BMW do Brasil deve pagar indenização por golpe de seu ex-presidente
Danos materiais foram fixados em R$ 75 mil e os danos morais em R$ 350 mil
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso da BMW do Brasil, no qual buscava se eximir do pagamento de indenização por atos praticados pelo ex-presidente da montadora no país.
A BMW foi condenada em ação indenizatória por danos materiais, proposta pela Cosfarma – Produtos Cosméticos e Farmacêuticos Ltda., devido à injustificada ruptura de tratativas para instalação de uma concessionária em Manaus.
Para os ministros, diante das peculiaridades do caso, a montadora incorreu em responsabilidade pré-contratual, pois, além de frustrar a legítima expectativa de que o negócio seria concluído, gerou expressivo prejuízo material à outra parte.
Negociação
Em julho de 1997, a montadora publicou anúncio em jornal convocando novos parceiros para ampliar sua rede de revendedores autorizados BMW e Land Rover em todos os estados brasileiros. A partir daí, a Cosfarma iniciou as tratativas com o então presidente da BMW do Brasil para abertura de uma concessionária em Manaus.
O ex-presidente da BMW esteve em Manaus para conhecer os sócios e executivos da Cosfarma, discutir detalhes da negociação e avaliar o potencial da cidade. Também houve reunião em São Paulo, sede da BMW do Brasil, para estabelecer um plano de ação, inclusive disponibilizando um arquiteto para orientar o projeto das instalações da futura concessionária.
Após apresentar todos os documentos requeridos para avaliação de sua candidatura, os dirigentes da Cosfarma obtiveram a resposta de que “seu processo havia sido concluído com resultado positivo” e que a empresa de consultoria contratada pela montadora iria agendar uma reunião para assinatura do contrato. A carta foi assinada pelo presidente e pelo vice-presidente da montadora.
Em dezembro de 1997, a empresa de consultoria BCCI Business Conections & Consulting Inc comunicou oficialmente à Cosfarma a finalização do processo de candidatura de adesão à rede BMW. Pediu, para concluir a etapa, o depósito de R$ 75 mil, numa conta bancária em São Paulo.
Em março do ano seguinte, a BMW informou à Cosfarma o cancelamento do contrato de concessão da revenda, “agradecendo-lhe pelo interesse na marca e o empenho na participação em todo o processo de aprovação”.
Golpe
Ainda em 1998, a revista Exame publicou reportagem denunciando o golpe promovido pelo então presidente da BMW do Brasil, que, em nome da empresa e no exercício de suas atribuições de executivo, divulgou mensagens publicitárias fraudulentas convidando novos parceiros comerciais.
A notícia revelou que a fraude era cometida por meio da terceirização do procedimento de avaliação da viabilidade das novas concessionárias a uma empresa de consultoria, que cobrava em média R$ 75 mil. Depois da aprovação e do pagamento da quantia, comunicavam o cancelamento do processo de concessão, sem a devolução do valor pago.
Após a descoberta do golpe, a BMW se desculpou pelo ocorrido, contudo tentou se isentar da responsabilidade pela devolução dos valores pagos no processo de avaliação pela Cosfarma, que ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a BMW.
Condenação
Em primeiro grau, o pedido de indenização fui julgado procedente. Os danos materiais foram fixados em R$ 75 mil e os danos morais em R$ 350 mil. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Amazonas excluiu a condenação por danos morais.
Ainda inconformada, a BMW recorreu ao STJ. Alegou que não haveria nada ilegal na exigência do pagamento preliminar de R$ 75 mil, nem no fato de as negociações não terem evoluído. Argumentou que não estariam configurados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e que haveria enriquecimento ilícito da Cosfarma, visto que as negociações preliminares não teriam caráter vinculante.
Responsabilidade pré-negocial
O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, considerou que a afirmação pela BMW de sua intenção em contratar, adiantando os documentos exigidos para a formalização do contrato definitivo, trocando correspondências, informando a aprovação da adesão aliada ao depósito prévio, deu origem à responsabilidade pré-negocial. Trata-se da fase preliminar do contrato, tema da chamada culpa in contrahendo.
Segundo a doutrina e precedentes do STJ, incorre em responsabilidade pré-negocial a parte que cria na outra a convicção razoável de que o contrato será assinado, mas rompe as negociações, ferindo legítimos direitos de quem agiu com boa-fé.
O ministro Cueva apontou que o direito civil alemão, italiano e português adotam essa teoria. No Brasil, o Código Civil de 2002 prevê que os contratantes são obrigados a guardar, na conclusão do contrato e em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.
No caso, o relator entendeu que a responsabilidade pré-contratual discutida não decorre do fato de a tratativa ter sido rompida e o contrato não ter sido concluído, mas, sim, de uma das partes ter causado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material.
As provas soberanamente analisadas pelo tribunal local, segundo o relator, comprovam o consentimento prévio mútuo, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo das tratativas, o prejuízo concreto e o nexo de causalidade. O ministro afirmou, por fim, que a revisão dessas conclusões demandaria a análise de provas no recurso especial, o que é vedado ao STJ pela Súmula 7 do próprio Tribunal.