Suprema Corte e Tribunal Constitucional nas democracias contemporâneas
A história do Supremo Tribunal Federal é da mesma idade da história da república brasileira pois foi com sua proclamação em 15 de novembro de 1889 que surgiu o STF como poder Político conforme os moldes da Suprema Corte norte-americana. Afinal, o Supremo Tribunal de Justiça imperial não se firmou como poder político em face da Constituição brasileira de 1824 e, por não ter contemplado o instituto do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. A existência do Poder Moderador que fora confiado ao Imperador de forma ilimitada, certamente inibiu que aquela Corte exercesse com maior desenvoltura a sua função jurisdicional. Com o advento da Constituição de 1891 deu-se a instalação do STF, composto de quinze ministros, a maioria oriunda do Supremo Tribunal de Justiça do Império com poder expresso o poder de declarar a inconstitucionalidade das leis, e assim nasceu o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis brasileiras.
Uma
vez fixada a premissa de diálogos constitucionais. questiona-se: qual função
terá Suprema Corte e Tribunal Constitucional[1]?
A
missão institucional das supremas cortes e tribunais constitucionais é fazer
valer a Constituição diante de ameaças oferecidas pelos outros poderes, ou
mesmo por particulares. Na grande maioria dos casos, ao exercer o controle de
constitucionalidade, as cortes constitucionais mantêm a legislação impugnada,
julgando improcedente o pedido.
Deve-se
dar a primazia que a Constituição deu ao Legislativo para a tomada de decisões
política e à deferência que os tribunais devem aos atos dos outros ramos do
governo, em prol do princípio da separação dos poderes. Ipso facto, há
uma quantidade relativamente pequena de leis que é declarada inconstitucional.
Nos
EUA a judicial review é conceito que, como regra geral, se limita à
possibilidade de uma corte de justiça, e, particularmente a Suprema Corte, a
declarar uma lei ou ato do Executivo inconstitucional.
Noutros
países, sobretudo, os de Constituições analíticas tais como as da Alemanha,
Itália, Espanha, Portugal e Brasil, a jurisdição constitucional é
termo mais amplamente utilizado, e inclui outras competências dos tribunais o que
inclui outras competências dos tribunais, diferentes a pura invalidação de atos
legislativos.
E,
nessas outras atuações alternativas dos tribunais podem incluir, a saber: (i) a
aplicação direta da Constituição a determinadas situações, com atribuição de
sentido a determinada cláusula constitucional; (ii) a interpretação conforme a
Constituição, técnica que importa na exclusão de determinado sentido possível
de uma norma, porque incompatível com a Constituição, e na
afirmação de uma interpretação alternativa, essa sim, em plena harmonia com o
texto constitucional vigente; e (iii) a
criação temporária de normas para sanar hipóteses conhecidas como de inconstitucionalidade por
omissão, que ocorrem quando determinada norma constitucional dependerá de
regulamentação por lei, mas o Legislativo inerte, deixou de editá-la.
O
Ministro Luís Roberto Barroso aponta basicamente três papéis desempenhados
pelas supremas cortes e tribunais constitucionais quando acolhem o pedido ou
interferem com atos praticados pelo Legislativo. O primeiro papel é o papel
contramajoritário[2]
que constitui um tema dos mais estudados pela teoria constitucional
contemporânea em diferentes países.
Em
segundo lugar, as cortes constitucionais desempenham, por vezes, o papel representativo
e, por fim, em terceiro lugar, as supremas cortes e tribunais constitucionais
podem exercer, em limitados contextos, um papel iluminista.
Segundo
Nimer Sultany atendendo a uma interessante proposta de mapeamento de possíveis respostas
apresentadas para solucionar o inexorável esgarçamento existente entre o
constitucionalismo e a democracia[3].
A
crítica ao modelo de revisão judicial e a chamada dificuldade contramajoritária,
identifica quatro grandes grupos de doutrinadores, a saber:
1. deniers
(negadores), os que negam a tensão ou esgarçamento e, assim, justificam e
ainda admitem o modelo de revisão judicial sem maiores dificuldades. É o caso
de Ronald Dworkin, Bruce Ackerman e Frederick Schauer;
2. reconcilers
(reconciliadores), admitem a tensão, mas dizem que pode ser reconcilia,
justificando, por consequência, a revisão judicial. Tais como John Hart Ely,
Cass Sunstein e Larry Kramer;
3. endorsers
(endossadores) apesar de reconhecerem a impossibilidade de reconciliação da
tensão, a endossam, podendo a revisão judicial ser prudencialmente justificada.
Frank Michelman, Louis Seidman e Laurence Tribe;
4. dissolvers
(dissolvedores) dissolvem a tensão na medida em que renunciam à possibilidade
de revisão judicial em relação à legislação, caracterizando-a como ilegítima.
Jeremy Waldron, Richard Parker e Mark Tushnet.
Há um
embate entre o modelo da judicial review ou revisão judicial e o
constitucionalismo popular que se mostra mais aprofundado em nosso país, sendo
uma experiência dos EUA bastante relevante e enriquecedora.
Não se
pode anuir com o entendimento que negam o judicial review de forma
absoluta. E, assiste razão a Souza Neto
e Sarmento ao afirmar e ser (...)salutar atribuir a um único órgão qualquer a
prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constituição. (...).
É
preferível adotar-se um modelo que não atribua a nenhuma instituição — nem do
Judiciário, nem do Legislativo — o ‘direito de errar por último’, abrindo-se a
permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica
constitucional, com base na ideia de diálogo, em lugar da visão tradicional,
que concede a última palavra nessa área ao STF”.
