A sexualidade e o Direito

O Brasil do século XXI ainda luta por um direito democrático da sexualidade.  Liberdade, igualdade e não-discriminação, bem como a proteção da dignidade humana, são os fundamentos que estruturam o desenvolvimento de um direito democrático da sexualidade, compatível com o pluralismo e a laicidade requeridas pelas sociedades democráticas contemporâneas. Há um descompasso existente entre o reconhecimento jurídico dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, por meio das três perspectivas: a da História, a da moral religiosa e, do Direito

Fonte: Gisele Leite

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A descrição sobre a história da sexualidade atualmente é complexa e multifacetada. E, de acordo com Michel Foucault[2] há o compromisso com a desnaturalização das relações entre corpo, gênero, cultura, poder e subjetividade.

A ideia de diversidade e no entendimento da sexualidade como sendo um mosaico formado em dispositivos de controle que regem as práticas dos sujeitos sociais, principalmente os situados no Ocidente, principiando na Antiguidade Clássica, percorrendo o catolicismo medieval e o Renascimento, atravessando a sociedade burguesa do século XIX e atingindo a crítica ao binarismo e o direito à pansexualidade no século XXI.

A sexualidade está longe de ser elemento central da formação identitária, não oferecendo uma perspectiva plena, sendo perpassa por conflitos de ordem moral, religiosa, científica e política, com o fito de moldar o corpo e o prazer.

A história da sexualidade foi consideravelmente reformulada nos derradeiros anos por influência de vários fatores. Enfim, o contexto contemporâneo caracteriza-se por algumas transformações profundas, como a dissociação mental e técnica entre sexualidade e procriação, as reivindicações e as leituras feministas, o olhar para as minorias sexuais que conduzem à renovação da compreensão das sexualidades nas sociedades do passado, tornadas, mais evidenciadas aos nossos olhos.

A história da sexualidade como pesquisa nasceu nos anos de 1970, no período denominado revolução sexual, preocupada com a reconstituição para o movimento das populações, a vida cotidiana dos humildes, o estado biológico das massas, ou ainda, a vida privada das pessoas.

Sobre as evoluções da população europeia desde o século XVII, graças à investigação dos registros paroquiais, os historiadores da vida privada, como Phillipe Ariès e Jena-Louis Flandrin, pesquisavam a vida familiar, os sentimentos pelas crianças pequenas, as condições em que ocorriam o parto e o aleitamento, os ritos matrimoniais, as interdições eclesiásticas, a convivência pré-nupcial, o olhar social a respeito do adultério[3] ou da prostituição etc.

Analisando as estatísticas, os estudiosos contribuíram para a explicação dos dados pesquisados, a saber, a idade no momento de núpcias, a temporada das bodas, a regularidade das concepções, o intervalo entre os nascimentos, a frequência dos nascimentos ilegítimos, tudo graças a completa renovação das fontes históricas, em que se cruzavam provérbios, mandamentos episcopais, manuais de confessores, legislação real, tratados de pedagogia e até livros contábeis. E, foi com essas fontes inesperadas que os novos temas vieram à baila, particularmente, quanto aos desvios sexuais, que como foram documentados nos tratados de medicina e nos arquivos judiciais.

Foi na Idade Moderna que ocorreu o grande desafio que a necessidade de esclarecer o processo da transição demográfica do século XVIII representava para os historiadores e foi o laboratório da história da sexualidade, o estudo do século XIX tomou vias paralelas, as da história social, a história das sensibilidades, da história das representações e das mulheres.

O século do romantismo propiciou o aprofundamento de sentimentos, o surgimento do romance realista e do decandentismo, da Revolução Industrial e do triunfo da medicina, o século XIX deixou para a posteridade grande número de imagens da sexualidade conjugal, extraconjugal e prostitucional que tanto serviram para os historiadores como Alains Corbin ou Anne-Marie Sohn[4] se dedicaram a decifrar, explicar e periodizar.

