Violência Escolar
A violência escolar é um fenômeno preocupante no Brasil, tem-se agregado e assumido diversas formas nas escolas, fazendo-se necessária uma investigação das perspectivas sociais, políticas e psicológicas, para que se possa ampliar a compreensão e fazer-se uso do pensamento crítico sobre essas questões. O enfoque da mídia no assunto contribuiu para que os acontecimentos tivessem maior visibilidade. As agressões nem sempre são físicas, casos de violência psicológica são bem mais comuns e menosprezados, pois constantemente são julgados como brincadeira. Brincadeira que pode resultar em homicídio, lesões corporais e, a aplicação de medidas socioeducativas sobre os menores infratores.
A
violência está presente cada vez mais na escola[1] e, impondo uma
dramaticidade ao mundo contemporâneo. Suas raízes estão postas na cruel desigualdade
social, econômica, educacional e cultural e, infecta todas as relações humanas,
sendo, por vezes, a mais genuína expressão dos sujeitos envolvidos.
A
tragédia se intensifica quando o envolvimento da violência atinge um público infanto-juvenil
e, não obstante, tantas importantes conquistas galgadas com a evolução da
proteção do chamado sujeito de direitos que ainda se mostra frágil diante a
toda e qualquer violência que pode surgir na escola, no seio familiar, no meio social
e, principalmente, traumatizando boa parte da infância e adolescência.
As
escolas que recebem discentes de diversos níveis sociais, econômicos e
culturais defrontam-se com diários problemas de violência, envolvendo toda
comunidade escolar que, além de reproduzir a violência cotidiana.
Na
mídia, assistimos todos os dias, os mais variados casos de violências nas
escolas, onde se pode encontrar tráfico de drogas, rixas, agressões entre
gangues, que atinge a todos, alunos, professores e funcionários, dentre outros.
Torna-se
importante identificar as principais formas que a violência comparece no
contexto escolar, como o bullying[2],
e assim, desconhecemos a posição de criança e do adolescente e, dos demais
atores nesse contexto, para tanto, há de se identificar as melhores
alternativas de combatê-la, utilizando-se as medidas prevenções mais exitosas.
Não
pretendo esgotar o tema tão complexo, mas apenas trazer a necessária reflexão
para que possamos adotar medidas preventivas e inibitórias da chaga que
significa a violência escolar.
Lembremos
que a concepção jurídica sobre a criança e adolescente perpassou por várias
transformações e, no Brasil (e no mundo) historicamente o tratamento conferido,
principalmente, no período Colonial e do Império onde se torna perceptível a grande
evolução legislativa galgada até esses contemporâneos dias.
Bem
antes de pisarmos no solo tupiniquim durante a epopeia marítima em direção à
Terra de Santa Cruz, as crianças já sofriam violações de toda sorte.
E, a
bordo das caravelas, na condição de grumetes ou pajens, como órfãs do Rei,
enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da coroa, ou como passageiros
embarcados em companhia dos pais ou com algum parente, elas eram obrigadas a
aceitar toda sorte de abusos sexuais de marujos e demais tripulantes.
Mesmo
as crianças acompanhadas de pais eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham
de ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens
intactas, pelo menos, até chegarem à Colônia.
Destaca-se
que era baixa a expectativa de vida das crianças portuguesas entre os séculos
XVI e XVIII ficava em torno de quatorze anos, enquanto mais da metade dos
nascidos vivos morria antes de completar sete anos.
Principalmente,
entre as classes sociais mais baixas, as crianças fossem consideradas como
pouco mais de animais, cuja força de trabalho, deveria ser sorvida ao máximo enquanto
durassem suas curtas vidas.
No
Brasil Colônia, não havia no direito positivo qualquer proteção destinada à
criança e ao adolescente. E, buscando satisfazer os interesses da Coroa
Portuguesa, as crianças eram catequizadas segundo os costumes portugueses,
visando a compreensão da “nova ordem” que se estabelecia.
Foi a
partir de 1549, coube a Companhia de Jesus[3] a nobre missão precípua de
evangelizar os habitantes da Colônia, com intuito de modificar os hábitos
desregrados dos portugueses que no Brasil chegaram. Afinal, em sua grossa
maioria, eram degredados[4].
Portanto,
os religiosos passaram a ter relevante papel na defesa de mulheres e crianças,
principalmente, as indígenas, subjugadas pelos colonizadores, durante todo o
período colonial e nos subsequentes.
Até o
início do século XX, todo o amparo à infância brasileira, basicamente foi exercido
pela Igreja Católica. E, preocupados com a degradação dos costumes e com a
violência sofrida pelas indígenas, os jesuítas batalhavam pela implantação da
instituição familiar na Colônia.
A
violência sexual praticada pelos portugueses contra as mulheres indígenas e
africanas gerou inúmeras crianças ilegítimas no Brasil colonial. No fim do
século XVII e século XVIII, com o incremento da vida urbana, as crianças
havidas fora do casamento passaram a ser um problema típico das cidades, sendo
possível observar várias situações de menores abandonados[5].
O
Brasil acabou adotando a mesma categorização de tipos de filiação e suas
variações proposta pelas Ordenações Filipinas. As maneiras de filiação são
dadas da seguinte forma: O filho legítimo era aquele concebido em um casamento
legal entre os pais. Os filhos ilegítimos, por outro lado, podem ser naturais –
filhos de pais solteiros e sem impedimento para a realização do casamento; espúrios
– filhos de pais com algum impedimento para a realização do matrimônio;
sacrilégios – filhos de relações carnais entre um leigo e um eclesiástico;
adulterinos – filhos de um relacionamento em que um dos pais era casado e
incestuoso, ou seja, fruto de uniões carnais entre parentes ligados por
consanguinidade e/ou afinidade até o 4º grau.
Dentro
destas divisões diferenciavam-se, portanto, o direito à herança entre os filhos
na qual alguns poderiam partilhá-la com os chamados filhos legítimos e outros
não. esses filhos ilegítimos de várias maneiras, mas, como Brügger alerta,
pouco se encontram, nos registros de batismo, citações claras de paternidade quando
envolve uma situação que leve a algum tipo de reprovação social, como é o caso dos
filhos espúrios.
Brügger
segue, então, com essa mesma linha demonstrando através de vários dados que a
ocorrência de filhos ilegítimos acontece mais comumente entre escravos e a população
menos abastada, o que não implica no desaparecimento desse fato entre os indivíduos
livres. Pelo contrário, os filhos fora do casamento são de maneira geral um acontecimento
social comum na sociedade brasileira.
Nesse
aspecto, as legislações, tanto civis quanto a eclesiástica, mostram-se em
sintonia no tipo de tratamento reservado às crianças batizadas filhos de uniões
não sancionadas pela Igreja: só deve constar no registro paroquial os nomes de seu
pai e de sua mãe caso isso não gere qualquer tipo de escândalo[6].
As
dificuldades de lidar com as crianças abandonadas levaram o país a recorrer ao
sistema de casa ou roda dos expostos, como já tinha sido instituído, na Itália,
no século XII. A primeira Roda dos Expostos[7] foi instalada em 1726 pela
Irmandade da Misericórdia da Santa Casa de Salvador, seguida pelo Rio de
Janeiro, em 1738, e em São Paulo, apenas em 1825.
Eram
mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia, a Roda dos Expostos tinha como
objetivo principal amparar as crianças vítimas da rigidez da ética social,
religiosa e cultural da época, onde elas eram enjeitadas pelos seus pais em
virtude do rígido controle da virgindade feminina no propósito de encobrir a infelicidade
material ou também pela necessidade econômica.
Já no
Brasil Imperial sob a vigência das Ordenações Filipinas[8], promulgadas em 1603 por
Rei Filipe II, a política repressiva era fundada no temor e crueldade das
penas. À criança e ao adolescente era dispensado o mesmo tratamento cruel e
desumano imposto aos adultos, até mesmo na forma de se vestir, de se alimentar,
de trabalhar forçadamente, nas expressões do estupro, na venda e troca destes
como mercadoria, etc.
Nesta
época, a imputabilidade penal era a partir dos sete anos de idade, quando o
menor cumpria a mesma pena do imputável com a redução de um terço do tempo. Dos
17 (dezessete) aos 21(vinte e um) anos de idade, eram considerados jovens
adultos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (enforcamento).
A
exceção era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava a pena
de morte natural para os maiores de quatorze anos.
A
chamada “doutrina penal do menor”[9], assim denominada em
virtude de não haver uma legislação especial e específica a esta população,
tratava a questão apenas sob a ótica do direito penal, não conferindo acréscimo
algum ao direito comum das crianças e adolescentes. E, foi inspirado por essa
doutrina, o Código Penal brasileiro do Império, de 1830[10] preocupava-se com a
delinquência praticada pelo menor, e inseriu o exame da capacidade do
discernimento para a aplicação da pena.
Os
menores de quatorze anos eram inimputáveis, mas sob o critério biopsicológico,
entendendo o juiz que a criança, na faixa dos sete aos quatorze anos de idade,
tivesse agido com discernimento, ou seja, se ela tinha capacidade de distinguir
o bem do mal, poderia então ser encaminhada para as Casas de Correção, onde
poderia permanecer até os dezessete anos de idade.
A
primeira lei brasileira que tratou especialmente da proteção de menores foi a
Lei do Ventre Livre[11], (Lei nº 2.040, de 28 de
Setembro de 1871) trouxe o primeiro dispositivo legal protetivo expresso às
crianças, passando a dar à mãe escrava o direito de criar seu filho até os sete
anos de idade.
Porém,
após esse período, ou o Estado brasileiro indenizava o dono da escrava e a
criança era retirada da mãe e colocada num orfanato, deixando de ser escrava
para ser abandonada, ou continuava na companhia da mãe, trabalhando como
escrava até os vinte e um anos de idade, quando então era alforriada.
Enquanto
muitas crianças que eram filhos de escravos permaneceram exploradas pelos
senhores, outras, então desvalorizadas como mão de obra foram abandonadas pelos
patrões de suas mães, contribuindo para engrossar as fileiras dos
desassistidos.
A
preocupação com a existência de crianças pobres e marginalizadas, especialmente
no ambiente urbano, motivou as discussões em torno da infância. Rizzini (2011)
traz como característica importante da legislação, presente, sobretudo a partir
da segunda metade do século XIX, a preocupação com a formação educacional das
crianças, como as leis que tratavam da regulamentação do ensino primário e
secundário no Município da Corte (Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851 e
1331-A, de 17 de fevereiro de 1854) e um decreto que criava dez escolas públicas
de instrução primária, do primeiro grau, no Município da Corte (Decreto nº
5.532, de 24 de janeiro de 1874).
O
aumento populacional no início do período republicano, motivado,
principalmente, pela intensa migração de escravos libertos, trouxe consigo
alguns males sociais: doenças, sem tetos, analfabetismo. Em um momento de
construção da imagem da nova república, medidas urgentes tornaram-se
necessárias.
A
preocupação com a delinquência juvenil fez-se presente e “o pensamento social
oscilava entre assegurar direitos ou ‘se defender’ dos menores”. Com a edição
de inúmeras normas sobre o tema, houve, nesse período, uma nítida “judicialização”
da infância, popularizando a categoria jurídica do “menor”, comumente empregada
nos debates da época.
