Violência Escolar

A violência escolar é um fenômeno preocupante no Brasil, tem-se agregado e assumido diversas formas nas escolas, fazendo-se necessária uma investigação das perspectivas sociais, políticas e psicológicas, para que se possa ampliar a compreensão e fazer-se uso do pensamento crítico sobre essas questões.  O enfoque da mídia no assunto contribuiu para que os acontecimentos tivessem maior visibilidade. As agressões nem sempre são físicas, casos de violência psicológica são bem mais comuns e menosprezados, pois constantemente são julgados como brincadeira. Brincadeira que pode resultar em homicídio, lesões corporais e, a aplicação de medidas socioeducativas sobre os menores infratores.

Fonte: Gisele Leite

Comentários: (0)




A violência está presente cada vez mais na escola[1] e, impondo uma dramaticidade ao mundo contemporâneo. Suas raízes estão postas na cruel desigualdade social, econômica, educacional e cultural e, infecta todas as relações humanas, sendo, por vezes, a mais genuína expressão dos sujeitos envolvidos.

A tragédia se intensifica quando o envolvimento da violência atinge um público infanto-juvenil e, não obstante, tantas importantes conquistas galgadas com a evolução da proteção do chamado sujeito de direitos que ainda se mostra frágil diante a toda e qualquer violência que pode surgir na escola, no seio familiar, no meio social e, principalmente, traumatizando boa parte da infância e adolescência.

As escolas que recebem discentes de diversos níveis sociais, econômicos e culturais defrontam-se com diários problemas de violência, envolvendo toda comunidade escolar que, além de reproduzir a violência cotidiana.

Na mídia, assistimos todos os dias, os mais variados casos de violências nas escolas, onde se pode encontrar tráfico de drogas, rixas, agressões entre gangues, que atinge a todos, alunos, professores e funcionários, dentre outros.

Torna-se importante identificar as principais formas que a violência comparece no contexto escolar, como o bullying[2], e assim, desconhecemos a posição de criança e do adolescente e, dos demais atores nesse contexto, para tanto, há de se identificar as melhores alternativas de combatê-la, utilizando-se as medidas prevenções mais exitosas.

Não pretendo esgotar o tema tão complexo, mas apenas trazer a necessária reflexão para que possamos adotar medidas preventivas e inibitórias da chaga que significa a violência escolar.

Lembremos que a concepção jurídica sobre a criança e adolescente perpassou por várias transformações e, no Brasil (e no mundo) historicamente o tratamento conferido, principalmente, no período Colonial e do Império onde se torna perceptível a grande evolução legislativa galgada até esses contemporâneos dias.

Bem antes de pisarmos no solo tupiniquim durante a epopeia marítima em direção à Terra de Santa Cruz, as crianças já sofriam violações de toda sorte.

E, a bordo das caravelas, na condição de grumetes ou pajens, como órfãs do Rei, enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da coroa, ou como passageiros embarcados em companhia dos pais ou com algum parente, elas eram obrigadas a aceitar toda sorte de abusos sexuais de marujos e demais tripulantes.

Mesmo as crianças acompanhadas de pais eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham de ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens intactas, pelo menos, até chegarem à Colônia.

Destaca-se que era baixa a expectativa de vida das crianças portuguesas entre os séculos XVI e XVIII ficava em torno de quatorze anos, enquanto mais da metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos.

Principalmente, entre as classes sociais mais baixas, as crianças fossem consideradas como pouco mais de animais, cuja força de trabalho, deveria ser sorvida ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas.

No Brasil Colônia, não havia no direito positivo qualquer proteção destinada à criança e ao adolescente. E, buscando satisfazer os interesses da Coroa Portuguesa, as crianças eram catequizadas segundo os costumes portugueses, visando a compreensão da “nova ordem” que se estabelecia.

Foi a partir de 1549, coube a Companhia de Jesus[3] a nobre missão precípua de evangelizar os habitantes da Colônia, com intuito de modificar os hábitos desregrados dos portugueses que no Brasil chegaram. Afinal, em sua grossa maioria, eram degredados[4].

Portanto, os religiosos passaram a ter relevante papel na defesa de mulheres e crianças, principalmente, as indígenas, subjugadas pelos colonizadores, durante todo o período colonial e nos subsequentes.

Até o início do século XX, todo o amparo à infância brasileira, basicamente foi exercido pela Igreja Católica. E, preocupados com a degradação dos costumes e com a violência sofrida pelas indígenas, os jesuítas batalhavam pela implantação da instituição familiar na Colônia.

A violência sexual praticada pelos portugueses contra as mulheres indígenas e africanas gerou inúmeras crianças ilegítimas no Brasil colonial. No fim do século XVII e século XVIII, com o incremento da vida urbana, as crianças havidas fora do casamento passaram a ser um problema típico das cidades, sendo possível observar várias situações de menores abandonados[5].

O Brasil acabou adotando a mesma categorização de tipos de filiação e suas variações proposta pelas Ordenações Filipinas. As maneiras de filiação são dadas da seguinte forma: O filho legítimo era aquele concebido em um casamento legal entre os pais. Os filhos ilegítimos, por outro lado, podem ser naturais – filhos de pais solteiros e sem impedimento para a realização do casamento; espúrios – filhos de pais com algum impedimento para a realização do matrimônio; sacrilégios – filhos de relações carnais entre um leigo e um eclesiástico; adulterinos – filhos de um relacionamento em que um dos pais era casado e incestuoso, ou seja, fruto de uniões carnais entre parentes ligados por consanguinidade e/ou afinidade até o 4º grau.

Dentro destas divisões diferenciavam-se, portanto, o direito à herança entre os filhos na qual alguns poderiam partilhá-la com os chamados filhos legítimos e outros não. esses filhos ilegítimos de várias maneiras, mas, como Brügger alerta, pouco se encontram, nos registros de batismo, citações claras de paternidade quando envolve uma situação que leve a algum tipo de reprovação social, como é o caso dos filhos espúrios.

Brügger segue, então, com essa mesma linha demonstrando através de vários dados que a ocorrência de filhos ilegítimos acontece mais comumente entre escravos e a população menos abastada, o que não implica no desaparecimento desse fato entre os indivíduos livres. Pelo contrário, os filhos fora do casamento são de maneira geral um acontecimento social comum na sociedade brasileira.

Nesse aspecto, as legislações, tanto civis quanto a eclesiástica, mostram-se em sintonia no tipo de tratamento reservado às crianças batizadas filhos de uniões não sancionadas pela Igreja: só deve constar no registro paroquial os nomes de seu pai e de sua mãe caso isso não gere qualquer tipo de escândalo[6].

As dificuldades de lidar com as crianças abandonadas levaram o país a recorrer ao sistema de casa ou roda dos expostos, como já tinha sido instituído, na Itália, no século XII. A primeira Roda dos Expostos[7] foi instalada em 1726 pela Irmandade da Misericórdia da Santa Casa de Salvador, seguida pelo Rio de Janeiro, em 1738, e em São Paulo, apenas em 1825.

Eram mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia, a Roda dos Expostos tinha como objetivo principal amparar as crianças vítimas da rigidez da ética social, religiosa e cultural da época, onde elas eram enjeitadas pelos seus pais em virtude do rígido controle da virgindade feminina no propósito de encobrir a infelicidade material ou também pela necessidade econômica.

Já no Brasil Imperial sob a vigência das Ordenações Filipinas[8], promulgadas em 1603 por Rei Filipe II, a política repressiva era fundada no temor e crueldade das penas. À criança e ao adolescente era dispensado o mesmo tratamento cruel e desumano imposto aos adultos, até mesmo na forma de se vestir, de se alimentar, de trabalhar forçadamente, nas expressões do estupro, na venda e troca destes como mercadoria, etc.

Nesta época, a imputabilidade penal era a partir dos sete anos de idade, quando o menor cumpria a mesma pena do imputável com a redução de um terço do tempo. Dos 17 (dezessete) aos 21(vinte e um) anos de idade, eram considerados jovens adultos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (enforcamento).

A exceção era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava a pena de morte natural para os maiores de quatorze anos.

A chamada “doutrina penal do menor”[9], assim denominada em virtude de não haver uma legislação especial e específica a esta população, tratava a questão apenas sob a ótica do direito penal, não conferindo acréscimo algum ao direito comum das crianças e adolescentes. E, foi inspirado por essa doutrina, o Código Penal brasileiro do Império, de 1830[10] preocupava-se com a delinquência praticada pelo menor, e inseriu o exame da capacidade do discernimento para a aplicação da pena.

Os menores de quatorze anos eram inimputáveis, mas sob o critério biopsicológico, entendendo o juiz que a criança, na faixa dos sete aos quatorze anos de idade, tivesse agido com discernimento, ou seja, se ela tinha capacidade de distinguir o bem do mal, poderia então ser encaminhada para as Casas de Correção, onde poderia permanecer até os dezessete anos de idade.

A primeira lei brasileira que tratou especialmente da proteção de menores foi a Lei do Ventre Livre[11], (Lei nº 2.040, de 28 de Setembro de 1871) trouxe o primeiro dispositivo legal protetivo expresso às crianças, passando a dar à mãe escrava o direito de criar seu filho até os sete anos de idade.

Porém, após esse período, ou o Estado brasileiro indenizava o dono da escrava e a criança era retirada da mãe e colocada num orfanato, deixando de ser escrava para ser abandonada, ou continuava na companhia da mãe, trabalhando como escrava até os vinte e um anos de idade, quando então era alforriada.

Enquanto muitas crianças que eram filhos de escravos permaneceram exploradas pelos senhores, outras, então desvalorizadas como mão de obra foram abandonadas pelos patrões de suas mães, contribuindo para engrossar as fileiras dos desassistidos.

A preocupação com a existência de crianças pobres e marginalizadas, especialmente no ambiente urbano, motivou as discussões em torno da infância. Rizzini (2011) traz como característica importante da legislação, presente, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, a preocupação com a formação educacional das crianças, como as leis que tratavam da regulamentação do ensino primário e secundário no Município da Corte (Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851 e 1331-A, de 17 de fevereiro de 1854) e um decreto que criava dez escolas públicas de instrução primária, do primeiro grau, no Município da Corte (Decreto nº 5.532, de 24 de janeiro de 1874).

O aumento populacional no início do período republicano, motivado, principalmente, pela intensa migração de escravos libertos, trouxe consigo alguns males sociais: doenças, sem tetos, analfabetismo. Em um momento de construção da imagem da nova república, medidas urgentes tornaram-se necessárias.

A preocupação com a delinquência juvenil fez-se presente e “o pensamento social oscilava entre assegurar direitos ou ‘se defender’ dos menores”. Com a edição de inúmeras normas sobre o tema, houve, nesse período, uma nítida “judicialização” da infância, popularizando a categoria jurídica do “menor”, comumente empregada nos debates da época.

Tal termo “menor” foi naturalmente incorporado na linguagem para designar a criança abandonada, desvalida, delinquente, viciosa, entre outras. Com o advento do primeiro Código Penal do Brasil República, em 1830[12], a imputabilidade penal passou para nove anos de idade, mantendo o critério do discernimento.

Então, entre os nove anos até os 14 (quatorze) anos de idade, a imputabilidade penal era aferida pelo critério subjetivo da percepção de dolo.

