Risco social ou vulnerabilidade
A responsabilidade social em saúde exige bem mais que a responsabilização dos Estados na estruturação de políticas públicas, o que exige estratégias sociais no âmbito nacional ou internacional que diminuam ou eliminem as desigualdades e promovam o bem-estar dos vulneráveis. Afinal, vulnerabilidade e integridade devem ser reconhecidas como dimensões intrinsecamente humanas, sendo componentes da identidade individual que devem ser consideradas em todas as funções
Realmente,
o conceito de vulnerabilidade merece uma revisão doutrinária e jurisprudencial,
principalmente, diante de documentos internacionais. E, os avanços tecnológicos
e científicos no século XX suscitaram novas formas de vulnerabilidade onde
restam evidentes as causas sociais, políticas e ambientais que traduzem e
perfazem a vulnerabilidade social.
A
vulnerabilidade humana deve ser considerada na aplicação e no progresso do
conhecimento científico, das práticas médicas, clínicas e de tecnologias associadas,
pessoas e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a
integridade individual deve ser respeitada.
O vocábulo
"integridade" é de origem latina, do adjetivo integer, que
significa “não tocado, integral” quanto
do substantivo integritas, que significa “totalidade, integridade”.
O
substantivo “integridade” evoca o estado em que todas as partes são mantidas, além da qualidade do que não é
alterado, gerando, assim, igualmente o
adjetivo “íntegro”.
Segundo
a Declaração de Helsinki, a integridade aparece como atributo de
inviolabilidade do sujeito de pesquisa que não pode ser desrespeitado.
Na
DUBDH, a integridade diz respeito à totalidade do indivíduo, aos aspectos fundamentais da vida humana que devem ser
respeitados. Portanto, não está relacionada
a virtude, honestidade, caráter moral ou bom comportamento de alguém.
O
artigo 8º da DUBDH foi estrategicamente disposto após os artigos 6º e 7º, que tratam respectivamente do consentimento e
de indivíduos sem capacidade para
consentir, no intuito de abranger situações em que esses dois princípios se
mostram insuficientes. Pessoas sem capacidade para consentir são aquelas que a princípio são autônomos e
têm capacidade para consentir, mas que
estão sob influência de fatores que impedem sua independência com relação a qualquer tipo de controle
O
Relatório Belmont de 1978 trouxe princípios éticos[1] e diretrizes sobre a
proteção sujeitos humanos, já tratava sobre a vulnerabilidade das pessoas de
forma específica e relativa (de caráter voluntário) e da população relacionada
à avaliação de riscos e benefícios. a importância da proteção de pessoas ou
grupos por meio da exigência ampla e
rigorosa do consentimento informado.
Isso
implicava o cumprimento do princípio da autonomia, compreendida como capacidade
de autodeterminação, rejeitando o protecionismo paternalista.
Somente
em 1996 aparece para classificar sujeitos de investigação em termos
particulares e relativos, enunciando a necessidade da sua adequada proteção. A Declaração
Universal sobre o Genoma Humano e os
Direitos Humanos e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos fazem referência à integridade no
sentido deontológico.
Isto é,
as declarações descrevem grupos
vulneráveis, indivíduos e famílias como merecedores
de especial atenção a partir do desenvolvimento da responsabilidade, virtude ou
moral do pesquisador diante das questões suscitadas devido a implicações éticas e sociais das pesquisas
genéticas.
A
sociedade deve exigir o cumprimento da
moralidade e da eticidade por parte dos diferentes atores, garantindo a integralidade, ou seja, agir
corretamente no desempenho do presente artigo jurídico.
Na
Declaração de Barcelona (1978) que tinha quatro princípios fundamentais
(autonomia, dignidade, integridade e vulnerabilidade) para uma política europeia conjunta em matéria
de bioética e biodireito, a vulnerabilidade foi apresentada como objeto a ser desenvolvido pela bioética e princípio a ser
respeitado.
Já as
Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho de Organizações
Internacionais de Ciências Médicas em colaboração com a Organização Mundial de
Saúde, também faz referência à
vulnerabilidade. Descrevem-na como categoria de indivíduos, sujeitos, pessoas,
grupos, populações ou comunidades
incapazes de proteger seus próprios interesses, restringindo-se ao campo da
experimentação humana.
Inicialmente,
o artigo 8º da DUBDH não fazia parte dos projetos preliminares do Comitê
Internacional de Bioética e só foi aceito na última sessão da reunião
intergovernamental das câmaras técnicas.
A
DUBDH enxerga integridade como a unidade de uma pessoa compreendida na pluralidade de suas dimensões (física,
psicológica, social e espiritual) que não podem ser feridas.
O
dever do respeito pela integridade individual afirma a obrigação de se
considerar a vulnerabilidade inerente a todos os seres humanos, como também de
priorizar indivíduos e grupos
vulneráveis. A compreensão do paciente acerca de sua própria vida, de sua
doença, de seus interesses e de suas escolhas
devem ser respeitadas.
O
relatório do Comitê Internacional de Bioética da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a
Cultura (Unesco), publicado em 2013, reconheceu
duas categorias fundamentais de vulnerabilidades específicas: a especial e a social. A primeira pode ser
temporária ou permanente, causada por
incapacidades, doenças ou limitações dos estágios da vida.
A
segunda categoria, por determinantes políticos e ambientais, aparece por
intermédio da cultura, da economia, das
relações de poder ou desastres naturais.
Para a
bioética a noção de vulnerabilidade não é evidente. Recorre-se à condição
existencial de pessoas e grupos populacionais expostos em certas circunstâncias
de desamparo.
