STJ e condenação de Robinho
O STJ não julgou novamente Robinho pelo crime de estupro. A análise sobre a homologação da sentença avaliou se a decisão estrangeira cumpriu requisitos estabelecidos na legislação brasileira e se foram observadas as devidas regras do processo, como ter sido proferida por autoridade competente, por exemplo
Em 20 de março de corrente ano, o STJ
validou a sentença da Itália que condenou o Robinho por estupro e determinou o
imediato início da execução da pena.
A decisão se deu por maioria de votos,
quando o STJ homologou a sentença criminal italiana que condenou o ex-jogador
Robson de Souza, vulgo Robinho, à pena de nove anos de prisão. Com a
homologação da sentença, se confirmou a possibilidade de transferência de
execução penal para o país, e ainda estabeleceu regine inicial fechado para o
cumprimento de condenação.
Tendo em vista que os eventuais recursos
contra a decisão não operam efeito suspensivo, o STJ, por maioria de votos,
determinou que a Justiça
Federal de Santos (SP), onde é
domiciliado o ex-jogador, para que se dê início imediato ao cumprimento da
sentença homologada, nos termos do artigo 965 do Código de Processo Civil.
O STJ reconheceu que a decisão
estrangeira cumpriu todos os requisitos legais para ser homologada no país,
além de concluir que a Lei de Migração, a Lei 13.445/2017 possibilitou que o
brasileiro nato condenado no exterior cumpra a pena em território nacional.
A não homologação da sentença
estrangeira representaria grave descumprimento dos deveres assumidos
internacionalmente pelo Brasil com o governo da República Italiana, além de,
indiretamente, deixar de efetivar os direitos fundamentais da vítima",
apontou o relator do caso, Ministro Francisco Falcão.
O julgamento teve a participação, como
amici curiae, da União Brasileira de Mulheres e da Associação Nacional da
Advocacia Criminal.
Convém lembrar que o ex-jogador foi
condenado em 2017 tendo sua sentença transitado em julgado em 2022, mas o
ex-jogador voltou ao Brasil antes do término do processo, tendo a Itália
requerido a homologação de sentença e a transferência da execução da pena, com
base no Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Itália (Decreto 863/1993).
A defesa do atleta alegou não ser possível a homologação porque, entre outros pontos, o tratado de extradição entre Brasil e Itália (Decreto 863/1993) não teria previsão expressa da transferência de execução de penas. Ainda segundo a defesa, a Lei de Migração – que passou a prever a transferência de execução da pena do exterior para o Brasil – não seria aplicável ao caso, porque a legislação é de 2017, e os fatos contra Robinho remontam a 2013.
O relator do pedido de homologação,
Ministro Francisco Falcão, ressaltou que, ao analisar a possibilidade de dar
efeitos em território nacional à sentença condenatória contra Robinho, não
caberia ao STJ atuar como revisor da Justiça italiana, ou seja, o Judiciário
brasileiro não poderia realizar um novo julgamento do mérito da ação penal.
Em relação aos requisitos para
homologação da sentença exigidos pelo artigo 963 do CPC, o ministro destacou
que houve trânsito em julgado da decisão italiana, e que Robinho foi
representado por advogado e pôde se defender durante todas as fases do
processo. Além disso, Falcão apontou que os mesmos fatos que levaram à
condenação do atleta também constituem crime no Brasil.
Analisando o artigo 100 da Lei de
Migração[1], o ministro destacou que a
transferência da execução da pena respeita a vedação de extradição de
brasileiro nato, mas possibilita que nacionais condenados por crimes no
exterior não fiquem impunes.
Segundo o Ministro Francisco Falcão, se
fosse negada a transferência da execução da pena do jogador, além de existirem
implicações às relações diplomáticas entre Brasil e Itália, não seria possível
haver novo processo penal em território brasileiro, pois o país proíbe a dupla
imputação criminal pelo mesmo fato (princípio do non bis in idem).
