A aplicabilidade da teoria dos motivos determinantes na Exoneração de ocupante de Cargo Comissionado

O ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado constitui-se em ato administrativo de natureza discricionária, não exigindo, portanto, a indicação do motivo que enseja a sua realização, contudo, em sendo este apresentado no ato deve este ser verdadeiro e existente, sob pena de decretação de sua nulidade com base na Teoria dos Motivos Determinantes.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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1 – Introdução:


A estrutura administrativa brasileira possui forma hierarquizada, baseada na definição das atribuições e competências de cada um dos integrantes da organização estatal.


Então, necessário se faz que sejam definidas responsabilidades para os servidores que se encontrem no nível de execução das atividades, bem como para aquelas que se encontram no nível de decisão das políticas públicas que serão implementadas pelo Ente federado.


A divisão de atribuições permite a identificação do responsável pela realização de cada ação administrativa, necessária ao bom funcionamento do Estado.


Daí surge a necessidade de se estruturar as organizações administrativas do Estado em entes, órgãos, setores, gerências e etc.


Para tanto, estabeleceu-se, na Constituição Federal, a existência de cargos de livre nomeação e exoneração com destinação exclusiva às atividades de direção, chefia e assessoramento dos dirigentes estatais, os chamados cargo em comissão, comissionados ou de confiança.


O provimento destes cargos deve observar os pressupostos constantes da legislação a ser editada por cada Ente federado. E deve se dar por intermédio de um ato administrativo de nomeação, com todos os seus requisitos e atributos, observando-se, o mesmo procedimento por ocasião de sua vacância, desta feita por um ato de exoneração.


No âmbito da classificação dos atos administrativos encontramos aqueles que independem de motivo para a sua realização, como é o caso da nomeação ou exoneração do ocupante de cargo comissionado, também chamados atos discricionários.


Entretanto, ganha força no nosso ordenamento, a aplicação da Teoria dos Motivos Determinantes, segundo a qual uma vez motivado o ato e não sendo este o motivo real para a sua prática, acarretará a sua nulidade.


O presente ensaio tem o objetivo de, analisando as características dos cargos comissionados, as peculiaridades dos atos administrativos discricionários e o teor da Teoria dos Motivos Determinantes, verificar a aplicabilidade desta por ocasião da edição do ato exoneratório do ocupante de cargos em comissão.


2 – Cargo Comissionado:


Cargo Público é o menor centro hierarquizado de competências da Administração direta, autárquica e fundacional pública, criado por lei ou resolução, com denominação própria e número certo.[1]


É preciso destacar que a criação de cargos por resolução somente encontra permissivo constitucional no âmbito do Poder Legislativo, devendo os demais Poderes instituídos criar seus cargos por intermédio de legislação específica.


O provimento dos cargos públicos, nos termos do inciso II, do artigo 37, da Constituição Federal, regra geral se dá mediante a aprovação prévia em concurso público, ressalvando, contudo, a nomeação para os chamados cargos em comissão.


Cargo em comissão é o que só admite provimento em caráter provisório. São declarados em lei de livre nomeação (sem concurso público) e exoneração (art. 37, II), destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V).[2]


Tratam-se, portanto, de cargos cujo provimento ou vacância independe de motivo.


Desta forma, a investidura e a permanência de seus ocupantes, sujeitam-se apenas e tão somente a vontade do dirigente estatal com poder legal para o exercício do ato de nomear ou exonerar alguém.


Justifica-se a exceção, porquanto tais cargos devem ser providos por pessoas de confiança da autoridade a que são imediatamente subordinadas.[3] Daí, também, serem chamados de cargos de provimento ad nutum.


A confiabilidade constitui-se em elemento intimo do Governante em relação ao ocupante daquele cargo, portanto, encontra-se implícita no ato de nomeação. Da mesma forma que a sua perda, também, resta demonstrada de forma inequívoca no ato de exoneração do ocupante de um cargo comissionado.


Por isso, a desnecessidade de se lançar no ato administrativo de exoneração de ocupante destes cargos, qualquer motivo ensejador do mesmo.


O fato de o texto constitucional estabelecer que a livre nomeação e exoneração se dará na forma da lei, visa permitir à legislação  definir quais e quantos cargos serão providos com base na vontade do Governante, bem como a fixação de requisitos a serem observados pelos futuros ocupantes dos mesmos.


3 – Ato Administrativo:


Ato administrativo é a declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais[4].


A administração pública manifesta-se, por intermédio de atos administrativos, executando ações e políticas públicas pautadas nos programas e projetos governamentais e principalmente nos ditames do ordenamento jurídico pátrio.


Como forma da manifestação da vontade administrativa do Estado os atos administrativos devem possuir os seguintes elementos: sujeito, objeto, forma, finalidade e motivo.


O sujeito é a pessoa a cuja lei outorga a competência para a prática de um ato administrativo, ou seja, o agente público responsável pela consecução daquele ato.


No caso de provimento dos cargos comissionados a Constituição Federal, outorga tal competência ao Presidente da República, podendo esta ser delegada aos Ministros de Estado (art. 84, I e XXV, parágrafo único, CF), enquanto que no âmbito dos Estados, as Constituições Estaduais reproduzem o dispositivo, delegando a atribuição aos Governadores.


Já nos Municípios cabe aos Prefeitos o provimento de tais cargos, com base no disposto nas Leis Orgânicas Municipais.


È preciso destacar que no âmbito dos demais Poderes (Legislativo e Judiciário) o provimento dos cargos em comissão é da competência do respectivo chefe do Poder.


Objeto ou conteúdo é o efeito jurídico imediato que o ato produz. Enquanto que a forma pode referir-se tanto à exteriorização do ato quanto a todas as formalidades a serem observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, necessária a realização do ato[5].


