PEC 16/2019: Mandatos para Ministros do STF – reflexão e a nossa proposta

Por Leonardo Sarmento

Fonte: Leonardo Sarmento

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Retorna à pauta congressual o fim do “mandato vitalício” para os ministros do Supremo Tribunal Federal. A PEC 16/19 recebeu o expresso apoio do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco que defendeu recentemente o mandato com prazo fixo na Corte. A PEC deve iniciar sua caminhada congressual de deliberações e votações apenas em 2024, caso questões de ordem política não a aborte em alguma espécie de entendimento futuro no malfadado toma lá da cá.


Assim, tramita na Casa a Proposta de Emenda à Constituição 16/2019, que fixa em 8 anos o mandato dos ministros do STF, sem direito à recondução. Há já a possibilidade de se alterar a proposta para um prazo mais longo, de 12 anos.


Sustentam alguns, que a tese ganhou força novamente (não é a primeira PEC proposta com o fito de limitar com mandatos o tempo de exercício como ministros do STF) com recentes julgamentos da Corte sobre temas de forte impacto social. Em verdade vemos de forma diferente, a PEC ganhou nova versão e protagonismo, pois a harmonia entre “os Poderes” da República, mandamento constitucional com espeque no artigo 2° da CRFB, passa por momentos de turbulências, quando todos parecem querer sua quota parte sem que se tenha para todos.


Importante lembrar, que a Constituição estipula que os integrantes do STF não têm mandato fixo, mas devem se aposentar compulsoriamente ao atingirem os 75 anos de idade. Assim, apenas deixarão a Corte antes de completarem referida idade por meio de impeachment (letra morta na Constituição até esse momento de sua história), renúncia, ou por obviedade, em caso de morte.


Para se tornar ministro do STF, o candidato precisa ser indicado pelo presidente da República e aprovado por maioria absoluta dos senadores.


Além do mandato fixo para os ministros da Corte, a PEC 16/2019 também determina um prazo para que a indicação do Presidente da República seja feita, o que atualmente não é estabelecido. Pelo texto, o Presidente terá até um mês, a contar do surgimento da vaga no STF, para indicar ao Senado o nome de um novo ministro, em sequência o Senado teria até 120 dias para analisar a indicação. De acordo com a proposta, se o presidente não fizer a indicação dentro desse prazo, a escolha caberá ao Senado, também em até 120 dias.


Em ambos os casos, a proposta prevê que a indicação passará a trancar a pauta de votações do Senado se não for votada dentro do prazo. E, se o nome for aprovado pelo Senado, o presidente da República terá 10 dias para nomear o novo ministro. Caso isso não ocorra, o texto determina que será considerado que o presidente concordou com a nomeação.


Essa é mais uma atuação de poder como quase todas as demais, há interesses para além da melhoria, da funcionalidade do sistema no interesse público, social e institucional, não percebemos a índole precípua de uma discussão republicana, há por detrás e de forma cada vez mais aparente, inclusive aos olhos de quem não vê ou não quer ver, interesses por mais poder de barganha, por maior domínio sobre as tensões institucionais que ideologias partidárias de extremos tendem a promover, há um “fumus” de retaliação e uma disputa de quem pode mais, “quem tem mais garrafas para vender”.


Diríamos que a expressão Latina “fumus boni iuris” se aplica com certa precisão em uma de suas traduções. Rechaçamos tratar-se de “indício de bom direito”, e optamos por “onde há fumaça há fogo”, pedindo vênia aos leitores mais carrancudos e mal humorados.


Na PEC 16/2019, ao contrário da PEC 8/2021 à qual articulados sob o título “Harmonia entre Legislativo e Judiciário em Risco?”, não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade. Não fere a independência do Judiciário à nosso sentir, os futuros ministros continuarão inamovíveis, e aqui não há que se falar em reserva legal do Judiciário, em assunto “interna corporis”, como vislumbramos com a PEC 8/2021.


As questões que movem trazer novamente à baila a PEC que fixa os mandatos dos ministros em 8 anos é consequência de um país que navega à partir de embargos de extremos em um constante cabo de guerra pelo poder, ainda que custe a divisão do navio ao meio e o afogamento do povo em alto mar.