Tal
termo “menor” foi naturalmente incorporado na linguagem para designar a criança
abandonada, desvalida, delinquente, viciosa, entre outras. Com o advento do
primeiro Código Penal do Brasil República, em 1830[12], a imputabilidade penal
passou para nove anos de idade, mantendo o critério do discernimento.
Então,
entre os nove anos até os 14 (quatorze) anos de idade, a imputabilidade penal
era aferida pelo critério subjetivo da percepção de dolo.
Já, a
partir dos quatorze anos de idade, a imputabilidade penal era objetiva, ou
seja, os menores eram punidos da mesma forma que o adulto, inclusive cumpriam a
pena no mesmo estabelecimento, só que com a pena reduzida em um terço.
Azambuja
(2004) destaca que a mesma legislação previa, ainda, a possibilidade de
recolhimento a estabelecimentos disciplinares os jovens com idade entre 14
(quatorze) e 21 (vinte e um) anos, quando considerados vagabundos ou vadios.
Posteriormente, com o Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893, e a Lei nº 947,
de 29 de dezembro de 1902, estabeleceu-se o encaminhamento dos jovens para
colônias correcionais.
As
crescentes discussões internas, influenciadas, também, pelos debates no cenário
mundial, esboçavam uma nova perspectiva do direito da criança e do adolescente,
a fim de afastá-los do direito penal e propondo a especialização de tribunais e
juízes. Amin (2010) apontou a existência
de uma “consciência geral de que o Estado teria o dever de proteger os menores,
mesmo que suprimindo garantias”.
Segundo
Rizzini (2011), o período de 1923 a 1927, foi um dos mais proveitosos em termos
de legislação no que tange à organização da assistência e proteção à infância
abandonada e delinquente.
Em
1924, o Decreto 16.300 institui a Inspectoria de Hygiene Infantil, como
parte do Departamento Nacional de Saúde Pública. No mesmo ano, aprovou-se o
regulamento do Conselho de Assistência e Proteção de Menores (Decreto nº 16.388
que, posteriormente, viria a compor a Parte Especial do Código de Menores de
1927).
Em
1926, foi publicado o Decreto nº 5.083, primeiro Código de Menores do Brasil[13], que cuidava dos
“infantes expostos e menores abandonados”, sendo, em outubro de 1927, foi substituído
pelo Decreto 17.943A, popularmente conhecido como “Código Mello Mattos”, em virtude
de ter sido o primeiro Juiz de Menores da América Latina.
O
Código de Menores era endereçado não a todas as crianças, mas apenas àquelas
tidas como estando em situação irregular. A mencionada lei definia, já em seu
art. 1º, a quem a lei se aplicava: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou
delinquente, que tiver menos de 18 (dezoito) annos de idade, será submetido
pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste
Código (grafia original)” (BRASIL, 1927).
Procurando
cobrir um amplo espectro de situações envolvendo a infância e adolescência, o
Código Mello Mattos visava estabelecer diretrizes claras para o trato da
infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil,
tutela e pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada. Revestia-se a figura
do juiz de grande poder, sendo que o destino de muitas crianças e adolescentes
ficava à mercê do seu julgamento e ética (LORENZI, 2016).
Em que
pese o avanço legislativo, o “menor” permanecia sem direitos reconhecidos, vivendo
num período em que a internação[14] de menores passou a ser
rotina. Tal procedimento acabou gerando críticas provenientes de diversos
setores sociais, em grande parte embasadas nas discussões sobre as crianças e
os indivíduos das classes mais pobres, com o objetivo de discipliná-los e torná-los
“governáveis”. (AZAMBUJA, 2004).
Sob a
ótica do Código Mello Matos criou-se uma série de estruturas destinadas ao
atendimento, valendo destacar o Decreto Lei nº 3.799, de 1941, que instituiu o
SAM - Serviço de Assistência do Menor, que atendia menores delinquentes e
desvalidos. Ele compunha-se de internatos para adolescentes autores de infração
penal e patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos, para
os menores carentes e abandonados. Sua disciplina era rígida tanto num como em outro.
Com o
passar dos anos, o SAM caiu no descrédito popular. Na década de sessenta,
recebe duras críticas devido ao distanciamento de seu objetivo inicial, seu
caráter repressivo e a incapacidade de recuperação dos internos.
Em
1964, pela Lei nº 4.513, criou-se a FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor, a qual tentou substituir as práticas correcionais repressivas do antigo
SAM, por uma política de enfoque assistencialista (ALBERTON, 2005).
Sob as
diretrizes traçadas pela FUNABEM, os governos estaduais também reformaram suas estruturas
administrativas para o atendimento à infância, centralizando-as sob a forma das
Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, as FEBEMs. Grande parte dos Estados
da federação criou fundações nos anos setenta com esta finalidade.
No
final dos anos sessenta e início da década de setenta, iniciam-se os debates
para a reforma e criação de uma legislação menorista, rompendo definitivamente
com a Doutrina Penal do Menor. Assim, em 10 de outubro de 1979 foi publicada a
Lei nº 6.697, segundo Código de Menores, que, mesmo sem inovar, acabou
consolidando a Doutrina da Situação Irregular (AMIN, 2010).
Inaugurando
uma nova fase do direito menorista do Brasil, o Código de Menores de 1979,
elaborado especialmente por juízes de menores, fundou-se na doutrina da situação
irregular, sob o binômio “vítima de abandono ou maus tratos/infrator”.
O Juiz
de Menores torna-se a autoridade máxima, com poderes “discricionários para
proteção do menor" e as FEBEMs permanecem como os estabelecimentos
encarregados do cumprimento das medidas determinadas (GONZÁLES, 200, p. 145).
No
art. 2° do referido código, considerava-se menor em situação irregular aquele
que poderia ser encontrado em seis situações distintas, quais eram: o menor
abandonado em saúde, educação e instrução; a vítima de maus tratos ou castigos
imoderados; os que se encontravam em perigo moral; os privados de assistência
judicial; os desviados de conduta e o autor de infração penal (BRASIL, 1979).
Durante
todo este período, a cultura da internação para carentes e delinquentes foi a
tônica, vista, muitas vezes, como a única solução (AMIN, 2011).
No
decorrer dos anos oitenta, são feitos diversos questionamentos sobre a Política
Nacional de Bem-Estar do Menor e o Código de Menores, mecanismos que tiveram
sua origem no regime autoritário.
Azambuja (2004) explica que por mais que a doutrina da situação irregular tenha
trazido um avanço em relação à anterior, o segundo Código de Menores é passível
de muitas críticas.
O Juiz
de Menores detinha poderes irrestritos, não necessitando fundamentar suas decisões,
nem mesmo se sujeitava à critérios objetivos. Ele podia, por exemplo, decidir a
internação de uma criança ou adolescente, por tempo indeterminado, pelo fato de
estar perambulando na rua.
Em
1990, a já desgastada FUNDABEM foi substituída, por intermédio da Lei nº 8.029,
de 12 de abril de 1990, pelo CBIA (Centro
Brasileiro para a Infância e Adolescência). Ao novo órgão incumbia formular,
normatizar e coordenar a política de defesa dos direitos da criança e adolescente,
bem como prestar assistência técnica a órgãos e entidades que executassem essa política
No
final dos anos setenta e durante a década de oitenta, o Brasil viveu período
marcado pela abertura política, culminando com o fim da ditadura militar. A
afirmação de direitos democráticos e a luta em defesa dos direitos humanos
tornaram-se muito presentes no cotidiano do povo brasileiro (ALBERTON, 2005).
A
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de
1988, trouxe uma série de direitos fundamentais a crianças e adolescentes até
então não instituídos. Antecipando-se à Convenção das Nações Unidas de Direito
da Criança, incorporou ao ordenamento jurídico nacional, em sede de norma constitucional,
os princípios fundantes da Doutrina da Proteção Integral[15], conforme expresso em seu
artigo 227, caput:
Art. 227. É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(grafia original)
No
art. 228, a Constituição Federal brasileira de 1988 declara os menores de 18
(dezoito) anos como penalmente inimputáveis e remete para a legislação especial
a tipificação dos ilícitos, as penalidades e os procedimentos a que devem estar
sujeitos os adolescentes autores de atos infracionais.
A
Magna Carta de 1988 afastou a doutrina da situação irregular até então vigente,
assegurando às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, direitos
fundamentais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal e
concorrente de assegurá-los (AMIN, 2010).
Conforme
ensina Azambuja (2010):
“Com o
advento da Constituição Federal brasileira de 1988, a Doutrina da Situação
Irregular[16]
é substituída pela Doutrina da Proteção Integral[17], alicerçada em três
pilares: a) a criança conquista a condição de sujeito de direitos; b) a
infância é reconhecida como fase especial do processo de desenvolvimento; c) a
prioridade”.
Resultado
de um esforço conjunto entre vários países que, durante dez anos buscaram definir
quais os direitos humanos comuns a todas crianças, para a formulação de normas
legais, e internacionalmente aplicáveis (PEREIRA, 1996), a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, se contrapôs ao
tratamento social excludente da criança e do adolescente existente até então,
apresentando um conjunto social, metodológico e jurídico que permitiu compreender e abordar as questões relativas a
estes peculiares sujeitos sob a ótica dos Direitos Humanos (PINHEIRO, 2012).
Consagrou
a Doutrina da Proteção Integral que, segundo Pereira (1996), devido à peculiar
condição de pessoas em vias de desenvolvimento, as crianças e os adolescentes
possuem características específicas, devendo a infância ser considerada
“prioridade imediata e absoluta”, necessitando “consideração especial”, e tendo
sua proteção que se sobrepor às medidas de ajustes econômicos, salvaguardando
seus direitos fundamentais.
Conforme
destaca Pereira (1996), pelo princípio do interesse maior da criança, a Convenção
reafirma que é dever dos pais e responsáveis garantir às crianças proteção e
cuidados especiais e na falta destes é obrigação do Estado assegurar que as
instituições e serviços de atendimento o façam.
Com a
publicação do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, o Brasil ratificou
a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, transformando-a em lei interna.
Apesar
da Constituição da República brasileira vigente, em seu artigo 227, já definir
os direitos fundamentais inerentes à criança e ao adolescente e, portanto, ser
de aplicação imediata, coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a
construção sistêmica da doutrina da proteção integral (AMIN, 2010).
Assim,
a Lei Federal nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –
sancionada em 13 de julho de 1990, passando a vigorar no Brasil a partir de 14
de outubro do mesmo ano, revogou o Código de Menores e a Política Nacional do
Bem-Estar do Menor[18].
De
acordo ECA, todas as crianças e os adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos
direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento
que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a ideia e que os Juizados de Menores
seriam uma justiça para os pobres e desvalidos. Segundo as palavras de Saraiva
(2010), pode-se dizer que “o estatuto da Criança e do Adolescente é a versão
brasileira da Convenção das Nações unidas de direitos da Criança”.
Para Ferreira
(2008), ao estabelecer que crianças e adolescentes têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas em fase especial de desenvolvimento,
assegurando-lhes direitos civis, humanos e sociais, o Estatuto da Criança e do
Adolescente elevou-os à condição de cidadãos, retirando-os da situação de meros
receptores de benefícios para satisfação de suas necessidades básicas,
considerando-os agentes que podem trabalhar, direta ou indiretamente, para a
conquista dos direitos contemplados, assumindo, em contrapartida, as obrigações
que lhe são naturais.
