Padrões trabalhistas mínimos e as regras do comércio internacional

A tutela do trabalhador brasileiro é bastante visível e eficaz, haja vista a celeridade e eficiência demonstrada pela Justiça do Trabalho na solução dos conflitos juslaborais

Fonte: Josiane Coelho Duarte

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O trabalho humano, elevado ao patamar de direito social e fundamental (art. 6º da Constituição Federal de 1988 – CF/88), é a mola propulsora da economia mundial e, em consequência, do comércio internacional, posto que sem aquele inexistiriam bens de consumo disponíveis no mercado.


A tutela do trabalhador brasileiro é bastante visível e eficaz, haja vista a celeridade e eficiência demonstrada pela Justiça do Trabalho na solução dos conflitos juslaborais.


No plano do Direito Material, há inúmeras regras constitucionais e infraconstitucionais que visam à melhoria das condições sociais do trabalho e a valorização do trabalho humano, tais como os artigos 1º, III e 170 da CF/88, que dispõe, respectivamente, sobre a dignidade da pessoa humana e eleva o trabalho do homem ao patamar de fundamento da ordem econômica; e a Consolidação das Leis do Trabalho, principal norma trabalhista no ordenamento jurídico pátrio.


No plano internacional, há tentativa de instituir um padrão trabalhista mínimo a ser seguido por todos os países membros da Organização Mundial do Comércio – OMC, com o fim de serem respeitados direitos mínimos trabalhistas ligados a não discriminação no trabalho e emprego, eliminação do trabalho infantil, eliminação do trabalho escravo e forçado, e o direito à livre sindicalização e negociação coletiva.


Nas palavras de Roberto Di Sena Júnior:


Padrões trabalhistas, lato sensu, compreendem vários aspectos da relação capital-trabalho, tais como proteção à saúde do trabalhador, segurança no ambiente de trabalho, jornada de trabalho, remuneração, dentre vários outros. No que tange à relação entre comércio internacional e padrões trabalhistas, a discussão envolve basicamente oito convenções tidas como os pilares da OIT. Elas estão divididas em quatro categorias, a saber: 1- liberdade de associação e negociação coletiva (Convenções nº. 87 e 98); 2- eliminação do trabalho forçado e escravo (Convenções nº. 29 e 105); 3- eliminação da discriminação em relação ao emprego e à ocupação (Convenções nº. 100 e 111) e 4- abolição do trabalho infantil (Convenções nº. 138 e 182). Essas convenções estabelecem os padrões trabalhistas fundamentais ou “core labour standards” e representam o núcleo duro da discussão sobre padrões trabalhistas. No âmbito multilateral de comércio, os únicos padrões sobre os quais se discute a aglutinação de forças OMC/OIT são os indicados nas oito convenções supracitadas. Em síntese, as discussões relativas aos padrões trabalhistas versam apenas sobre a liberdade de negociação e associação, trabalho infantil, trabalho forçado e não-discriminação, não estando em pauta temas como horas de trabalho, salários e férias, cuja complexidade é infinitamente maior. (In: Comércio Internacional e Padrões Trabalhistas: A Falácia do Discurso Humanitário. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15294/13897. Acesso em 07/02/2015).


A Carta de Havana de 1948 foi um marco importante na vinculação de temas sociais à agenda comercial internacional, quando houve a tentativa da criação da Organização Internacional do Comércio – OIC, não obstante não ter entrado em vigor diante, principalmente, da recusa do Congresso norte-americano, trouxe a lume a necessidade de se discutir o tema e de implementar padrões trabalhistas mínimos internacionalmente uniformes com a fixação de uma cláusula social para reger referidas relações comerciais.


O consenso alcançado até o momento foi em relação ao organismo internacional que deve traçar os ditames dos padrões trabalhistas mínimos, sendo definido, pelos Estados membros da OMC, que compete à Organização Internacional do Trabalho – OIT, responsável pelo trato das questões trabalhistas e sociais na esfera internacional, desempenhar este relevante papel.


Em 1998 a OIT aprovou a “Declaração sobre Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho” que reconheceu como direitos humanos fundamentais as garantias trabalhistas relacionadas à liberdade de associação e o efetivo reconhecimento do direito à negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho escravo ou forçado, a efetiva abolição do trabalho infantil, e a eliminação da discriminação em relação ao emprego e à ocupação, dando forças à ideia de instituição dos padrões trabalhistas mínimos internacionais. 


Os países desenvolvidos, tais como Estados Unidos da América e os integrantes da União Européia, são grandes entusiastas das medidas para implementação de padrões trabalhistas mínimos no comércio internacional, pois sofrem com a concorrência desleal daqueles países em desenvolvimento que desrespeitam os padrões mínimos trabalhistas mundialmente aceitáveis e, dessa forma, colocam seus produtos no mercado a preços muito baixos.


