Suicídio de Vargas. Entre a vida e a história...
O fenômeno Vargas e sua identificação com o poder e com Estado é compreensível através da propaganda e dos discursos à Nação, as festas públicas mostrando um cenário que cultuava um herói vivo. Aliás, um saudosismo recorrente que percorre a tradição cultural brasileira que lembra dos Anos Dourados de 50, os Anos Rebeldes de 60 e, ainda, os Anos Alegres de 70. O suicídio foi a saída para escapar de total linchamento moral e, determinou o surgimento de muitos personagens na história política do país.
Foi na
sinistra manhã de 24 de agosto de 1954 que o Presidente Getúlio Vargas se suicidou
com tiro[1] no coração em resposta aos
ataques que sofria de seus opositores e da imprensa, especialmente, pela União
Democrática Nacional (UDN) e Carlos Lacerda. Depois de dezenove dias do
atentado da Rua Tonelero, aquele agosto foi marcado por intensas pressões
políticas.
Diante
do atentado, grupos das forças armadas, liderados pela Aeronáutica, pois a
vítima fatal era oficial da Aeronáutica se opunham frontalmente contra o
governo, enquanto no Parlamento, a ferrenha oposição da UDN[2] que já demonstrava sua
decisão de apartar Vargas da presidência.
Na
época, as investigações sobre o atentado apontavam o envolvimento direto de
funcionário do Palácio do Catete e então, se chegou a Gregório Fortunato, chefe
da guarda pessoal do então Presidente.
Somado
à tudo, havia novas denúncias de que um dos filhos do presidente mantinha
negócios escusos com o chefe da guarda o que abalavam ainda mais, a frágil
sustentação política do governo varguista. Dois dias anteriores, ao suicídio,
os militares protestavam e exigiam pronta renúncia de Vargas que respondeu que
sairia morto da Presidência.
Há
quem afirme que Fortunato, após sustentar outras versões, acabou assumindo a
culpa pelo atentado contra Lacerda para proteger aquele que seria o verdadeiro
culpado do crime, Benjamin Vargas, o “Bejo”, irmão caçula de Getúlio.
O
jornalista José Louzeiro, por exemplo, foi um que defendeu a hipótese em seu
livro "O Anjo da Fidelidade: A História Sincera de Gregório
Fortunato".
Em 23
de outubro de 1962, Gregório Fortunato foi assassinado na Penitenciária Frei
Caneca, no Rio de Janeiro, pelo também detento Feliciano Emiliano Damas, o que
é apontado por muitos como queima de arquivo, já que o "Anjo Negro"
escrevera um caderno de anotações, único objeto de sua propriedade que
desapareceu na prisão após sua morte
Da
Aeronáutica[3],
a crise logo se alastraria para as demais corporações armadas. Durante todo o
seu governo, Getúlio enfrentara a oposição dos militares, especialmente após
ter nomeado, João Goulart, o Jango, no cargo de ministro do Trabalho. Jango,
considerado pelos quartéis um notório esquerdista, propôs um aumento de 100% no
salário-mínimo e acabou derrubado do cargo, por pressão dos militares.
Na
noite de 23 de agosto, Vargas se reunira com seu ministério para, enfim,
avaliar a real situação que já se revelava ser muito grave. Fora aconselhado
por seus ministros a se licenciar da presidência. Ocasião em que, se despediu
do seu ministro da Justiça, Tancredo Neves quando lhe deu a caneta Parker 51
de ouro, e afirmou: "Para o amigo certo das horas incertas".
Então,
já na madrugada do dia 24, o Presidente Getúlio Vargas fora informado a
respeito de seu irmão Benjamin que estava sendo convocado para depor na
República do Galeão, nome dado à operação da Aeronáutica para apurar o atentado
da Rua Toneleros. Sobre a licença da presidência fora informado que se
converteu em veto militar. Na ocasião, o Palácio do Catete já estava protegido
por trincheiras de sacos de areia. A iminência de guerra civil era concreta.
Por volta
de oito e meia da manhã, do dia 24 de agosto, Getúlio Vargas se suicida e o
impacto da notícia e a notícia de sua carta-testamento fora enfático. A versão
datilografada fora lida, de forma emocionada, por João Goulart, no enterro do
Presidente em São Borja, no Rio Grande do Sul... Desta carta, há a célebre
frase: " Saio da vida para entrar na história".
Com
essa carta, Vargas transformou seu nome em bandeira do nacionalismo e do
trabalhismo nascente, consolidando seu próprio mito. Apesar das mudanças ocorridas
no Brasil após 1954 e, sobretudo, a partir de 1964 com a queda de João Goulart,
principal herdeiro político de Vargas, seu legado permaneceria, durante muitos
anos, como uma das bases da vida política nacional[4].