A Lei
explicitou o que se deve entender por direito à liberdade (ECA, art. 16), ao respeito
(ECA, art. 17) e à dignidade (ECA, art. 18) em relação à criança e ao
adolescente, tratando cada tema em artigos distintos.
A
partir de 1988 e 1990, instaurou-se no Brasil uma nova era dos direitos da
criança. A nova Lei provocou mudanças na política de atendimento à criança e ao
adolescente, com a criação de instrumentos que viabilizem o atendimento e a
garantia dos direitos assegurados àqueles que ainda não atingiram os dezoito
anos (AZAMBUJA, 2004).
Com
isso, criaram-se os Conselhos Tutelares, funcionando em cada Município como
“órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade para
zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (art. 131 do
ECA).
De
acordo com Azambuja (2004), o Conselho Tutelar se torna uma das peças mais importantes
para a implementação da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
Dentre
outras situações de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente,
cabe ao Conselho Tutelar receber os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos
contra a referida população, mostrando-se de extrema urgência sua criação e
instalação nos Municípios.
Como
assevera Pereira (1996), a Lei nº 8.069/1990 (ECA), ao adotar como seu
fundamento a doutrina da Proteção Integral, rompeu definitivamente com a
“cultura jurídica das discriminações”, presentes nas legislações anteriores.
Para
ele a distinção entre criança e adolescente trazida no art. 2º do Estatuto teve
como único objetivo de dar tratamento especial às pessoas em fase de peculiar
desenvolvimento, em razão da maior ou menos maturidade, a exemplo das medidas
socioeducativas, atribuídas apenas aos maiores de 12 (doze) anos na prática do ato
infracional, enquanto aos menores desta idade se aplicam as medidas específicas
de proteção.
O
olhar sobre a criança e ao adolescente como sujeitos de direitos, conforme
descrevem Vannuchi e Oliveira (2010), foi o “resultado do processo de tomada de
consciência de luta que mudou a visão discriminadora e excludente aos quais
estavam submetidos.”
Hoje
já se reconhece que crianças e adolescentes têm direitos, pelo simples fato de existirem
e merecerem respeito, como pessoas, independentemente de sua origem, raça, etnia,
sexo, orientação sexual, idade, condição física social econômica.
Antes
da Constituição Federal brasileira de 1988, as crianças e os adolescentes
durante muitos séculos foram distinguidos de forma inferiorizada no plano
legislativo externo.
A
partir do século XX, pode-se apontar como o iniciar de uma nova era para os
direitos menoristas, com a precursora convenção acerca da idade mínima para o
trabalho (1919) e de supressão do tráfico de crianças de 1921.
A
Declaração de Genebra de 1924, conhecida como Carta da Liga sobre a Criança, é
indicada como o documento pioneiro no desabrochar dos direitos infantis. A Convenção
Internacional sobre os Direitos das Crianças, publicada pela Organização das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989[19], constituiu o pilar da
doutrina da proteção integral[20], adotada em quase todos
os países ocidentais. Com a ratificação desta importante Convenção Dos Direitos
Infantis, o Brasil incorporou, definitivamente, o princípio do superior
interesse da criança, norteador das leis, doutrina e jurisprudências
brasileiras (MACIEL, 2015).
Em
consonância com a Magna Carta, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA)
trata de regulamentar os dispositivos constitucionais referentes aos direitos
da criança e do adolescente, os elevando à condição de sujeitos de direito, o
que, para Lima (2012), tornou-se uma das grandes mudanças ocorridas: a criança
podendo tomar decisões, ter garantida a sua capacidade de opinião, digna de ser
respeitada.
Assim,
da mesma forma que não devem ser tratados de maneira que os tornem inferiores a
qualquer outra pessoa, a criança e ao adolescente não podem ser tratados como
adultos. Elas devem ter respeitadas suas particularidades, partindo-se do
reconhecimento de sua condição de pessoas em desenvolvimento, conforme prevê o
Estatuto da Criança e do adolescente.
O
tratamento dispensado à criança na normativa internacional, na constituição
Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, significa uma conquista
sem precedentes na história dos direitos da infância.
Embora
a lei, de forma mágica, não mude a realidade, ela é um instrumento que reflete o
estágio de desenvolvimento de um povo, enuncia direitos, confere legitimidade
ativa e passiva para estar em juízo e permite acesso ao poder Judiciário sempre
que as garantias legais forem ameaçadas ou violadas.
Em
harmonia com a supremacia que o valor da dignidade da pessoa humana recebeu na Carta
Cidadã, de igual forma inseriu um sistema de proteção especial para crianças e
jovens, reconhecidos na sua especificidade de seres humanos ainda em
desenvolvimento físico, psíquico e emocional.
Machado
(2003) sustenta que o ponto focal no qual se esteia a concepção positivada no texto
constitucional é a compreensão de que, por se acharem na peculiar condição de
pessoas humanas em desenvolvimento, crianças e adolescentes encontram-se em
situação especial e de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de um
regime especial de salvaguardas, que lh permitem construir suas potencialidades
humanas em sua plenitude.
Para
doutrinadora, as crianças e os adolescentes receberam do ordenamento jurídico
brasileiro esse tratamento mais abrangente e efetivo porque a sua condição de
seres diversos dos adultos têm maior vulnerabilidade em relação aos seres
humanos adultos.
Vulnerabilidade
essa que é a noção distintiva sob a ótica do estabelecimento de um sistema
especial de proteção. Enquanto portadoras de uma desigualdade inerente,
intrínseca, o ordenamento confere-lhes tratamento mais abrangente como forma desequilibrar
a desigualdade de fato e atingir a igualdade jurídica material e não meramente formal.
Como
bem destaca Azambuja (2010), a inclusão no ordenamento jurídico, da garantia e do
reconhecimento da dignidade humana, como fundamento e princípio basilar, é
recente. Nesse sentido, torna-se inegável a contribuição da Declaração
Universal dos Direitos Humanos não só para o ordenamento jurídico brasileiro
como para as constituições democráticas modernas.
No que
tange ao ordenamento jurídico brasileiro, o art. 18 do ECA, repetindo a norma
do art. 227 da CF/1988, que reconheceu o direito à dignidade da criança e do
adolescente, veio preencher uma lacuna, protegendo o infante de “qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”,
demonstrando claramente a preocupação do legislador quanto a necessidade de
defender o status dignitatis do menor.
Marques
(2008) assim acrescenta: É importante salientar que é dever de todos velar pela
dignidade da criança e do adolescente. Esta função não se limita aos pais e aos
responsáveis legais, estendendo-se a qualquer pessoa que tenha conhecimento de
algum abuso ou desrespeito à dignidade da criança e do adolescente, devendo
comunicá-lo ao Ministério Público, que tem obrigação legal de propor as medidas
judiciais e extrajudiciais necessárias.
O
direito ao respeito, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, “abrange a
proteção da vida privada, a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores das ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (artigo 17).
Azambuja
(2010) ensina que, anteriormente, a Convenção da Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança, em seu art. 8º, já estabelecia a obrigação dos
Estados-Partes de respeitarem o direito da criança, preservarem sua identidade,
inclusive, nacionalidade, o nome e as relações familiares, sem interferências
ilícitas.
Amin
(2010) traz como respeito “o tratamento atencioso à própria consideração que se
deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis, seja pela idade, por sua
condição social, pela ascendência ou grau de hierarquia em que se acham
colocadas”. Para a autora, o paradigmada proteção integral, sistematicamente,
está consolidado, mas culturalmente ainda há muito a fazer, pois:
O
estigma do menor como objeto de proteção concede o direito de tratar os menores
e deles exigir o que bem se entende, sem enxergá-los como pessoas, carecedoras
de tratamento digno e resguardo a sua integridade (física, psíquica e intelectual).
Crianças e adolescente têm o direito de se desenvolver como crianças e
adolescente.
A
Constituição Federal, em seu capítulo VII, quando trata “Da família, da
criança, do adolescente e do idoso”, inscreve como dever da “família, da
sociedade e do Estado” assegurar à criança e ao adolescente direitos
fundamentais, ressaltando dentre outros, o “direito a educação, à cultura e o
lazer (Art. 227 da CF/1988).
Além
de romper com a tradição mantida nas Constituições anteriores ao cuidar dos
direitos fundamentais no seu início, assegurando os direitos do cidadão em
detrimento do Estado, a Carta de 1988 também inovou ao incluir a educação no
rol “dos direitos e garantias fundamentais” e ao reconhecê-la como um dos
direitos sociais.
A
Constituição cidadã avançou muito no asseguramento do direito à educação, seja
no seu reconhecimento como direito público subjetivo do cidadão brasileiro,
seja ao regular expressamente o direito de acesso dos costumeiramente excluídos
(trabalhadores, deficientes, indígenas, os que não tiveram acesso na idade
própria, crianças pobres e vulneráveis), como ao estabelecer as formas de
financiamento da educação básica.
Rosa
(2012) salienta que, embora a Constituição Federal brasileira vigente não
possa, por si só, concretizar os direitos, ela impõe tarefas e define
responsabilidades, transformando‐se em
força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir para
isso a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela
estabelecida.
Portanto,
a preocupação para que o Estado assegure, coerentemente, uma educação voltada
para o pleno desenvolvimento da pessoa, que torne explicita a prática para a cidadania
e a capacitação para o trabalho.
A fim
de esses direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua para que
todos tenham uma escola pública gratuita, de boa qualidade e que seja realmente
aberta e democrática, capaz de preparar e educar para o pleno e completo exercício
da cidadania (VASCONCELOS, 2010).
A
educação como direito social está garantida no artigo 205 da Constituição
Federal brasileira de 1988: “A educação direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
Segundo
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação),
a escola tem como função social formar o cidadão, e, desse modo, garantir as finalidades
registradas no seu artigo 22: “A educação básica tem por finalidade desenvolver
o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores.”
Como
destaca Camargo (2007), as instituições de ensino são criações da sociedade. “Elas
nascem de uma necessidade surgida na Modernidade e são, relativamente,
respostas ao entendimento que se fez da infância, quando categorizada e
conceituada.” Antes do século XV, não havia uma ideia formada sobre a infância.
A criança era percebida como uma “miniatura do adulto”;
Não se
pensava em um desenvolvimento diferenciado para ela. No século XVI, passou se a
entendê-la como um ser frágil e carente de atenção, e a partir do século XVII, aproximadamente,
sente-se a necessidade de moralizar a criança, “educá-la”.
Assim,
com o passar do tempo, em função das atividades sociais, econômicas e políticas
que provocam novas estruturas familiares, a educação começa a ser “dada” fora
do âmbito familiar, ou seja, no então “ambiente escolar”.
Welchen
e Oliveira (2013) salientam que a educação pressupõe uma adaptação crítica ao
meio, não abstraindo somente valores tradicionais idealizados como eficientes,
mas uma visão ampla que possibilite escolhas que não necessariamente sejam
impostas como padrão.