No que tange aos cargos comissionados o objeto do ato consiste na ocupação/desocupação do referido cargo, enquanto que, em regra, as leis não prevem uma forma pré-definida para a sua realização.


Por fim a finalidade de um ato administrativo constitui-se no resultado que se pretende alcançar com aquele ato e o motivo é o pressuposto fático e jurídico que serve de fundamento a um ato administrativo.


Acerca do provimento dos cargos comissionados pode-se afirmar que tem por finalidade a mudança da forma de gerir determinado órgão ou setor da Administração Pública, tornando-a mais adequada aos anseios e diretrizes do Governante.


Já com relação ao motivo, é preciso destacar que, em regra, os atos administrativos de provimento ou vacância de cargos de direção, chefia ou assessoramento, não exigem a sua presença para a realização, consubstanciando-se em discricionariedade do Administrador Público indicá-lo quando de sua prática.


Os atos administrativos, dentre as várias classificações que podem comportar, podem ser considerados quanto à liberdade de ação dos dirigentes estatais como atos vinculados ou discricionários.


Os atos vinculados são aqueles que o agente pratica reproduzindo os elementos que a lei previamente estabelece. Enquanto que nos atos discricionários a própria lei autoriza o agente a proceder uma avaliação de conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato[6].


Portanto, considerando que os atos de provimento de cargos em comissão não possuem forma pré-definida e afastam a necessidade de indicação do motivo ensejador da sua prática, cabendo ao dirigente estatal apenas a avaliação acerca da substituição ou não da pessoa que naquele momento os ocupam, conclui-se que se trata de ato de natureza discricionária.


4 – Teoria dos Motivos Determinantes:


Originária no Direito francês, a teoria dos motivos determinantes estabelece que o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada[7].


A aplicação mais importante desse princípio incide sobre os discricionários, exatamente aqueles em que se permite ao agente maior liberdade de aferição da conduta. Mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada[8].


Tomando-se como exemplo a exoneração ad nutum, para a qual a lei não define o motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o fez por falta de verba e depois nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por vício quanto ao motivo[9].


O ato de exoneração de ocupantes de cargos em comissão, conforme demonstrado, constitui-se em ato discricionário, não exigindo, portanto, para a sua realização a apresentação de qualquer motivo.


Entretanto, a exoneração pode decorrer de pedido do ocupante do cargo ou mesmo de qualquer outro fato que leve o Governante a não mais confiar no servidor que o ocupa, como se pode verificar no exemplo supramencionado.


Nessas situações em se fazendo constar o motivo no ato de exoneração, passarão este a vincular a sua prática, exigindo que os mesmos sejam reais, sob pena de invalidação do exoneratório


Isto porque, segundo a Teoria dos Motivos Determinantes, a Administração, ao adotar determinados motivos para a prática de ato administrativo, ainda que de natureza discricionária, fica a eles vinculada[10].


A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também reconhece a aplicabilidade da Teoria dos Motivos Determinantes na dispensa de ocupante de cargo comissionado, nesse sentido:


EMENTA: - Função de Assessoramento Superior-FAS. Por ser de provimento em confiança, não fazem jus, os seus ocupantes, ao benefício da estabilidade extraordinária outorgada pelo art. 19 do A.D.C.T., em face da restrição expressa no § 2º do mesmo dispositivo. Estando, porém, vinculado, o ato de dispensa do impetrante, a motivo inexistente (norma de medida provisória não inserta na lei de conversão), deve o decreto ser anulado e reintegrado o agente na função, conservada a característica da possibilidade de exoneração, ao nuto da autoridade. Mandado de segurança, para essa finalidade concedido. (STF. MS 21.170/DF. Rel. Min. Octávio Gallotti. Tribunal Pleno. DJ: 21/02/1997)


Da mesma forma ocorrerá se o motivo indicado não for verdadeiro, ou seja, em havendo a criação de suposto motivo para a prática do ato exoneratório aplica-se a Teoria dos Motivos Determinantes.


A invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam[11].


5 – Conclusão:


Diante de todo o exposto, conclui-se que o ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado não exige motivo para a sua prática, o que o caracteriza como ato de natureza discricionária, no que tange a liberdade de ação do gestor.


Contudo, em havendo motivo expressado no ato para a sua realização, este deve existir e ser verdadeiro, caso contrário aplicar-se-á a Teoria dos Motivos Determinantes, levando a invalidação do ato exoneratório.


Notas


[1] GASPARINI, Diógenes. DIREITO ADMINISTRATIVO. 12ª  edição. Ed. Saraiva.


[2] MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 26ª edição. Ed. Malheiros.


[3] SILVA, José Afonso da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 20ª edição. Ed. Malheiros.


[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 26 ª edição. Ed. Malheiros.


[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DIREITO ADMINISTRATIVO. 22 ª edição. Ed. Atlas.


[6] FILHO, José dos Santos Carvalho. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 18 ª edição. Ed. Lumen Juris.


[7] FILHO, Marçal Justen. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 5 ª edição. Ed. Saraiva.


[8] FILHO, José dos Santos Carvalho. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 18 ª edição. Ed. Lumen Juris.


[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DIREITO ADMINISTRATIVO. 22 ª edição. Ed. Atlas.


[10] STJ. RMS 20.565/DF 5 ª T., rel. Min. Aranaldo Esteves Lima. DJ: 21/05/2007.


[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 26 ª edição. Ed. Malheiros.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Exoneração Cargo Comissionado Ato Administrativo Natureza Discricionária CF

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1 Comentários

Reinaldo Advogado 26/10/2016 7:58 Responder

Excelente matéria... Parabéns ao escritor.

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