Ação ordinária com pedido de tutela antecipada. Fornecimento de medicamentos pelo estado apelante.

Preliminares de conhecimento do agravo retido e de falta de interesse de agir superveniente, suscitadas pelo estado apelante. Transferência para o mérito. Mérito

Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2008.011125-9

Julgamento: 30/01/2009

Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível

Classe: Apelação Cível

Apelação Cível n° 2008.011125-9

Origem: 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procurador: Antenor Roberto Soares de Medeiros.

Apelada: Maria Clara de Araújo representada por sua genitora Nelycelia Araújo.

Advogado: Maria do Desterro Palittot Villar e outros.

Relator: Cornélio Alves de Azevedo Neto (Juiz Convocado).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO APELANTE. PRELIMINARES DE CONHECIMENTO DO AGRAVO RETIDO E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR SUPERVENIENTE, SUSCITADAS PELO ESTADO APELANTE. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. MÉRITO: DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO. DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DE EFICÁCIA NA SUBSTITUIÇÃO DO MEDICAMENTO E DE INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA AO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos e em consonância com o parecer da 6ª Procuradoria de Justiça, em transferir as preliminares de conhecimento do Agravo Retido e de falta de interesse de agir superveniente, suscitadas pelo Estado Apelante. No mérito, pela mesma votação e em harmonia com o parquet, em conhecer e negar provimento à presente Apelação Cível, mantendo a sentença atacada, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, contra decisão proferida pelo MM. Juízo de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, que nos autos da Ação Ordinária com Pedido de Tutela Antecipada nº 001.08.002555-3, movida por MARIA CLARA DE ARAÚJO, representada por sua genitora, Nelycelia Araújo, julgou procedente a pretensão autoral, para determinar ao Estado Réu que forneça e mantenha o regular fornecimento, sem ônus à parte autora, de 120 (cento e vinte) sondas uretral de Nelaton, calibre 08, e demais materiais necessários ao tratamento descritos no receituário médico de fls. 10 dos autos, todos os meses, enquanto necessitar e durar o tratamento, conforme as prescrições médicas. Condenou, ainda, o Réu, ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10 % (dez por cento) sobre o valor da causa.

Em suas razões recursais (fls. 68/72), suscita o Apelante, inicialmente, as preliminares de conhecimento de Agravo Retido; e de falta de interesse de agir superveniente, vez que houve a perda do objeto, pois foi autorizada a aquisição do material necessário ao procedimento médico, objeto do pedido de obrigação de fazer, não caracterizando a pretensão resistida do Estado em cumprir com a decisão em Juízo.

Pugna, ao final, pela extinção do processo sem julgamento de mérito.

Em sede de contra-razões (fls. 81/83), a Apelada rebate todos os argumentos do Estado Apelante, requerendo, ao final, a manutenção da sentença.

Com vista dos autos, a 6ª Procuradoria de Justiça, com parecer da lavra da Dra. Heloísa Maria Sá dos Santos, opinou pela transferência para o mérito do Agravo Retido interposto e pelo conhecimento e improvimento da Apelação Cível, para manter na íntegra a decisão atacada.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade conheço da presente Apelação Cível.

DAS PRELIMINARES SUSCITADAS PELO ESTADO APELANTE

DA PRELIMINAR DE CONHECIMENTO DO AGRAVO RETIDO

Inicialmente, pugna o ente Recorrente que, por ocasião do julgamento do presente Apelo, seja conhecido o Agravo de Instrumento que fora convertido em Retido anteriormente.

Defende, no referido recurso, que o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, em caso análogo, acolheu os argumentos que foram suscitados e suspendeu a execução da liminar concedida em ação mandamental, por entender que o fornecimento de medicamento não constate da lista do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional é lesiva à Ordem Pública, alegando, também, a cláusula da reserva do financeiramente possível do ente público.

Por não se tratar de questão de admissibilidade do recurso, transfiro a presente preliminar para o mérito do mesmo.