Em relação ao argumento da defesa sobre
a impossibilidade de retroação do artigo 100 da Lei de Migração[2] pela suposta natureza
penal do dispositivo, o Ministro Falcão ressaltou que o Supremo Tribunal
Federal (STF) já decidiu que as normas sobre cooperação internacional não
possuem natureza criminal e, portanto, possuem aplicação imediata, não incidido
sobre elas o princípio da irretroatividade da lei penal.
A respeito do questionamento da defesa
sobre supostas falhas na colheita de provas, o referido Ministro Francisco
Falcão destacou que o STJ não pode avançar sobre o conjunto probatório que foi
examinado com profundidade pela Justiça italiana.
O relator lembrou, ainda, que a conduta
criminosa imputada a Robinho foi de estupro coletivo[3] e teve como vítima uma
mulher albanesa. Para o ministro, a falta de homologação da sentença da Itália
colocaria novamente a vítima – e não o atleta – em posição de violação de
direitos humanos.
"Caso não se homologue a
transferência de execução de pena, a vítima terá sua dignidade novamente
ultrajada, pois o criminoso ficará completamente impune, ante a impossibilidade
de deflagração de nova ação penal no Brasil para apurar o mesmo fato.
A homologação da transferência de
execução da pena, ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de,
secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da
sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de efetivação dos
direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima", concluiu.
A homologação da transferência de
execução da pena, ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de,
secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da
sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de efetivação dos
direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima", concluiu.
Em divergência, Ministro Raul Araújo
considerou que Lei de Migração não poderia ser aplicada ao caso. Em seu voto
divergente apontou que a análise do pedido de homologação da sentença que
condenou Robinho não poderia ter como base eventuais consequências às relações
diplomáticas entre Brasil e Itália, pois o papel do Judiciário brasileiro é
exatamente examinar se os tratados e entendimentos internacionais são adequados
à luz da legislação nacional.
De acordo com o Ministro, como a Lei de
Migração é de 2017, ela não poderia ser aplicada para homologar a sentença,
pois os fatos imputados a Robinho são anteriores à introdução do instituto da
transferência do cumprimento da pena para o Brasil.
Ainda que a Lei de Migração fosse
aplicável ao caso, o Ministro Raul Araújo entendeu que a Constituição
brasileira veda a extradição de brasileiro nato, de modo que a transferência da
execução penal para o Brasil só pode ser imposta ao brasileiro naturalizado,
nos casos em que seja possível a extradição.
O julgamento da Corte Especial teve
votações distintas em relação à homologação da sentença estrangeira; à fixação,
pelo STJ, do regime de cumprimento da pena, e à necessidade de aguardar o
trânsito em julgado da homologação para início da execução da condenação.
Adiante indica-se como ficaram os votos
em cada uma das votações realizadas durante o julgamento:
1) Votação sobre o pedido de homologação
da sentença:
Votaram pela homologação: Ministros
Francisco Falcão (relator), Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe
Salomão, Mauro Campbell Marques, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira,
Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Junior; votaram pela não homologação[4]: Ministros Raul Araújo e
Benedito Gonçalves.
2) Votação sobre a possibilidade de o
STJ fixar o regime de cumprimento da pena e pela necessidade de se aguardar o
trânsito em julgado da decisão de homologação para execução da pena:
Votaram pela desnecessidade de trânsito
em julgado e pela possibilidade de fixação imediata de regime: Ministros
Francisco Falcão, Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão,
Benedito Gonçalves e Ricardo Villas Bôas Cueva;
Votaram pela possibilidade de fixação de
regime e necessidade de trânsito em julgado da homologação: Ministros Mauro
Campbell Marques, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira;
Votou pela impossibilidade de fixação de
regime e pela necessidade de trânsito em julgado da homologação: Ministro
Sebastião Reis Junior;
Votou pela vedação ao STJ de analisar
qualquer tema que não seja a homologação ou não da sentença estrangeira: Ministro
Raul Araújo.
A decisão do Superior Tribunal de
Justiça na HDE 7.986 (caso Robinho) é um marco na assistência jurídica
internacional em matéria penal.