Nesse
sentido, parece interessante a proposta da noção de “última palavra provisória”
a ser estabelecida pelo Judiciário, não se mostrando razoável a imposição de
uma perspectiva de “soberania” judicial (no sentido de única palavra), conforme
quadro, a partir das lições de Larry Kramer abaixo transcritas.
We the
People versus We the Court (Nós o povo versus Nós a
Corte)
Há um
mundo de diferenças entre ter a última palavra (last word) e ter a única
palavra (only word), isto é, entre a supremacia judicial e a soberania
judicial. E, pode-se escolher e aceitar a supremacia judicial porque precisamos
e alguém para deslindar certas questões constitucionais e, por uma variedade de
razões históricas e jurisprudenciais, a Suprema Corte tem parecido ser a nessa
melhor opção.
Porém,
não significa que a Suprema Corte deva exercer a sua autoridade sobre todas as
questões. Ou quando exercer sua função, possa desprezar ou substituir os pontos
de vistas de outras instituições mais democráticas.
Noutros
termos, na doutrina da supremacia judicial existe um comando propondo negar que
a Constituição tenha qualidades que a diferenciam do direito comum, ou que tais
qualidades conferem a legítima autoridade interpretativa aos atores políticos
como meio de se garantir uma contribuição popular contínua na definição do
significado constitucional.
A
superação legislativa da jurisprudência da Corte e a possibilidade de mutação
constitucional por via legislativa. E, o Ministro Fux em julgamento da ADI
5.105, julgada em 1.10.2015 identificou diversas situações de inegável reversão
legislativa de decisões do STF, seja por emenda ou por lei, desautorizando,
assim, o modelo da supremacia judicial em sentido forte ou material e, ipso
facto, não aceitando a concepção de última palavra definitiva.
Essa
práxis dialógica além de não ser incomum na realidade brasileira, afigura-se
como legítima e, até desejável, estimulando o tão falado ativismo congressual,
desde que observados todos os balizamentos constitucionais.
Ao
legislador é franqueada a capacidade de interpretação da Constituição, a
despeito de decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo STF, negando-se a
adoção de autoritarismo judicial.
O
efeito vinculante da decisão sumulada pelo STF em sede de controle concentrado
de constitucionalidade, ou mesmo em razão de edição de súmula vinculante, não
vincula o Poder Legislativo em sua função típica de legislar, podendo editar
lei com idêntico conteúdo àquela que fora declarada inconstitucional pelo STF,
num saudável diálogo constitucional.
Esse
entendimento encontra fundamento tanto na explicitação de que o efeito
vinculante previsto nos arts. 102, § 2.º, e 103-A CF/1988 não está direcionado
para o legislador (o texto fala apenas Judiciário e Administração Pública),
assim como no dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX
CF/1988), exigindo assim, em caso de nova provocação judicial decorrente da
reversão legislativa, o enfrentamento da questão específica e de eventuais
novos argumentos trazidos pelo legislador.
Em seu
voto, o Min. Fux estabelece providências distintas de acordo com o instrumento
utilizado para a superação da jurisprudência da Corte: Emendas devem respeitar
os limites ao poder de reforma.
■
Emenda constitucional: o controle judicial incide apenas sobre os limites ao
poder de reforma fixados na própria Constituição (art. 60);
■ Ato
normativo infraconstitucional: em sentido diverso das emendas constitucionais,
os atos normativos infraconstitucionais nasceriam com presunção iuris tantum
de inconstitucionalidade, “de modo que caberia ao legislador ordinário o ônus
de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se faz necessária”,
submetendo-se, em razão disso, a um controle judicial mais rigoroso.
Em
importante conclusão, observa que “a interpretação do sentido e do alcance das
disposições constitucionais não pode ser vista como apanágio exclusivo do
Supremo Tribunal Federal, em uma leitura anacrônica e arrogante do princípio da
separação de poderes.
Ao
revés, a interpretação constitucional passa por um processo de construção
coordenada entre os poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) e os
diversos segmentos da sociedade civil organizada, em um processo contínuo,
ininterrupto e republicano, em que cada um destes players contribui com
suas capacidades específicas no embate dialógico, no afã de avançar os rumos da
empreitada constitucional, sem se arvorar como intérprete único e exclusivo da
Carta da República e no aperfeiçoamento das instituições democráticas” (fls. 28
do acórdão lavrado na ADI 5.105[4]).
Ainda
no julgamento da ADI 5.105, o Min. Barroso procura atenuar a visão tradicional
e clássica da supremacia judicial, tendo em vista a influência da chamada
democracia deliberativa. Vejamos: “(...) tem se compreendido que a supremacia
judicial deve ceder espaço aos chamados diálogos institucionais.
Nunca existiria,
assim, uma decisão final e definitiva sobre determinada questão constitucional.
A interpretação, ainda que consagrada pelo STF, ficaria sempre aberta ao debate
público e a novas propostas” (fls. 106).
O
Ministro Luís Roberto Barroso apontou papéis desempenhados pelas STF e
Tribunais Constitucionais, a saber: contramajoritário, representativo e iluminista.
Ensina o Ministro Barroso, “supremas cortes e tribunais constitucionais, na
maior parte dos países democráticos, detêm o poder de controlar a
constitucionalidade dos atos do Poder Legislativo (e do Executivo também),
podendo invalidar normas aprovadas pelo Congresso ou Parlamento.
Esta
possibilidade, que já havia sido aventada nos Federalist Papers por
Alexander Hamilton, teve como primeiro marco jurisprudencial a decisão da
Suprema Corte americana em Marbury versus Madison, julgado em 1803.
Significando
que os juízes das cortes superiores, que jamais receberam um voto popular,
podem sobrepor a sua interpretação da Constituição à que foi feita por agentes
políticos investidos de mandato representativo e legitimidade democrática.