Há uma nova PEC que trata da mesma temática central da PEC 16/2019, é a PEC 51/2023. Essa já fixa um mandato mais longo, de 15 anos e altera a idade mínima para a ocupação do cargo no Supremo de 35 anos para 50 anos. Interessante notar, que a média nos últimos 50 anos que os ministros permanecem no cargo é de 10 anos e 8 meses. Assim no quesito duração de mandato a PEC de 2023 parece pouco modificativo, inadvertidamente acreditamos acabaria por deixar os ministros mais tempo nos seus cargos, o que não parece ser a ideia vendida. No tocante a idade, no mesmo período de 50 anos, a média de idade dos ministros nomeados ficou entre 51 e 55 anos, o que nos faz parecer que a PEC de 2023 “chove no molhado”, mais reafirma uma realidade histórica, que a altera. Nossa leitura para a PEC 51/2023 é a de uma mudança para deixar tudo como está. Assim, voltemos a PEC 16/2019 com prazo de 8 anos (original), pois se houver a alteração, como se cogita, para um mandato de 12 anos, poderíamos estereotipá-la como uma PEC que muda o texto constitucional, mas em nada altera a realidade fática capitada dos últimos 50 anos, conforme demonstramos.


Em retorno a PEC de 2016 (nos moldes do mandato fixo de 8 anos), não há verdade absoluta do que seria a melhor solução para o país. De um lado, aos defensores da proposta legislativa, a PEC propiciaria uma maior oxigenação do Supremo, e sustentam ainda, retiraria a sensação de super poderes dos ministros que ficam por longo tempo no cargo. De fato alguns ministros utilizam de seus poderes ministeriais para sentar em alguns processos que por razões muitas vezes políticas não pretendem levar à julgamento em prazo razoável. A PEC 8/2011 procura retirar parcela dessa autonomia dos magistrados, por exemplo, no tocante às alterações dos pedidos de vista, embora o próprio STF já tenha percebido o incômodo e em certa medida se antecipado (remetemos o leitor ao artigo já mencionado supra). Por outro lado a referida oxigenação com mandatos poderia promover uma maior insegurança jurídica, insegurança jurídica não rara de percebermos já no modelo constitucional presente, onde se mudam posicionamentos muitas vezes para atender demandas políticas de forma além do desejado. A entrada de novos ministros, em tempo menor, poderá agravar essa realidade.


Nossa crítica porém vai muito além do que se discute por essas PECs, que para nós pouco ou nada se altera na realidade fática que nos permeia, é muito mais aparecer para plateia. Muito se fala de “judicialização da política”, já tratamos do tema em livros e artigos, mas pouco se fala em “politização da justiça”, para nós tão ou mais grave que a anterior.


A política trazida para a realidade nacional, nos desvinculando de seus ideais filosóficos absolutamente tergiversados, e em sentido mais estrito, não no sentido de que política está em toda parte, poderíamos nos ater a atuação dos políticos representando seus partidos, interesses privatistas e apoiadores, pois em uma leitura realista em pouco ou quase nada representam a vontade do povo, conforme ditame constitucional.


Desta feita, quando percebemos a política como uma espécie de fundamento de validade da atuação de parcela do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, e o senso de busca da justiça renegado ao plano subsidiário, é o que mais nos atormenta e nos causa desesperança.


Não vemos qualquer possibilidade de mudança na esteira de um Supremo mais imparcial na busca pelo melhor direito enquanto a política na sua feição não filosófica e idealizada, mas sim a realista, contemporânea e partidarizada se fizer protagonista.


No modelo atual temos a escolha dos ministros pelo Presidente da República, que participará de uma sabatina na CCJ do Senado para aferir seu “notório saber jurídico” e emitirá parecer, que será levado ao Plenário do Supremo, e lá terá que ser aprovado por maioria absoluta da Casa, ao menos 41 senadores. Aprovado, o Presidente assina o decreto de nomeação, que é público, no Diário Oficial da União.


Se a ideia constitucional algum dia foi a dos freios e contrapesos (check in balance), do controle do poder pelo próprio poder, de com a participação do processo de escolha dos ministros participarem os representantes do povo conferindo legitimidade democracia ao processo, o resultado parece de fato não haver prosperado. A política do toma lá da cá, os compromissos com as ideologias de partido afastaram as razões de decidir do melhor direito e fez as vestes obscuras da política se instalarem onde deveriam ocupar lugar absolutamente secundário.


O Presidente indica para o STF pessoa ligada diretamente aos seus interesse político-partidários, muitas vezes impublicáveis, primeira carga viral política de comprometimento. Esse ministro faz sua campanha junto aos senhores senadores para garantir sua aprovação em plenário, a última rejeição foi em 1894, segunda carga viral política de comprometimento. Nasce desta ambiência nossos ministros do Supremo Tribunal Federal.


O Senado Federal, como se percebe, faz um papel de figuração, não de controle, tem um caráter prático apenas homologatório da escolha presidencial. Em raros momentos é de fato levado em conta o notório saber jurídico, em especial nos últimos anos onde os interesses político-partidários de nomeação ganhou o protagonismo às escâncaras.