A
escola, entendida como um local que possibilita uma vivência social diferente
do grupo familiar, deve oferecer a oportunidade de o aluno ter acesso a
informações e experiências novas e desafiadoras, capazes de provocar
transformações e de desencadear processos de desenvolvimento e comportamento.
A
escola é um espaço de conflitos, porque convivem em seu bojo pessoas com
subjetividades diferentes, onde vidas humanas, ao conviverem, se constroem e se
educam.
Em
paralelo à instrução curricular, um dos principais objetivos da educação é
desenvolver condições para que crianças e jovens participem da vida em
sociedade de forma crítica e autônoma, desenvolvendo as condições para o
exercício da cidadania.
Para Pátaro
e Alves (2011), são esses os elementos que devem ser desenvolvidos pela escola
para que, de maneira crítica, “alunos sejam capazes de se indignarem com as
injustiças sociais e almejarem uma vida digna para si próprios e para a
sociedade”.
Recorrendo
à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996,
encontra-se alguns artigos que fazem menção a esses objetivos:
Art.
2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
[...]
Art. 27º. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes
diretrizes:
I - a
difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos
cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. (BRASIL, 1996).
Para La
Taille (1999), as instituições educacionais são lugares de conquista da autonomia.
A novidade, na vida escolar, não é obedecer, mas, sim, a quem obedecer e isso depende,
primeiro, da delegação da autoridade dos pais para a escola – o que acontece,
em geral, é a atribuição de responsabilidades e não de autoridade.
A LDB
apregoa, em seu artigo 3º, que o ensino será ministrado com base em princípios dos
quais se pode destacar: “VIII - gestão democrática do ensino público, na forma
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1993)
Segundo
Queiroz (2002), a escola atual é considerada uma escola democrática e que prepara
o indivíduo para a democracia. A doutrinadora explica que desenvolver uma
escola democrática significa desenvolver uma educação escolar que compreenda as
diversas interferências e interesses que perpassam a sociedade e que organiza o
ensino de forma a levar o educando a compreendê-los e a compreender o papel de
cada um, individualmente, e o de cada grupo para poder interferir nas ações
dessa sociedade.
A
violência é um fenômeno presente em todas as sociedades e tendo em vista a amplitude
do tema e multiplicidade de fatores que a originam, é considerada um evento de difícil
definição.
Conforme
salienta Priotto (2008), a violência se apresenta com diferentes características
e formas, de acordo com o momento histórico e cultural.
Trata-se
de um “fenômeno inerente à vida humana que permeia historicamente a vida social
e só pode ser explicado a partir de determinações culturais, políticas,
econômicas e psicossociais, intrínsecas às sociedades humanas.”
Como
ele destaca:
A
escola, como qualquer outra instituição, também acaba afetada por situações
externas, alheias a sua função social. Ela não apenas reproduz as violências
correntes na sociedade, mas também produz formas próprias, que se refletem no
seu dia a dia.
No
contexto escolar, a criança se encontra tanto na posição de vítima quanto na de
agressor e o ambiente é atingindo de modo avassalador, transformando a escola
num palco de explosão de conflitos sociais, comprometendo seriamente a sua
verdadeira função de socialização, aprendizagem e formação.
Tonchis
(2013) descreve que “o conflito e violência sempre existiram e sempre
existirão, principalmente, na escola, que é um ambiente social em que os jovens
estão experimentando, isto é, estão aprendendo a conviver com as diferenças, a
viver em sociedade”.
Assim,
além de estarem expostos a diversas formas de violações, também acabam internalizando
e refletindo a violência vivenciada fora do ambiente escolar.
Charlot
(2002) assinala que, historicamente, a questão da violência na escola não é tão
nova, tendo sido registrada ainda no final do século XIX.
As
formas que ela assume é que são novas, sendo importante considerar a violência
na escola ou que se produz dentro do espaço escolar sem estar ligada à natureza
das atividades de ensino, difere da violência contra a escola, que visa atingir
a instituição e aqueles que a representam, e também se distingue da violência
da escola, institucional, simbólica e que incide sobre os estudantes via
imposição curricular, modos de organização das classes, avaliação autoritária e
outras formas de controle, discriminação e humilhação.
A
caracterização do que vem a ser considerado como violência escolar possui
diversas variáveis e, para entender tal fenômeno, é preciso levar em conta
fatores externos e internos à instituição de ensino.
No
aspecto externo, podem influenciar as questões de gênero, as relações raciais,
os meios de comunicação e o espaço social no qual a escola está inserida.
Já
entre os fatores internos, deve-se levar em consideração a idade e a série ou o
nível de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina dos projetos
pedagógicos das escolas, assim como o impacto do sistema de punições e o comportamento
dos professores em relação aos alunos (e vice-versa) e a prática educacional em
geral.
Conforme
acrescente Priotto (2009), o significado de violência não é consensual e varia em
função do estabelecimento escolar, do status de quem fala (professor, diretor,
aluno, etc.), da idade e, provavelmente, do sexo.
Dada
essa sua complexidade, torna-se complicado mensurá-la, pois como explica
Camacho (2001), ela “se confunde, se interpenetra, se interrelaciona com a
agressão de modo geral e/ou com a indisciplina”, quando manifestada na esfera
escolar, tornando-se impossível isolá-la.
Sobre
essa ambiguidade presente entre violência e indisciplina, Zecchi (2012, p 18) explica
que: “O entendimento de violência a partir de um conceito amplo, como produto
do uso da força e provocação de dano ao outro, encontra um problema quanto ao
limite entre o que é violência, como um ato de criminalidade ou delinquência,
ou pequenas transgressões e/ou atos indisciplinares”.
Aqui
se dá a confusão entre violência e indisciplina, pois o entendimento dos atos
vivenciados no meio escolar como violência, delinquência ou atitudes
indisciplinares depende dos agentes envolvidos e das relações sociais que se
estabelecem.
Tal
como a violência, a indisciplina constitui-se um desafio para a escola na
atualidade, podendo ser entendida como uma forma de manifestação contra a
exigência ou quebra de regras ao adequar-se à sociedade (PRIOTTO, 2009).
Para
Camacho (2001), o termo indisciplina não pode se restringir apenas à indicação
de negação ou privação da disciplina ou à compreensão de desordem, de
descontrole, de falta de regras. “A indisciplina pode, também, ser entendida
como resistência, ousadia e inconformismo” (CAMACHO, 2001).
Conforme
a autora salienta, a indisciplina também pode ser vista como um sintoma positivo,
pois “ela se torna instrumento de resistência à dominação, à submissão, às
injustiças, às desigualdades e às discriminações em busca da identidade e dos
direitos”,
No
entanto, Camacho (2001) comenta que, mesmo esta indisciplina, vinculada a um
processo educativo, enquanto processo de construção do conhecimento (do qual
emergem falas, movimento, rebeldia, oposição, inquietação, busca de respostas),
incomoda, porque “a escola não está preparada para conviver com o fato de o professor
não ter mais o controle total e para receber esses alunos que tem seu querer.”
O
fenômeno da indisciplina possibilita uma infinidade de compreensões, de acordo
com as diferentes perspectivas de quem o observa e das mudanças ocorridas
através dos tempos e nos diferentes lugares. E essa dificuldade em definir a
indisciplina é o que acaba provocando certas confusões com as situações de
violência ou agressão (ZECCHI, 2008).
Zecchi
(2008) ensina que: [...] podemos considerar a violência e indisciplina praticadas
pelos alunos na escola como um protesto contra a violência simbólica praticada
pela instituição escolar e uma forma de contestar a exclusão que a escola
opera, seus mecanismos disciplinares e punitivos autoritários. Diante da
violência da escola, os alunos reagem agressivamente em busca de uma ruptura
com a ordem excludente e injusta estabelecida.
Alguns
estudos associam a violência escolar à violência social, principalmente à criminalidade
presente nos grandes centros urbanos e apontam as condições históricas, sociais
e econômicas como geradoras da violência na escola, associando pobreza e
violência. No entanto,
Camacho
(2001) afasta, de acordo com seus estudos, a ideia de que a violência se
vincula apenas e diretamente à pobreza e aos grandes centros urbanos, pois se
verifica um crescimento das práticas de violência entre jovens de classes
médias e da elite.
Em sua
pesquisa, Camacho (2001) verifica diferentes formas de relacionamento entre os alunos
e destes com os profissionais da escola. A doutrinadora evidenciou que a
intolerância ao “diferente” é uma das faces do processo que dá origem à
violência. “Na escola pública é mais marcante a violência sendo praticada pelos
'diferentes' que respondem com agressão àqueles que os discriminam; no particular,
a violência é dirigida aos 'diferentes”
A
mencionada autora encontrou nas escolas, práticas de violências
mascaradas/implícitas e práticas não-mascaradas/explícitas. As violências
leves, assim como a segregação, exclusão e indiferença que são outras formas de
manifestações de violência, não são assumidas pelas escolas.
Assinala
que essa violência mascarada pode tornar-se perigosa porque como não é controlada,
passa a ocorrer cotidianamente, sendo, assim, banalizada e considerada como comportamento
normal de adolescente. A banalização da violência é responsável pela insensibilidade
ao sofrimento, o desrespeito e a invasão do campo do outro.
A
pesquisa de Camacho (2001) mostrou que o fundamento básico da forma de
expressão mascarada da violência contra os diferentes é a discriminação nas
suas variadas modalidades: discriminação social (aos pobres ou ricos demais),
racial (aos negros), de gênero (aos homossexuais) e aos que se distanciam dos
padrões colocados (aos bons alunos, aos maus alunos e aos novatos na escola,
aos gordos e aos feios).
Qualquer
desvio dos padrões socialmente aceitos é motivo de discriminação, de exclusão,
de autoisolamento, de sentimento de rejeição, de baixa autoestima, o que causa
muito sofrimento para os adolescentes.
Sposito
(2002) descreve as diferenças existentes entre as várias modalidades de violência,
apresentando uma conceituação de violência social e de violência escolar.
Segundo
a doutrinadora, a violência social pode ser observada na escola e em suas
proximidades, decorrente do aumento da criminalidade e do desenvolvimento da
violência social nas cidades, mas não se trata de uma violência escolar.
É uma
modalidade que decorre da insegurança da comunidade escolar ao ver a escola
invadida por práticas de delitos criminosos que afetam a todos, sem qualquer
mecanismo de proteção.
Enquanto
a violência escolar se apresenta em duas modalidades: a primeira, caracterizada
por atos de violência contra a escola, em ações que danificam o patrimônio
escolar; e a segunda decorrente de um padrão de sociabilidade, das relações
interpessoais que hoje atingem a escola pública e privada, com práticas que
envolvem os alunos e seus pares, pela formação de grupos que podem ou não se
enfrentar de modo agressivo, tanto nas formas físicas como verbais, por meio de
ameaças a professores e funcionários (SPOSITO, 2008).
Seguindo
os ensinamentos de Debearbeaux (1999), Abramovay (2003) ensina que a violência
nas escolas se associa a três dimensões sociorganizacionais distintas.
Em
primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar, devido à grande dificuldade
de gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes.
Em
segundo, uma violência que se origina de fora para dentro das escolas, que as
torna sitiadas por intermédio da penetração de gangues.
Em
terceiro, relaciona-se a um comportamento interno das escolas, específico de
cada estabelecimento. “Há escolas que historicamente têm-se mostrado violentas
e outras que passam por situações de violência.
Charlot
(2002) propõe um sistema de classificação dos episódios de violência na escola na
qual identifica três tipos de manifestação: violência na escola, violência da
escola, violência contra a escola.
Segundo
o doutrinador, “a violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar,
sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar”. Ele
exemplifica essa situação dizendo que é “quando um bando entra na escola para acertar
contas das disputas que são as do bairro, a escola é apenas o lugar de uma violência
que teria podido acontecer em qualquer outro local.”
Na
escola, a violência cotidiana aparece no desrespeito ao outro, na transgressão aos
códigos de boas maneiras e à ordem estabelecida. A falta de limites, associada
à desconsideração pelos outros, contribui para que os jovens e adolescentes
busquem se impor pela força e pela agressão.
Já a
violência à escola estaria ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os insultam,
eles se entregam a violências que visam diretamente a instituição e aqueles que
a representam.
Segundo
ele essa violência deve ser analisada junto com a violência da escola: [...]
uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através
da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modo de composição das
classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos
adultos, atos considerados pelos alunos como injustos ou racista). (CHARLOT,
2002).
Abromovay
(2015) destaca que o espaço onde a escola se localiza também influência sobre o
seu cotidiano e na percepção de segurança dos alunos e adultos.
Aspectos
como a infraestrutura urbana, o perfil dos moradores e o tipo de comércio são
alguns dos fatores que podem interferir na visão sobre o bairro e sobre a
própria escola. Além disso, podem facilitar ou dificultar o acesso à escola,
melhorar ou piorar suas condições de segurança.
Alteram,
portanto, sua rotina, suas relações internas, bem como as interações entre os
membros da comunidade escolar com o ambiente social externo.
A
autora chama a atenção quanto ao que caracteriza como as microviolências que,
tal como a violência mascarada descrita por Camacho (2001), podem passar
despercebidas e são muitas vezes consideradas normais por todos, mas, no
entanto, possuem um impacto importante na criação de um clima de insegurança.
As
agressões verbais, especialmente os xingamentos, consideradas microviolências,
incivilidades, desrespeito, ofensas, modos grosseiros de se expressar e
discussões, ocorrem muitas vezes por motivos banais ou ligados ao cotidiano da escola.
“Dentro
de uma concepção ampla do fenômeno da violência e sua interferência no cotidiano
escolar, microviolências são vistas efetivamente como violências, e são cada
vez mais comuns” (ABRAMOVAY, 2015).
Destaca,
ainda a autora, outros tipos de violências (2015) referentes à raça e a
homofobia, onde o preconceito se relaciona com a crença preconcebida acerca de
atributos e qualidades de indivíduos a partir de características específicas,
acreditando se em inferioridades naturais decorrentes da raça/cor, maneira de
falar, de se vestir, entre a outras, e agindo de maneira diferente por se
acreditar em inferioridades de alguns e superioridade de outros.
Diante
deste universo de micriviolências e preconceito, destaca-se uma categoria de violência
muito discutida e vivenciada no meio escolar, que é a do bullying, e mais
atualmente a do cyberbullying.
Conforme
Leão (2010), o bullying[21]
apresenta-se de forma velada, intencional e repetitiva, dentro de uma relação
de igual de poder, por um longo período de tempo e contra a mesma vítima, sem
motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores,
gerando consequenciais irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas emocionais e
comportamentais.
Para a
autora, entre as crianças e adolescentes, dependendo da faixa etária em que se
encontram, a prática do bullying é causada pela necessidade que o
sujeito tem e se impor sobre o outro, tanto para demonstração de poder, quanto
satisfação pessoal.
Percebe-se
que há uma necessidade de se autoafirmarem a todo instante, perante si mesmos e
em relação aos outros e para que isso ocorra, normalmente, o agressor se impõe
sobre a vítima, considerada a parte mais frágil da relação e por ter a certeza
de que ela não irá apresentar meios de defesa para reverter a situação. (LEÃO,
2010).
Como
acrescenta a autora, as consequências provocadas pelo bullying geram,
por vezes, danos e traumas irreparáveis na vida da criança, podendo refletir
desde logo, como por exemplo, baixa autoestima, estresse, depressão, queda no
rendimento escolar, pensamentos de vingança para com o agressor e até mesmo
suicídio.
Essa
forma de violência é difícil de ser identificada, uma vez que a vítima teme
delatar os seus agressores, seja pela vergonha que irá passar diante dos demais
amigos de classe, por medo de sofrer represálias, ou por acreditar que os
professores ou seus próprios pais não lhe darão o devido crédito, achando que
tais agressões são apenas brincadeiras de crianças e que irão passar com o
tempo, atitude que faz crescer mais ainda a violência nas escolas e banaliza o
sofrimento da vítima (LEÃO, 2010).
O cyberbullying,
uma forma dissimulada de bullying, em que as agressões são virtuais, é caracterizado
por agressões, insultos, difamações, maus tratos intencionais, contra um
indivíduo ou mais, utilizando, para isso, os meios tecnológicos. Com a chegada
e o crescimento acelerado da tecnologia e meios de comunicação (em especial as
redes sociais), o cyberbullying surgiu como uma nova forma de
intimidação, a qual ultrapassa o aspecto físico presencial,
O Cyberbullying
apresenta particularidades que o diferem de agressões presenciais e diretas e o
tornam um fenômeno que nos parece ainda mais cruel, pois, diferentemente do
assédio presencial, não há necessidade das agressões se repetirem.
O
assédio se abre a mais pessoas rapidamente devido à velocidade de propagação de
informações nos meios virtuais, invadindo os âmbitos de privacidade e
segurança.
Para
os doutrinadores, pode-se dizer que o bullying digitalizado torna-se “a
extensão do pátio da escola, onde as agressões podem continuar por longas horas
depois do horário escolar” (AZEVEDO et.al., 2012).
A violência,
em todas as suas manifestações, afeta o cotidiano das escolas, prejudicando crianças,
adolescentes e equipe escolar, dificultando o desempenho da função social fundamental
de uma instituição de ensino, que é preparar os indivíduos para participar de
forma autônoma da produção social da existência e das relações intersubjetivas.
Romanowski
(2015) explica que a indisciplina do aluno representa a principal queixa no ambiente
escolar. “Inúmeras vezes tal comportamento extrapola os limites de convivência social,
passando de meros atos de indisciplina a atos infracionais” (ROMANOWSKI, 2015).
Para a
estudiosa, a primeira atitude da escola é identificar a postura do aluno,
diferenciando quando se trata de indisciplina e quando se trata de ato
infracional, tomando assim as providências necessárias para cada caso.
Destaca,
frente a essas duas atitudes - indisciplina e ato infracional - a escola tem,
legalmente, o dever de tomar providências. Em se tratando de indisciplina, a
escola possui a seu favor, o Regimento Escolar, um documento legal, de existência
obrigatória, que contém, além de normas organizacionais administrativas e pedagógicas,
normas de convivência social
Como
prevê a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Base da Educação),
em seus arts. 12 e 14 e respectivos incisos, o Regimento deve ser construído
com a participação de toda comunidade escolar, abrangendo os direitos e
deveres, tanto dos alunos quanto dos professores, dos funcionários e dos
gestores, bem como promover medidas de conscientização, de prevenção e de
combate a todos os tipos de violência.
O
Regimento Escolar necessita ser claro, de fácil entendimento e de conhecimento
de todos, facilitando a exigência de seu cumprimento. As normas disciplinares
constantes no Regimento devem apreciar sanções pedagogicamente corretas, em
consonância com a Legislação Constitucional, ECA e LDB, respeitando, o direito
de acesso e permanência na escola, com o propósito de ensinar a sociabilidade e
exercitar a real cidadania, conforme preceituam o Art. 53, I da Lei nº 8.069/1990,
Art.3º, I, da Lei nº 9.394/1996 e Arts. 205 e 206, I, da Constituição Federal
brasileira 1988 (ROMANOWSKI, 2015).
Romanowski
(2015) salienta ser imprescindível que o aluno acusado da prática de ato de indisciplina
tenha ciência por escrito da conduta que lhe incorre, e exerça o contraditório
e a ampla defesa, sendo obrigatório o comparecimento dos pais ou responsáveis,
em caso de criança ou adolescente, no intuito de assisti-los e representá-los
(Art. 5º, LIV e LV, da CF/1988).
O ECA
prevê, em seu art. 104, que o menor de 18 anos de idade é inimputável, porém capaz,
inclusive a criança, de cometer ato infracional, passíveis então de aplicação
de medidas socioeducativas (no caso e adolescentes) ou de proteção (no caso de
crianças). Segundo o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ato
infracional é toda conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada
por criança (até 12 anos incompletos) ou adolescente (dos 12 anos completos aos
18 incompletos).
Pode-se
afirmar, assim, que tudo que é vedado ao adulto praticar, também o é para a
criança e ao adolescente. A lei, no entanto, estabelece procedimentos diferentes
a serem aplicados à criança, ao adolescente e ao adulto. (AZAMBUJA, 2010)
Quando
a conduta for diagnosticada como ato infracional, tipificada Código Penal como crime
ou contravenção, explica Romanowski (2015), será inicialmente necessário
identificar a idade do infrator. Se o ato infracional for praticado por criança
(art. 105, da Lei 8.06919/1990), esta deverá ser encaminhada ao Conselho
Tutelar ou, na ausência deste, ao Juizado da Infância e Juventude, para
aplicação das medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA.
Se o
ato infracional for praticado por adolescente, deverá ser lavrado o Boletim de
Ocorrência na Delegacia de Polícia, que providenciará os encaminhamentos ao
Ministério Público e Justiça da Infância e Juventude, para aplicação das
medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA.
De
acordo com Romanowski (2015), as condutas de indisciplina mais frequentes na escola
são: bagunça, “birra”, falta de educação, mau comportamento, falta de
desempenho de tarefas escolares, ausência escolar, conversa durante as aulas,
utilização de materiais alheios a metodologia de aula (celulares, tablets,
etc.), dentre outros.
Os
atos infracionais tipificados como crime mais frequentes na escola são: art.
147, CP – Ameaça; art.129, CP - Lesão Corporal; art.163, CP: Dano; art. 65, Lei
nº 9.605/1998: Pichação; art. 28, Lei nº 11.343 - Porte de entorpecentes; art.
33, Lei nº 11.343/2006 - Tráfico de Entorpecentes[22]. Os homicídios não estão
como os mais ocorrentes.
Os
atos infracionais tipificados como contravenção mais frequentes na escola são:
art. 3º, inciso XI, Decreto nº 3.665/2000 e art. 19, Lei nº 3688/1941 – Porte
de arma branca; art. 21, Lei nº 3688/1941 - Vias de fato; arts. 1º e 20, Lei nº
7.716/1989 - Preconceito de raça ou de cor.
Como
salienta Chrispino (2008), na vida educacional, todo ato praticado por um aluno
dentro das dependências de um estabelecimento de ensino deve ser considerado
como um ato de indisciplina, se não houver no ordenamento jurídico descrição de
tal ato como um ilícito penal.
A ação
do aluno que estiver regulamentada (um ato ilícito penal), no Código Penal,
implica em ato infracional, se praticado por menor de 18(dezoito) anos, ou em
crime, se praticado por maior de 18 anos, resultando num processo criminal
contra o aluno.
Este
processo deve ser acompanhado por um devido processo legal (art. 110 do ECA),
conforme as garantias processuais (art. 111 e 114 do ECA) e ao direito a ampla
defesa e contraditório (art. 5º, LV da CF/1988).
Todavia,
não é todo adolescente que pratica um ato infracional que o levará a ser
privado de liberdade, porque a medida socioeducativa[23] é aplicada quando se leva
em conta a possibilidade de o adolescente cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração (PEREIRA, 2004).
Caso
caiba uma das medidas de socioeducação (art. 112, ECA), deve prevalecer o
caráter educativo ao punitivo, para produzir no adolescente em conflito com a
lei a possibilidade de reafirmação dos valores ético- sociais, bem como levar o
inerente potencial à sociabilidade e cidadania.
Nenhum
adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. São
asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I. Pleno e formal conhecimento da
atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II. Igualdade na relação processual, podendo
confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias
à sua defesa;
III. Defesa técnica por advogado(a);
IV. Assistência judiciária gratuita e
integral aos necessitados, na forma da lei;
V. Direito de ser ouvido pessoalmente pela
autoridade competente;
VI. Direito de solicitar a presença de seus
pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
Verificada
a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
a)
Advertência; b) Obrigação de reparar o dano; c) Prestação de serviços à
comunidade; d) Liberdade assistida; e) Inserção em regime de semiliberdade; f)
Internação em estabelecimento educacional.
A
medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la,
as circunstâncias e a gravidade da infração. Em hipótese alguma e sob pretexto
algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
De
acordo com Gamonal (2011), a eficácia do direito não pode se restringir apenas
à sua aplicação na solução dos problemas, ela deve também ser justificada pela
capacidade de atenuar os conflitos.
Conforme
o doutrinador comenta: “Vivemos um momento de desordem institucional e
familiar. Grande parte da população não mais tem ou impõe limites. Jovens com
valores deturpados, vivendo, basicamente, num mundo de permissividade. Inversão
de valores. Troca-se, naturalmente, a noite pelo dia, com a aquiescência ou
impotência dos pais. Vivemos num grande sistema, onde o que ocorre com uns
afeta aos demais, como num conjunto de engrenagens”.
Sendo
omissos, corremos o risco de nos tornarmos vítimas daquilo que criarmos ou deixarmos
criar. Seremos responsabilizados pelo mal que fizermos, e, também, pelo bem que
deixarmos de fazer.
É uma
prática corriqueira a omissão dos gestores do estabelecimento de ensino quanto
à denúncia de atos infracionais praticados no interior das escolas,
provavelmente buscando evitar escândalos ou retaliações.
Esta
prática impede o estabelecimento de parceria importante em favor da educação
integral da criança e do adolescente, visto que escola e sistema de Justiça possuem
funções diferentes e específicas como membros da nem sempre considerada rede de
proteção da criança e do adolescente (CHRISPINO, 2008).
Para
Chrispino (2008), as situações que a escola e seus atores principais –
professores, gestores e alunos – enfrentam, solicita um conjunto de ações que
definam problemas e projetem cenários otimistas que orientem as decisões.
Visto
que […] trabalhar sob a pressão da insolência, desobediência e falta de
respeito, quando não da agressividade injustificada, não só não é razoável, mas
é prejudicial para a autoestima profissional docente.
Os(as)
professores(as) têm que aprender a proteger, com conhecimento e habilidades
profissionais, sua identidade pessoal do conjunto de transformações, às vezes
imprevisíveis, às quais se veem expostos.
Chrispino
(2008) sustenta, ainda, que a necessidade da participação do Poder Judiciário
na solução de problemas oriundos do sistema não contribui para a construção de
pontes entre as diferentes posições dos atores e nem favorece a maturidade no
processo de mediação ente os conflitos próprios do sistema.
Para o
doutrinador devem-se priorizar as mudanças na prática cotidiana da escola,
desde a formação/capacitação de seus agentes até o estabelecimento de rotinas e
de processos de tomada de decisão.
ZECHI
(2008) acredita que não se pode relacionar as causas da problemática escolar a um
único fator. Segundo seus estudos, a violência social que adentra a escola tem
grande importância na constituição das tensões escolares, porém não se pode
atribuir unicamente a ela as causas da violência.
Assim,
entende a autora que ao mostrar a pluralidade de causas, estamos rejeitando a
ideia de que a violência e indisciplina em meio escolar é resultado único de um
processo social, familiar ou biológico, compreendendo a temática a partir de
uma abordagem complexa e não determinista.
Em
geral, as propostas de prevenção da violência nas escolas têm sido norteadas
por iniciativas das próprias escolas, por instituições privadas ou por
políticas públicas.
Essas iniciativas,
ora propõem estratégias de formação, reflexão e treino em competências sociais direcionadas
a estudantes, docentes e demais funcionários, ora são caracterizadas por ações
que envolvem a articulação do binômio segurança e participação (SILVA e ASSIS,
2018).
Segundo
Silva e Assis (2018), os estudos que abordam o tema da prevenção e combate da
violência em nível escolar gozam de grande importância, na medida em que visam incentivar
o estabelecimento de relações democráticas na escola, favorecendo a convivência
entre seus integrantes e o respeito às diferenças.
Ações
nesse sentido são caracterizadas pelo aumento de espaços de participação e interação
da escola com seus usuários, como a abertura das escolas nos finais de semana e
a incorporação da segurança pública na escola, como práticas de ronda escolar e
palestras da guarda municipal (SPOSITO, 2013).
Diante
do contexto da violência nas escolas, conforme explica Abramovay (2015), faz-se
imperioso enfatizar a importância da educação e dos serviços de atenção
especializados voltados para convivência cidadã; conjugar participação com
responsabilidades sociais; resgatar a confiança nas instituições, espaços de
socialização e proporcionar oportunidades para atividades culturais, de
integração comunitária e trabalhos com a família, entre outros.
Para
Digiácomo (2013), o combate à violência deve buscar primordialmente suas
raízes, que se encontram além dos limites da escola, que, acima de tudo,
precisa assumir sua missão legal e constitucional de promover, junto aos
educandos, "o pleno desenvolvimento da pessoa" e "seu preparo
para o exercício da cidadania" (art. 205, da CF/1988), e não se tornar em
mais um foco de opressão e desrespeito aos direitos fundamentais de crianças e
adolescentes.
De
acordo com o autor, com respaldo nos dispositivos constitucionais que tratam da
educação, tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) quanto
a e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) trazem a fórmula
mais adequada para o combate à violência nas escolas: o envolvimento dos
alunos, de suas famílias e da comunidade, com sua integração cada vez maior ao
ambiente escolar e participação efetiva no debate acerca dos problemas relacionados
à escola e em sua solução.
Para
Digiácomo (2013), apenas com o envolvimento das famílias e da comunidade, como
desejam a Constituição Federal e legislação ordinária, já mencionadas, é que poderá
a escola cumprir a sua elementar missão de preparar seus educandos para o
exercício da cidadania, o que inclui o respeito às leis e ao próximo, lição que
se for bem ministrada e assimilada por todos, reduzirá drasticamente o índice
de violência não apenas dentro, mas também fora do recinto escolar,
beneficiando assim toda a população.
Nesse
contexto, o autor entende ser imprescindível a atuação dos Conselhos Escolares,
que devem se tornar fóruns permanentes de debate para toda a comunidade
escolar, que reunida e consciente do papel de cada um na solução dos problemas
que afligem a escola e seus educandos, por certo dividirá responsabilidades,
tarefas e encontrará respostas mais criativas, adequadas e acima de tudo eficazes.
Priotto
(2008) assinala em sua pesquisa a resposta dos entrevistados em relação à proposta
de ações para diminuir a violência escolar, que permitiu categorizá-la em
propostas sociais e/ou educacionais, as quais são definidas em:
a)
Enfoque de política social: ações que determinam o padrão de proteção social
complementado pelo Estado, voltadas em princípio, para a redistribuição dos
benefícios sociais, visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas
pelo desenvolvimento socioeconômico; e
b)
Enfoque de política educacional: respaldado nos artigos 205 e 206 da
Constituição Federal de 1988. Dentre as propostas, cabe destacar:
1)
Integração da escola com a família e a comunidade: através de festas,
encontros, disponibilidade de espaço para lazer, recreação, esporte, momentos
culturais; abertura da escola nos finais de semana; participação e contribuição
da família na vida escolar do filho e no ambiente escolar; aproximar-se da
família e oportunizar seu resgate;
2)
Ações pedagógicas: como criar disciplinas de civilidade e cidadania com
abordagem sobre drogas[24], alcoolismo, violência,
ato infracional, evasão, direitos e deveres, sistema jurídico, constituição,
voto, política; estimular o protagonismo juvenil; qualificação de pessoal e adaptação
curricular; discutir e reestruturar o projeto político pedagógico com toda a comunidade
escolar, dentro da realidade da escola do bairro; Trabalhar temas transversais
como: violência, drogas, saúde, alcoolismo, ato infracional, evasão, direitos e
deveres, sistema jurídico, constituição, voto, política, e outros em todas ou
na maioria das disciplinas.
3)
Valorizar o diálogo: tratar adolescentes como cidadãos; respeitá-los; haver uma
pessoa na escola em que possam confiar para serem ouvidos; demonstrar noções de
esperança e estimular expectativas de vida positiva; evitar reprimir; dar mais
atenção, valorizar o aluno;
4)
Necessidade de práticas educativas para favorecer a prevenção e diminuição da violência:
criar atividades que ocupam o tempo livre dos adolescentes, com participação
integral na escola; palestras em várias áreas; criação de programas no contraturno
para melhorar a autoestima dos alunos;
promover passeios, visitas, projeção de filmes uma vez ao mês para estimular os
alunos.
5)
Contribuição do Estado e sociedade: buscar conhecer a realidade e necessidades
de cada escola; fornecer profissionais da área de psicologia, do serviço
social, da pedagogia para orientar e trabalhar com o aluno e sua família;
valorizar a escola; conseguir recursos financeiros para compra de materiais e
equipamentos didáticos; coibir informações negativas da mídia (violência);
promover a valorização do professor; realizar concurso público, melhorar
salários, diminuir jornada de trabalho e estimular formação continuada.
Conforme
descreve Priotto (2008), a sociedade como um todo busca evitar o assistencialismo
e com isso não solicita políticas públicas para atender os jovens e
adolescentes e seus familiares.
Para a
autora, esse cuidado se faz relevante para solicitar das políticas públicas a
determinação da promoção, participação e inclusão respeitando no adolescente
seu projeto de vida e sua conquista de autonomia.
Abramovay
(2002) descreve que em sua pesquisa, sobre medidas para contenção das violências
nas escolas, dentre as propostas mais citadas, a proposta de aumentar a
vigilância policial nas escolas e imediações obteve maior proporção de adesões,
assim como a proposição de diálogo entre alunos, professores e diretoria e a
parceria entre escola e comunidade.
A
autora destaca como um indicador positivo, a vontade de pais, alunos,
professores e funcionários em apostar em medidas de resolução compartilhada do
problema, tendo em vista a indicação do diálogo entre alunos, pais, professores
e diretoria e da parceria entre escola e comunidade, como dispositivos
importantes para conter o fenômeno nocivo a todos.
Conformem
explicam Abramovay, Avancini e Oliveira (2008):
A
instituição é vista, aparentemente, como elemento de mediação entre o aluno e a
família, cabendo-lhe trabalhar os significados da violência dentro e fora de
seus limites a fim de combatê-la, abordando aspectos importantes na vida do
estudante que extrapolam os muros da escola e o período letivo.
Entre
outras medidas, Abramovay, Avancini e Oliveira (2008) descrevem que tem sido bastante
utilizado o apoio de psicólogos nas escolas, focalizando a violência sob uma perspectiva
psicológica, e não social.
As
autoras destacam que outro papel de relevância cabe à cultura e à educação,
levando ao resgate da autoestima e a uma conscientização dos problemas e das
desigualdades, possibilitando superá-los e gerar solidariedade.
Conforme
eles ensinam: As medidas contra as violências nas escolas partem de três
premissas gerais: realizar diagnósticos e pesquisas para conhecer o fenômeno em
sua forma concreta, conseguir a legitimação pelos sujeitos envolvidos (o que
pressupõe a participação da comunidade escolar) e fazer um monitoramento
permanente das ações nas escolas. (ABRAMOVAY; AVANCINI; OLIVEIRA, 2008)
Para
prevenir a violência, a escola deve transformar-se em lugar de encontro de diversidade
cultural, habilitado para formas criativas de solidariedade.
Tendo
fundamental importância nesse contexto da prevenção, a escola precisa usar todo
o potencial estratégico para tecer relações com a comunidade, especialmente a
família, tendo os pais como parceiros para tal fim (ABRAMOVAY; AVANCINI;
OLIVEIRA, 2008)
A
Doutrina da Proteção Integral representou um enorme avanço em termos de
proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Alicerçada na
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e tendo ainda como
referência documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos
da Criança, ela foi ratificada no ordenamento jurídico brasileiro através do
artigo 227 da Constituição Federal brasileira de 1988, que declarou ser dever
da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Com a
nova doutrina, as crianças e os adolescentes ganharam um novo status, como sujeitos
de direitos e não mais como menores objetos de compaixão e repressão, em
situação irregular, abandonados ou delinquentes.
Embora
a lei, por si só não resolva todos os problemas decorrentes da negligência de direitos
e exposição à diversas situações de privação e perigo que a realidade impõe a
criança e o ao adolescente, ela ao menos direciona, como o próprio enunciado do
art. 227 da CF/1988 expõe, ao compartilhamento, para toda sociedade, da
responsabilidade por um desenvolvimento sadio do infante, cabendo a todos uma
parcela de participação para que a criança cresça como um cidadão de bem, nas
melhores condições possíveis. Tal direcionamento cabe a todas as esferas, em
especial à escola e no que se refere ao exercício do direito da educação.
Para
que isso ocorra devem ser propiciadas à criança e ao adolescente, as melhores
condições possíveis de ensino e convívio social, pois é no ambiente escolar que
a criança amplia seu universo social, passando a entender seu papel na
sociedade e enxergar formas de interagir e aprender junto com os colegas.
No
entanto, sabe-se o quão difícil é manter uma relação harmoniosa entre as
pessoas nos dias de hoje. E a escola,
por fazer parte de um conjunto social, não consegue, muitas vezes, se esquivar
dos acontecimentos do seu entorno e acaba trazendo para dentro de seus muros,
os problemas sociais que afligem a sociedade como um todo. Torna-se assim, cada
vez mais difícil manter a ordem e a disciplina necessárias para cumprir seu
papel principal da formação de cidadãos.
Como
se pôde observar no transcorrer do trabalho, a violência é um fenômeno que
aflige a toda sociedade, não se restringindo a cor, sexo, grupo ou condição
social. Ela afeta a todos e em qualquer lugar.
E a
escola, por ter o seu papel de formação social, torna-se vulnerável, além de
reproduzir as mais variadas formas de violência, ela acaba produzindo formas
novas, decorrentes das mais variadas situações, como o bullying e a
oposição a regras instrucionais, que podem passar de meros atos de indisciplina
a situações de violência mais graves.
Nesse
contexto, torna-se importante saber distinguir os atos de indisciplina (que
devem estar previstos em regimento escolar) dos atos infracionais (previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente), tendo esses, previsões e encaminhamentos
distintos.
A
instituição escolar precisa apoiar-se no direito para fundamentar as ações da
escola, com o objetivo de garantir os direitos e solucionar de modo
democrático, justo e igualitário os conflitos.
Uma
das estratégias a ser utilizada é a construção coletiva do Regimento Interno, procurando
repensar especialmente sobre a educação e as formas de educar.
É
importante que a escola tenha bem definido o objetivo e a finalidade da
instituição educacional, o seu conteúdo curricular, o relacionamento entre
professores, alunos e funcionários, a disciplina, as metodologias e as práticas
pedagógicas.
O
estudo documental e a revisão bibliográfica permitiram perceber que o fenômeno
da violência e indisciplina nas escolas necessita ser compreendido a partir das
pesquisas que investigam os contextos específicos de cada escola e seu entorno.
As
especificidades regionais e sociais devem ser consideradas na hora de planejar
as políticas públicas, que devem ser firmadas nas ações de prevenção da
violência e em medidas que visem resguardar os direitos da criança e do
adolescente, bem como de toda comunidade escolar. Isso só se torna possível com
o envolvimento de todo o corpo docente, alunos, pais, funcionários, entidades sociais,
órgãos de segurança, dentre outros.
O
Poder Público tem o dever legal de acompanhar o processo de implementação das medidas,
contribuindo com a preparação de pessoal e de material para treinamento de funcionários,
além de discutir políticas de gestão e segurança com autoridades escolares e
com a comunidade.
O desafio se faz com tarefas que tornem a escola um espaço de reflexão e vivência de todos os que fazem parte da comunidade educativa, entendendo que todos têm o compromisso com o processo educacional e com o bem-estar da escola como um todo.
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Notas:
[1]
A escola nada mais é que o reflexo de uma sociedade que apresenta problemas
agudos. O aumento da fome é claro que nós sabemos que essa fome atinge no
processo educativo e atinge também no processo de violência, não só escolar.
[...] Fortalecer o papel social da escola neste momento é criar vínculos —
apontou. Em 2019, mais da metade dos
professores (54%) disseram já ter sofrido algum tipo de agressão. Entre os
estudantes, em 2019, 81% relataram saber de episódios de violência na própria
escola. Os senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Wellington Fagundes (PL-MT)
alegaram que a sensação é que a situação piorou com a pandemia de covid-19 e
sugeriram a realização do debate. Fonte: Agência Senado
[2] A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. O bullying se diferencia das brigas comuns – as que chegam às vias de fato ou as que ficam apenas na discussão. Isso é considerado normal por Ciomara e chega, segundo ela, a fazer parte do desenvolvimento. O problema, afirma, é quando se torna algo rotineiro, em que um jovem ou grupo começa a perseguir um ou mais colegas. A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. O bullying se diferencia das brigas comuns – as que chegam às vias de fato ou as que ficam apenas na discussão. Isso é considerado normal por Ciomara e chega, segundo ela, a fazer parte do desenvolvimento. O problema, afirma, é quando se torna algo rotineiro, em que um jovem ou grupo começa a perseguir um ou mais colegas.
[3]
A Companhia de Jesus (em latim: Societas Iesu, S. J.), cujos membros são
conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de
estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Íñigo López de
Loyola, conhecido posteriormente como Santo Inácio de Loyola. No âmbito do
Brasil Colonial, a Companhia trouxe uma estrutura social, econômica e
educacional até então inexistente. A catequização indígena tinha por finalidade
torná-los cristãos, retirando os costumes pecadores e inculcando a cultura
portuguesa; converter o mundo da natureza em mundo da razão.
[4]
Primeiramente, cumpre esclarecer que não fora Cabral, o primeiro navegador a
aportar em terras brasileiras e, sim, Duarte Pacheco Pereira, com uma frota
composta de oito navios, em 1498. Esteve no Pará, no Maranhão e, produziu mapas
de tais lugares. Em verdade, Cabral apenas realizou uma escala para somente
oficializar a posse das terras além-mar em nome da Coroa Portuguesa. E, foi essa
expedição que deixou os primeiros moradores europeus aqui, composta de quatro
homens. Dois tinham sido condenados ao exílio e, se chamaram Afonso Ribeiro e
João de Thomar. Deveriam andar com os índios e saber de seu viver e de suas
maneiras, segundo reportou o escrivão Pero Vaz Caminha em célebre carta enviada
ao Rei Dom Manuel I. Essa história teve um final feliz. Afonso e seu colega
foram resgatados depois de 20 meses. Quem os recolheu foi a expedição liderada
pelo explorador Gonçalo Coelho, que contava com o navegador Américo Vespúcio
entre os viajantes. Existem indícios de que muitas das histórias que Vespúcio
escreveu sobre os índios teriam sido narradas a ele por Afonso e João. A
referida dupla fez uma relevante contribuição à memória do dito navegador. In:
CORDEIRO, Tiago. Para povoar sua colônia, Portugal enviou exilados ao Brasil.
Disponível em: https://super.abril.com.br/especiais/doce-exilio/ Acesso em
3.4.2023.
[5]
Através da demografia histórica e utilizando fontes primárias, mais
especificamente registros de batismo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição
do Alferes entre janeiro de 1771 e agosto 1795 o estudo foi desenvolvido,
buscando conhecer a estrutura familiar brasileira desse momento. A respeito da família no período colonial
brasileiro cumpre sublinhar que quem iniciou pesquisas da questão foi o
sociólogo Gilberto Freyre, na década de trinta, com a obra intitulada
"Casa Grande & Senzala. O conceito moderno de família está muito
ligado à questão do parentesco e da consanguinidade, a definição mais
especifica seria, pessoas aparentadas que vivem na mesma casa, pessoas do mesmo
sangue compondo a família nuclear. A ideia da família legítima surge com as
reformas ocorridas no seio da Igreja Católica no período da Contra-Reforma. Com
objetivo de moralizar a união entre homens e mulheres, que até então acontecia
principalmente no aspecto civil, o Concílio de Trento (1563), na sessão XXIV,
estabelece uma reforma no matrimônio. Transformou normas, estabeleceu
impedimentos e mudanças na celebração do casamento, o legitimando desde então,
somente com a benção da Igreja. Sendo assim, todo ato carnal que não tivesse
como destino a procriação seria considerado pecado mortal.
[6]
A ideia de família legítima vai surgir na Europa com a necessidade da Igreja em
moralizar as relações. No Brasil ganha força tentando diminuir as relações
impuras que envolvia brancos, índios e negros africanos. Diante disso, o
matrimônio contraído perante a Igreja passa a ser a única maneira de família
legítima. Porém, diante as das diferentes conjunturas econômicas, culturais as
famílias vão se constituindo.
[7]
A roda dos expostos ou roda dos enjeitados consistia num mecanismo utilizado
para abandonar (expor ou enjeitar na linguagem da época) recém-nascidos que
ficavam ao cuidado de instituições de caridade. O mecanismo, em forma de tambor
ou portinhola giratória, embutido numa parede, era construído de tal forma que
aquele que expunha a criança não era visto por aquele que a recebia. Esse
modelo de acolhimento ganhou inúmeros adeptos por toda a Europa, principalmente
a católica, a partir do século XVI. As primeiras Santas Casas de Misericórdia
da América Portuguesa que receberem a roda dos expostos foram as de Salvador
(1726) e a do Rio de Janeiro (1738).
[8]
As instituições jurídicas portuguesas foram baseadas no modelo romano, que
apesar das inúmeras legislações editadas em Portugal, as três compilações
conhecidas como Ordenações do Reino – Afonsina, Manuelina e Filipina. As
Ordenações do Reino, regeram Portugal por um longo período, no entanto, foram
as Ordenações Filipinas que tiveram uma verdadeira influência no Brasil. O
código filipino regeu a nação portuguesa e seus domínios ultramarinos por mais
de dois séculos. No Brasil, as Ordenações Filipinas tiveram vida longa,
superior à própria sobrevivência em Portugal. Mesmo com a Proclamação da
República, de início, não se conseguiu adotar no país um Código Civil, que
substituísse por completo a antiga compilação de origem portuguesa.
[9]
A Doutrina Penal do Menor tratava como não criminosos os menores de 09 anos de
idade, sendo que para os demais havia autorização para que fossem retirados de
suas famílias, consideradas desviadas, e colocados nas prisões dos adultos, já
que não havia um local específico para estes infratores. Aqueles entre 09 e 14
anos de idade passariam por uma pesquisa de discernimento antes de serem
recolhidos. O critério do discernimento foi eliminado em 1921, passando a ser
considerado como inimputável o menor de 14 (quatorze) anos. Em relação ao
trabalho, as normas eram incapazes de surtir efeitos práticos, apesar da
estipulação de uma idade mínima de 12 (doze) anos de idade. Demonstra a autora
o surgimento da categoria ‘menor’ a partir do advento da República e das
concepções higienistas da época, com destaque para a criação do Juízo privativo
de menores e o papel desempenhado por José Cândido de Albuquerque Mello Mattos
para esta construção. Também são feitas análises sobre o Código de Menores de
1927, marcando o nascimento do Direito do Menor.
[10]
Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi
discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados
hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência
da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos
parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou
não a pena de morte.
[11]
Grosso modo, a Lei do Ventre Livre estabeleceu que os filhos permaneceriam
junto da mãe escravizada, vivendo no cativeiro, até os 8 anos de idade. Dos 8 aos 21 anos, continuariam na
propriedade do senhor ou, se ele não os quisesse mais, ficariam sob a tutela do
Estado. A lei desagradou tanto os senhores de escravos como vários setores do
movimento abolicionista. Afirmavam que a lei prolongaria a escravidão por mais
uma geração, deixava os menores de idade à mercê do senhor e não dizia nada a
respeito dos escravos nascidos antes desta data.
[12]
O Código de 1830 se dividia em duas partes, com dois títulos: a parte geral,
não incriminatória, e a parte especial, incriminatória. Curiosas eram as penas
previstas, entre as quais estavam a morte por enforcamento, de galés (trabalhos
forçados), prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro,
multa e suspensão de emprego”, diz o superintendente da Mejud, que é também
integrante da 16ª Câmara Cível do TJMG. O desembargador também chama a atenção
para o fato de que as penas eram imprescritíveis. “O Código Criminal de 1830
foi a primeira codificação penal brasileira alicerçada na justiça e na
equidade. Ele teve suas linhas mestras pautadas na Constituição de 1824, sob a
ótica dos ideais iluministas”, explica o magistrado.
[13]
Foi o Código de Menores que estabeleceu que o jovem é penalmente inimputável
até os 17 anos e que somente a partir dos 18 responde por seus crimes e pode
ser condenado à prisão. O que agora está em debate no país é a redução da
maioridade penal para 16 anos. O Código de 1927 foi a primeira lei do Brasil
dedicada à proteção da infância e da adolescência. Ele foi anulado na década de
setenta, mas seu artigo que prevê que os menores de 18 anos não podem ser
processados criminalmente resistiu à mudança dos tempos.
[14]
São direitos de internação, a saber: São direitos do adolescente privado de
liberdade, entre outros, os seguintes: entrevistar-se pessoalmente com o
representante do Ministério Público; peticionar diretamente a qualquer
autoridade; avistar-se reservadamente com seu defensor; ser informado de sua situação processual,
sempre que solicitada; ser tratado com respeito e dignidade; permanecer internado na mesma localidade ou
naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; receber visitas,
ao menos, semanalmente; corresponder-se com seus familiares e amigos; ter
acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; habitar alojamento
em condições adequadas de higiene e salubridade; receber escolarização e
profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: ter
acesso aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa, segundo
a sua crença, e desde que assim o deseje;
manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para
guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da
entidade; receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais
indispensáveis à vida em sociedade. Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. É
dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos,
cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.
[15]
“A Doutrina da Proteção Integral e seu Alcance Normativo”, Josiane Petry
Veronese analisa o que consiste a Doutrina da Proteção Integral, e afirma que
“na seara do direito da Criança e do Adolescente, a expressão ‘doutrina’ diz
respeito, na realidade, a toda uma evolução na normativa internacional e
nacional na construção dos direitos afetos às crianças e aos adolescentes”.
Para tanto, busca como base da Doutrina da Proteção Integral no cenário
internacional a partir das primeiras discussões para a elaboração de documentos
que materializassem a distinção da criança como um ser merecedor de uma
proteção especial e que culminaram com a elaboração da Declaração de Genebra de
1924. Após a Segunda Guerra Mundial e o inerente processo de universalização
dos direitos humanos, com a criação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, que trouxe previsões específicas sobre a criança, se mostrou necessária
a elaboração da Declaração dos Direitos da Criança em 1959 pela ONU. Com o
intuito de dar força cogente aos direitos das crianças, em 1979, em comemoração
dos 20 anos da mencionada Declaração, foram iniciados os trabalhos para a
elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 1989. A doutrinadora confere destaque aos demais
tratados e instrumentos internacionais que corroboraram com o processo de
desenvolvimento histórico da Doutrina da Proteção Integral.
[16]
A Doutrina da Situação Irregular, advinda dos Códigos de Menores, é substituída
pela Doutrina da Proteção Integral instituída pelo ECA, visando que crianças e
adolescentes deixassem de ser objetos de intervenção para serem compreendidas
como sujeitos de direitos e garantindo igualdade de direitos a todas as
crianças. O antigo Código de Menores regeu a situação de crianças e
adolescentes no Brasil do ano de 1980 a 1990.
Ele trazia em seu bojo a doutrina da situação irregular, que tinha como foco
a criança e adolescente considerados
errados, seja por estarem abandonados materialmente, seja por serem infratores.
[17]
A teoria de proteção integral parte da compreensão de que as normas que cuidam
de crianças e de adolescentes devem concebê-los como cidadãos plenos, porém
sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em
desenvolvimento físico, psicológico e moral.
[18]
A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em 1964, no primeiro
ano do regime militar. A partir da PNBEM,
o Estado brasileiro passou a implementar a Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (Funabem), extinta em 1990. A Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (PNBEM), criada em dezembro de 1964, reconhece que o chamado problema
do menor decorre da desagregação da família, devido ao processo migratório para
os centros urbano-industriais, onde estes migrantes chegam desqualificados para o mercado de
trabalho e não conseguem ser absorvidos, acabando expostos ao subemprego e à
mendicância, participando da cultura da pobreza e da violência, assim como do
abandono das crianças pelos pais, que desta
maneira ficam à mercê dos "maus elementos". Estas crianças,
entendidas como menores, tendem a entrar para o mundo do crime porque,
abandonadas ou carentes, transformam-se rapidamente em infratores. Para conter
tal processo, criaram-se FEBEMs nos Estados, com o objetivo de recolher estas
crianças e dar-lhes condições para se integrarem à sociedade.
[19]
A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 tem natureza coercitiva,
estabelecendo um conjunto de deveres e obrigações para os signatários,
possuindo mecanismos de controle. A Convenção tem como objeto a alteração de
padrões existentes referente ao tratamento conferido à criança, acentuando que
a infância seja prioridade absoluta e imediata, sobrepondo-se aos interesses econômicos,
reafirma o princípio do maior interesse da criança e estabelece a família como
espaço natural para o desenvolvimento, além de considerar a criança como
sujeito de direitos e como pessoa em desenvolvimento, independente da sua
condição econômica ou social.
[20]
Espelham a Doutrina da Proteção Integral nos mais variados aspectos da infância
e da adolescência, tais como a Lei nº 13.010/2014, referente a coibição do uso
de violência como mecanismo de correção de crianças; o marco legal da primeira
infância; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; a Lei da Escuta
Especializada e do Depoimento Especial; o Marco Legal da Proteção de Dados e a
Lei de Migração.
[21]
O bullying e a violência nas escolas tornaram-se grandes problemas, que
pais, educadores, governos e toda a sociedade precisam enfrentar. O Ministério
da Educação tem atuado para combater a prática e uma das formas é o Pacto
Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos
Direitos Humanos. Em, 7 de abril, é o Dia Nacional de Combate ao Bullying
e à Violência nas Escolas.
[22]
O crime de tráfico de drogas está previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, que
descreve diversas condutas que caracterizam o ilícito, proibindo qualquer tipo
de venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento, mesmo que
gratuito, de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação
pertinente. A pena prevista é de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa
de 500 a 1500 dias-multa. A mesma norma, em seu artigo 28, prevê a conduta
ilícita de portar drogas para consumo próprio. Todavia é considerada infração
menos grave, não prevendo pena de detenção ou reclusão. O artigo descreve, além
de outros, que a compra, guarda ou porte de drogas sem autorização estão
sujeitos às penas de advertência sobre efeitos do uso de entorpecentes, prestação
de serviços à comunidade e participação obrigatória em programa educativo. A
caracterização do consumo pessoal deve considerar a natureza e quantidade da
substância apreendida, forma e local onde ocorreu a apreensão, circunstâncias
sociais e pessoais do autuado, bem como sua conduta e antecedentes criminais.
[23]
Como a medida socioeducativa tem duração máxima de 3 anos, o programa poderá
atender a adolescentes com até 21 anos incompletos. "Sobre o alcance da
maioridade, é assente na jurisprudência pátria o entendimento no sentido de que
as medidas socioeducativas aplicadas ao menor infrator, com fundamento no ECA,
podem ser estendidas até que ele complete 21 (vinte e um) anos de idade, sendo
irrelevante a implementação da maioridade durante o seu cumprimento (art. 2º,
parágrafo único, c/c art. 121, §5º, ambos do ECA). Vide também: Súmula 605: “A
superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional
nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade
assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.”
[24]
É importante ressaltar que o termo “droga” passou a ser utilizado após a
promulgação da Lei nº. 11.343/2006 em substituição à nomenclatura “substância
entorpecente”, que era a utilizada pelas legislações anteriores. Tal
denominação era utilizada em função de se referir de forma mais ampla e
genérica às substâncias com poder de modificar as funções físicas e psíquicas
do ser humano.