A essa
circunstância, que gera uma aparente incongruência no âmbito de um Estado
democrático, a teoria constitucional deu a alcunha de “dificuldade
contramajoritária”’.
Segundo
o doutrinador, dois fundamentos principais asseguram a legitimidade democrática
da jurisdição constitucional, a saber: “a) a proteção dos direitos
fundamentais, que correspondem ao mínimo ético e à reserva de justiça de uma
comunidade política, insuscetíveis de serem atropelados por deliberação
política majoritária; e b) a proteção das regras do jogo democrático e dos
canais de participação política de todos”.
A
maior parte dos países do mundo confere ao Judiciário e, mais particularmente à
sua Suprema Corte ou Corte Constitucional, o status de sentinela contra o risco
da tirania das maiorias[5] (John Stuart Mill).
Evita-se, assim, que possam deturpar o processo democrático ou oprimir as
minorias.
Há
razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende
a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores
fundamentais”, devendo ser considerada, também, a sua dimensão substantiva, a
incluir igualdade, liberdade e justiça.
O
Ministro Barroso fez constatação a justificar o denominado papel representativo
que vem sendo desempenhado pelas Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais.
Muito
embora os juízes não sejam eleitos pelo povo, em algumas situações, a decisão
da Corte estará mais próxima da linha de vontade popular do que a lei ou ato
normativo editado pelo Parlamento, que, como se sabe, representa a vontade
popular. Isto é, as escolhas políticas feitas pelo Parlamento nem sempre coincidirão
com o sentimento da maioria.
É possível reconhecer uma “crise de
legitimidade, representatividade e funcionalidade dos Parlamentos”, o que levou
a uma “expansão do Poder Judiciário e, notadamente, das Supremas Cortes”.
Assim,
“em certos contextos, por paradoxal que pareça, Cortes acabem sendo mais
representativas dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políticas
tradicionais”, e isso pode ser justificado por algumas razões:
■
qualificação técnica dos julgadores: a escolha dos juízes, por regra, se
implementa por concurso público no qual se enfatiza a qualificação técnica,
afastando-se a influência política.
Devemos
alertar, contudo, que o modelo de escolha e nomeação de juízes de Cortes
Constitucionais, como é a realidade brasileira, não consegue blindar aspectos
políticos, o que, sem dúvida, estimula a revisitação do modelo previsto na Constituição
brasileira;
■
vitaliciedade: os juízes não estão sujeitos “às circunstâncias de curto prazo
da política eleitoral”;
■
inércia: “os juízes não atuam por iniciativa própria: dependem de provocação
das partes e não podem decidir além do que foi pedido”;
■
motivação das decisões judiciais: as decisões judiciais, “para serem válidas,
jamais poderão ser um ato de pura vontade discricionária: a ordem jurídica
impõe ao juiz de qualquer grau o dever de apresentar razões, isto é, os
fundamentos e argumentos do seu raciocínio e convencimento”.
Dessa
forma, em determinadas situações, as decisões judiciais não serão
necessariamente contra a vontade da maioria e, assim, não serão
contramajoritárias, já que, no caso, representativas, ou coincidentes, com a vontade
da maioria.
Desta
forma, o Ministro Barroso sugere, com razão e lucidez, uma correção
terminológica para essas hipóteses nas quais a revisão judicial coincide com a
vontade da maioria, preferindo denominar a decisão como sendo
“contralegislativa”, “contracongressual” ou “contraparlamentar” e não
contramajoritária.
Barroso
traz alguns exemplos interessantes dessa atuação representativa da Corte, tanto
na jurisprudência estrangeira, como no Brasil.
Destacando-se:
■ Griswold
versus. Connecticut — 381 U.S. 479 (1965): a Suprema Corte dos EUA declarou
a inconstitucionalidade de lei do Estado de Connecticut que proibia o uso de
contraceptivos mesmo por casais casados.
Em sua
observação, Barroso sustenta que a decisão judicial que prestigiou o direito de
privacidade que expressa muito mais o sentimento majoritário do que o ato
normativo que proibia o uso de contraceptivos;
■ Lawrence
versus. Texas — 539 U.S. 558 (2003): a Suprema Corte dos EUA invalidou lei
do Estado do Texas que criminalizava relações íntimas homossexuais. Essa
decisão, segundo observa Barroso, correspondeu à vontade da maioria, que não
achava adequada referida criminalização prevista na lei;
■ ADI
4.650 — Brasil: o STF declarou a inconstitucionalidade do financiamento
privado das campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Segundo Barroso, essa
decisão da Suprema Corte brasileira encontrou amplo apoio popular, já que o
modelo adotado pelo legislador “reforçava a influência do poder econômico sobre
o resultado das eleições e distorcia o sistema representativo”;
■
Criminalização da “difamação” — Quênia: a Suprema Corte do Quênia declarou a inconstitucionalidade
de dispositivos do Código Penal que criminalizavam a “difamação”.
Essa
prescrição violava a liberdade de expressão dos cidadãos e era “frequentemente
utilizada por políticos e autoridades públicas para silenciar críticas e
denúncias de corrupção veiculadas por jornalistas ou mesmo por cidadãos comuns”;
■
Aborto — Canadá: em 1988, a Suprema Corte do Canadá declarou a
inconstitucionalidade de dispositivo do Código Penal que criminalizava o
aborto. Conforme relata Barroso, pesquisas de opinião realizadas há seis anos
da decisão já sinalizavam que 75% da população do Canadá era a favor da
liberdade de escolha pela mulher grávida.
A justificativa
do papel representativo da Corte encontraria fundamento na dimensão
deliberativa da chamada democracia contemporânea, segundo proposta de
sistematização trazida por Barroso.