Já, a partir dos quatorze anos de idade, a imputabilidade penal era objetiva, ou seja, os menores eram punidos da mesma forma que o adulto, inclusive cumpriam a pena no mesmo estabelecimento, só que com a pena reduzida em um terço.

Azambuja (2004) destaca que a mesma legislação previa, ainda, a possibilidade de recolhimento a estabelecimentos disciplinares os jovens com idade entre 14 (quatorze) e 21 (vinte e um) anos, quando considerados vagabundos ou vadios. Posteriormente, com o Decreto nº 145, de 11 de julho de 1893, e a Lei nº 947, de 29 de dezembro de 1902, estabeleceu-se o encaminhamento dos jovens para colônias correcionais.

As crescentes discussões internas, influenciadas, também, pelos debates no cenário mundial, esboçavam uma nova perspectiva do direito da criança e do adolescente, a fim de afastá-los do direito penal e propondo a especialização de tribunais e juízes.  Amin (2010) apontou a existência de uma “consciência geral de que o Estado teria o dever de proteger os menores, mesmo que suprimindo garantias”.

Segundo Rizzini (2011), o período de 1923 a 1927, foi um dos mais proveitosos em termos de legislação no que tange à organização da assistência e proteção à infância abandonada e delinquente.

Em 1924, o Decreto 16.300 institui a Inspectoria de Hygiene Infantil, como parte do Departamento Nacional de Saúde Pública. No mesmo ano, aprovou-se o regulamento do Conselho de Assistência e Proteção de Menores (Decreto nº 16.388 que, posteriormente, viria a compor a Parte Especial do Código de Menores de 1927).

Em 1926, foi publicado o Decreto nº 5.083, primeiro Código de Menores do Brasil[13], que cuidava dos “infantes expostos e menores abandonados”, sendo, em outubro de 1927, foi substituído pelo Decreto 17.943A, popularmente conhecido como “Código Mello Mattos”, em virtude de ter sido o primeiro Juiz de Menores da América Latina.

O Código de Menores era endereçado não a todas as crianças, mas apenas àquelas tidas como estando em situação irregular. A mencionada lei definia, já em seu art. 1º, a quem a lei se aplicava: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 (dezoito) annos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código (grafia original)” (BRASIL, 1927).

Procurando cobrir um amplo espectro de situações envolvendo a infância e adolescência, o Código Mello Mattos visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada. Revestia-se a figura do juiz de grande poder, sendo que o destino de muitas crianças e adolescentes ficava à mercê do seu julgamento e ética (LORENZI, 2016).

Em que pese o avanço legislativo, o “menor” permanecia sem direitos reconhecidos, vivendo num período em que a internação[14] de menores passou a ser rotina. Tal procedimento acabou gerando críticas provenientes de diversos setores sociais, em grande parte embasadas nas discussões sobre as crianças e os indivíduos das classes mais pobres, com o objetivo de discipliná-los e torná-los “governáveis”. (AZAMBUJA, 2004).

Sob a ótica do Código Mello Matos criou-se uma série de estruturas destinadas ao atendimento, valendo destacar o Decreto Lei nº 3.799, de 1941, que instituiu o SAM - Serviço de Assistência do Menor, que atendia menores delinquentes e desvalidos. Ele compunha-se de internatos para adolescentes autores de infração penal e patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos, para os menores carentes e abandonados. Sua disciplina era rígida tanto num como em outro.

Com o passar dos anos, o SAM caiu no descrédito popular. Na década de sessenta, recebe duras críticas devido ao distanciamento de seu objetivo inicial, seu caráter repressivo e a incapacidade de recuperação dos internos.

Em 1964, pela Lei nº 4.513, criou-se a FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, a qual tentou substituir as práticas correcionais repressivas do antigo SAM, por uma política de enfoque assistencialista (ALBERTON, 2005).

Sob as diretrizes traçadas pela FUNABEM, os governos estaduais também reformaram suas estruturas administrativas para o atendimento à infância, centralizando-as sob a forma das Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, as FEBEMs. Grande parte dos Estados da federação criou fundações nos anos setenta com esta finalidade.

No final dos anos sessenta e início da década de setenta, iniciam-se os debates para a reforma e criação de uma legislação menorista, rompendo definitivamente com a Doutrina Penal do Menor. Assim, em 10 de outubro de 1979 foi publicada a Lei nº 6.697, segundo Código de Menores, que, mesmo sem inovar, acabou consolidando a Doutrina da Situação Irregular (AMIN, 2010).

Inaugurando uma nova fase do direito menorista do Brasil, o Código de Menores de 1979, elaborado especialmente por juízes de menores, fundou-se na doutrina da situação irregular, sob o binômio “vítima de abandono ou maus tratos/infrator”.

O Juiz de Menores torna-se a autoridade máxima, com poderes “discricionários para proteção do menor" e as FEBEMs permanecem como os estabelecimentos encarregados do cumprimento das medidas determinadas (GONZÁLES, 200, p. 145).

No art. 2° do referido código, considerava-se menor em situação irregular aquele que poderia ser encontrado em seis situações distintas, quais eram: o menor abandonado em saúde, educação e instrução; a vítima de maus tratos ou castigos imoderados; os que se encontravam em perigo moral; os privados de assistência judicial; os desviados de conduta e o autor de infração penal (BRASIL, 1979).

Durante todo este período, a cultura da internação para carentes e delinquentes foi a tônica, vista, muitas vezes, como a única solução (AMIN, 2011).

No decorrer dos anos oitenta, são feitos diversos questionamentos sobre a Política Nacional de Bem-Estar do Menor e o Código de Menores, mecanismos que tiveram sua origem no regime  autoritário. Azambuja (2004) explica que por mais que a doutrina da situação irregular tenha trazido um avanço em relação à anterior, o segundo Código de Menores é passível de muitas críticas.

O Juiz de Menores detinha poderes irrestritos, não necessitando fundamentar suas decisões, nem mesmo se sujeitava à critérios objetivos. Ele podia, por exemplo, decidir a internação de uma criança ou adolescente, por tempo indeterminado, pelo fato de estar perambulando na rua.

Em 1990, a já desgastada FUNDABEM foi substituída, por intermédio da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, pelo CBIA  (Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência). Ao novo órgão incumbia formular, normatizar e coordenar a política de defesa dos direitos da criança e adolescente, bem como prestar assistência técnica a órgãos e entidades que executassem essa política

No final dos anos setenta e durante a década de oitenta, o Brasil viveu período marcado pela abertura política, culminando com o fim da ditadura militar. A afirmação de direitos democráticos e a luta em defesa dos direitos humanos tornaram-se muito presentes no cotidiano do povo brasileiro (ALBERTON, 2005).

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe uma série de direitos fundamentais a crianças e adolescentes até então não instituídos. Antecipando-se à Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, incorporou ao ordenamento jurídico nacional, em sede de norma constitucional, os princípios fundantes da Doutrina da Proteção Integral[15], conforme expresso em seu artigo 227, caput:

               Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grafia original)

No art. 228, a Constituição Federal brasileira de 1988 declara os menores de 18 (dezoito) anos como penalmente inimputáveis e remete para a legislação especial a tipificação dos ilícitos, as penalidades e os procedimentos a que devem estar sujeitos os adolescentes autores de atos infracionais.

A Magna Carta de 1988 afastou a doutrina da situação irregular até então vigente, assegurando às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamentais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de assegurá-los (AMIN, 2010).

Conforme ensina Azambuja (2010):

“Com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, a Doutrina da Situação Irregular[16] é substituída pela Doutrina da Proteção Integral[17], alicerçada em três pilares: a) a criança conquista a condição de sujeito de direitos; b) a infância é reconhecida como fase especial do processo de desenvolvimento; c) a prioridade”.

Resultado de um esforço conjunto entre vários países que, durante dez anos buscaram definir quais os direitos humanos comuns a todas crianças, para a formulação de normas legais, e internacionalmente aplicáveis (PEREIRA, 1996), a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, se contrapôs ao tratamento social excludente da criança e do adolescente existente até então, apresentando um conjunto social, metodológico e jurídico que permitiu  compreender e abordar as questões relativas a estes peculiares sujeitos sob a ótica dos Direitos Humanos (PINHEIRO, 2012).

Consagrou a Doutrina da Proteção Integral que, segundo Pereira (1996), devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento, as crianças e os adolescentes possuem características específicas, devendo a infância ser considerada “prioridade imediata e absoluta”, necessitando “consideração especial”, e tendo sua proteção que se sobrepor às medidas de ajustes econômicos, salvaguardando seus direitos fundamentais.

Conforme destaca Pereira (1996), pelo princípio do interesse maior da criança, a Convenção reafirma que é dever dos pais e responsáveis garantir às crianças proteção e cuidados especiais e na falta destes é obrigação do Estado assegurar que as instituições e serviços de atendimento o façam.

Com a publicação do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, transformando-a em lei interna.

Apesar da Constituição da República brasileira vigente, em seu artigo 227, já definir os direitos fundamentais inerentes à criança e ao adolescente e, portanto, ser de aplicação imediata, coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a construção sistêmica da doutrina da proteção integral (AMIN, 2010).

Assim, a Lei Federal nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – sancionada em 13 de julho de 1990, passando a vigorar no Brasil a partir de 14 de outubro do mesmo ano, revogou o Código de Menores e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor[18].

De acordo ECA, todas as crianças e os adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a ideia e que os Juizados de Menores seriam uma justiça para os pobres e desvalidos. Segundo as palavras de Saraiva (2010), pode-se dizer que “o estatuto da Criança e do Adolescente é a versão brasileira da Convenção das Nações unidas de direitos da Criança”.

Para Ferreira (2008), ao estabelecer que crianças e adolescentes têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas em fase especial de desenvolvimento, assegurando-lhes direitos civis, humanos e sociais, o Estatuto da Criança e do Adolescente elevou-os à condição de cidadãos, retirando-os da situação de meros receptores de benefícios para satisfação de suas necessidades básicas, considerando-os agentes que podem trabalhar, direta ou indiretamente, para a conquista dos direitos contemplados, assumindo, em contrapartida, as obrigações que lhe são naturais.

A Lei explicitou o que se deve entender por direito à liberdade (ECA, art. 16), ao respeito (ECA, art. 17) e à dignidade (ECA, art. 18) em relação à criança e ao adolescente, tratando cada tema em artigos distintos.

A partir de 1988 e 1990, instaurou-se no Brasil uma nova era dos direitos da criança. A nova Lei provocou mudanças na política de atendimento à criança e ao adolescente, com a criação de instrumentos que viabilizem o atendimento e a garantia dos direitos assegurados àqueles que ainda não atingiram os dezoito anos (AZAMBUJA, 2004).

Com isso, criaram-se os Conselhos Tutelares, funcionando em cada Município como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (art. 131 do ECA).

De acordo com Azambuja (2004), o Conselho Tutelar se torna uma das peças mais importantes para a implementação da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

Dentre outras situações de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, cabe ao Conselho Tutelar receber os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra a referida população, mostrando-se de extrema urgência sua criação e instalação nos Municípios.

Como assevera Pereira (1996), a Lei nº 8.069/1990 (ECA), ao adotar como seu fundamento a doutrina da Proteção Integral, rompeu definitivamente com a “cultura jurídica das discriminações”, presentes nas legislações anteriores.

