A Readaptação e a Proposta de Reforma

Considerações do colunista Bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

Comentários: (1)




Uma as primeiras modificações no texto constitucional constante da Proposta de Emenda Constitucional n.° 287/16 foi a constitucionalização do conceito de readaptação e a promoção de alguns alterações em seu teor.


Para tanto foi inserido o § 13 no artigo 37 com a seguinte redação:


§ 13. O servidor titular de cargo efetivo poderá ser readaptado ao exercício de cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, mediante perícia em saúde, enquanto permanecer nesta condição, respeitados a habilitação e o nível de escolaridade exigidos para o exercício do cargo de destino e mantida a remuneração do cargo de origem.


A redapatação até então se constitui em instituto jurídico considerado como uma forma de provimento dos cargos públicos e nessa condição não se inclui dentre as matérias de natureza preponderantemente constitucionais, motivo pelo qual sua inserção no mesmo não encontra fundamento de validade em nosso ordenamento.


Isso porque, as constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais.[1]


Além da inexistência de natureza constitucional, a proposta de novo conceito de readaptação conta com outras afrontas ao próprio Texto Magno, as quais, inclusive, ensejam o reconhecimento de sua contrariedade à Carta Maior.


Inicialmente, é preciso destacar que, diferentemente do que a maioria da doutrina apregoa, a readaptação não pode ser considerada como uma forma de provimento de cargo público de natureza definitiva, já que a investidura em cargos, pressupõe a aprovação em concurso público, salvo quando o mesmo integra uma estrutura de carreira a ser galgada com base em critérios promocionais ou de progressão.


Portanto, a readaptação pode, no máximo, ser considerada como uma investidura temporária, ou seja, em algum momento, o servidor deve retornar a seu cargo originário, ainda que seja no momento da aposentadoria.


Então, a proposta de mudança ao estabelecer que a readaptação se dará para o exercício de cargo, permite que o servidor seja investido em cargo público para o qual não prestou concurso público.


Investidura essa que, ao se analisar a proposta de alteração feita para a aposentadoria por invalidez, conclui-se que a mesma passará a ter natureza permanente, uma vez que na redação que regulará o dito benefício propõe-se que a inativação por incapacidade se dê no cargo em que o servidor estiver investido (texto constante da proposta de nova redação do inciso I do § 1° do artigo 40).


O Supremo Tribunal Federal foi categórico ao afirmar que:


Súmula Vinculante 43


É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.


Assim, é possível  concluir que o novo instituto da readptação, na forma proposta, implicará em investidura permanente de servidor público em cargo para o qual não prestou concurso público.


E ao afrontar as normas relacionadas ao concurso público o dispositivo também contraria o teor do princípio da igualdade, insculpido no artigo 5° da Carta Magna.


Isso porque, o concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF.[2]


O § 4°, inciso IV do artigo 40 da Constituição Federal é cristalino ao vedar a edição que qualquer proposta que reduza direitos e garantias fundamentais, elevando-os a condições de cláusula pétrea, tendo o Supremo Tribunal Federal já se posicionado que tal vedação atinge também as propostas de Emenda ao texto maior.


Daí poder-se afirmar que a forma pela qual seu texto encontra redigido encontra-se eivado de inconstitucionalidade ante à ofensa ao princípio da igualdade.


Além disso, em sede de Administração Pública, os cargos públicos ao serem criados exigem a edição de lei que preveja suas atribuições e remuneração, por isso afirma-se que o cargo, ao ser criado, já pressupõe as funções que lhe são atribuídas. Não pode ser instituído cargo com funções aleatórias ou indefinidas: é a prévia indicação das funções que confere garantia ao servidor e ao Poder Público.[3]


Motivos pelos quais sua ocorrência exige o cumprimento de uma série de requisitos, cuja melhor representação ainda se encontra no artigo 24 da Lei n.° 8.112/90, cujo teor merece reprodução:


Art. 24.  Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica.


§ 1º  Se julgado incapaz para o serviço público, o readaptando será aposentado.


§ 2º  A readaptação será efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a habilitação exigida, nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese de inexistência de cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga.