O STJ mantendo uma tradição de abertura
à cooperação internacional iniciada com a Resolução 9/2005 (sugerida pelo
saudoso Ministro Gilson Dipp), sobre
auxílio direto; consolidada por Teori Zavascki no caso Berezovsky
(MSI/Corinthians; Recl. 2.645/SP, de 2009); renovada pelo Ministro Ribeiro
Dantas e outros juízes da Corte na definição do princípio lex diligentiae[5]
em matéria probatória transnacional; e agora reforçada magnificamente pelo Ministro
Francisco Falcão (juiz com nome de craque) e os outros julgadores que formaram
a maioria no caso Robinho para reconhecer a sentença penal italiana que o
condenou por estupro. Este julgado afastou uma visão puramente soberanista da
jurisdição penal e deu relevo à posição da vítima na cooperação jurídica
internacional, sem privar o sentenciado de suas garantias judiciais.
O presente precedente jurisprudencial
ora sedimentado avançou na posição do STJ porque proferida pelo seu principal
órgão colegiado, a Corte Especial.
Anteriormente, o STJ só havia atuado
apenas monocraticamente por sua presidência, conforme o Regimento Interno, vez
que não ocorreram as impugnações defensivas. E, todos os impedimentos arguidos
pela defesa do ex-jogador foram afastados pelo STJ.
A decisão colegiada na HDE 7.986 terá
impacto positivo imediato no caso Falco — também condenado em Milão por
estupro; foi correu de Robinho; e é parte da HDE 8.016) — e num fato igualmente
chocante, o caso Narbondo, que diz respeito ao coronel Pedro Antonio Mato
Narbondo, brasileiro nato condenado na Itália por homicídios cometidos na
Argentina durante a ditadura militar dos anos 1970, no contexto da Operação
Condor.
O dever de realização de um processo
justo e célere não cabe apenas ao corpo
judiciário, mas sim às partes litigantes e a todos os sujeitos processuais.
Nessa acepção, Dallari (1996) demonstra
que a formação dos três poderes como é estruturado atualmente são impróprios para a realidade
global da contemporaneidade. Isto porque antes imaginava-se um Estado mínimo, com poucas
demandas depositadas a si, até mesmo porque uma parcela ínfima da população tinha acesso e
garantia aos seus direitos e exigibilidade.
Com esse sentido, a estrutura atual não
comporta o peso da responsabilidade jurídica apenas sobre o Estado, sendo mister que a sociedade
reconheça seu papel como agente atuante para
efetivação de seus direitos, sempre dentro dos limites estabelecidos em lei.
O STJ não julgou novamente Robinho pelo
crime de estupro. A análise sobre a homologação da sentença avaliou se a
decisão estrangeira cumpriu requisitos estabelecidos na legislação brasileira[6] e se foram observadas as
devidas regras do processo, como ter sido proferida por autoridade competente,
por exemplo.
Há quem argumente que o Código Penal não permite a homologação da
sentença estrangeira para o cumprimento, no Brasil, de pena privativa de
liberdade. Dessa maneira, deve-se coordenar a aplicação conjunta de ambas as
legislações, sem que ocorra sobreposição de uma sobre a outra. Como bem
lembrado pelo ex-Ministro Eros Grau "(…) cada norma é parte de um todo, de
modo que não podemos conhecer a norma sem conhecer o sistema, o todo no qual
estão integradas".[7]
Quanto ao caso de condenação imposta
pelo Poder Judiciário italiano, necessário apontar a inexistência de tratado
entre o Brasil e a Itália para a execução de condenações criminais, tanto que o
Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Itália definiu,
em seu artigo 1º, §3º, que "a cooperação não compreenderá a execução de
medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações".
Na visão de André Fini Terçarolli e
Frederico Ma eventual decisão judicial franqueando a transferência da execução
de pena imposta no estrangeiro em desfavor de brasileiro nato para o Brasil
afrontaria o próprio artigo 100 da Lei de Imigração e o artigo 9º do Código
Penal brasileiro.
A defesa de Robinho tem o direito de
pedir um habeas corpus e já foi sinalizada a intenção de emitir o
pedido. Esse pedido será feito ainda no (20 de março de 2024), segundo o
advogado de Robinho, José Eduardo Alckmin. Ele acredita que há chance de
emissão do documento ainda hoje.