Para ele a distinção entre criança e adolescente trazida no art. 2º do Estatuto teve como único objetivo de dar tratamento especial às pessoas em fase de peculiar desenvolvimento, em razão da maior ou menos maturidade, a exemplo das medidas socioeducativas, atribuídas apenas aos maiores de 12 (doze) anos na prática do ato infracional, enquanto aos menores desta idade se aplicam as medidas específicas de proteção.

O olhar sobre a criança e ao adolescente como sujeitos de direitos, conforme descrevem Vannuchi e Oliveira (2010), foi o “resultado do processo de tomada de consciência de luta que mudou a visão discriminadora e excludente aos quais estavam submetidos.”

Hoje já se reconhece que crianças e adolescentes têm direitos, pelo simples fato de existirem e merecerem respeito, como pessoas, independentemente de sua origem, raça, etnia, sexo, orientação sexual, idade, condição física social econômica.

Antes da Constituição Federal brasileira de 1988, as crianças e os adolescentes durante muitos séculos foram distinguidos de forma inferiorizada no plano legislativo externo.

A partir do século XX, pode-se apontar como o iniciar de uma nova era para os direitos menoristas, com a precursora convenção acerca da idade mínima para o trabalho (1919) e de supressão do tráfico de crianças de 1921.

A Declaração de Genebra de 1924, conhecida como Carta da Liga sobre a Criança, é indicada como o documento pioneiro no desabrochar dos direitos infantis. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, publicada pela Organização das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989[19], constituiu o pilar da doutrina da proteção integral[20], adotada em quase todos os países ocidentais. Com a ratificação desta importante Convenção Dos Direitos Infantis, o Brasil incorporou, definitivamente, o princípio do superior interesse da criança, norteador das leis, doutrina e jurisprudências brasileiras (MACIEL, 2015).

Em consonância com a Magna Carta, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA) trata de regulamentar os dispositivos constitucionais referentes aos direitos da criança e do adolescente, os elevando à condição de sujeitos de direito, o que, para Lima (2012), tornou-se uma das grandes mudanças ocorridas: a criança podendo tomar decisões, ter garantida a sua capacidade de opinião, digna de ser respeitada.

Assim, da mesma forma que não devem ser tratados de maneira que os tornem inferiores a qualquer outra pessoa, a criança e ao adolescente não podem ser tratados como adultos. Elas devem ter respeitadas suas particularidades, partindo-se do reconhecimento de sua condição de pessoas em desenvolvimento, conforme prevê o Estatuto da Criança e do adolescente.

O tratamento dispensado à criança na normativa internacional, na constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, significa uma conquista sem precedentes na história dos direitos da infância.

Embora a lei, de forma mágica, não mude a realidade, ela é um instrumento que reflete o estágio de desenvolvimento de um povo, enuncia direitos, confere legitimidade ativa e passiva para estar em juízo e permite acesso ao poder Judiciário sempre que as garantias legais forem ameaçadas ou violadas.

Em harmonia com a supremacia que o valor da dignidade da pessoa humana recebeu na Carta Cidadã, de igual forma inseriu um sistema de proteção especial para crianças e jovens, reconhecidos na sua especificidade de seres humanos ainda em desenvolvimento físico, psíquico e emocional.

Machado (2003) sustenta que o ponto focal no qual se esteia a concepção positivada no texto constitucional é a compreensão de que, por se acharem na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento, crianças e adolescentes encontram-se em situação especial e de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de um regime especial de salvaguardas, que lh permitem construir suas potencialidades humanas em sua plenitude.

Para doutrinadora, as crianças e os adolescentes receberam do ordenamento jurídico brasileiro esse tratamento mais abrangente e efetivo porque a sua condição de seres diversos dos adultos têm maior vulnerabilidade em relação aos seres humanos adultos.

Vulnerabilidade essa que é a noção distintiva sob a ótica do estabelecimento de um sistema especial de proteção. Enquanto portadoras de uma desigualdade inerente, intrínseca, o ordenamento confere-lhes tratamento mais abrangente como forma desequilibrar a desigualdade de fato e atingir a igualdade jurídica material e não meramente formal.

Como bem destaca Azambuja (2010), a inclusão no ordenamento jurídico, da garantia e do reconhecimento da dignidade humana, como fundamento e princípio basilar, é recente. Nesse sentido, torna-se inegável a contribuição da Declaração Universal dos Direitos Humanos não só para o ordenamento jurídico brasileiro como para as constituições democráticas modernas.

No que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, o art. 18 do ECA, repetindo a norma do art. 227 da CF/1988, que reconheceu o direito à dignidade da criança e do adolescente, veio preencher uma lacuna, protegendo o infante de “qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, demonstrando claramente a preocupação do legislador quanto a necessidade de defender o status dignitatis do menor.

Marques (2008) assim acrescenta: É importante salientar que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente. Esta função não se limita aos pais e aos responsáveis legais, estendendo-se a qualquer pessoa que tenha conhecimento de algum abuso ou desrespeito à dignidade da criança e do adolescente, devendo comunicá-lo ao Ministério Público, que tem obrigação legal de propor as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias.

O direito ao respeito, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, “abrange a proteção da vida privada, a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores das ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (artigo 17).

Azambuja (2010) ensina que, anteriormente, a Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em seu art. 8º, já estabelecia a obrigação dos Estados-Partes de respeitarem o direito da criança, preservarem sua identidade, inclusive, nacionalidade, o nome e as relações familiares, sem interferências ilícitas.

Amin (2010) traz como respeito “o tratamento atencioso à própria consideração que se deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis, seja pela idade, por sua condição social, pela ascendência ou grau de hierarquia em que se acham colocadas”. Para a autora, o paradigmada proteção integral, sistematicamente, está consolidado, mas culturalmente ainda há muito a fazer, pois:

O estigma do menor como objeto de proteção concede o direito de tratar os menores e deles exigir o que bem se entende, sem enxergá-los como pessoas, carecedoras de tratamento digno e resguardo a sua integridade (física, psíquica e intelectual). Crianças e adolescente têm o direito de se desenvolver como crianças e adolescente.

A Constituição Federal, em seu capítulo VII, quando trata “Da família, da criança, do adolescente e do idoso”, inscreve como dever da “família, da sociedade e do Estado” assegurar à criança e ao adolescente direitos fundamentais, ressaltando dentre outros, o “direito a educação, à cultura e o lazer (Art. 227 da CF/1988).

Além de romper com a tradição mantida nas Constituições anteriores ao cuidar dos direitos fundamentais no seu início, assegurando os direitos do cidadão em detrimento do Estado, a Carta de 1988 também inovou ao incluir a educação no rol “dos direitos e garantias fundamentais” e ao reconhecê-la como um dos direitos sociais.

A Constituição cidadã avançou muito no asseguramento do direito à educação, seja no seu reconhecimento como direito público subjetivo do cidadão brasileiro, seja ao regular expressamente o direito de acesso dos costumeiramente excluídos (trabalhadores, deficientes, indígenas, os que não tiveram acesso na idade própria, crianças pobres e vulneráveis), como ao estabelecer as formas de financiamento da educação básica.

Rosa (2012) salienta que, embora a Constituição Federal brasileira vigente não possa, por si só, concretizar os direitos, ela impõe tarefas e define responsabilidades, transformandose em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir para isso a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida.

Portanto, a preocupação para que o Estado assegure, coerentemente, uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa, que torne explicita a prática para a cidadania e a capacitação para o trabalho.

A fim de esses direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua para que todos tenham uma escola pública gratuita, de boa qualidade e que seja realmente aberta e democrática, capaz de preparar e educar para o pleno e completo exercício da cidadania (VASCONCELOS, 2010).

A educação como direito social está garantida no artigo 205 da Constituição Federal brasileira de 1988: “A educação direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Segundo a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a escola tem como função social formar o cidadão, e, desse modo, garantir as finalidades registradas no seu artigo 22: “A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.”

Como destaca Camargo (2007), as instituições de ensino são criações da sociedade. “Elas nascem de uma necessidade surgida na Modernidade e são, relativamente, respostas ao entendimento que se fez da infância, quando categorizada e conceituada.” Antes do século XV, não havia uma ideia formada sobre a infância. A criança era percebida como uma “miniatura do adulto”;

Não se pensava em um desenvolvimento diferenciado para ela. No século XVI, passou se a entendê-la como um ser frágil e carente de atenção, e a partir do século XVII, aproximadamente, sente-se a necessidade de moralizar a criança, “educá-la”.

Assim, com o passar do tempo, em função das atividades sociais, econômicas e políticas que provocam novas estruturas familiares, a educação começa a ser “dada” fora do âmbito familiar, ou seja, no então “ambiente escolar”.

Welchen e Oliveira (2013) salientam que a educação pressupõe uma adaptação crítica ao meio, não abstraindo somente valores tradicionais idealizados como eficientes, mas uma visão ampla que possibilite escolhas que não necessariamente sejam impostas como padrão.

A escola, entendida como um local que possibilita uma vivência social diferente do grupo familiar, deve oferecer a oportunidade de o aluno ter acesso a informações e experiências novas e desafiadoras, capazes de provocar transformações e de desencadear processos de desenvolvimento e comportamento.

A escola é um espaço de conflitos, porque convivem em seu bojo pessoas com subjetividades diferentes, onde vidas humanas, ao conviverem, se constroem e se educam.

Em paralelo à instrução curricular, um dos principais objetivos da educação é desenvolver condições para que crianças e jovens participem da vida em sociedade de forma crítica e autônoma, desenvolvendo as condições para o exercício da cidadania.

Para Pátaro e Alves (2011), são esses os elementos que devem ser desenvolvidos pela escola para que, de maneira crítica, “alunos sejam capazes de se indignarem com as injustiças sociais e almejarem uma vida digna para si próprios e para a sociedade”.

Recorrendo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996, encontra-se alguns artigos que fazem menção a esses objetivos:

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

[...] Art. 27º. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:

I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática. (BRASIL, 1996).

Para La Taille (1999), as instituições educacionais são lugares de conquista da autonomia. A novidade, na vida escolar, não é obedecer, mas, sim, a quem obedecer e isso depende, primeiro, da delegação da autoridade dos pais para a escola – o que acontece, em geral, é a atribuição de responsabilidades e não de autoridade.

A LDB apregoa, em seu artigo 3º, que o ensino será ministrado com base em princípios dos quais se pode destacar: “VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1993)

Segundo Queiroz (2002), a escola atual é considerada uma escola democrática e que prepara o indivíduo para a democracia. A doutrinadora explica que desenvolver uma escola democrática significa desenvolver uma educação escolar que compreenda as diversas interferências e interesses que perpassam a sociedade e que organiza o ensino de forma a levar o educando a compreendê-los e a compreender o papel de cada um, individualmente, e o de cada grupo para poder interferir nas ações dessa sociedade.

A violência é um fenômeno presente em todas as sociedades e tendo em vista a amplitude do tema e multiplicidade de fatores que a originam, é considerada um evento de difícil definição.

Conforme salienta Priotto (2008), a violência se apresenta com diferentes características e formas, de acordo com o momento histórico e cultural.