Em
suas palavras, “cabe aqui retomar a ideia de democracia deliberativa, que se
funda, precisamente, em uma legitimação discursiva: as decisões políticas devem
ser produzidas após debate público livre, amplo e aberto, ao fim do qual se
forneçam as razões das opções feitas.
Por
isso se ter afirmado, anteriormente, que a democracia contemporânea inclui
votos e argumentos. Um insight importante nesse domínio é fornecido pelo jusfilósofo
alemão Robert Alexy, que se refere à Corte Constitucional como representante
argumentativo da sociedade.
Segundo
ele, a única maneira de reconciliar a jurisdição constitucional com a
democracia é concebê-la, também, como uma representação popular. Pessoas
racionais são capazes de aceitar argumentos sólidos e corretos. O
constitucionalismo democrático possui uma legitimação discursiva, que é um
projeto de institucionalização da razão e da correção”.
“Ao
longo da história, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome
da razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da
sociedade.
A abolição da escravidão ou a proteção de
mulheres, negros, homossexuais, transgêneros e minorias religiosas, por
exemplo, nem sempre pôde ser feita adequadamente pelos mecanismos tradicionais
de canalização de reivindicações sociais”.
Essa
atuação do Poder Judiciário, no sentido de “empurrar a história na direção do
progresso social”, superando bloqueios institucionais, caracteriza o papel
iluminista das Cortes[6] descrito pelo ilustre
professor.
Conforme
adverte, “o termo iluminista está sendo empregado para identificar decisão que não
corresponde à vontade do Congresso Nacional nem ao sentimento majoritário da
sociedade, mas ainda assim é vista como correta, justa e legítima”.
O
Ministro Barroso alerta que esse papel iluminista desempenhado pelas Cortes
deve ser ocasional: “trata-se de uma competência perigosa, a ser exercida com
grande parcimônia, pelo risco democrático que ela representa e para que cortes
constitucionais não se transformem em instâncias hegemônicas.
Nesse
sentido, o doutrinador destaca, dentre outros, os seguintes exemplos,
enaltecendo aqui a jurisprudência americana:
■ Brown
versus Board of Education — 347 U.S. 483 (1954): a Suprema Corte dos EUA,
por unanimidade, entendeu que o estabelecimento de escolas para brancos e para
negros separadamente acarretava violação à 14.ª(Décima-quarta) Emenda[7], combatendo a proposta de
segregação que até então era admitida.
“O
caráter iluminista do julgado se manifestou na superação do senso comum
majoritário — que escondia o preconceito por trás da doutrina do ‘separados,
mas iguais’ (Plessy versus. Ferguson, 163 U.S. 537 1896) e a consequente
mudança de paradigma em matéria racial, tendo funcionado como um catalisador do
moderno movimento pelos direitos civis.
As
reações do status quo vieram de formas diversas: resistência ao
cumprimento da decisão, a crítica política — a Corte teria agido como ‘uma
terceira câmara legislativa’ e a crítica doutrinária: Brown não teria observado
‘princípios neutros’ de interpretação constitucional”;
■ Loving
versus. Virginia — 388 U.S. 1 (1967): a Suprema Corte dos EUA proferiu
decisão histórica nulificando lei que proibia e considerava crime o casamento
entre brancos e negros, superando, assim, o precedente estabelecido em Pace
v. Alabama (106 U.S. 583, 1883). Por incrível que pareça, o Código da Virgínia
capitulava a miscigenação como crime punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.
O
casal Loving havia sido condenado a 1(um) ano de prisão e a sentença
substituída pelo afastamento do Estado por no mínimo 25(vinte e cinco) anos
(decisão proferida no ano de 1959). Referida lei do Estado da Virgínia e outras
antimiscigenação foram consideradas inconstitucionais pela Corte, sendo,
portanto, invalidadas em 1967.
Conforme
observa Ministro Barroso, o caráter iluminista dessa decisão é mais fácil de se
perceber em relação aos estados do sul dos Estados Unidos, que ainda mantinham
leis discriminatórias, apesar de supor que no plano nacional referidas leis já
não eram mais admitidas e, sob essa perspectiva, o seu caráter seria
representativo;
Roe versus.
Wade
— 410 U.S. 113 (1973): a Suprema Corte dos EUA, por 7 x 2, reconheceu a
possibilidade de interrupção da gravidez até o primeiro trimestre, tendo por
fundamento o direito à privacidade da mulher e a interpretação dada à 14.ª(Décima-quarta)
emenda, assegurando-lhe a decisão sobre a continuidade ou não da gestação.
Conforme
anotou novamente o Ministro Barroso, essa decisão veio a ser revisitada pela
Corte em precedentes seguintes e, sem dúvida, contrariou a vontade de uma
maioria, tendo, inclusive, gerado forte reação social (denominada backlash)
dos segmentos derrotados.
O
Ministro Barroso, ao final, faz um interessante alerta apontando eventuais
riscos de desmedida ou excesso — e suas consequências, decorrentes desses
papéis assumidos pela Corte: “o papel contramajoritário pode degenerar em excesso
de intervenção no espaço da política, dando lugar a uma indesejável ditadura do
Judiciário; o papel representativo pode desandar em populismo judicial, que é
tão ruim quanto qualquer outro; e a função iluminista tem como antípoda o
desempenho eventual de um papel obscurantista, em que a suprema corte ou tribunal
constitucional, em lugar de empurrar, atrasa a história”.
Mas,
observa com precisão: sociedades democráticas e abertas, com liberdade de
expressão, debate público e consciência crítica, costumam ter mecanismos
eficientes para evitar esses males.