Podendo-se, assim, afirmar que sua concretização pressupõe a ocorrência de 4 (quatro) requisitos consistentes em:


a) compatibilidade com a limitação da saúde.


b) cargo de atribuições afins.


c) respeito à habilitação exigida e ao nível de escolaridade.


d) equivalência de remunerações.


Os três últimos requisitos não estão ligados à questão de saúde ou mesmo à capacidade laboral do servidor, mas estão diretamente relacionados às limitações atinentes ao provimento de cargos públicos, objetivando respeitar a regra de prévia aprovação em concurso público para seu provimento.


E analisando a redação proposta para o novo § 13 do artigo 37, é possível observar que a equivalência remunerações não se encontra contemplada na mesma, já que se prevê que deve ser mantida a remuneração do cargo de origem.


Equivalente segundo Aurélio[4] significa de igual valor, aquilo que equivale.


A exigência de equivalência remuneratória, hoje prevista na Lei, encontra contornos no texto constitucional à medida que essa pressupõe, conforme já dito, a aprovação em concurso público para a investidura em cargo público (art. 37, II, CF) e o cumprimento das exigências legais para tanto (art. 37, I, CF).


Razão pela qual é sempre bom lembrar que cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em Lei.[5]


Ou seja, o provimento do cargo público deve respeitar as imposições legalmente estabelecidas para o mesmo, dentre as quais figura a retribuição pecuniária, não se admitindo, portanto, que o servidor receba remuneração diversa daquela prevista em Lei pelo exercício do cargo público.


Entretanto, com a proposta, a Administração Pública, estará autorizada à promover a readaptação do servidor para o exercício de cargo cuja remuneração seja diversa daquela por ele recebida originariamente, podendo ser maior ou menor.


Em uma primeira análise, pode-se afirmar que não há qualquer problema constitucional nesse aspecto, pelo fato de estar sendo observado o princípio da irredutibilidade da remuneração do servidor, já que se impõe a manutenção dos valores recebidos no cargo anterior.


Ocorre que, conforme já dito, essa nova readaptação implica em uma investidura permanente no novo cargo e em assim sendo teremos um servidor que estará no exercício de um cargo e recebendo remuneração diversa da estabelecida em Lei para o mesmo.


Situação essa que afronta o princípio da legalidade lançado no caput do artigo 37 da Constituição.


Assim, o novo conceito de readaptação proposto, no mínimo, acarretará um conflito entre normas constitucionais, consistentes na investidura em cargo público sem o devido concurso público e a inobservância do princípio da legalidade por parte da Administração Pública.


Ao se deparar com um conflito entre normas constitucionais, há de se reconhecer a preponderância daquele que mais se adequa à unidade da Constituição.


Esse princípio postula que não se considere uma norma da Constituição fora do sistema em que se integra; dessa forma, evitam-se contradições entre as normas constitucionais. As soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elementares do constituinte. Vale aqui, o magistério de Eros Grau, que insiste em que ‘não se interpreta o direito em tiras, aos pedações’, acrescentando que ‘a interpretação do direito se realiza não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o que bastaria ao intérprete ser alfabetizado’. Essse princípio concita o intérprete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como um todo unitário.[6]


Assim, é possível concluir que, dentro de um contexto constitucional onde a observância de concurso público para a investidura em cargo público e a do princípio da legalidade por parte da Administração Pública se constituem em imposições constitucionais que não admitem qualquer tipo de flexibilização, há de se reconhecer que a proposta confronta o princípio da unidade da Constituição e nessa condição deve ser tida como contrária ao Texto Magno.


Notas


[1] SILVA, José Afonso da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 20ª edição, editora Malheiros, página 43.


[2] MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 26ª edição, editora Malheiros, páginas 403 e 404.


[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 26ª edição, editora Atlas, página 612.


[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. MINI AURÉLIO – O DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 6ª edição, editora Positivo.


[5] MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 26ª edição, editora Malheiros, página 387.


[6] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet e MENDES, Gilmar Ferreira. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 10ª edição, editora Saraiva, página 94.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Readaptação Proposta de Reforma Emenda Constitucional Cargos Públicos CF

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1 Comentários

Nelita Professora17/02/2017 22:43 Responder

Muito bom o artigo!! Gostaria muito de fazer algumas perguntas para o Bruno Sá Freire Martins, como deveria proceder?

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