O século XIX foi não apenas provedor de representações sexuais, mas também inventou novas disciplinas acadêmicas dedicadas ao estudo dessa vida sexual, com as ciências médicas, do higienismo à sexologia, as ciências da psiquê, da psiquiatria à psicanálise freudiana.

Foi no século XIX que a palavra "sexualidade" apareceu, o que durante muito tempo fora inominável e começou a ser designada como atividade específica e delimitada, pois se elaboraram novas taxonomias que nomearam, uma a uma, sobre as práticas as perversões e os indivíduos que se dedicaram a estas.

Na profusão dos discursos sobre o sexo no século XIX que Michel Foucault deu destaque em sua "História da sexualidade", publicada a partir de 1976, bem como ao paradoxo de uma época na qual a proliferação dos discursos era acompanhada de uma censura moral reiterada, viva e onipresente do sexo.

Ainda se questiona sobre a posterioridade contemporânea sobre esse paradoxo, o século XIX trouxe à lume os dispositivos de controle (religiosos, científicos e políticos) sobre o corpo e a sexualidade, desvendado o empreendimento científico de categorização da sexualidade, valendo-se de uma história da subjetividade.

Sublinha-se ainda que a atenção de Michel Foucault à estilização da sexualidade proposta pelos pensadores da Antiguidade foi substituída por pesquisas sobre o sentido das palavras usadas pelos antigos para designar atividades sexuais, sob uma perspectiva de análise linguística e discursiva e, também sobre as categorias de apreensão da sexualidade próprias das sociedades antigas, sociedades que se situam antes da sexualidade ou before sexuality, de acordo com título de uma recente coletânea de abordagens desse tipo.

Quanto as relações entre pessoas do mesmo sexo, em face da ausência de terminologia nas sociedades antigas, foi objeto de muitos estudos até a Alta Idade Média[5] e mesmo depois desta.

Ao menos até o século XVIII, tais relações poderiam ser qualificadas como antes da homossexualidade. Foucault expôs a transposição das morais antigas feita pelos Padres da Igreja e hoje publicadas sob o título “As confissões da carne”, os  historiadores medievalistas enfocaram com atenção às complexas adaptações das normas e dos imaginários vigentes do casamento e da sexualidade e, mesmo trouxe reciclagem das noções jurídicas romanas no direito canônico, sem ocultar a relevância existencial do pecado e da falta para os medievais.

Enfim, traçar a história da sexualidade nos dias contemporâneos é abordar as múltiplas heranças, uma história das sexualidades que considera tanto a diversidade das práticas sexuais, em razão da idade, sexo, orientação  sexual e legitimidade dos parceiros, como formas históricas de estilização da sexualidade conforme a época.

Portanto, a sexualidade tida como fato social total encontra-se justamente na intersecção de variados tipos de abordagens históricas, a saber: sociais, antropológicas, culturais, linguísticas e até jurídicas.

A história da sexualidade do início do século XXI[6] também não pode dispensar as ferramentas criadas no campo da história do gênero, desconstruindo as categorias do senso comum para  atender ao questionamento das categorias enfocadas nos objetos históricos.

Ademais, a evidenciação do caráter cultural de fatos aparentemente naturais, na realidade, apenas naturalizados e, a problemática dos dispositivos de poder que é comum a todo o estudo.

Aliás, no vasto rol de violências sexuais, escravidão e exploração sexual, e da repressão das práticas sexuais minoritárias consideradas como pervertidas estão evidentemente ligados a tal problemática.

Selecionamos sete desses direitos para reforçar a importância do conhecimento e respeito.

1. União Estável

O Supremo Tribunal Federal em 2011, reconheceu o direito as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo.

2. Detentas

Presidiárias transexuais femininas têm o direito de serem transferidas para presídios femininos.

3. Transfobia e homofobia

A transfobia e a homofobia são consideradas crimes e podem levar até cinco anos de prisão.