Trata-se de um “fenômeno inerente à vida humana que permeia historicamente a vida social e só pode ser explicado a partir de determinações culturais, políticas, econômicas e psicossociais, intrínsecas às sociedades humanas.”

Como ele destaca:

A escola, como qualquer outra instituição, também acaba afetada por situações externas, alheias a sua função social. Ela não apenas reproduz as violências correntes na sociedade, mas também produz formas próprias, que se refletem no seu dia a dia.

No contexto escolar, a criança se encontra tanto na posição de vítima quanto na de agressor e o ambiente é atingindo de modo avassalador, transformando a escola num palco de explosão de conflitos sociais, comprometendo seriamente a sua verdadeira função de socialização, aprendizagem e formação.

Tonchis (2013) descreve que “o conflito e violência sempre existiram e sempre existirão, principalmente, na escola, que é um ambiente social em que os jovens estão experimentando, isto é, estão aprendendo a conviver com as diferenças, a viver em sociedade”.

Assim, além de estarem expostos a diversas formas de violações, também acabam internalizando e refletindo a violência vivenciada fora do ambiente escolar.

Charlot (2002) assinala que, historicamente, a questão da violência na escola não é tão nova, tendo sido registrada ainda no final do século XIX.

As formas que ela assume é que são novas, sendo importante considerar a violência na escola ou que se produz dentro do espaço escolar sem estar ligada à natureza das atividades de ensino, difere da violência contra a escola, que visa atingir a instituição e aqueles que a representam, e também se distingue da violência da escola, institucional, simbólica e que incide sobre os estudantes via imposição curricular, modos de organização das classes, avaliação autoritária e outras formas de controle, discriminação e humilhação.

A caracterização do que vem a ser considerado como violência escolar possui diversas variáveis e, para entender tal fenômeno, é preciso levar em conta fatores externos e internos à instituição de ensino.

No aspecto externo, podem influenciar as questões de gênero, as relações raciais, os meios de comunicação e o espaço social no qual a escola está inserida.

Já entre os fatores internos, deve-se levar em consideração a idade e a série ou o nível de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina dos projetos pedagógicos das escolas, assim como o impacto do sistema de punições e o comportamento dos professores em relação aos alunos (e vice-versa) e a prática educacional em geral.

Conforme acrescente Priotto (2009), o significado de violência não é consensual e varia em função do estabelecimento escolar, do status de quem fala (professor, diretor, aluno, etc.), da idade e, provavelmente, do sexo.

Dada essa sua complexidade, torna-se complicado mensurá-la, pois como explica Camacho (2001), ela “se confunde, se interpenetra, se interrelaciona com a agressão de modo geral e/ou com a indisciplina”, quando manifestada na esfera escolar, tornando-se impossível isolá-la.

Sobre essa ambiguidade presente entre violência e indisciplina, Zecchi (2012, p 18) explica que: “O entendimento de violência a partir de um conceito amplo, como produto do uso da força e provocação de dano ao outro, encontra um problema quanto ao limite entre o que é violência, como um ato de criminalidade ou delinquência, ou pequenas transgressões e/ou atos indisciplinares”.

Aqui se dá a confusão entre violência e indisciplina, pois o entendimento dos atos vivenciados no meio escolar como violência, delinquência ou atitudes indisciplinares depende dos agentes envolvidos e das relações sociais que se estabelecem.

Tal como a violência, a indisciplina constitui-se um desafio para a escola na atualidade, podendo ser entendida como uma forma de manifestação contra a exigência ou quebra de regras ao adequar-se à sociedade (PRIOTTO, 2009).

Para Camacho (2001), o termo indisciplina não pode se restringir apenas à indicação de negação ou privação da disciplina ou à compreensão de desordem, de descontrole, de falta de regras. “A indisciplina pode, também, ser entendida como resistência, ousadia e inconformismo” (CAMACHO, 2001).

Conforme a autora salienta, a indisciplina também pode ser vista como um sintoma positivo, pois “ela se torna instrumento de resistência à dominação, à submissão, às injustiças, às desigualdades e às discriminações em busca da identidade e dos direitos”,

No entanto, Camacho (2001) comenta que, mesmo esta indisciplina, vinculada a um processo educativo, enquanto processo de construção do conhecimento (do qual emergem falas, movimento, rebeldia, oposição, inquietação, busca de respostas), incomoda, porque “a escola não está preparada para conviver com o fato de o professor não ter mais o controle total e para receber esses alunos que tem seu querer.”

O fenômeno da indisciplina possibilita uma infinidade de compreensões, de acordo com as diferentes perspectivas de quem o observa e das mudanças ocorridas através dos tempos e nos diferentes lugares. E essa dificuldade em definir a indisciplina é o que acaba provocando certas confusões com as situações de violência ou agressão (ZECCHI, 2008).

Zecchi (2008) ensina que: [...] podemos considerar a violência e indisciplina praticadas pelos alunos na escola como um protesto contra a violência simbólica praticada pela instituição escolar e uma forma de contestar a exclusão que a escola opera, seus mecanismos disciplinares e punitivos autoritários. Diante da violência da escola, os alunos reagem agressivamente em busca de uma ruptura com a ordem excludente e injusta estabelecida.

Alguns estudos associam a violência escolar à violência social, principalmente à criminalidade presente nos grandes centros urbanos e apontam as condições históricas, sociais e econômicas como geradoras da violência na escola, associando pobreza e violência. No entanto,

Camacho (2001) afasta, de acordo com seus estudos, a ideia de que a violência se vincula apenas e diretamente à pobreza e aos grandes centros urbanos, pois se verifica um crescimento das práticas de violência entre jovens de classes médias e da elite.

Em sua pesquisa, Camacho (2001) verifica diferentes formas de relacionamento entre os alunos e destes com os profissionais da escola. A doutrinadora evidenciou que a intolerância ao “diferente” é uma das faces do processo que dá origem à violência. “Na escola pública é mais marcante a violência sendo praticada pelos 'diferentes' que respondem com agressão àqueles que os discriminam; no particular, a violência é dirigida aos 'diferentes”

A mencionada autora encontrou nas escolas, práticas de violências mascaradas/implícitas e práticas não-mascaradas/explícitas. As violências leves, assim como a segregação, exclusão e indiferença que são outras formas de manifestações de violência, não são assumidas pelas escolas.

Assinala que essa violência mascarada pode tornar-se perigosa porque como não é controlada, passa a ocorrer cotidianamente, sendo, assim, banalizada e considerada como comportamento normal de adolescente. A banalização da violência é responsável pela insensibilidade ao sofrimento, o desrespeito e a invasão do campo do outro.

A pesquisa de Camacho (2001) mostrou que o fundamento básico da forma de expressão mascarada da violência contra os diferentes é a discriminação nas suas variadas modalidades: discriminação social (aos pobres ou ricos demais), racial (aos negros), de gênero (aos homossexuais) e aos que se distanciam dos padrões colocados (aos bons alunos, aos maus alunos e aos novatos na escola, aos gordos e aos feios).

Qualquer desvio dos padrões socialmente aceitos é motivo de discriminação, de exclusão, de autoisolamento, de sentimento de rejeição, de baixa autoestima, o que causa muito sofrimento para os adolescentes.

Sposito (2002) descreve as diferenças existentes entre as várias modalidades de violência, apresentando uma conceituação de violência social e de violência escolar.

Segundo a doutrinadora, a violência social pode ser observada na escola e em suas proximidades, decorrente do aumento da criminalidade e do desenvolvimento da violência social nas cidades, mas não se trata de uma violência escolar.

É uma modalidade que decorre da insegurança da comunidade escolar ao ver a escola invadida por práticas de delitos criminosos que afetam a todos, sem qualquer mecanismo de proteção.

Enquanto a violência escolar se apresenta em duas modalidades: a primeira, caracterizada por atos de violência contra a escola, em ações que danificam o patrimônio escolar; e a segunda decorrente de um padrão de sociabilidade, das relações interpessoais que hoje atingem a escola pública e privada, com práticas que envolvem os alunos e seus pares, pela formação de grupos que podem ou não se enfrentar de modo agressivo, tanto nas formas físicas como verbais, por meio de ameaças a professores e funcionários (SPOSITO, 2008).

Seguindo os ensinamentos de Debearbeaux (1999), Abramovay (2003) ensina que a violência nas escolas se associa a três dimensões sociorganizacionais distintas.

Em primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar, devido à grande dificuldade de gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes.

Em segundo, uma violência que se origina de fora para dentro das escolas, que as torna sitiadas por intermédio da penetração de gangues.

Em terceiro, relaciona-se a um comportamento interno das escolas, específico de cada estabelecimento. “Há escolas que historicamente têm-se mostrado violentas e outras que passam por situações de violência.

Charlot (2002) propõe um sistema de classificação dos episódios de violência na escola na qual identifica três tipos de manifestação: violência na escola, violência da escola, violência contra a escola.

Segundo o doutrinador, “a violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar”. Ele exemplifica essa situação dizendo que é “quando um bando entra na escola para acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro local.”

Na escola, a violência cotidiana aparece no desrespeito ao outro, na transgressão aos códigos de boas maneiras e à ordem estabelecida. A falta de limites, associada à desconsideração pelos outros, contribui para que os jovens e adolescentes busquem se impor pela força e pela agressão.

Já a violência à escola estaria ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente a instituição e aqueles que a representam.

Segundo ele essa violência deve ser analisada junto com a violência da escola: [...] uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modo de composição das classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos ou racista). (CHARLOT, 2002).

Abromovay (2015) destaca que o espaço onde a escola se localiza também influência sobre o seu cotidiano e na percepção de segurança dos alunos e adultos.

Aspectos como a infraestrutura urbana, o perfil dos moradores e o tipo de comércio são alguns dos fatores que podem interferir na visão sobre o bairro e sobre a própria escola. Além disso, podem facilitar ou dificultar o acesso à escola, melhorar ou piorar suas condições de segurança.

Alteram, portanto, sua rotina, suas relações internas, bem como as interações entre os membros da comunidade escolar com o ambiente social externo.

A autora chama a atenção quanto ao que caracteriza como as microviolências que, tal como a violência mascarada descrita por Camacho (2001), podem passar despercebidas e são muitas vezes consideradas normais por todos, mas, no entanto, possuem um impacto importante na criação de um clima de insegurança.

As agressões verbais, especialmente os xingamentos, consideradas microviolências, incivilidades, desrespeito, ofensas, modos grosseiros de se expressar e discussões, ocorrem muitas vezes por motivos banais ou ligados ao cotidiano da escola.

“Dentro de uma concepção ampla do fenômeno da violência e sua interferência no cotidiano escolar, microviolências são vistas efetivamente como violências, e são cada vez mais comuns” (ABRAMOVAY, 2015).

Destaca, ainda a autora, outros tipos de violências (2015) referentes à raça e a homofobia, onde o preconceito se relaciona com a crença preconcebida acerca de atributos e qualidades de indivíduos a partir de características específicas, acreditando se em inferioridades naturais decorrentes da raça/cor, maneira de falar, de se vestir, entre a outras, e agindo de maneira diferente por se acreditar em inferioridades de alguns e superioridade de outros.

Diante deste universo de micriviolências e preconceito, destaca-se uma categoria de violência muito discutida e vivenciada no meio escolar, que é a do bullying, e mais atualmente a do cyberbullying.