Enfim,
o constitucionalismo democrático e backlash ou a reação social em face de
decisão da Corte. Aliás, tema pouco estudado pela doutrina pátria. E, em
relação à jurisprudência do STF encontra-se uma passagem no voto do Ministro
Fux, em julgado da Corte que reconheceu a constitucionalidade material da Lei
Ficha Limpa. E, assim, mostra-se densa as perspectivas de amplas discussões
acadêmicas.
Observa
Fux, “a verdade é que a jurisprudência do STF nesta matéria vem gerando
fenômeno similar ao que os juristas norte-americanos (...) identificam como backlash,
expressão que se traduz como um forte sentimento de um grupo de pessoas em
reação a eventos sociais ou políticos.
É
crescente e consideravelmente disseminada a crítica, no seio da sociedade
civil, à resistência do Poder Judiciário na relativização da presunção de
inocência para fins de estabelecimento das inelegibilidades”.
E,
continua: “obviamente, o Supremo Tribunal Federal não pode renunciar à sua
condição de instância contramajoritária de proteção dos direitos fundamentais e
do regime democrático. No entanto, a própria legitimidade democrática da
Constituição e da jurisdição constitucional depende, em alguma medida, de sua
responsividade à opinião popular” (fls. 27 do acórdão).
Em
seguida, ao afirmar a necessidade de o Tribunal ter que considerar a
“fortíssima opinião popular” sobre a Lei da Ficha Limpa[8], Fux conclui: “se a
Suprema Corte é o último player nas sucessivas rodadas de interpretação da
Constituição pelos diversos integrantes de uma sociedade aberta de intérpretes
(Häberle), é certo que tem o privilégio de, observando os movimentos realizados
pelos demais, poder ponderar as diversas razões antes expostas para, ao final,
proferir sua decisão” (fls. 27 do acórdão).
O tema
tem sido debatido na doutrina norte-americana, destacando-se o trabalho de
Robert Post e Reva Siegel, no qual os professores da Universidade de Yale
refutam tanto a noção de constitucionalismo popular (que propõe o afastamento
total das Cortes — Tushnet), como a proposta de cautela judicial e atuação minimalista
dos tribunais (mínima intervenção judicial e o aconselhamento aos tribunais
para não assumirem posição em relação a temas polêmicos e com entendimentos
antagônicos e diametralmente opostos — Cass R. Sunstein).
Há
cinco fundamentos elencados por Sunstein para justificar a atuação minimalista
dos tribunais: “o minimalismo reduz os custos da decisão para os tribunais que
estão buscando decidir casos. Reduz os custos
de erros associados a julgamentos equivocados. Reduz as dificuldades
relacionadas à ‘racionalidade limitada (bounded rationality), incluindo
a falta de conhecimento de efeitos adversos imprevistos’.
‘Ajuda
a sociedade a lidar com o pluralismo razoável’. E, ‘talvez o mais importante’,
o minimalismo ‘permite ao processo democrático uma grande quantidade de espaço
para se adaptar aos desenvolvimentos futuros, produzir mutuamente compromissos
vantajosos e para adicionar novas informações e perspectivas a questões
legais’”.
Contudo,
na visão do constitucionalismo democrático trazida por Post e Siegel, a proposta
de minimalismo sustentada por Sunstein superestima os custos do backlash
e subestima os seus benefícios (no mesmo sentido de Sunstein, Michael Klarman e
William Eskridge, cujos ensinamentos também sofreram críticas dos professores
de Yale).
A
noção de constitucionalismo democrático considera a reação e o desacordo como
fatores normais e até saudáveis, na medida em que sustenta a legitimidade de
diversos atores para fazer valer a Constituição.
Aprofundando
a terminologia backlash, o texto apresenta a sua evolução ao longo do
tempo. Em sua denotação clássica, o termo está relacionado a uma reação brusca
ou contragolpe de uma roda ou conjunto de rodas conectadas em um mecanismo em
razão de movimento não uniforme ou pressão súbita aplicada (Oxford English
Dictionary).
Para
se ter um exemplo interessante do uso clássico da palavra, o meu querido leitor
que gosta de pescar talvez já tenha passado pela experiência do “backlash”.
Ao usar uma vara de pesca com carretilha, se
eventualmente um peixe der uma fisgada extremamente brusca e forte, a roldana
da carretilha irá girar tão rápido sob o seu eixo que a linha ficará toda
desorganizada na vara, como se fosse um emaranhado de fios, causando uma
situação bastante desagradável para o pescador.
A
palavra em inglês “backlash” descreve essa situação crítica do pescador.
A palavra passou a ser utilizada no contexto político para descrever reações desencadeadas
por mudanças bruscas e ameaçadoras do status quo, destacando-se ora, por
exemplo, reações aos movimentos de conquista de direitos civis e aos movimentos
feministas em busca de direitos etc.
Finalmente,
Post e Siegel observam que a doutrina norte-americana passou a empregar o termo
backlash, nesse sentido de reação, a partir do papel desempenhado pelas
Cortes em relação a temas extremamente delicados para o seu momento histórico,
como a separação entre brancos e negros em escolas do Sul dos Estados Unidos (Brown
versus Board of Education) e o reconhecimento da possibilidade da
interrupção da gravidez até o primeiro trimestre (Roe versus. Wade),
dentre tantos outros.
Conforme
explicam, a maioria dos autores refere-se ao fenômeno backlash sob a
perspectiva dos tribunais e considerando o risco que a decisão, sem o apoio
popular, possa trazer à própria existência (e legitimidade) do Poder
Judiciário.
Sustentam
que o constitucionalismo democrático consegue acomodar essa tensão e preservar
o respeito à Constituição, demonstrando que, em muitas situações, a
controvérsia e a reação apresentam-se como positivas.