Se não acontecer, "eventuais
recursos ao STF ou embargos ao próprio STJ, ao que parece, serão apreciados com
o ex-jogador preso em regime fechado", diz o advogado criminalista João
Marcello ao Lei em Campo. Robinho também tem a opção de recorrer ao Supremo
Tribunal Federal (STF).
Segundo Valério Mazzuoli tanto à luz de
tratado internacional específico entre Brasil e Itália, quanto da Lei de
Migração brasileira cuja regra se ampara em mandamento constitucional, não será
juridicamente possível o ex-jogador brasileiro condenado na Itália cumprir a
pena no Brasil.
Afinal, o instituto da transferência da execução não representa uma alternativa às hipóteses quando não cabe a extradição de nacionais e sim, medida coerente com todas as demais normas da Lei de Migração, desde muito tempo há tradição do direito brasileiro que impede ações restritivas transfronteiras quando vedada a extradição de brasileiros natos.
Referências
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pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um
conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. 4. reimpressão. Belo
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juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
DEMARCHI, Clovis. As metas do CNJ:
controle e parâmetro para o prazo razoável do processo e o princípio da eficiência. Revista
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GRAU, Eros Roberto. O direito posto e
o direito pressuposto. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
IV Congresso de Processo Civil
Internacional. Princípios Transnacionais do Processo Civil à Luz da
Harmonização do Direito Internacional Privado. PPGDIR. Organizadora:
Valesca Raizer Borges Moschen. Vitória, 2019.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO,
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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso
de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2019.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Transferência
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Cooperação Judiciária Penal entre Brasil e Itália. Revista do Ministério Público RS, Porto
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STJ Notícias. STJ valida sentença da
Itália que condenou Robinho por estupro e determina imediato início da execução
da pena no Brasil. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/20032024-STJ-valida-sentenca-da-Italia-que-condenou-Robinho-por-estupro-e-determina-imediato-inicio-da-execucao-da-pena.aspx
Acesso em 21.3.2024.
REZEK, José Francisco. Direito
internacional público: curso elementar.17. ed. São Paulo: Saraiva , 2018.
TERÇAROLLI, André Fini; Ma, Frederico.
"Caso Robinho": transferência da execução penal é impossível.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-21/tercarolli-ma-robinho-transferencia-execucao-impossivel/ Acesso em 21.2.2024.
WYDRA, Milena. A homologação de
sentença estrangeira. Migalhas de Peso. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/394620/a-homologacao-da-sentenca-estrangeira
Acesso em 21.3.2024.
Notas:
[1]
Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a
autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução
da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.
Parágrafo único. Sem
prejuízo do disposto no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os
seguintes requisitos:
I - o condenado em
território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo
pessoal no Brasil;
II - a sentença tiver
transitado em julgado;
III - a duração da
condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano,
na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV - o fato que originou a
condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e
V - houver tratado ou
promessa de reciprocidade.
[2]
Lei de Migração e do seu regulamento é relevante porque a nova lei é
considerada um avanço das políticas migratórias no Brasil, já que significou o
abandono de um viés unicamente voltado para a defesa nacional e à proteção do
trabalhador nacional que se estendia desde a época da ditadura militar em
relação ao imigrante. Dessa forma, o legislador brasileiro alinhou a política
migratória sob manto protetor dos Direitos Humanos e da Constituição Federal de
1988, que tem como princípios basilares a fraternidade e a solidariedade bem
como o combate a xenofobia e a criminalização da migração.
[3]
O estupro coletivo é uma forma de crime sexual em que duas ou mais pessoas
participam ativamente da violência sexual contra uma vítima. Diferente do
estupro simples, em que há a participação de um único agressor, no estupro
coletivo, múltiplos agressores estão envolvidos na perpetração do crime. Esse
tipo de crime é caracterizado pela conjunção carnal forçada ou por atos
libidinosos não consensuais, nos quais a vítima é submetida a violência física,
coerção, ameaças ou incapacidade de consentir devido ao uso de drogas, álcool
ou outras circunstâncias que a impeçam de resistir ou de se defender
adequadamente. Assim, o estupro coletivo é uma forma extrema de violência
sexual, em que a humilhação, a intimidação e o abuso de poder são exacerbados
pela presença de múltiplos agressores.