Conforme Leão (2010), o bullying[21] apresenta-se de forma velada, intencional e repetitiva, dentro de uma relação de igual de poder, por um longo período de tempo e contra a mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequenciais irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas emocionais e comportamentais.

Para a autora, entre as crianças e adolescentes, dependendo da faixa etária em que se encontram, a prática do bullying é causada pela necessidade que o sujeito tem e se impor sobre o outro, tanto para demonstração de poder, quanto satisfação pessoal.

Percebe-se que há uma necessidade de se autoafirmarem a todo instante, perante si mesmos e em relação aos outros e para que isso ocorra, normalmente, o agressor se impõe sobre a vítima, considerada a parte mais frágil da relação e por ter a certeza de que ela não irá apresentar meios de defesa para reverter a situação. (LEÃO, 2010).

Como acrescenta a autora, as consequências provocadas pelo bullying geram, por vezes, danos e traumas irreparáveis na vida da criança, podendo refletir desde logo, como por exemplo, baixa autoestima, estresse, depressão, queda no rendimento escolar, pensamentos de vingança para com o agressor e até mesmo suicídio.

Essa forma de violência é difícil de ser identificada, uma vez que a vítima teme delatar os seus agressores, seja pela vergonha que irá passar diante dos demais amigos de classe, por medo de sofrer represálias, ou por acreditar que os professores ou seus próprios pais não lhe darão o devido crédito, achando que tais agressões são apenas brincadeiras de crianças e que irão passar com o tempo, atitude que faz crescer mais ainda a violência nas escolas e banaliza o sofrimento da vítima (LEÃO, 2010).

O cyberbullying, uma forma dissimulada de bullying, em que as agressões são virtuais, é caracterizado por agressões, insultos, difamações, maus tratos intencionais, contra um indivíduo ou mais, utilizando, para isso, os meios tecnológicos. Com a chegada e o crescimento acelerado da tecnologia e meios de comunicação (em especial as redes sociais), o cyberbullying surgiu como uma nova forma de intimidação, a qual ultrapassa o aspecto físico presencial,

O Cyberbullying apresenta particularidades que o diferem de agressões presenciais e diretas e o tornam um fenômeno que nos parece ainda mais cruel, pois, diferentemente do assédio presencial, não há necessidade das agressões se repetirem.

O assédio se abre a mais pessoas rapidamente devido à velocidade de propagação de informações nos meios virtuais, invadindo os âmbitos de privacidade e segurança.

Para os doutrinadores, pode-se dizer que o bullying digitalizado torna-se “a extensão do pátio da escola, onde as agressões podem continuar por longas horas depois do horário escolar” (AZEVEDO et.al., 2012).

A violência, em todas as suas manifestações, afeta o cotidiano das escolas, prejudicando crianças, adolescentes e equipe escolar, dificultando o desempenho da função social fundamental de uma instituição de ensino, que é preparar os indivíduos para participar de forma autônoma da produção social da existência e das relações intersubjetivas.

Romanowski (2015) explica que a indisciplina do aluno representa a principal queixa no ambiente escolar. “Inúmeras vezes tal comportamento extrapola os limites de convivência social, passando de meros atos de indisciplina a atos infracionais” (ROMANOWSKI, 2015).

Para a estudiosa, a primeira atitude da escola é identificar a postura do aluno, diferenciando quando se trata de indisciplina e quando se trata de ato infracional, tomando assim as providências necessárias para cada caso.

Destaca, frente a essas duas atitudes - indisciplina e ato infracional - a escola tem, legalmente, o dever de tomar providências. Em se tratando de indisciplina, a escola possui a seu favor, o Regimento Escolar, um documento legal, de existência obrigatória, que contém, além de normas organizacionais administrativas e pedagógicas, normas de convivência social

Como prevê a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Base da Educação), em seus arts. 12 e 14 e respectivos incisos, o Regimento deve ser construído com a participação de toda comunidade escolar, abrangendo os direitos e deveres, tanto dos alunos quanto dos professores, dos funcionários e dos gestores, bem como promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência.

O Regimento Escolar necessita ser claro, de fácil entendimento e de conhecimento de todos, facilitando a exigência de seu cumprimento. As normas disciplinares constantes no Regimento devem apreciar sanções pedagogicamente corretas, em consonância com a Legislação Constitucional, ECA e LDB, respeitando, o direito de acesso e permanência na escola, com o propósito de ensinar a sociabilidade e exercitar a real cidadania, conforme preceituam o Art. 53, I da Lei nº 8.069/1990, Art.3º, I, da Lei nº 9.394/1996 e Arts. 205 e 206, I, da Constituição Federal brasileira 1988 (ROMANOWSKI, 2015).

Romanowski (2015) salienta ser imprescindível que o aluno acusado da prática de ato de indisciplina tenha ciência por escrito da conduta que lhe incorre, e exerça o contraditório e a ampla defesa, sendo obrigatório o comparecimento dos pais ou responsáveis, em caso de criança ou adolescente, no intuito de assisti-los e representá-los (Art. 5º, LIV e LV, da CF/1988).

O ECA prevê, em seu art. 104, que o menor de 18 anos de idade é inimputável, porém capaz, inclusive a criança, de cometer ato infracional, passíveis então de aplicação de medidas socioeducativas (no caso e adolescentes) ou de proteção (no caso de crianças). Segundo o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ato infracional é toda conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada por criança (até 12 anos incompletos) ou adolescente (dos 12 anos completos aos 18 incompletos).

Pode-se afirmar, assim, que tudo que é vedado ao adulto praticar, também o é para a criança e ao adolescente. A lei, no entanto, estabelece procedimentos diferentes a serem aplicados à criança, ao adolescente e ao adulto. (AZAMBUJA, 2010)

Quando a conduta for diagnosticada como ato infracional, tipificada Código Penal como crime ou contravenção, explica Romanowski (2015), será inicialmente necessário identificar a idade do infrator. Se o ato infracional for praticado por criança (art. 105, da Lei 8.06919/1990), esta deverá ser encaminhada ao Conselho Tutelar ou, na ausência deste, ao Juizado da Infância e Juventude, para aplicação das medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA.

Se o ato infracional for praticado por adolescente, deverá ser lavrado o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia, que providenciará os encaminhamentos ao Ministério Público e Justiça da Infância e Juventude, para aplicação das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do ECA.

De acordo com Romanowski (2015), as condutas de indisciplina mais frequentes na escola são: bagunça, “birra”, falta de educação, mau comportamento, falta de desempenho de tarefas escolares, ausência escolar, conversa durante as aulas, utilização de materiais alheios a metodologia de aula (celulares, tablets, etc.), dentre outros.

Os atos infracionais tipificados como crime mais frequentes na escola são: art. 147, CP – Ameaça; art.129, CP - Lesão Corporal; art.163, CP: Dano; art. 65, Lei nº 9.605/1998: Pichação; art. 28, Lei nº 11.343 - Porte de entorpecentes; art. 33, Lei nº 11.343/2006 - Tráfico de Entorpecentes[22]. Os homicídios não estão como os mais ocorrentes.

Os atos infracionais tipificados como contravenção mais frequentes na escola são: art. 3º, inciso XI, Decreto nº 3.665/2000 e art. 19, Lei nº 3688/1941 – Porte de arma branca; art. 21, Lei nº 3688/1941 - Vias de fato; arts. 1º e 20, Lei nº 7.716/1989 - Preconceito de raça ou de cor.

Como salienta Chrispino (2008), na vida educacional, todo ato praticado por um aluno dentro das dependências de um estabelecimento de ensino deve ser considerado como um ato de indisciplina, se não houver no ordenamento jurídico descrição de tal ato como um ilícito penal.

A ação do aluno que estiver regulamentada (um ato ilícito penal), no Código Penal, implica em ato infracional, se praticado por menor de 18(dezoito) anos, ou em crime, se praticado por maior de 18 anos, resultando num processo criminal contra o aluno.

Este processo deve ser acompanhado por um devido processo legal (art. 110 do ECA), conforme as garantias processuais (art. 111 e 114 do ECA) e ao direito a ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV da CF/1988).

Todavia, não é todo adolescente que pratica um ato infracional que o levará a ser privado de liberdade, porque a medida socioeducativa[23] é aplicada quando se leva em conta a possibilidade de o adolescente cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (PEREIRA, 2004).

Caso caiba uma das medidas de socioeducação (art. 112, ECA), deve prevalecer o caráter educativo ao punitivo, para produzir no adolescente em conflito com a lei a possibilidade de reafirmação dos valores ético- sociais, bem como levar o inerente potencial à sociabilidade e cidadania.

Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

I.       Pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;

II.      Igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

III.      Defesa técnica por advogado(a);

IV.      Assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

V.       Direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

VI.       Direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

a) Advertência; b) Obrigação de reparar o dano; c) Prestação de serviços à comunidade; d) Liberdade assistida; e) Inserção em regime de semiliberdade; f) Internação em estabelecimento educacional.

A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

De acordo com Gamonal (2011), a eficácia do direito não pode se restringir apenas à sua aplicação na solução dos problemas, ela deve também ser justificada pela capacidade de atenuar os conflitos.

Conforme o doutrinador comenta: “Vivemos um momento de desordem institucional e familiar. Grande parte da população não mais tem ou impõe limites. Jovens com valores deturpados, vivendo, basicamente, num mundo de permissividade. Inversão de valores. Troca-se, naturalmente, a noite pelo dia, com a aquiescência ou impotência dos pais. Vivemos num grande sistema, onde o que ocorre com uns afeta aos demais, como num conjunto de engrenagens”.

Sendo omissos, corremos o risco de nos tornarmos vítimas daquilo que criarmos ou deixarmos criar. Seremos responsabilizados pelo mal que fizermos, e, também, pelo bem que deixarmos de fazer.

É uma prática corriqueira a omissão dos gestores do estabelecimento de ensino quanto à denúncia de atos infracionais praticados no interior das escolas, provavelmente buscando evitar escândalos ou retaliações.

Esta prática impede o estabelecimento de parceria importante em favor da educação integral da criança e do adolescente, visto que escola e sistema de Justiça possuem funções diferentes e específicas como membros da nem sempre considerada rede de proteção da criança e do adolescente (CHRISPINO, 2008).

Para Chrispino (2008), as situações que a escola e seus atores principais – professores, gestores e alunos – enfrentam, solicita um conjunto de ações que definam problemas e projetem cenários otimistas que orientem as decisões.

Visto que […] trabalhar sob a pressão da insolência, desobediência e falta de respeito, quando não da agressividade injustificada, não só não é razoável, mas é prejudicial para a autoestima profissional docente.

Os(as) professores(as) têm que aprender a proteger, com conhecimento e habilidades profissionais, sua identidade pessoal do conjunto de transformações, às vezes imprevisíveis, às quais se veem expostos.

Chrispino (2008) sustenta, ainda, que a necessidade da participação do Poder Judiciário na solução de problemas oriundos do sistema não contribui para a construção de pontes entre as diferentes posições dos atores e nem favorece a maturidade no processo de mediação ente os conflitos próprios do sistema.

Para o doutrinador devem-se priorizar as mudanças na prática cotidiana da escola, desde a formação/capacitação de seus agentes até o estabelecimento de rotinas e de processos de tomada de decisão.