O
ressurgimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), bem como a criação do
Partido Democrático Trabalhista (PDT), após a extinção do bipartidarismo em
1979, demonstrou que as ideias do trabalhismo[5] implantado por Vargas
ainda encontram ressonância na sociedade brasileira.
Bem mais tarde, nas eleições de 1982 que
marcaram o início de um processo de democratização do regime, o nome de Getúlio
voltou a ser pronunciado nos comícios de campanha, dele se valendo até mesmo o
presidente João Batista Figueiredo, filho de um antigo opositor de Vargas, o
coronel Euclides Figueiredo[6].
Os
acontecimentos de 24 de agosto também influenciaram decisivamente o
comportamento do PCB. Até o suicídio de Vargas, os comunistas faziam cerradas
críticas ao seu governo, acusando-o de submeter-se aos interesses dos Estados
Unidos e de recorrer à violência e ao terror contra o povo brasileiro.
O PCB
mudou radicalmente de atitude após a morte de Getúlio e a divulgação da
carta-testamento. Na edição de 25 de agosto de 1954 o jornal comunista Imprensa
Popular acusou o “imperialismo norte-americano” de responsável pela morte de
Vargas e o governo de Café Filho de ser formado “por agentes furiosos dos
monopólios de Wall Street”.
A
morte de Vargas, acompanhada da demonstração imediata de seu imenso prestígio,
deu novo alento à aliança entre o PSD e o PTB, “a despeito das divergências
ideológicas entre seus membros e das tendências de mudança a longo prazo em
suas respectivas bases sociais”.
A Era
Vargas ocupa um lugar destacado nas obras sobre a história brasileira
contemporânea em seus mais diversos aspectos políticos, econômicos e sociais,
cabendo ressaltar os autores cujos trabalhos têm por marco específico o seu
período de governo, como, por exemplo:
Hélio Silva, “O ciclo de Vargas” (1964-1978, 15v.); Edgar Carone, “A segunda
República 1930-1937” (1937), “A
República nova 1930-1937” (1976), “O Estado Novo 1937-1945” (1976) e “A
terceira República 1937-1945” (1976); John Wirth, “A política de desenvolvimento na era Vargas”
(1973); Robert M. Levine, “O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938”
(1980) e Maria Celina Soares D’Araújo, “O segundo governo Vargas: 1951-1954;
Democracia, partidos e crise política”.
Como
obras de referência bibliográfica, cumpre citar os trabalhos de Ana Lígia Silva
Medeiros e Mônica Hirst, “Bibliografia histórica, 1930-1945” (1983) e de Ana
Lígia Silva Medeiros e Maria Celina Soares D’Araújo, “Vargas e os anos
cinquenta” (1983).
Getúlio
Vargas, foi o Presidente da República que por mais tempo governou nosso país,
quase duas décadas, considerando os dois períodos que esteve no cargo. Mesmo
quando fora deposto em 1945 apesar de forte pressão advinda até mesmo de seus
aliados, voltou ao cenário político, cinco anos depois, vitorioso nas eleições
para o Executivo brasileiro. Visto ora
como herói e ora como vilão. Foi execrado pela oposição, principalmente, através
dos meios de comunicação. Sua entrada na história nacional, adiou um fatal
golpe militar que veio acontecer uma década posterior.
Há
sessenta e nove anos, em profundo isolamento política, os últimos momentos do
Presidente foram melancólicos e marcou na história do país com uma morte
trágica de Getúlio Vargas.
De
fato, se houvesse sucumbido à renúncia, tendo em vista a sanha de seus
adversários e as graves acusações que recaíam contra si e seus familiares,
Getúlio teria sido alvo de um linchamento moral sem precedentes. Afirmou o
historiador Jaime Pinsky, professor da Unicamp: o suicídio foi um ato político.
"Ele preferiu protagonizar um teatro de tragédia a submeter-se à
humilhação e ao teatro patético que os adversários encenariam com sua
renúncia".
Enfim,
a Era Vargas representou os lídimos esforços de concretizar a modernização
capitalista da sociedade brasileira. O estadista foi o responsável por
relevantes direitos sociais, como o voto feminino e os direitos trabalhista.
Por
outro viés, governou de forma autoritária num período notabilizado como Estado
Novo[7]. Com a saída de Vargas do
poder, organizou-se nova Constituição bem como iniciou-se a quarta república
(1946-1964).
Referências
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Pedro Paulo Z.; FONSECA, Pedro Cezar D. (Org.). A Era Vargas:
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em 25.08.2022.