DA PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR SUPERVENIENTE

Informa o Estado Apelante, que através do Ofício nº 365/2008 do Gabinete do Secretário Estadual de Saúde Pública, que foi autorizada a aquisição do material necessário ao procedimento médico, objeto do pedido de obrigação de fazer, desaparecendo, assim, o interesse da parte autora em prosseguir com a demanda, vez que não está caracterizada a pretensão resistida do Estado em cumprir com a decisão proferida em juízo.

Entendo que a matéria argüida como preliminar, se confunde com o próprio mérito do recurso, razão pela qual a analiso adiante.

MÉRITO

O cerne da presente questão está na possibilidade ou não do fornecimento, pelo Estado Apelante, de 120 (cento e vinte) sondas uretrais de Nelaton por mês, calibre 08, e demais materiais necessários ao tratamento da Autora, ora Apelada, que devido à uma má formação fetal, nasceu com Mielomeningocele com hidrocefalia, uma abertura na coluna vertebral e problemas no cérebro motivado por excesso de líquido.

Ao meu ver, a sentença atacada não merece reforma.

Pretende o Estado Apelante, a extinção da ação sem julgamento de mérito, por entender que desapareceu o interesse da parte Autora em prosseguir com a demanda, vez que não está caracterizada a pretensão resistida do Estado em cumprir com a decisão proferida em juízo.

Inicialmente, cumpre destacar que há inúmeras jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, na qual resta clarividente que os direitos públicos subjetivos à vida e à saúde, notadamente quando se trata de paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita, deve prevalecer em detrimento de interesses do poder Público, o qual deve, na esfera institucional de sua atuação, formular e implementar políticas sociais e econômicas que possam assegurar os referidos direitos(1).

Nesse contexto, impende ressaltar que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no artigo 196 da Constituição Federal(2), sendo dever da Administração garantir o direito à saúde e à aquisição de medicamentos às pessoas carentes portadoras de doenças, tutelado pela Lei Maior, de maneira que não pode ser inviabilizado através de entraves burocráticos, máxime, quando se trata de direito fundamental, qual seja, a vida humana.

No feito em tela, vislumbra-se que a Apelada necessita da prestação efetiva da tutela jurisdicional para satisfazer o seu direito, já que não se pode considerar que o Estado está cumprindo a obrigação voluntariamente, uma vez que só está fornecendo os medicamentos solicitados pela Autora, ora Apelada, por força de determinação judicial e sob pena de sanção legal, estando, dessa forma, caracterizado o seu interesse de agir.

Ademais, se extinto o processo sem julgamento de mérito, a Apelada será gravemente prejudicada, pois o Estado deixará de fornecer os medicamentos de que dependem a sua vida e, além disso, este terá que reembolsá-lo de todos os gastos até agora efetuados.

Para corroborar com este entendimento, colaciono a seguir julgado desta Egrégia Corte:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE E NULIDADE DA SENTENÇA, SUSCITADAS PELO APELANTE. REJEIÇÃO DE AMBAS. MÉRITO: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE CARENTE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

- O interesse de agir existe uma vez verificada imprescindibilidade da prestação jurisdicional postulada, no sentido de assegurar o respeito/proteção a um bem juridicamente protegido, um direito fundamental (saúde), máxime se inexiste qualquer fato superveniente, capaz de alterar a realidade fática relatada na exordial.

- Não há que se falar em nulidade de sentença que, com supedâneo no art. 196 da CF/88, confere ao Estado, enquanto ente federativo, a responsabilidade pela concretização de políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário das ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, direito fundamental.

- Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que impõe ao Poder Público a obrigação de fornecer gratuitamente, às pessoas desprovidas de recursos financeiros, a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.

- O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população.

- Conhecimento e improvimento do Apelo. (Apelação Cível n° 2008.000901-9; 2ª Câmara Cível; Relator Desembargador Cláudio Santos; j. 01/04/2008) (destaques acrescidos).