ZECHI (2008) acredita que não se pode relacionar as causas da problemática escolar a um único fator. Segundo seus estudos, a violência social que adentra a escola tem grande importância na constituição das tensões escolares, porém não se pode atribuir unicamente a ela as causas da violência.

Assim, entende a autora que ao mostrar a pluralidade de causas, estamos rejeitando a ideia de que a violência e indisciplina em meio escolar é resultado único de um processo social, familiar ou biológico, compreendendo a temática a partir de uma abordagem complexa e não determinista.

Em geral, as propostas de prevenção da violência nas escolas têm sido norteadas por iniciativas das próprias escolas, por instituições privadas ou por políticas públicas.

Essas iniciativas, ora propõem estratégias de formação, reflexão e treino em competências sociais direcionadas a estudantes, docentes e demais funcionários, ora são caracterizadas por ações que envolvem a articulação do binômio segurança e participação (SILVA e ASSIS, 2018).

Segundo Silva e Assis (2018), os estudos que abordam o tema da prevenção e combate da violência em nível escolar gozam de grande importância, na medida em que visam incentivar o estabelecimento de relações democráticas na escola, favorecendo a convivência entre seus integrantes e o respeito às diferenças.

Ações nesse sentido são caracterizadas pelo aumento de espaços de participação e interação da escola com seus usuários, como a abertura das escolas nos finais de semana e a incorporação da segurança pública na escola, como práticas de ronda escolar e palestras da guarda municipal (SPOSITO, 2013).

Diante do contexto da violência nas escolas, conforme explica Abramovay (2015), faz-se imperioso enfatizar a importância da educação e dos serviços de atenção especializados voltados para convivência cidadã; conjugar participação com responsabilidades sociais; resgatar a confiança nas instituições, espaços de socialização e proporcionar oportunidades para atividades culturais, de integração comunitária e trabalhos com a família, entre outros.

Para Digiácomo (2013), o combate à violência deve buscar primordialmente suas raízes, que se encontram além dos limites da escola, que, acima de tudo, precisa assumir sua missão legal e constitucional de promover, junto aos educandos, "o pleno desenvolvimento da pessoa" e "seu preparo para o exercício da cidadania" (art. 205, da CF/1988), e não se tornar em mais um foco de opressão e desrespeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

De acordo com o autor, com respaldo nos dispositivos constitucionais que tratam da educação, tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) quanto a e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) trazem a fórmula mais adequada para o combate à violência nas escolas: o envolvimento dos alunos, de suas famílias e da comunidade, com sua integração cada vez maior ao ambiente escolar e participação efetiva no debate acerca dos problemas relacionados à escola e em sua solução.

Para Digiácomo (2013), apenas com o envolvimento das famílias e da comunidade, como desejam a Constituição Federal e legislação ordinária, já mencionadas, é que poderá a escola cumprir a sua elementar missão de preparar seus educandos para o exercício da cidadania, o que inclui o respeito às leis e ao próximo, lição que se for bem ministrada e assimilada por todos, reduzirá drasticamente o índice de violência não apenas dentro, mas também fora do recinto escolar, beneficiando assim toda a população.

Nesse contexto, o autor entende ser imprescindível a atuação dos Conselhos Escolares, que devem se tornar fóruns permanentes de debate para toda a comunidade escolar, que reunida e consciente do papel de cada um na solução dos problemas que afligem a escola e seus educandos, por certo dividirá responsabilidades, tarefas e encontrará respostas mais criativas, adequadas e acima de tudo eficazes.

Priotto (2008) assinala em sua pesquisa a resposta dos entrevistados em relação à proposta de ações para diminuir a violência escolar, que permitiu categorizá-la em propostas sociais e/ou educacionais, as quais são definidas em:

a) Enfoque de política social: ações que determinam o padrão de proteção social complementado pelo Estado, voltadas em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais, visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico; e

b) Enfoque de política educacional: respaldado nos artigos 205 e 206 da Constituição Federal de 1988. Dentre as propostas, cabe destacar:

1) Integração da escola com a família e a comunidade: através de festas, encontros, disponibilidade de espaço para lazer, recreação, esporte, momentos culturais; abertura da escola nos finais de semana; participação e contribuição da família na vida escolar do filho e no ambiente escolar; aproximar-se da família e oportunizar seu resgate;

2) Ações pedagógicas: como criar disciplinas de civilidade e cidadania com abordagem sobre drogas[24], alcoolismo, violência, ato infracional, evasão, direitos e deveres, sistema jurídico, constituição, voto, política; estimular o protagonismo juvenil; qualificação de pessoal e adaptação curricular; discutir e reestruturar o projeto político pedagógico com toda a comunidade escolar, dentro da realidade da escola do bairro; Trabalhar temas transversais como: violência, drogas, saúde, alcoolismo, ato infracional, evasão, direitos e deveres, sistema jurídico, constituição, voto, política, e outros em todas ou na maioria das disciplinas.

3) Valorizar o diálogo: tratar adolescentes como cidadãos; respeitá-los; haver uma pessoa na escola em que possam confiar para serem ouvidos; demonstrar noções de esperança e estimular expectativas de vida positiva; evitar reprimir; dar mais atenção, valorizar o aluno;

4) Necessidade de práticas educativas para favorecer a prevenção e diminuição da violência: criar atividades que ocupam o tempo livre dos adolescentes, com participação integral na escola; palestras em várias áreas; criação de programas no contraturno para melhorar a autoestima  dos alunos; promover passeios, visitas, projeção de filmes uma vez ao mês para estimular os alunos.

5) Contribuição do Estado e sociedade: buscar conhecer a realidade e necessidades de cada escola; fornecer profissionais da área de psicologia, do serviço social, da pedagogia para orientar e trabalhar com o aluno e sua família; valorizar a escola; conseguir recursos financeiros para compra de materiais e equipamentos didáticos; coibir informações negativas da mídia (violência); promover a valorização do professor; realizar concurso público, melhorar salários, diminuir jornada de trabalho e estimular formação continuada.

Conforme descreve Priotto (2008), a sociedade como um todo busca evitar o assistencialismo e com isso não solicita políticas públicas para atender os jovens e adolescentes e seus familiares.

Para a autora, esse cuidado se faz relevante para solicitar das políticas públicas a determinação da promoção, participação e inclusão respeitando no adolescente seu projeto de vida e sua conquista de autonomia.

Abramovay (2002) descreve que em sua pesquisa, sobre medidas para contenção das violências nas escolas, dentre as propostas mais citadas, a proposta de aumentar a vigilância policial nas escolas e imediações obteve maior proporção de adesões, assim como a proposição de diálogo entre alunos, professores e diretoria e a parceria entre escola e comunidade.

A autora destaca como um indicador positivo, a vontade de pais, alunos, professores e funcionários em apostar em medidas de resolução compartilhada do problema, tendo em vista a indicação do diálogo entre alunos, pais, professores e diretoria e da parceria entre escola e comunidade, como dispositivos importantes para conter o fenômeno nocivo a todos.

Conformem explicam Abramovay, Avancini e Oliveira (2008):

A instituição é vista, aparentemente, como elemento de mediação entre o aluno e a família, cabendo-lhe trabalhar os significados da violência dentro e fora de seus limites a fim de combatê-la, abordando aspectos importantes na vida do estudante que extrapolam os muros da escola e o período letivo.

Entre outras medidas, Abramovay, Avancini e Oliveira (2008) descrevem que tem sido bastante utilizado o apoio de psicólogos nas escolas, focalizando a violência sob uma perspectiva psicológica, e não social.

As autoras destacam que outro papel de relevância cabe à cultura e à educação, levando ao resgate da autoestima e a uma conscientização dos problemas e das desigualdades, possibilitando superá-los e gerar solidariedade.

Conforme eles ensinam: As medidas contra as violências nas escolas partem de três premissas gerais: realizar diagnósticos e pesquisas para conhecer o fenômeno em sua forma concreta, conseguir a legitimação pelos sujeitos envolvidos (o que pressupõe a participação da comunidade escolar) e fazer um monitoramento permanente das ações nas escolas. (ABRAMOVAY; AVANCINI; OLIVEIRA, 2008)

Para prevenir a violência, a escola deve transformar-se em lugar de encontro de diversidade cultural, habilitado para formas criativas de solidariedade.

Tendo fundamental importância nesse contexto da prevenção, a escola precisa usar todo o potencial estratégico para tecer relações com a comunidade, especialmente a família, tendo os pais como parceiros para tal fim (ABRAMOVAY; AVANCINI; OLIVEIRA, 2008)

A Doutrina da Proteção Integral representou um enorme avanço em termos de proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Alicerçada na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e tendo ainda como referência documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, ela foi ratificada no ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 227 da Constituição Federal brasileira de 1988, que declarou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a nova doutrina, as crianças e os adolescentes ganharam um novo status, como sujeitos de direitos e não mais como menores objetos de compaixão e repressão, em situação irregular, abandonados ou delinquentes.

Embora a lei, por si só não resolva todos os problemas decorrentes da negligência de direitos e exposição à diversas situações de privação e perigo que a realidade impõe a criança e o ao adolescente, ela ao menos direciona, como o próprio enunciado do art. 227 da CF/1988 expõe, ao compartilhamento, para toda sociedade, da responsabilidade por um desenvolvimento sadio do infante, cabendo a todos uma parcela de participação para que a criança cresça como um cidadão de bem, nas melhores condições possíveis. Tal direcionamento cabe a todas as esferas, em especial à escola e no que se refere ao exercício do direito da educação.

Para que isso ocorra devem ser propiciadas à criança e ao adolescente, as melhores condições possíveis de ensino e convívio social, pois é no ambiente escolar que a criança amplia seu universo social, passando a entender seu papel na sociedade e enxergar formas de interagir e aprender junto com os colegas.

No entanto, sabe-se o quão difícil é manter uma relação harmoniosa entre as pessoas nos dias de hoje.  E a escola, por fazer parte de um conjunto social, não consegue, muitas vezes, se esquivar dos acontecimentos do seu entorno e acaba trazendo para dentro de seus muros, os problemas sociais que afligem a sociedade como um todo. Torna-se assim, cada vez mais difícil manter a ordem e a disciplina necessárias para cumprir seu papel principal da formação de cidadãos.

Como se pôde observar no transcorrer do trabalho, a violência é um fenômeno que aflige a toda sociedade, não se restringindo a cor, sexo, grupo ou condição social. Ela afeta a todos e em qualquer lugar.

E a escola, por ter o seu papel de formação social, torna-se vulnerável, além de reproduzir as mais variadas formas de violência, ela acaba produzindo formas novas, decorrentes das mais variadas situações, como o bullying e a oposição a regras instrucionais, que podem passar de meros atos de indisciplina a situações de violência mais graves.

Nesse contexto, torna-se importante saber distinguir os atos de indisciplina (que devem estar previstos em regimento escolar) dos atos infracionais (previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente), tendo esses, previsões e encaminhamentos distintos.

A instituição escolar precisa apoiar-se no direito para fundamentar as ações da escola, com o objetivo de garantir os direitos e solucionar de modo democrático, justo e igualitário os conflitos.

Uma das estratégias a ser utilizada é a construção coletiva do Regimento Interno, procurando repensar especialmente sobre a educação e as formas de educar.