4. Identidade de gênero

O STF reconheceu o direito à retificação do nome[7] de pessoas transexuais, desta forma, qualquer cidadão trans que deseja realizar a troca de nome na documentação, poderá fazer a alteração.

Além disso, o registro de nascimento do filho também pode ser multiparental, isto é, conter o nome de duas mães, ou dois pais no registro.

5. Doação de Sangue

O poder público tem o dever de garantir políticas públicas de saúde que sejam igualitárias a todos os cidadãos, independente de raça, cor, nacionalidade, gênero ou orientação sexual.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal analisou a proibição de doação de sangue por homens gays como inconstitucional, sendo assim, a doação já é possível.

6. Adoção

Reconhecido por lei o direito à adoção para casais homoafetivos.

7. Liberdade de Expressão e Educação de Gênero

A igualdade de gênero é uma prioridade global da UNESCO, que visa promover o direito à educação a desconstrução de discriminação. A educação somada a representatividade, e políticas públicas eficazes, transformam o papel do jovem na sociedade, combatendo qualquer preconceito, dogma, violência de gênero, feminicídio, transfobia e homofobia.

A divulgação e ampliação de políticas públicas de combate à desigualdade das minorias é um dever do Estado e de toda a população brasileira. Defendendo isso, a Fundação 1º de Maio acredita que o melhor caminho para o bem-estar político e social é a igualdade, respeito e inclusão de toda a comunidade LGBTQIA+.[8]

Cumpre destacar a  promulgação da Lei 14.245, conhecida como Lei Mariana Ferrer[9], que protege vítima de crimes sexuais[10] em audiências. A Lei foi sancionada em novembro de 2021 em decorrência de um julgamento de crime de estupro, em que, não somente, não condenou o réu como resultou em uma sequência de agressões que humilharam a vítima durante todas as fases processuais, principalmente na audiência, sendo a vítima Mariana Ferrer intimidada e culpabilizada pelo estupro ocorrido.

E, também a Lei 10.948/2001 que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual e dá outras providências.

O Estatuto da Juventude, instituído pela Lei 12.852/2013, como sendo a única lei a nível nacional que trata do assunto. Essa legislação aborda a proteção da juventude no que se refere à orientação sexual e ao gênero.

A Lei 18.447 de 18 de março de 2015 - Publicada no Diário Oficial nº. 9414 de 19 de março de 2015 - Instituiu a Semana Estadual Maria da Penha nas Escolas, a ser realizada anualmente no mês de março nas escolas estaduais.

A Human Rights Watch entrevistou 56 (cinquenta e seis) professores de escolas públicas, especialistas em educação, representantes de secretarias estaduais de educação e organizações da sociedade civil. Entrevistas com 32 (trinta e dois) professores de escolas públicas de 8 (oito) Estados do Brasil[11] revelaram que eles tinham medo ou hesitavam abordar gênero e sexualidade em sala de aula devido aos esforços legislativos e políticos para desacreditar tal material.

Professores disseram que que sofreram assédio por abordarem gênero e sexualidade, inclusive por representantes eleitos e membros da comunidade. Alguns professores enfrentaram processos administrativos por abordarem esse tema, enquanto outros foram intimados a prestar depoimento à polícia e outras autoridades.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões históricas derrubando oito leis que proibiam a educação sobre gênero e sexualidade. O STF considerou que as proibições violavam os direitos à igualdade, à não discriminação e educação, entre outros. Pelo menos quatro casos semelhantes aguardam julgamento.

O STF[12] tem sido importante órgão de contenção dessas propostas legislativas, mesmo quando o governo Bolsonaro esteve buscando intimidar o Tribunal e ameaçado e insultado ministros do Supremo, segundo a Human Rights Watch. Mas algumas câmaras municipais continuam a aprovar leis que proíbem a educação sobre gênero e sexualidade.