Observam
que “o constitucionalismo democrático assegura tanto o papel dos representantes
do povo e da cidadania mobilizada no cumprimento da Constituição, como o papel
dos tribunais no exercício de sua função de intérprete.
Ao
contrário do constitucionalismo popular, o constitucionalismo democrático não
procura retirar a Constituição dos tribunais, reconhecendo o papel essencial
das Cortes em fazer valer os direitos constitucionalmente previstos.
Ao
contrário da perspectiva de foco juricêntrico, o constitucionalismo democrático
enaltece o papel extremamente relevante que o engajamento público desempenha na
orientação e legitimação das instituições no processo de revisão judicial.
Os
julgamentos constitucionais baseados em razões jurídicas técnicas adquirem
legitimidade democrática se os motivos técnicos da decisão estiverem enraizados
em valores e ideais populares.
O
constitucionalismo democrático observa que a adjudicação está inserida em uma
ordem constitucional que convida regularmente ao intercâmbio entre julgadores e
cidadãos sobre questões de significado constitucional”.
Finalmente,
um alerta deve ser feito: por mais que o Judiciário deva estar sensível às
demandas políticas e sociais dentro dessa perspectiva sugerida pelo
constitucionalismo democrático, jamais se admitirá que a decisão, apesar de
agradar a opinião pública, seja contrária à Constituição.
Naturalmente,
os critérios técnicos e jurídicos deverão estar presentes e, nesse sentido,
bastante interessante a proposta de sistematização trazida pelo Ministro
Barroso ao estabelecer o papel das Cortes, admitindo inclusive que, em certas
situações, as decisões não encontrem respaldo popular, gerando o fenômeno backlash.
Em
interessante estudo, David E. Landau, professor da Florida State University
College of Law, desenvolve a noção do constitucionalismo abusivo, pelo qual
se observa o fenômeno do uso de mecanismos de mudança constitucional que acabam
corroendo (erodindo, enfraquecendo) a ordem democrática.
Em seu
estudo, após analisar a experiência de países como Colômbia, Venezuela e Hungria,
Landau (2021) denuncia o uso de emendas ou de “substituição” da vigente
Constituição por uma nova (promulgação de nova Constituição), dentro das regras
legais, mas com o objetivo de “minar” (corroer, enfraquecer) a democracia.
Não se
trata do uso da força, como pode ser observado nos períodos ditatoriais ou nos
regimes implantados após golpes militares, nos quais a ruptura constitucional é
evidente, inquestionável, declarada e assumida, mas da transformação da ordem
constitucional com mudanças sutis e que podem chegar até mesmo ao controle indireto
da Suprema Corte (disable or pack courts).
Conforme
explica, os regimes continuam a ter eleições, não chegando a ser autoritários,
mas, em verdade, passam a ser, lentamente, menos democráticos.
A
proposta de Landau não se confunde com o constitucionalismo autoritário
descrito por Tushnet. O professor da Universidade de Harvard, tendo Singapura
como estudo de caso, identifica um sistema de governo que combina eleições
razoavelmente livres e justas com um grau moderado de controle repressivo da
liberdade de expressão e pessoal, afastando-se, nesse sentido, do autoritarismo
puro de um lado e do Estado de Direito de outro.
O doutrinador
identifica sete características desse modelo:
■ o
regime, que é controlado por um partido dominante, implementa as relevantes
decisões de políticas públicas, não havendo base normativa a contestar as
escolhas tomadas. Esta característica define o seu lado autoritário;
■ o
regime não prende arbitrariamente os oponentes políticos, embora possa
impor-lhes sanções como aquelas decorrentes de difamação;
■
apesar de aplicar sanções, o regime ainda permite questionamentos e críticas ao
governo e suas políticas;
■ o
regime realiza eleições razoavelmente livres e justas, mas, a partir de
desenhos e divisões eleitorais, busca assegurar a vitória para manutenção no
poder. Fraude e intimidação física até ocorrem, mas apenas esporadicamente e
não sistematicamente;
■ o
partido dominante é sensível à opinião pública e altera as suas políticas, pelo
menos ocasionalmente, em resposta aos anseios desta;
■
desenvolvem-se mecanismos para garantir que a quantidade de divergência não
exceda o nível considerado desejável;
■ os
tribunais são razoavelmente independentes e procuram manter o Estado de
Direito. Embora os juízes, especialmente os de tribunais superiores, sejam
sensíveis aos interesses do regime por causa do treinamento e dos mecanismos de
seleção e promoção, raramente recebem instruções diretas do regime, chegando, inclusive,
a afastar algumas decisões tomadas.
A
revisão judicial, contudo, quando negativa, mostra-se fraca, pois o regime tem
mecanismos de alteração formal da Constituição para que a decisão política tomada
esteja sempre de acordo com as (novas) regras constitucionais.
O
Ministro Barroso, em seu voto, observa que “o constitucionalismo e as
democracias ocidentais têm se deparado com um fenômeno, não decorrem mais de
golpes de Estado[9]
com o uso das armas. Podemos afirmar que, no período aqui abordado (de 1822 até
os dias atuais), tivemos pelo menos nove golpes no Brasil.
Ao contrário, as maiores ameaças à democracia
e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais,
aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se examinadas isoladamente,
deixam dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade.
Porém,
em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente
corroendo a tutela de direitos e o regime democrático”.
Embora
não me pareça ser o caso de cogitar em risco democrático no que respeita ao
Brasil, cujas instituições amadureceram ao longo das décadas e se encontram em
pleno funcionamento, é sempre válido atuar com cautela e aprender com a
experiência de outras nações.