É importante que a escola tenha bem definido o objetivo e a finalidade da instituição educacional, o seu conteúdo curricular, o relacionamento entre professores, alunos e funcionários, a disciplina, as metodologias e as práticas pedagógicas.

O estudo documental e a revisão bibliográfica permitiram perceber que o fenômeno da violência e indisciplina nas escolas necessita ser compreendido a partir das pesquisas que investigam os contextos específicos de cada escola e seu entorno.

As especificidades regionais e sociais devem ser consideradas na hora de planejar as políticas públicas, que devem ser firmadas nas ações de prevenção da violência e em medidas que visem resguardar os direitos da criança e do adolescente, bem como de toda comunidade escolar. Isso só se torna possível com o envolvimento de todo o corpo docente, alunos, pais, funcionários, entidades sociais, órgãos de segurança, dentre outros.

O Poder Público tem o dever legal de acompanhar o processo de implementação das medidas, contribuindo com a preparação de pessoal e de material para treinamento de funcionários, além de discutir políticas de gestão e segurança com autoridades escolares e com a comunidade.

O desafio se faz com tarefas que tornem a escola um espaço de reflexão e vivência de todos os que fazem parte da comunidade educativa, entendendo que todos têm o compromisso com o processo educacional e com o bem-estar da escola como um todo.

Referências

ABRAMOVAY, Miriam. Violências nas escolas. Brasília/DF: Unesco, 2002. 400 p.

____________. Escola e Violência. 2ª ed. Brasília/DF: Unesco, 2003. 157p.

____________; AVANCINI, Marta; OLIVEIRA, Helena (Org.). Violência nas escolas: o bê-ábá da intolerância e da discriminação. 2008, p. 28-53. Disponível em: . Acesso em 3.4.2023.

____________. Violências nas Escolas. Programa de Prevenção à violência nas escolas. Brasília/DF: Flasco-Brasil, 2015, 21p. Disponível em:

ALBERTON, Mariza Silveira. Violação da infância: crimes abomináveis: humilham, machucam, torturam e matam! Porto Alegre: AGE Editora, 2005.

AMIN, Andréa Rodrigues. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. 230p.

AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4ª ed. rev. at. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 949 p.

Arquivos Paroquiais de Paty do Alferes. Livro de Batismos n.01. Encontrado no website Family Search. Disponível em: www.familysearch.org/  Acesso em 3.4.2023.

BARBIERI, Bianca da Cruz; SANTOS, Naiara Ester dos; AVELINO, Wagner Feitosa. Violência escolar: uma percepção social. Revista Educação Pública, v. 21, nº 7, 2 de março de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/7/violencia-escolar-uma-percepcao-social Acesso em 3.4.2023.

CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, Livro I, Título XX, § 73

AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência Sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2004. 181 p.

___________. Violência sexual intrafamiliar e produção de prova da materialidade: proteção ou violação de direitos da criança? 2010. 321 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

__________. O adolescente autor de ato infracional: aspectos jurídicos. Revista Brasileira de Psicoterapia 2010, p. 284-296. Disponível em:

AZEVEDO, Jefferson Cabral et. al. O Ciberbullying e suas relações com as estruturas psíquicas. Nucleus, v.9, n.1, abr. 2012. Disponível em: . Acesso em: 3.4.2023.

_________, Maurício Maia de. O Código Mello Mattos e seus reflexos na legislação posterior. Monografia promovida pelo Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/monografia/ magistrados/2007/codigo_mello_mattos_seus_reflexos.pdf. Acesso em 3.4.2023.

BANDEIRA, Marcos. Do Direito Penal do Menor à Doutrina da Proteção Integral. Disponível em: . Acesso em: 3.4.2023.

BARBOSA, Márcia Silvana Silveira. O Papel da Escola: obstáculos e desafios para uma educação transformadora. 2004. 234 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

BRASIL. Decreto nº 17.943 A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e proteção a menores. Disponível em . Acesso 3.4.2023.

________. Ministério dos Direitos Humanos. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, DF: CONANDA/CNAS, 2006. Disponível em: Acesso em 3.4.2023.

________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988.

________. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm. Acesso em 3.4.2023.

________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1993. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9394.htm. Acesso em

BRÜGGER, Silva Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei – Séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.

__________. Legitimidade e comportamentos conjugais – São João del Rei (séc. XVIII e 1ª metade do século XIX). Anais de Resumos e CDRoom do XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte, ABEP, 2000.

CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 123-140, 2001.

CAMARGO, Lisiane Silveira. O Desenvolvimento Moral das Crianças na Escola: a Percepção da Comunidade. 2007. 188 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2007.

CHARLOT, Bernard. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, Porto Alegre, v. ano 4, n. jul./dez. 2002, p. 432-442. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/soc/n8/n8a16>. Acesso em: 3.4.2023.

CHRISPINO, Álvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Ensaio: aval. pol. publ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2009. Disponível em: . Acesso em 3.4.2023.

CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 9ª. ed. At. São Paulo: Malheiros, 2008. 992 p.

DEBARBIEUX, Eric. A violência na escola francesa: 30 anos de construção social do objeto (1967-1997).  Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, nº 1, p. 163-193, jan./jun. 2001.  Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022001000100011. Acesso em 3.4.2023.

DIGIÁCOMO, Murillo José. Violência nas escolas: sugestões para o enfrentamento do problema. Ministério Público do Paraná: 2013. Disponível em: . Acesso em: 3.4.2023.

FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. O Estatuto da Criança e do Adolescente e os Direitos Fundamentais. São Paulo: Edições APMP, 2008. Disponível em: . Acesso em 3.4.2023.

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Mais de um terço dos jovens em 30 países relata ser vítima de bullying online. Brasília: Unicef Brasil, 2019. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/mais-de-um-terco-dos-jovens-em-30-paises-relatam-ser-vitimas-bullying-online. Acesso em 3.4.2023.

GAMONAL, Joaquim Martins. (Org.) Pacto pela juventude: cartilha para um pacto de esperança. Barbacena: Vara da Família e Infância e Juventude da comarca de Barbacena/MG, 2011. 75p.

GONZÁLES, Rodrigo Stumpf. Criança Também é Gente: a trajetória brasileira na luta pelo respeito aos Direitos Humanos da infância e juventude. Disponível em: Acesso em: 3.4.2023.

LA TAILLE, Yves de. Autoridade na escola. In: AQUINO, Julio Groppa (Org). Autoridade e autonomia na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999. 229 p.

LEÃO, Letícia Gabriela Ramos. O Fenômeno Bullying no Ambiente Escolar. Revista FACEVV, Vila Velha, n. 4, Jan/Jun. 2010, p. 119-135. Disponível em: . Acesso em 3.4.2023.

LIMA, Rosana Maria de. Acolher em Rede: desafios para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. 2012, 99 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.

LORENZI, Gisella Werneck. Uma Breve História dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. 30 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 3.4.2023.

MACHADO, Martha de Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri, SP: Manole, 2003.

TJMG. Diretoria de Comunicação Institucional. Dircom.  Código Criminal de 1830 foi marco importante na organização do Brasil. Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/codigo-criminal-de-1830-foi-marco-importante-na-organizacao-do-brasil.htm#.ZCtJPXbMLIU Acesso em 3.4.2023.

Notas:


[1] A escola nada mais é que o reflexo de uma sociedade que apresenta problemas agudos. O aumento da fome é claro que nós sabemos que essa fome atinge no processo educativo e atinge também no processo de violência, não só escolar. [...] Fortalecer o papel social da escola neste momento é criar vínculos — apontou.  Em 2019, mais da metade dos professores (54%) disseram já ter sofrido algum tipo de agressão. Entre os estudantes, em 2019, 81% relataram saber de episódios de violência na própria escola. Os senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Wellington Fagundes (PL-MT) alegaram que a sensação é que a situação piorou com a pandemia de covid-19 e sugeriram a realização do debate. Fonte: Agência Senado

[2] A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. O bullying se diferencia das brigas comuns – as que chegam às vias de fato ou as que ficam apenas na discussão. Isso é considerado normal por Ciomara e chega, segundo ela, a fazer parte do desenvolvimento. O problema, afirma, é quando se torna algo rotineiro, em que um jovem ou grupo começa a perseguir um ou mais colegas. A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. O bullying se diferencia das brigas comuns – as que chegam às vias de fato ou as que ficam apenas na discussão. Isso é considerado normal por Ciomara e chega, segundo ela, a fazer parte do desenvolvimento. O problema, afirma, é quando se torna algo rotineiro, em que um jovem ou grupo começa a perseguir um ou mais colegas.

[3] A Companhia de Jesus (em latim: Societas Iesu, S. J.), cujos membros são conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Íñigo López de Loyola, conhecido posteriormente como Santo Inácio de Loyola. No âmbito do Brasil Colonial, a Companhia trouxe uma estrutura social, econômica e educacional até então inexistente. A catequização indígena tinha por finalidade torná-los cristãos, retirando os costumes pecadores e inculcando a cultura portuguesa; converter o mundo da natureza em mundo da razão.

[4] Primeiramente, cumpre esclarecer que não fora Cabral, o primeiro navegador a aportar em terras brasileiras e, sim, Duarte Pacheco Pereira, com uma frota composta de oito navios, em 1498. Esteve no Pará, no Maranhão e, produziu mapas de tais lugares. Em verdade, Cabral apenas realizou uma escala para somente oficializar a posse das terras além-mar em nome da Coroa Portuguesa. E, foi essa expedição que deixou os primeiros moradores europeus aqui, composta de quatro homens. Dois tinham sido condenados ao exílio e, se chamaram Afonso Ribeiro e João de Thomar. Deveriam andar com os índios e saber de seu viver e de suas maneiras, segundo reportou o escrivão Pero Vaz Caminha em célebre carta enviada ao Rei Dom Manuel I. Essa história teve um final feliz. Afonso e seu colega foram resgatados depois de 20 meses. Quem os recolheu foi a expedição liderada pelo explorador Gonçalo Coelho, que contava com o navegador Américo Vespúcio entre os viajantes. Existem indícios de que muitas das histórias que Vespúcio escreveu sobre os índios teriam sido narradas a ele por Afonso e João. A referida dupla fez uma relevante contribuição à memória do dito navegador. In: CORDEIRO, Tiago. Para povoar sua colônia, Portugal enviou exilados ao Brasil. Disponível em: https://super.abril.com.br/especiais/doce-exilio/ Acesso em 3.4.2023.

[5] Através da demografia histórica e utilizando fontes primárias, mais especificamente registros de batismo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes entre janeiro de 1771 e agosto 1795 o estudo foi desenvolvido, buscando conhecer a estrutura familiar brasileira desse momento.  A respeito da família no período colonial brasileiro cumpre sublinhar que quem iniciou pesquisas da questão foi o sociólogo Gilberto Freyre, na década de trinta, com a obra intitulada "Casa Grande & Senzala. O conceito moderno de família está muito ligado à questão do parentesco e da consanguinidade, a definição mais especifica seria, pessoas aparentadas que vivem na mesma casa, pessoas do mesmo sangue compondo a família nuclear. A ideia da família legítima surge com as reformas ocorridas no seio da Igreja Católica no período da Contra-Reforma. Com objetivo de moralizar a união entre homens e mulheres, que até então acontecia principalmente no aspecto civil, o Concílio de Trento (1563), na sessão XXIV, estabelece uma reforma no matrimônio. Transformou normas, estabeleceu impedimentos e mudanças na celebração do casamento, o legitimando desde então, somente com a benção da Igreja. Sendo assim, todo ato carnal que não tivesse como destino a procriação seria considerado pecado mortal.