Em março de 2022, por exemplo, a cidade de Sinop, no Mato Grosso, aprovou uma lei proibindo professores de divulgarem informações sobre “ideologia de gênero”[13], orientação sexual e direitos sexuais e reprodutivos em todas as escolas municipais.

A legislação e as diretrizes educacionais brasileiras, tanto em nível federal quanto estadual, exigem a educação sobre gênero e sexualidade. De acordo com o direito internacional, o direito das crianças à educação integral em sexualidade é um elemento essencial do direito à educação.

Em sua essência, a educação integral em sexualidade consiste na oferta de um currículo de ensino apropriado a cada idade, com conteúdos afirmativos e cientificamente precisos, que possam ajudar a promover práticas seguras e informadas visando prevenir a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

São direitos de todo ser humano, a dignidade, a liberdade, a autonomia e a saúde de todas as pessoas. Os direitos sexuais dizem respeito a garantia do exercício da sexualidade de forma livre, autônoma e informada.

Direitos sexuais correspondem ao direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do(a) parceiro(a). Direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual. Direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças.

Direito de viver a sexualidade independentemente de estado civil, idade ou condição física. Direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual. Direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outras. Direito de ter relação sexual independente da reprodução.

Direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS. Direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem discriminação. Direito à informação e à educação sexual e reprodutiva.

Referências

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 4: As confissões da carne. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020.

GONÇALVES, Beatriz. Conheça 7 direitos de pessoas LGBTQIA+ no Brasil. Disponível em: https://www.fundacao1demaio.org.br/7-direito-de-lgbtqia-no-brasil/ Acesso em 19.3.2024.

HUMAN RIGHTS WATCH. Brasil: Ataques à Educação sobre Gênero e Sexualidade. Rejeite Projetos e Leis Discriminatórias, Apoie os Professores. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/news/2022/05/12/brazil-attacks-gender-and-sexuality-education Acesso em 19.3.2024.

MIGALHAS. Da Redação. Estupro. Anuário de segurança pública: Brasil tem recorde de crimes sexuais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/390309/anuario-de-seguranca-publica-brasil-tem-recorde-de-crimes-sexuais Acesso em 19.3.2024.

STEINBERG, Sylvie.(Organização). Uma História das Sexualidades. São Paulo: Edições SESC, 2021.

Notas:


[1] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais. Queer. Intersexuais. Assexuados e Pansexuais.

[2]  "Michel Foucault foi filósofo, professor, psicólogo e escritor francês. Dono de um estilo literário único, Foucault revolucionou as estruturas filosóficas do século XX ao analisá-las por meio de uma nova ótica. Profundamente influenciado por Nietzsche, Marx e Freud, o filósofo contemporâneo também recebeu influências do filósofo e amigo Gilles Deleuze, da medicina e da psiquiatria." "Podemos dividir o trabalho de Foucault em três partes distintas: uma produção que perdurou até a década de 1960, em que ele faz o que chamou de "arqueologia" das ciências humanas, da literatura, da escrita e do pensamento em geral; uma segunda fase, já nos anos 70, na qual o pensador preocupou-se com as formas de subjetivação e poder, tecendo análises filosóficas mediante o método genealógico; por último, a fase em que escreveu O cuidado de si, como o terceiro volume publicado da coletânea História da Sexualidade." "Em 1975, ele publicou Vigiar e Punir - a história da violência nas prisões. No ano seguinte, publicou o primeiro volume da coletânea História da Sexualidade, intitulado A vontade de saber. Em 1984, publicou os dois últimos volumes da série, que deveria conter seis volumes, intitulados O uso dos Prazeres e Cuidado de Si. O motivo da interrupção do trabalho foi a morte do pensador aos 57 anos de idade. A sua morte decorreu de complicações causadas pela aids. Amado por uns e odiado por outros, por conta de seus escritos, de sua visibilidade nos anos 70 e de sua atuação política, sempre voltada para a esquerda (mas sempre recebendo, também, duras críticas de pensadores e ativistas da esquerda), Foucault foi um dos filósofos mais aclamados do século XX."