[4]
Após transitada em julgado, a decisão que homologar a sentença estrangeira,
cumpre ao interessado requerer, independente de petição, a extração da
"Carta de Sentença", com a qual o advogado poderá proceder à execução
da sentença estrangeira na Justiça Federal competente, aqui no Brasil.
[5]
Na operação Curaçao, a 5ª Turma do STJ aplicou o princípio da “lex diligentiae”
(a lei do Estado requerido) para validar provas obtidas no exterior e
transferidas ao Brasil mediante procedimento de cooperação jurídica
internacional. Em maio de 2021, ao julgar agravo em recurso especial relativo à
ação penal proposta no caso Banestado, o STJ voltou ao tema da lex diligentiae,
agora no contexto de comunicação espontânea oriunda dos Estados Unidos, sobre
informações bancárias remetidas diretamente à Polícia Federal no Brasil. Sobre
a decisão do STJ destaco quatro pontos: 1. A forma pela qual as provas foram
obtidas nos EUA. Ou seja, lex diligentiae. Se as provas tivessem sido
produzidas no Brasil em cooperação passiva, isto é, a pedido de autoridade
estrangeira, teriam seguido a forma da legislação brasileira. Ninguém duvida
que sejam observadas as regras do CPP e da legislação penal especial do Brasil.
Na cooperação ativa, a mesma ideia se aplica. 2. A forma de transmissão dessas
provas ao Brasil: no caso em questão a remessa dos documentos obtidos nos
Estados Unidos ocorreu por malote consular/diplomático. Não foi usado o caminho
da autoridade central, que não é o único. 3. A forma de autenticação
documental: consularização. Todos os documentos fornecidos ao Brasil pela
Promotoria de Nova York (District Attorney of New York) foram autenticados por
legalização consular (consularização), com base na Convenção de Viena de 1963 e
no Decreto 84.451/1980, então vigente, que foi revogado pelo Decreto
8.742/2016. De fato, a primeira leva de provas do caso Banestado não foi
transmitida ao Brasil por meio das autoridades centrais (Office of
International Affairs, nos EUA; DRCI, no Brasil). 4. O quarto ponto é o da
ordem pública brasileira, à luz da LINDB e da compreensão dela têm os tribunais
nacionais. Esta, como bem definiu o STJ, não foi violada. Não há dúvidas assim,
no âmbito da Corte Superior, que diligências realizadas no exterior, no âmbito
de pedidos de cooperação internacional ativo ou como precursoras de
comunicações espontâneas dirigidas ao Brasil, evidentemente devem guiar-se pelo
direito local, observando-se as regras probatórias vigentes no país onde a
prova deva ser ou tenha sido produzida.
[6] A primeira premissa está disposta no artigo
9º do Código Penal, que disciplina taxativamente as hipóteses em que a sentença
alienígena pode ser homologada no Brasil para que produza seus efeitos. Tal
norma jurídica viabiliza a homologação de sentença estrangeira exclusivamente
para eventual reparação de dano e cumprimento de medida de segurança, o que
torna clara a impossibilidade de proceder à referida medida quando voltada para
a execução de pena corporal.
A segunda premissa reflete
na necessidade de análise sobre o âmbito de incidência da Lei de Imigração,
voltada exclusivamente para tutelar e acolher apenas a figura do migrante e
visitante, de modo a resguardar os direitos e deveres para quem estiver em tal
situação jurídica. Não por outro motivo, o artigo 1º da Lei de Imigração dispõe
claramente que a "lei dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e
do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes
para as políticas públicas para o emigrante". A limitação na abrangência
da Lei nº 13.445/2017 para os migrantes e os visitantes, inclusive, é reforçada
no próprio artigo 100 do mencionado diploma legal, que dispõe claramente que o
instituto da transferência de execução da pena poderá ser solicitado ou
autorizado quando "couber solicitação de extradição executória".