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Acesso em 25.08.2022.
DE
CARVALHO, Fabio Luiz; COSTA, Dalmo de Moura; SILVA, Bruno de Oliveira; MARTINS,
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Acesso em 25.08.2022.
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Disponível em: http://funag.gov.br/biblioteca/download/729-Discursos_selecionados_do_presidente_GetUlio_Vargas.pdf
Acesso em 25.08.2022.
LIRA
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Companhia das Letras, 2012.
________________________Há
67 anos, a morte trágica de Getúlio Vargas Parava o Brasil. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/por-que-getulio-vargas-se-matou.phtml Acesso em 25.08.2022.
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TEUTSCHBEIN, Matheus Pinheiro. Agosto de 1954: as reações da população de Juiz de Fora frente ao suicídio do presidente Getúlio Vargas. 2015. 66 folhas. (Trabalho de Conclusão de Curso na modalidade bacharelado em História). Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG.
[1]
Um revólver Colt em calibre 32 S&W longo com capacidade para seis munições,
dotado de empunhadura de madrepérola e um cano de 3,5. Muito cansado e
deprimido Vargas cumpriu algo que já vinha sinalizando de acordo com nota de
seu diário.
[2]
Para contestar a vitória dos “herdeiros da tradição getulista”, a UDN
dividiu-se em duas frentes: a legalista (novamente a tese da maioria absoluta)
e a golpista (o “estado de exceção”). Mas o chamado contragolpe preventivo do
ministro da Guerra, general Henrique Lott, garantiu a posse dos eleitos e a UDN
iniciou mais um período de oposição ao governo.
[3] A chamada "República do Galeão" se deu em razão da atuação independente durante as investigações referentes ao atentado da rua Toneleros que ocorreu na madrugada do dia 5 de agosto de 1954, quando morreu o major-aviador Rubens Vaz e foi ferido o jornalista Carlos Lacerda, um dos opositores de Getúlio] Vargas. Foram presos e interrogados no Galeão Gregório Fortunato, Climério Euribes de Almeida, João Valente de Sousa, Alcino João do nascimento que foi acusado de ter autoria direta dos disparos que alvejaram e mataram o Major Vaz e feriram Carlos Lacerda e o guarda municipal Sálvio Romero.
[4] O mito construído de Vargas surgiu da premissa de múltiplo jogo de imagens que ora o mostram como homem comum, identificado com o povo e, ora como política, o realizador de inúmeras reformas na ordem social, ou ainda, como autêntico líder, investido de dotes especiais. As qualidades varguistas enquanto homem, próximo do povo são: cordato, ponderado, sensível às mazelas sociais. Já como político incorporou o "pai dos pobres “o reformador por excelência" que doa a legislação trabalhista e favorece a industrialização e, ainda protege os intelectuais e artistas. Como líder foi o estadista que previa o futuro, o homem providencial, a ser seguido como exemplo pelas futuras gerações.
[5]
Era chamado de "o pai dos pobres" porque foi o responsável por
algumas conquistas trabalhistas que vigoram até hoje. Em 1943, editou a
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), um conjunto de normas criadas desde
os anos 30 para proteger o trabalhador. Para fazer a propaganda do governo, foi
criado um jornal diário na rádio chamado “A Hora do Brasil”. Durante esse
período, também se destacou a política trabalhista, destacando-se a criação do
salário-mínimo (1940) e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. Os
sindicatos passaram para o controle do Estado.
[6]
Euclides Figueiredo escreveu o livro Contribuição para a história da Revolução
Constitucionalista de 1932, publicado em 1954 e reeditado em 1977. A obra foi
revista por seu filho Guilherme e teve sua parte militar examinada pelo então
major João Batista Figueiredo, responsável também pela elaboração dos esquemas
que acompanham o texto.
[7] "O Estado Novo foi a fase ditatorial da Era Vargas e estendeu-se por oito anos. Nesse período, Vargas reforçou o seu poder, reduziu as liberdades civis e implantou a censura. Também foi o período de intensa propaganda política e um momento em que Vargas estabeleceu sua política de aproximação das massas. No campo político, Vargas governou a partir de decretos-leis, ou seja, as determinações de Vargas não precisavam de aprovação do Legislativo, pois já possuíam força de lei. O Legislativo, por sua vez, foi suprimido e, assim, o Congresso e as Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais foram fechadas. Todos os partidos políticos foram fechados e colocados na ilegalidade. A censura instituída ficou a cargo do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável por censurar as opiniões contrárias ao governo e produzir a propaganda que ressaltava o regime e o líder. Para fazer a propaganda do governo, foi criado um jornal diário na rádio chamado “A Hora do Brasil”."