[3] A origem da palavra adultério vem da expressão latina “ad alterum torum” que significa “na cama de outro(a)”. O termo adultério pode ser usado tanto para definir a infidelidade em um relacionamento entre dois indivíduos quanto, em sua forma verbal ou adjetiva, para se referir a algo que foi “fraudado” ou “falsificado” (adulterar/ adulterado). Neste artigo iremos nos ater a abordar o termo em seu sentido original, o de infidelidade conjugal. O ato do adultério sempre foi encarado de maneiras distintas por diversas sociedades, sendo tratado com o mais extremo rigor por algumas e considerado como um ato totalmente aceitável por outras. Estas mudanças de comportamento podem ser observadas através das alterações no próprio ordenamento jurídico; para exemplificar podemos citar as alterações ocorridas na legislação brasileira, que, no Código Penal de 1940, classificava o adultério como um crime, punindo os adúlteros com até 6 (seis) meses de reclusão. Apenas em 2005, com a promulgação de Lei 11.106, que alterou diversos artigos do Código Penal de 1940, o adultério deixou de ser considerado um crime, no entanto, continua sendo causa válida para a dissolução do vínculo conjugal, como dispõe o artigo 1.573 do Código Civil Brasileiro. Teoricamente, a diferença entre traição e adultério é insignificante, porém, juridicamente, considera-se adultério o relacionamento extraconjugal em que tenha ocorrido o “coito”, ou seja, não há adultério sem que haja o contato físico entre as partes e, ainda, o adultério é considerado um “delito de concurso necessário”, ou seja, só pode ser cometido por duas pessoas.

[4] Anne-Marie Sohn é uma historiadora francesa nascida em 1946, especialista em história do gênero e história da vida privada no mundo ocidental na era contemporânea, professora da École normale supérieure de Lyon antes de se aposentar.

[5] A Alta Idade Média é um termo utilizado pelos historiadores para referir-se a um período específico da Idade Média que se estendeu do século V até o século X. Nele a Europa Ocidental passou por inúmeras transformações devido à desagregação do Império Romano do Ocidente e ao estabelecimento dos povos germânicos. A Alta Idade Média foi, portanto, marcada pelo crescimento do feudalismo, pela ocorrência de diversos impérios (como os Francos e os Bizantinos), pelo fortalecimento massivo do catolicismo (que se tornou quase uma entidade, como um rei, no período) e o surgimento de novas religiões, como é o caso do islamismo.

[6] A importunação sexual e o assédio sexual são crimes contra a liberdade sexual. A importunação sexual trata de crime mais grave e, portanto, com pena mais severa, que vai de 1 (um) a 5 (cinco) anos. O artigo 215-A do CP também condena a prática do ato libidinoso (que tem objetivo de satisfação sexual) na presença de alguém, sem sua autorização. Por exemplo: apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros. O assédio sexual exige que o criminoso use sua condição de ocupar cargo superior no local de trabalho de ambos, com objetivo de constranger a vítima a lhe conceder vantagem sexual. Por exemplo, chefe que ameaça demitir secretária, se ela não atender seus convites para saírem juntos. A pena prevista para esse crime vai de 1 (um) a 2 (dois) anos de prisão e pode ser aumentada em até 1/3, caso a vítima seja menor de dezoito anos.