Nessa
linha, as Cortes constitucionais e supremas cortes devem estar atentas a
alterações normativas que, a pretexto de dar cumprimento à Constituição, em
verdade se inserem em uma estratégia mais ampla de concentração de poderes,
violação a direitos e retrocesso democrático” (ADPF 622-MC[10], j. 19.12.2019).
Corte
constitucional é, por definição, um órgão do judiciário ou diverso, cuja
principal função é julgar a constitucionalidade de leis, emitindo pareceres
sobre elas e decretos dos poderes Executivo e Legislativo, em consonância com
correta aplicação da Constituição. Já uma suprema corte tem caráter de última
instância, de corte de apelação.
No
Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) não é autêntica corte constitucional[11], pois acumula funções de tribunal
constitucional e suprema corte.
Em
1803, ocorreu nos Estados Unidos o famoso caso Marbury versus Madison,
julgado pelo Chief Justice Marshall, primeiro a ensejar a possibilidade
do controle judicial de constitucionalidade das leis em face da Supremacia da
Constituição. Foi o nascimento do Judicial Review, que impõe ao juiz a
verificação da harmonia entre a lei aplicada ao caso concreto e à Constituição.
Uma
importante discussão acerca do controle de constitucionalidade realizada no
século passado ocorreu entre Carl Smith[12] e Hans Kelsen.
O
primeiro, defensor do Estado totalitário, apontou para a ideia de que o
controle de constitucionalidade ficaria a cargo do chefe do Estado, pois caso
tal tarefa fosse dada a uma corte constitucional, esse controle implicaria uma
politização da justiça e uma judicialização da política.
Hans
Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito[13], inspirou a redação da
Constituição Austríaca de 1920, na qual foi criada a primeira corte
constitucional que instituiu a tese de validade das leis atuando como
“legislador negativo”: não criar leis, mas ter a competência de julgá-la e
retirá-la do ordenamento jurídico, revogando-a total ou parcialmente.
Nosso país adotou o controle de constitucionalidade difuso desde a primeira constituição brasileira depois da Proclamação da República do Brasil, em 1891, por influência de Ruy Barbosa que seguia o modelo norte-americano e fora perpetuado por todas as Constituições seguintes.
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Notas:
[1]
O STF também se apresenta como Tribunal Constitucional quando afirma o efeito
vinculante de suas decisões, afastando-se de suas tradicionais funções de Corte
Suprema. A produção do Parlamento, dentro da lógica da tripartição clássica,
orienta a atuação dos demais poderes, já que o Executivo aplica a lei de ofício
e o Judiciário contenciosamente. A lei, portanto, é naturalmente vinculante. O
Tribunal Constitucional, afastando-se da missão típica do Judiciário, que é
aplicar a lei contenciosamente, também produz provimentos que devem gozar da mesma
força vinculante da lei. Mais uma vez aqui, o Tribunal Constitucional, por
estar fora do Poder Judiciário, tem poderes estranhos ao Poder Judiciário. Por
outro lado, cabe lembrar que a via processual mais importante da Suprema Corte
enquanto verdadeiro órgão de cúpula do Poder Judiciário adquiriu contornos
novos, no que se tem chamado de “objetivação do recurso extraordinário”. Esse
fenômeno é perceptível na repercussão geral, introduzido no ordenamento
constitucional pela Emenda 45, de 2004. Com o advento desse instituto, não é
mais a demanda particular e concreta que importa para o STF quando do
julgamento do recurso extraordinário, mas sim características objetivamente
consideradas na controvérsia dos autos, as quais permitem identificar sua repercussão
geral. O provimento jurisdicional no extraordinário passa a ser um provimento
geral e abstrato, que repercute, nas instâncias inferiores, em todos os casos
análogos. E essa repercussão automática já é, certamente, um ensaio de um
efeito vinculante a ser reconhecido nas decisões proferidas em recurso
extraordinário.
[2]
Esse papel contramajoritário é normalmente exercido pelas supremas cortes com
razoável parcimônia. De fato, nas situações em que não estejam em jogo direitos
fundamentais e os pressupostos da democracia, a Corte deve ser deferente para
com a liberdade de conformação do legislador e a razoável discricionariedade do
administrador. A democracia
constitucional tem como principal componente o respeito aos direitos
fundamentais deve ser garantido inclusive contra a vontade eventual das
maiorias políticas. E, o árbitro final
das tensões entre a vontade da maioria e direitos fundamentais e, portanto,
protagonista institucional dessa dimensão é mesmo a Suprema Corte. Por
derradeiro, a democracia deliberativa tem como principal componente o
oferecimento de razões para a discussões de ideias e a troca de argumentos.
Portanto, a democracia não se restringe apenas ao momentum do voto periódico e,
sim, é feita pelo debate público, contínuo que deverá acompanhar todas as
decisões políticas relevantes. O protagonista da democracia deliberativa é a
sociedade civil, em suas múltiplas instâncias, o que incluem o movimento
social, a imprensa, as universidades, os sindicatos, as associações e os
cidadãos comuns. Em resumo, o voto apesar de imprescindível, não é a fonte
exclusiva da democracia e, em certos casos, poderá não ser suficiente para
concretizá-la.
[3]
Vige razoável consenso de que o conceito de democracia transcende a ideia de
governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais. E,
um desses valores fundamentais é o direito de ada indivíduo a igual respeito e
consideração. Tem a democracia, portanto, além da dimensão procedimental de ser
o governo da maioria, possui igualmente a dimensão substantiva o que inclui a
igualdade, liberdade e justiça.
[4]
Vide inteiro teor acórdão in: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308937289&ext=.pdf
[5]
Mill era cético quanto à ideia de democracia absoluta. Para ele, a ideia de que a maioria da
população era soberana poderia gerar regimes capazes de cometer inúmeras
atrocidades. Bastaria, por exemplo, que a maior parte da população desejasse
oprimir uma outra parte da população para a tirania da maioria se estabelecer.
Por isso, todo governo deve ter por base o respeito aos indivíduos e deve ter
sua capacidade de ação severamente limitada por princípios naturais e
filosóficos, inscritos, por exemplo, em uma constituição.
[6]
O papel iluminista exercido pela Corte Constitucional brasileira visa encaminhar
a população rumo à progressão social, derrotando superstições e preconceitos, e
assegurando a dignidade e a vida boa para todos. O papel de vanguarda
iluminista constitui a função mais criticada do Supremo Tribunal Federal, vez
que a sua utilização pode gerar risco a separação dos Poderes, vez que esboça
certa superioridade ante aos demais.
[7]
A "Cláusula do Devido Processo" proíbe os governos estaduais e locais
de privar pessoas da vida, liberdade ou propriedade sem um procedimento justo.
A emenda 14, de 1866, sob a presidência de Andrew Johnson, dispondo sobre a
cidadania e a igual proteção das leis sem qualquer distinção, como também,
sobre o direito de voto, excluindo os índios e as mulheres. (Ratificada em 9 de
julho de 1868).
[8]
O Senado vai analisar o projeto que altera prazos da Lei da Ficha Limpa e reduz
o período de inelegibilidade em algumas situações. O PLP 192/2023 também
unifica prazos de afastamento de candidatos de cargos públicos e concilia a
ficha limpa com a nova regra sobre improbidade administrativa. Lei Complementar
nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, completa 13 anos. Criada a
partir de iniciativa popular, a norma acrescentou dispositivos à Lei
Complementar nº 64/90 (Lei de Inelegibilidade), estabelecendo critérios mais
rígidos para que candidatas e candidatos possam disputar uma eleição. A lei
afasta do pleito as pessoas que não cumprem determinadas regras de
elegibilidade ou que se enquadram em alguma das causas de inelegibilidade
previstas em seus itens.
[9]
Um golpe de Estado (também referido internacionalmente como coup d'État, em
francês, e putsch ou staatsstreich, em alemão) consiste no derrube ilegal de um
governo constitucionalmente legítimo por uma facção política, militares ou um
ditador. Golpe de Estado é um conceito usado para definir a destituição ilegal
de um governo a fim de que outro governo possa ser estabelecido ou para definir
o desrespeito às normas constitucionais a fim de estender ilegalmente um
governo constituído. Um golpe de Estado pode acontecer por meio de intervenção
militar ou por manobras políticas e jurídicas. Em geral, um golpe de Estado é
conduzido pelas elites políticas e econômicas de um país, atendendo aos
interesses destas, e não promove alterações no status quo. Na história brasileira,
alguns golpes de Estado foram realizados, como a Revolução de 1930, o golpe do
Estado Novo e o Golpe Civil-Militar de 1964.
[10] Vide
in: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346480805&ext=.pdf
[11]
Assim, quando o STF se afirma como Corte Constitucional, apresenta-se como
estranho ao Poder Judiciário. E estando alheio ao Poder Judiciário, está também
alheio aos limites tradicionais desse poder, expressos nos caracteres arrolados
por Pedro Lessa. A análise dos julgados nos quais o STF se intitula Corte
Constitucional é prova desse movimento de descolamento entre o Poder Judiciário
e seu pretenso órgão de cúpula. A simples leitura dos precedentes em que o
Supremo se põe expressamente como Tribunal Constitucional demonstra, de
ordinário, a ocorrência de situação em que algum aspecto da tradicional função
jurisdicional está sendo desvirtuado.
[12]
Carl Schmitt (1888-1985) foi filósofo, jurista e teórico político alemão. Foi
membro importante do Partido Nazista, sendo considerado um dos mais
significativos e controversos especialistas em direito constitucional e
internacional do século XX. Além dos campos do direito, sua obra abrange outros
campos de estudo como ciência política, sociologia, teologia, filosofia
política e germânica. Influenciado pela teologia católica, o foco de Carl
Schmitt girou sobretudo em torno de questões relativas à temas próprios da
Teoria do Estado, bem como da materialização dos direitos e seus pressupostos
filosóficos e históricos. Ele não integra o direito comum à denominada
democracia liberal, chegando a ser chamado de "coveiro do
liberalismo" e [de] "Cassandra de Plettenberg do direito público” por
um de seus contemporâneos, o jurista alemão Günter Frankenberg. Schmitt também
foi denominado de “clássico do pensamento político" por Herfried Münkler.
As mais importantes influências sobre o seu pensamento provieram de filósofos
políticos, tais como Thomas Hobbes, Nicolau Maquiavel, Jean-Jacques Rousseau,
Juan Donoso Cortés, Georges Sorel, Vilfredo Pareto e Joseph de Maistre. A obra
de Schmitt influenciou e continua atraindo atenção de filósofos e cientistas
políticos contemporâneos, dentre eles Hannah Arendt, Walter Benjamin, Jacques Derrida,
Jürgen Habermas, Giorgio Agamben, Reinhart Koselleck e Friedrich Hayek.
[13]
A Teoria Pura do Direito promove a Ciência do Direito e não a Política
Jurídica. dizer que ela (a Teoria Pura do Direito) pretende libertar a ciência
jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio
metodológico fundamental”. A grande
motivação da teoria pura do direito é a de definir as condições para a
construção de um conhecimento consistentemente científico do direito. A
primeira contradição dessa teoria está na classificação que Kelsen atribui ao
seu objeto de estudo, ou seja, o Direito, pois, afirma que a pureza diz
respeito apenas à ciência jurídica e não ao Direito em si.