[6] A ideia de família legítima vai surgir na Europa com a necessidade da Igreja em moralizar as relações. No Brasil ganha força tentando diminuir as relações impuras que envolvia brancos, índios e negros africanos. Diante disso, o matrimônio contraído perante a Igreja passa a ser a única maneira de família legítima. Porém, diante as das diferentes conjunturas econômicas, culturais as famílias vão se constituindo.

[7] A roda dos expostos ou roda dos enjeitados consistia num mecanismo utilizado para abandonar (expor ou enjeitar na linguagem da época) recém-nascidos que ficavam ao cuidado de instituições de caridade. O mecanismo, em forma de tambor ou portinhola giratória, embutido numa parede, era construído de tal forma que aquele que expunha a criança não era visto por aquele que a recebia. Esse modelo de acolhimento ganhou inúmeros adeptos por toda a Europa, principalmente a católica, a partir do século XVI. As primeiras Santas Casas de Misericórdia da América Portuguesa que receberem a roda dos expostos foram as de Salvador (1726) e a do Rio de Janeiro (1738).

[8] As instituições jurídicas portuguesas foram baseadas no modelo romano, que apesar das inúmeras legislações editadas em Portugal, as três compilações conhecidas como Ordenações do Reino – Afonsina, Manuelina e Filipina. As Ordenações do Reino, regeram Portugal por um longo período, no entanto, foram as Ordenações Filipinas que tiveram uma verdadeira influência no Brasil. O código filipino regeu a nação portuguesa e seus domínios ultramarinos por mais de dois séculos. No Brasil, as Ordenações Filipinas tiveram vida longa, superior à própria sobrevivência em Portugal. Mesmo com a Proclamação da República, de início, não se conseguiu adotar no país um Código Civil, que substituísse por completo a antiga compilação de origem portuguesa.

[9] A Doutrina Penal do Menor tratava como não criminosos os menores de 09 anos de idade, sendo que para os demais havia autorização para que fossem retirados de suas famílias, consideradas desviadas, e colocados nas prisões dos adultos, já que não havia um local específico para estes infratores. Aqueles entre 09 e 14 anos de idade passariam por uma pesquisa de discernimento antes de serem recolhidos. O critério do discernimento foi eliminado em 1921, passando a ser considerado como inimputável o menor de 14 (quatorze) anos. Em relação ao trabalho, as normas eram incapazes de surtir efeitos práticos, apesar da estipulação de uma idade mínima de 12 (doze) anos de idade. Demonstra a autora o surgimento da categoria ‘menor’ a partir do advento da República e das concepções higienistas da época, com destaque para a criação do Juízo privativo de menores e o papel desempenhado por José Cândido de Albuquerque Mello Mattos para esta construção. Também são feitas análises sobre o Código de Menores de 1927, marcando o nascimento do Direito do Menor.

[10] Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou não a pena de morte.

[11] Grosso modo, a Lei do Ventre Livre estabeleceu que os filhos permaneceriam junto da mãe escravizada, vivendo no cativeiro, até os 8 anos de idade.  Dos 8 aos 21 anos, continuariam na propriedade do senhor ou, se ele não os quisesse mais, ficariam sob a tutela do Estado. A lei desagradou tanto os senhores de escravos como vários setores do movimento abolicionista. Afirmavam que a lei prolongaria a escravidão por mais uma geração, deixava os menores de idade à mercê do senhor e não dizia nada a respeito dos escravos nascidos antes desta data.

[12] O Código de 1830 se dividia em duas partes, com dois títulos: a parte geral, não incriminatória, e a parte especial, incriminatória. Curiosas eram as penas previstas, entre as quais estavam a morte por enforcamento, de galés (trabalhos forçados), prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro, multa e suspensão de emprego”, diz o superintendente da Mejud, que é também integrante da 16ª Câmara Cível do TJMG. O desembargador também chama a atenção para o fato de que as penas eram imprescritíveis. “O Código Criminal de 1830 foi a primeira codificação penal brasileira alicerçada na justiça e na equidade. Ele teve suas linhas mestras pautadas na Constituição de 1824, sob a ótica dos ideais iluministas”, explica o magistrado.

[13] Foi o Código de Menores que estabeleceu que o jovem é penalmente inimputável até os 17 anos e que somente a partir dos 18 responde por seus crimes e pode ser condenado à prisão. O que agora está em debate no país é a redução da maioridade penal para 16 anos. O Código de 1927 foi a primeira lei do Brasil dedicada à proteção da infância e da adolescência. Ele foi anulado na década de setenta, mas seu artigo que prevê que os menores de 18 anos não podem ser processados criminalmente resistiu à mudança dos tempos.

[14] São direitos de internação, a saber: São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; peticionar diretamente a qualquer autoridade; avistar-se reservadamente com seu defensor;  ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; ser tratado com respeito e dignidade;  permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; receber visitas, ao menos, semanalmente; corresponder-se com seus familiares e amigos; ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; receber escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: ter acesso aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;  manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.

[15] “A Doutrina da Proteção Integral e seu Alcance Normativo”, Josiane Petry Veronese analisa o que consiste a Doutrina da Proteção Integral, e afirma que “na seara do direito da Criança e do Adolescente, a expressão ‘doutrina’ diz respeito, na realidade, a toda uma evolução na normativa internacional e nacional na construção dos direitos afetos às crianças e aos adolescentes”. Para tanto, busca como base da Doutrina da Proteção Integral no cenário internacional a partir das primeiras discussões para a elaboração de documentos que materializassem a distinção da criança como um ser merecedor de uma proteção especial e que culminaram com a elaboração da Declaração de Genebra de 1924. Após a Segunda Guerra Mundial e o inerente processo de universalização dos direitos humanos, com a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que trouxe previsões específicas sobre a criança, se mostrou necessária a elaboração da Declaração dos Direitos da Criança em 1959 pela ONU. Com o intuito de dar força cogente aos direitos das crianças, em 1979, em comemoração dos 20 anos da mencionada Declaração, foram iniciados os trabalhos para a elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989. A doutrinadora confere destaque aos demais tratados e instrumentos internacionais que corroboraram com o processo de desenvolvimento histórico da Doutrina da Proteção Integral.

[16] A Doutrina da Situação Irregular, advinda dos Códigos de Menores, é substituída pela Doutrina da Proteção Integral instituída pelo ECA, visando que crianças e adolescentes deixassem de ser objetos de intervenção para serem compreendidas como sujeitos de direitos e garantindo igualdade de direitos a todas as crianças. O antigo Código de Menores regeu a situação de crianças e adolescentes no Brasil do ano de 1980 a 1990.  Ele trazia em seu bojo a doutrina da situação irregular, que tinha como foco a criança e adolescente  considerados errados, seja por estarem abandonados materialmente, seja por serem infratores.

[17] A teoria de proteção integral parte da compreensão de que as normas que cuidam de crianças e de adolescentes devem concebê-los como cidadãos plenos, porém sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em desenvolvimento físico, psicológico e moral.

[18] A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em 1964, no primeiro ano do regime militar. A partir da PNBEM,  o Estado brasileiro passou a implementar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), extinta em 1990. A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em dezembro de 1964, reconhece que o chamado problema do menor decorre da desagregação da família, devido ao processo migratório para os centros urbano-industriais, onde estes migrantes  chegam desqualificados para o mercado de trabalho e não conseguem ser absorvidos, acabando expostos ao subemprego e à mendicância, participando da cultura da pobreza e da violência, assim como do abandono das crianças pelos pais, que desta  maneira ficam à mercê dos "maus elementos". Estas crianças, entendidas como menores, tendem a entrar para o mundo do crime porque, abandonadas ou carentes, transformam-se rapidamente em infratores. Para conter tal processo, criaram-se FEBEMs nos Estados, com o objetivo de recolher estas crianças e dar-lhes condições para se integrarem à sociedade.

[19] A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 tem natureza coercitiva, estabelecendo um conjunto de deveres e obrigações para os signatários, possuindo mecanismos de controle. A Convenção tem como objeto a alteração de padrões existentes referente ao tratamento conferido à criança, acentuando que a infância seja prioridade absoluta e imediata, sobrepondo-se aos interesses econômicos, reafirma o princípio do maior interesse da criança e estabelece a família como espaço natural para o desenvolvimento, além de considerar a criança como sujeito de direitos e como pessoa em desenvolvimento, independente da sua condição econômica ou social.

[20] Espelham a Doutrina da Proteção Integral nos mais variados aspectos da infância e da adolescência, tais como a Lei nº 13.010/2014, referente a coibição do uso de violência como mecanismo de correção de crianças; o marco legal da primeira infância; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; a Lei da Escuta Especializada e do Depoimento Especial; o Marco Legal da Proteção de Dados e a Lei de Migração.

[21] O bullying e a violência nas escolas tornaram-se grandes problemas, que pais, educadores, governos e toda a sociedade precisam enfrentar. O Ministério da Educação tem atuado para combater a prática e uma das formas é o Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos. Em, 7 de abril, é o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas.

[22] O crime de tráfico de drogas está previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, que descreve diversas condutas que caracterizam o ilícito, proibindo qualquer tipo de venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento, mesmo que gratuito, de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação pertinente. A pena prevista é de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1500 dias-multa. A mesma norma, em seu artigo 28, prevê a conduta ilícita de portar drogas para consumo próprio. Todavia é considerada infração menos grave, não prevendo pena de detenção ou reclusão. O artigo descreve, além de outros, que a compra, guarda ou porte de drogas sem autorização estão sujeitos às penas de advertência sobre efeitos do uso de entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e participação obrigatória em programa educativo. A caracterização do consumo pessoal deve considerar a natureza e quantidade da substância apreendida, forma e local onde ocorreu a apreensão, circunstâncias sociais e pessoais do autuado, bem como sua conduta e antecedentes criminais.

[23] Como a medida socioeducativa tem duração máxima de 3 anos, o programa poderá atender a adolescentes com até 21 anos incompletos. "Sobre o alcance da maioridade, é assente na jurisprudência pátria o entendimento no sentido de que as medidas socioeducativas aplicadas ao menor infrator, com fundamento no ECA, podem ser estendidas até que ele complete 21 (vinte e um) anos de idade, sendo irrelevante a implementação da maioridade durante o seu cumprimento (art. 2º, parágrafo único, c/c art. 121, §5º, ambos do ECA). Vide também: Súmula 605: “A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.”

[24] É importante ressaltar que o termo “droga” passou a ser utilizado após a promulgação da Lei nº. 11.343/2006 em substituição à nomenclatura “substância entorpecente”, que era a utilizada pelas legislações anteriores. Tal denominação era utilizada em função de se referir de forma mais ampla e genérica às substâncias com poder de modificar as funções físicas e psíquicas do ser humano.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Violência Escolar Bullying ECA LDB Constituição Federal/88

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/violencia-escolar

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid