A justiça dá trabalho

No ano passado, 2,5 milhões de processos tramitaram nos tribunais e foram gastos R$ 7 bilhões para custear a máquina jurídica

Fonte: Portal Terra

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A legislação sindical e trabalhista brasileira é tão antiga, tão extensa e tão complexa que consegue fazer capital e trabalho chegarem a um consenso: a lei precisa de reforma. A partir daí, no entanto, não há acordo sobre praticamente mais nada.O presidente Lula assumiu e garantiu que essas reformas seriam uma das prioridades do seu governo. Criou-se o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), uma comissão composta por representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores, e o grupo decidiu que discutiria a reforma sindical antes da trabalhista. A idéia é redefinir as relações coletivas para depois repensar as individuais, que são reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Foram 16 meses de debates. O resultado foi um Projeto de Emenda Constitucional  o PEC 369/2005 ? e um Projeto de Lei sobre Relações Sindicais, ambos adormecidos no Congresso Nacional. Em virtude da necessidade de emenda à Constituição e em razão de inúmeras divergências na proposta apresentada pelo FNT, o projeto não avançou politicamente, diagnostica Paulo Souto, do escritório Veirano Advogados. Uma decisão só deve sair depois das próximas eleições presidenciais (veja entrevista do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, nas páginas seguintes).

A intenção da reforma é dar mais força aos sindicatos para que possam negociar direitos e deveres diretamente com as empresas ou sindicatos de empregadores. E a polêmica começa justamente aqui. Para isso, é fundamental que haja um ambiente de liberdade sindical plena, o que não existe no Brasil?, sustenta Gilberto Stürmer, advogado trabalhista e professor da PUC-RS. A liberdade sindical, recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e defendida pelo ministro Luiz Marinho, exige a modificação de dois itens da estrutura atual: a unicidade sindical e a contribuição compulsória. Hoje, não é permitido que exista mais de um sindicato de cada categoria por município. O sindicato único obriga o trabalhador a se filiar àquela entidade e não lhe dá escolha. Além disso, a contribuição sindical é descontada obrigatoriamente em folha e os sindicatos não precisam se esforçar para ter receita. Muitos são criados apenas para recolher esses valores e não oferecem qualquer contrapartida aos trabalhadores. Se a contribuição fosse paga só pelos filiados, isso estimularia as entidades a oferecer mais benefícios como, por exemplo, planos de saúde, odontológicos ou de previdência privada?, avalia Souto.

Nesses dois pontos críticos, os projetos que estão no Congresso refletem a falta de consenso entre os sindicatos, representados no FNT pelas confederações e centrais sindicais. ?Nós somos favoráveis à unicidade porque o diálogo tem de ser organizado. É muito difícil negociar com vários sindicatos?, alega Flávio Sabbadini, presidente da Fecomércio-RS. ?Nós somos a favor da liberdade e da autonomia, mas somos contra a pulverização?, expõe Celso Woyciechowski, presidente da CUT-RS. Já a Força Sindical defende ?a unicidade na base e a pluralidade vertical?. Isso quer dizer que o trabalhador teria de se filiar a um único sindicato, mas essa entidade poderia escolher a sua federação, confederação e central sindical.

A reforma proposta pelo fórum quer, por fim, a liberdade sindical com ressalvas. Por exemplo, os sindicatos já existentes poderão optar pela exclusividade de representação. Aprovada essa cláusula em uma assembléia, outros sindicatos da mesma categoria estarão impedidos de ser criados. Além disso, o surgimento de um novo sindicato deve respeitar critérios de representatividade propostos pelo FNT. A aplicação dessas normas deve ficar a cargo do Conselho Nacional de Relações de Trabalho, criado em maio deste ano. A contribuição compulsória ? ou imposto sindical  seria substituída pela contribuição negocial, a ser decidida também em assembléia de cada sindicato. Só que, se aprovada, a contribuição negocial também será descontada obrigatoriamente de todos os trabalhadores beneficiados pelas negociações coletivas realizadas pelos sindicatos. O fórum tentou caminhar no meio termo. A idéia vencedora foi a de que temos uma estrutura consolidada e que seria imprudente uma liberação geral, pontua Dagoberto Lima Godoy, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Cada um teve de ceder em algumas convicções, concorda Woyciechowski, da CUT.

Decisões subjetivas

Aqui tem um monte de papel e por trás de cada um deles tem um drama?, atesta o juiz João Ghisleni Filho, vice-presidente do TRT-RS. ?As pessoas convivem no ambiente de trabalho, é como se fosse uma família. Namoram, casam, se separam, ficam com doenças incapacitantes. Tudo isso o juiz do trabalho examina, continua. Ghisleni Filho recorda de um caso em que ficou inseguro em relação à sentença proferida. Um trabalhador alcoólatra foi demitido da Trensurb de Porto Alegre e Ghisleni Filho confirmou a decisão da primeira instância favorável à empresa. Foi feito tudo para recuperá-lo?, conta o juiz. O funcionário, apesar disso, não comparecia ao trabalho e foi despedido por justa causa. Dias depois do julgamento, ele recebeu a notícia da morte do trabalhador. E aí, veio a dúvida:?Será que decidi certo??. A resposta para essa pergunta, segundo ele, só vem com o tempo e com a experiência. ?Só isso traz o feeling que o juiz precisa para decidir?, garante. Em agosto passado, a Segunda Turma do TST negou recurso à Eletropaulo em um caso de demissão por alcoolismo. O relator alegou que o problema é catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) como síndrome de dependência do álcool. Assim, o TST entendeu que não se demite um alcoólatra pela mesma razão que não se dispensa outro doente, como, por exemplo, um aidético. Manoel Teixeira Filho, professor e ex-juiz do trabalho, observa que todas as leis acabam dando margem a interpretações. ?Além disso, a legislação não acompanha a evolução da sociedade e precisa ser interpretada pelo juiz de acordo com a nova realidade. Nessa interpretação, muitas vezes, entram os sentimentos dele?, acredita. Gelson de Azevedo, ministro do TST, considera que cabe ao juiz analisar em cada caso o comportamento do réu. ?Não há a menor possibilidade de decidir sem uma certa dose de subjetividade?, confirma. O advogado Marcelo Batuíra Pedroso, de São Paulo, não concorda. Ele acredita que o excesso de interpretação das leis acabou por criar a injustiça do trabalho. Em vez de uma justiça equânime, a Justiça do Trabalho sempre pende suas decisões em favor dos empregados, mesmo que não tenham qualquer razão?, opina.

A legislação trabalhista, além de extensa, gera decisões judiciais contraditórias e subjetivas. Isto dá margem e liberdade para que o juiz aplique sua ideologia e os velhos ideais do protecionismo. Mantém vivo o Estado como pai dos trabalhadores indefesos, conclui.

Palavras-chave: justiça

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