurídico. Essa fragilização – com o procurador ficando à mercê do poder político, podendo ser mudado a qualquer momento – é um grande retrocesso.

 

RBA - Nossa preocupação é que situações como essa, bastante constrangedora, de ir parar na imprensa com a imagem de que propusemos uma ação inepta só para dar cartaz a uma situação política, se repitam com mais frequência. A PGE existe há quase 70 anos, desde 1947, e sempre foi um órgão muito respeitado.

Palavras-chave: caso alston siemens cade

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