Todavia, os países em desenvolvimento criticam referida intenção, ao argumento de que o que se busca, em verdade, é causar entraves aos países mais pobres na exportação aos países desenvolvidos com a aplicação de sanções comerciais, posto que aqueles não teriam condições de suportar encargos trabalhistas mais elevados e, ainda, competir no mercado internacional.


Nesse contexto, certo que os países em desenvolvimento não se opõem à fixação de padrões mínimos de direitos trabalhistas mundialmente aceitáveis, mas, sim, à imposição de sanções comerciais àqueles que não se adequarem. Diante da realidade, resta cristalino que a preocupação não é com a saúde e bem-estar do trabalhador, mas, sim, com os entraves que possam ser criados com a implementação da medida.


A esta degeneração de direitos e condições trabalhistas atribui-se o nome de dumping social. Tal prática consiste em reduzir ao máximo os direitos sociais trabalhistas e, consequentemente, os custos de produção, com a exploração do trabalho humano, a fim de conseguir maior competitividade no mercado ao produzir produtos com baixo preço final.


Assim, os produtos são vendidos, no mercado interno ou internacional, com preços muito mais atrativos do que os praticados pelos países que respeitam os direitos trabalhistas mínimos, prática esta vedada no campo do Direito do Trabalho e no Direito Empresarial, por afrontar os direitos fundamentais trabalhistas e a livre concorrência, o que gera sérios problemas sociais e desequilíbrio no mercado.


Nas palavras de Valério de Oliveira Mazzuoli:


O que os países desenvolvidos (críticos do livre comércio) propõem é uma atuação conjunta da OMC com a OIT para a salvaguarda dos direitos fundamentais dos trabalhadores, tendo em vista que a esta última organização faltam meios processuais eficientes (enforcement powers) para a exequibilidade de seus comandos. Ocorre que todos esses argumentos e medidas antidumping dos países desenvolvidos (capitaneados pelos Estados Unidos e União Européia) não passam imunes a críticas, notadamente dos países em desenvolvimento (dentre os quais se encontra o Brasil). À alegação desses últimos também é forte: a vinculação dos padrões trabalhistas ao comércio internacional, implementada pelo discurso dos países industrializados, não representa mais que uma tentativa de criação de barreiras protecionistas, às exportações dos países menos desenvolvidos. Em outras palavras, "por trás da pretensa defesa de padrões trabalhistas mais equitativos, haveria tão somente o objetivo de estimular a exportação de bens tecnologicamente avançados para as nações menos desenvolvidas, restringindo-se, ao mesmo tempo, as exportações destas para as economias industrializadas". Outro argumento seria ainda o de que a imposição de sanções comerciais aos países "desleais" resolveria apenas o problema (que é tão somente comercial) do dumping nas relações internacionais, em nada afetando aquele que mais sofre com a falta de respeito aos padrões trabalhistas mínimos: o próprio trabalhador. Resta saber se realmente não estão os países desenvolvidos se utilizando do discurso social na defesa dos seus próprios interesses. (Mazzuoli, Valeria de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pags. 507/508).


Ainda, disserta Roberto Di Sena Júnior (Ob. Cit.):


A vinculação entre padrões trabalhistas e comércio internacional exige que países elevem seus padrões trabalhistas sob pena de sofrerem sanções comerciais impostas pela comunidade internacional. O argumento de direitos humanos, freqüentemente invocado em defesa dessa política, entende que o país que incorpora padrões laborais mais elevados goza da prerrogativa moral de suspender unilateralmente relações comerciais com os demais que não compartilham as mesmas condições.


A questão é deveras tormentosa, tanto que ainda hoje não se chegou a um consenso para iniciar as tratativas sobre a fixação de padrões trabalhistas mínimos para aplicação ao comércio internacional, contudo, certo que não podem os direitos trabalhistas sofrerem sonegação ao argumento de que não se pode fechar as portas do mercado internacional aos países em desenvolvimento.


Trabalho análogo ao de escravo, exploração do trabalho infantil e discriminação no emprego, por exemplo, são chagas sociais inadmissíveis na atual realidade trabalhista, afinal, o ser humano é o centro das relações jurídicas e sua dignidade deve ser preservada acima de qualquer interesse econômico, o que reforça a ideia da necessidade da urgente implantação de uma cláusula social entre os Estados membros da OMC a fim de garantir o respeito à dignidade humana dos trabalhadores.


Autora: Josiane Coelho Duarte Clemente é Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: Comércio Internacional Padrões Trabalhistas CF Bens de Consumo

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