Na Alemanha, a Corte Constitucional é dividida em duas. Metade que escolhe é o Parlamento e a outra metade o próprio órgão constitucional. São duas metades de 8 ministros cada uma de igual hierarquia, mandato de 12 anos. Idade mínima de ingresso é de 40 e máxima de 68 anos.


Nos EUA, que inspirou o modelo brasileiro, são 9 juízes com mandatos vitalícios, indicados pelo Presidente e avaliado pelo Senado, sem limite de idade.


Em Portugal, o Tribunal Constitucional é composto por 13 juízes sem limites de idade para investidura no cargo. Não há aposentadoria compulsória e o mandato é de 10 anos, sem recondução. Dez membros são eleitos pela Assembleia da República e três pelo próprio Tribunal.


Na Corte Constitucional da Itália são 15 membros escolhidos entre magistrados de cortes superiores, advogados ou professores universitários com mais de 25 anos de profissão, sem limite de idade mínima ou máxima. Um terço indicado pelo Parlamento, um terço pelo Presidente e um terço pelas cortes superiores. É um modelo interessante.


Nossa Proposta para Reflexão:


Não sabemos se uma mudança em nosso sistema de escolha de ministros seria de efetiva valia para uma dinâmica de um STF menos comprometido com as ideologias de partido e mais com o máximo postulado de justiça. Certo é, que nosso modelo não funciona, a escolha após excessivos comprometimentos com a política compete empiricamente apenas à Presidência da República, funcionando o Senado como Casa de homologação após compromissos por detrás das cortinas com as causas mais prementes de alguns políticos com poderes no processo. É o que se entende como “fazer política”, lamentavelmente nem sempre, ou quase nunca no interesse público.


Não há como importarmos um modelo pronto de outro país, pois cada qual com a sua realidade, com as suas estruturas de poder, mas fato é, que como está não funcionou e não funcionará nos termos da ética, nos temos da moralidade que se espera dos agentes políticos que possuem munus público de tamanho a relevância.


Em nossa proposta, o próprio Judiciário escolheria seus ministros através de lista tríplice entre os cidadãos com ao menos 25 anos de atividade jurídica comprovada e notório saber jurídico também comprovado através de seus feitos, reputação ilibada (ficha limpa), com uma efetiva e não homologatória aprovação do Senado Federal, que se seguirá após o exercício da sabatina via CCJ, com posterior aprovação e nomeação do Presidente da República. Em caso de reprovação do Presidente, esta deverá ser fundamentada pela inexistência de conduta ilibada e notório saber jurídico, fundamentação vinculada, devendo uma suposta reprovação passar pelo crivo dos ministros do Supremo Tribunal Federal com poder de veto à reprovação presidencial.


Entendemos que a questão se os cargos seriam ocupados por mandatos ou aposentadoria compulsória (como é hoje), é de menor importância. Optaríamos por 12 anos de mandato, mas nada que imaginaria ser o critério de mudança necessário como se busca com as PECs no Congresso. Doze anos de mandato para procurar dar segurança jurídica e estabilidade às decisões, sem recondução. Como dissemos,  o fator de mudança que acreditamos proporcionaria escolhas mais de acordo com os requisitos do texto constitucional de notório saber jurídico e reputação ilibada seria a modificação do eixo precípuo de escolha do campo político, embora da aprovação participe, para o campo do Judiciário, de seus pares, promovendo uma tentativa de desafetação do STF da política do “me ajuda que eu te ajudo”.


Seria uma tentativa de mudança para quem sabe as nomeações para o Tribunal com o passar dos anos se revelem menos comprometidas com a política e mais com o notório saber jurídico.


Em caso de cassação ao veto Presidencial exercido pela maioria absoluta dos ministros do Supremo, caso o Presidente se recusasse ao ato de nomeação, o próprio Supremo Tribunal Federal exerceria o ato político.


A proposta manteria um controle entre os poderes, manteria a nomeação legitimada por bases democráticas com participação do Judiciário,  Legislativo e Executivo, mas retiraria a princípio, entendemos, parcela deletéria da influência política das nomeações. O protagonismo sairia do Presidente da República, em regra um político nato, para a Casa que terá o ministro escolhido como um de seus pares, com know-how para indicação. O Senado seria cobrado por uma participação efetiva para além da homologatória que na prática cumpre.


Pelo exercício de uma política que represente os interesses da sociedade, com menos politicagem e maior grau de moralidade. Por um Judiciário que procure menos as razões da política da troca de favores e encontre mais as razões para se efetivar justiça.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: PEC 16/2019 Mandatos Ministros do STF Reflexão Proposta

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