No que se refere à questão da reserva do financeiramente possível, necessário esclarecer que a Lei nº 8.080/90, que instituiu o Sistema Único de Saúde, em decorrência das exigências do parágrafo único do artigo 198 da Constituição Federal, reforça a obrigação do Estado à política de gestão de aplicação de recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.

No presente caso, cuidou a Apelada em comprovar sua necessidade ao medicamento solicitado, não tendo este sido arbitrariamente requerido, pois foi indicado por profissional qualificado, como sendo o único eficaz no seu tratamento, estando impossibilitada a escolha de qualquer outro.

Ademais, devem ser mitigados, no caso concreto, os óbices advindos da interpretação literal da Lei Orçamentária e da Lei de Responsabilidade Fiscal. A aplicação de tais instrumentos normativos deve levar em conta o fim social e a concretização do bem comum, por força do disposto no artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, de modo especial quando se está diante de ser humano com a sua saúde debilitada.

Além do que, o Estado Apelante, nos termos do artigo 333, II do Código de Processo Civil(3), não fez prova, em tempo hábil, de nenhum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A jurisprudência desta Corte, trilha nesse sentido:

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO, PELO ESTADO, DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. OBRIGAÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL. É dever do Estado, enquanto imperativo de ordem constitucional, a plena disponibilidade de meios que resguardem a saúde dos seus súditos, incluindo-se nessa obrigação o pleno e regular fornecimento de medicamentos. Inexistência de afronta ao princípio da separação dos poderes, ou, ainda, a necessidade de previsão orçamentária e sujeição a procedimentos licitatórios. Remessa Necessária e Apelação conhecidas e improvidas." (Apelação Cível nº 2004.001652-2; Relator Desembargador Aécio Marinho; 3ª Câmara Cível; j. 14/06/2005; DJ 06/07/2005) (destaques acrescidos).

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. APELADA QUE SOFRE DE PATOLOGIA QUE DEMANDA A UTILIZAÇÃO CONTINUADA DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. RECUSA DO ESTADO EM FORNECÊ-LO. ARGÜIÇÃO DE QUE O MEDICAMENTO NÃO SE ENCONTRA CONTEMPLADO NO PROGRAMA DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS EM CARÁTER EXCEPCIONAL. RESTRIÇÃO ILEGÍTIMA. AFRONTA A DIREITOS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO ESTATAL DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS IMPRESCINDÍVEIS AO TRATAMENTO DE SAÚDE DO CIDADÃO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA APELADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO INCIDÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ARTIGO 17 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REQUERIDA PELO APELANTE. VERBA ARBITRADA DENTRO DOS PARÂMETROS LEGAIS. PREQUESTIONAMENTO GENÉRICO FEITO NO BOJO DAS RAZÕES. INADMISSIBILIDADE. APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO." (Apelação Cível nº 2006.005034-0; Relator Desembargador Expedito Ferreira; 1ª Câmara Cível; j. 18.12.2006; DJ 19/12/2006) (destaques acrescidos).

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE E NULIDADE DA SENTENÇA, SUSCITADAS PELO APELANTE. REJEIÇÃO DE AMBAS. MÉRITO: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE CARENTE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA." (Apelação Cível nº 2008.000901-9; Relator Desembargador Claúdio Santos; 2ª Câmara Cível; j. 01.04.2008; DJ 03/04/2008) (destaques acrescidos).

Por todo exposto, em consonância com o parecer da 6ª Procuradoria de Justiça, nego provimento à Apelação Cível, para manter a sentença a quo, por seus próprios fundamentos.

É como voto.

Natal, 30 de janeiro de 2009

DESEMBARGADORA CÉLIA SMITH
Presidente

JUIZ CONVOCADO Dr. CORNÉLIO ALVES DE AZEVEDO NETO
Relator

Dra. DARCI DE OLIVEIRA
2º Procuradora de Justiça


 

Palavras-chave: ordinária

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