[7]  No dia 1º março de 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito das pessoas trans, independentemente  de cirurgia de transgenitalização ou da  realização de tratamentos hormonais, à  substituição de nome e gênero diretamente  no registro civil. A partir da decisão, toda  pessoa trans interessada em alterar seu  nome e gênero tem o direito de fazê-lo  diretamente no cartório. Em junho de 2018 o Conselho Nacional de  Justiça (CNJ) regulamentou  o passo a passo  para a alteração (também chamada de  retificação) do nome e gênero de pessoas  trans diretamente no Cartório de Registro  Civil de Pessoas Naturais (RCPN) adequado,  podendo ser aquele em que o requerente  tenha seu nascimento registrado ou naquele  mais próximo de seu domicílio

[8]Além dessas letras, que são as mais comuns, atualmente, há algumas correntes que indicam para uma sigla completa. É composta por: LGBTQQICAAPF2K+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Questionando, Intersexuais, Curioso, Assexuais, Aliados, Pansexuais, Polissexuais, Familiares, 2-espíritos e Kink).

[9] A Lei 14.245/21 ganhou o epíteto de Lei Mariana Ferrer devido a um episódio em que uma mulher que acusava um indivíduo da prática de estupro foi questionada de forma bastante incisiva, até agressiva, pelo advogado do réu, relativamente a questões de caráter pessoal e conduta que não estavam diretamente ligadas ao episódio em apuração. Inobstante tenha ocorrido a absolvição do imputado e restada afastada a narrativa da sedizente vítima, a cena de constrangimento na inquirição ganhou as redes sociais e a grande mídia, resultando na elaboração do diploma legal ora enfocado.

[10] Os crimes sexuais incluem: estupro, violação sexual mediante fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, mediação para servir à lascívia de outrem, casa de prostituição, rufianismo, promoção de migração ilegal e ato obsceno.  Os crimes sexuais são sempre extremamente violentos, causando traumas físicos e psicológicos graves na vítima e comoção na sociedade. É importante lembrar que a vítima nunca é culpada, e é de extrema importância que ela procure atendimento médico o mais rápido possível.

[11] Em 2022, o Anuário de Segurança Pública> Brasil tem recorde de crimes sexuais. Foram registrados 74.930 estupros em 2022, mas de 205 por dia. Isto significa dizer que 24,2% das vítimas eram homens e mulheres com mais de 14 anos, e que 75,8% eram incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.). O relatório destaca a questão da subnotificação, e que o número pode representar bem menos do que a quantidade real de crimes desse tipo. Uma das hipóteses para o crescimento percebido no gráfico é que estamos diante de um aumento das notificações, já que as vítimas estão mais informadas e empoderadas. "É inegável o efeito de campanhas como a #PrimeiroAssédio, promovida pela organização Think Olga, que viralizou nas redes sociais em 2015 e resultou em mais de 82 mil compartilhamentos em apenas cinco dias."

[12] O STF em 13.6.2019 determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passou a ser crime. Dez dos onze ministros reconheceu haver uma demora inconstitucional do Legislativo em tratar do tema. Somente o Ministro Marco Aurélio discordou. Diante desta omissão, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião e procedência nacional". Votaram assim Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio disseram isso criaria um tipo de crime, o que cabe exclusivamente ao Congresso.

[13] A filósofa Arlene Bacarji, por exemplo, define ideologia de gênero como: “Uma “ideologia” que atende a interesses políticos e sexuais de determinados grupos, que ensina, nas escolas, para crianças, adolescentes e adultos, que o gênero (o sexo da pessoa) é algo construído pela sociedade e pela cultura, as quais eles acusam de patriarcal, machista e preconceituosa. Ou seja, ninguém nasce homem ou mulher, mas pode escolher o que quer ser. Pois comportamentos e definições do ser homem ou mulher não são coisas dadas pela natureza e pela biologia, mas pela cultura e pela sociedade, segundo a ideologia de gênero.” Ela afirma que “temos de entender que existem os aspectos biológicos que não podem ser negados, eles são reais e dados. Loucura são as vezes que escapamos da realidade para fazer de nossas fantasias, alucinações e delírios uma realidade”.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Sexualidade Direitos Sexuais Direitos Reprodutivos Dignidade Humana Pessoas LGBTQIAP+[1]

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