Reconhece-se
a complexidade do princípio do respeito à vulnerabilidade sofrendo de
bipolaridade sem lítio quando As concepções amplas referem-se ao reconhecimento do princípio como
a base de toda a ética, considerando-o
como o mais importante da bioética por expressar ontologicamente a finitude da condição humana.
Ou seja, vulnerabilidade como aspecto inerente ao ser humano.
Por
ser capaz de aproximar estranhos morais em uma sociedade plural, o conceito
deve ser visto como princípio biopolítico medular do Estado de bem-estar moderno. A crítica dessa
concepção demasiadamente genérica é o esgotamento de sua força moral. Em
contrapartida, as concepções restritas
podem ser baseadas no consentimento ou no dano.
Geram
o problema de não abarcar todo o aspecto da vulnerabilidade na investigação médica e na prática clínica,
além de criar estereótipos, não havendo distinção entre quais pessoas do grupo
devem e quais não devem ter as
características especiais levadas em consideração.
Schramm
e Kottow diferenciam os conceitos de vulnerável e vulnerado. O primeiro doutrinador assinalou
característica universal de qualquer organismo, vista como potencialidade, fragilidade, e não
estado de dano.
Já
vulnerado se refere à situação de fato, de dano atual que tem consequências relevantes no
momento da tomada de decisão. Em vista dos danos sofridos, as vulnerações requerem cuidados
especiais por instituições sociais organizadas.
Ou
seja, é necessário que a sociedade
instale serviços terapêuticos e de proteção, como serviços sanitários, assistenciais, educacionais etc., para
diminuir e remover danos a fim de empoderar os desfavorecidos[2].
Requer
ações negativas por parte do Estado, visando a proteção equitativa dos
indivíduos contra danos para impedir que
sua vulnerabilidade seja transformada em
lesão à sua integridade
Essa
vulnerabilidade é diminuída respeitando os direitos humanos básicos em ordem social justa. Requer ações
negativas por parte do Estado, visando propiciar a proteção equitativa dos
indivíduos contra danos para impedir que
sua vulnerabilidade seja transformada em lesão à sua integridade.
O
artigo 17 da DUBDH para a proteção do meio ambiente, da biosfera e da
biodiversidade no acesso e uso de recursos que comprometam as condições de vida em nosso
planeta. Porém, a dimensão ética continua antropocêntrica tanto pela dificuldade
de se instituir o valor moral da natureza quanto pelo poder que tem o homem
para destruir o todo existente, enfatizando o dever moral humano de zelar pelo
respeito à vulnerabilidade e integridade.
A
articulação das funções anteriores trouxe a noção de vulnerabilidade como
princípio. Formula a obrigação da ação moral, que:
“Excede a lógica preponderante da
reivindicação dos direitos que assistem às pessoas e anuncia a lógica da
solicitude dos deveres que a todas competem, visando a complementaridade entre
uma consolidada ética dos direitos, firmada na liberdade do indivíduo e
desenvolvida pelo reforço da autonomia, e uma urgente ética dos deveres,
firmada na responsabilidade do outro e desenvolvida pelo reforço da
solidariedade”.
Observa-se
que de característica condicional e temporária, a vulnerabilidade se tornou
condição universal, permanente. De fator
de diferenciação, quando não de discriminação entre populações e indivíduos,
tornou-se fator de igualdade. De consideração privilegiada no domínio da
experimentação com humanos, ganhou constante atenção no âmbito da assistência clínica e de políticas de saúde. Da exigência
da autonomia e da prática do consentimento esclarecido, passou a exigir responsabilidade e solidariedade.
Assim,
a DUBDH se tornou o primeiro passo em nível mundial de criação de conceito de
vulnerabilidade moralmente sustentável.
O respeito à vulnerabilidade aparece como proposta para a bioética global, em
que existe pouco consenso diante do
pluralismo moral nas maiorias das democracias atuais .
Eos
que Cunha e Garrafa, analisando conceitos de vulnerabilidade por meio de cinco perspectivas
regionais (Estados Unidos, Europa, América Latina, África e Ásia) sobre bioética, concluíram que vulnerabilidade
é princípio fundamental para a bioética global.
As
relações assimétricas de poder se sobressaem quando a vulnerabilidade é
ocultada. Isso porque, ao se ocultar a vulnerabilidade, ocultam-se também suas
causas sociais, daí a grande valorização da autonomia como expressão do poder. No
entanto, é sabido que poder não é o mesmo que autonomia. Assim:
A
tentativa de ocultar as causas da vulnerabilidade leva a fazer da autonomia um
discurso de responsabilização das vítimas por suas próprias feridas. Em escala
política, vemos este discurso da autonomia entregar grupos sociais e nações
inteiras às suas próprias condições de pobreza e sendo responsabilizados por
ela 26.
O doutrinador
ainda exemplificou três cenários da relação entre vulnerabilidade e poder. O
primeiro cenário aborda as dificuldades ou o não reconhecimento dos limites das
vulnerabilidades devido aos fascinantes desdobramentos da ciência, o que nos
torna uma “sociedade de riscos”.
Já o
segundo cenário chama atenção para a concentração de poder (tanto de consumo
quanto de produção), estruturando uma sociedade sem reflexão ética que legitima
a iniquidade.
E, por
fim, a fragilidade e a vulnerabilidade do poder são vistas nas guerras, no
terrorismo, nas disputas econômicas e políticas entre nações e na estruturação
das iniquidades sociais.
Schramm comentou os conflitos morais da bioética
vivenciados nas práticas sanitárias públicas. Paradoxalmente, essas práticas
podem levar tanto a formas de inclusão quanto de exclusão pelo exercício da
biopolítica (nova forma de exercício do poder, chamado biopoder).
A
biopolítica controla indicadores epidemiológicos, endemias, epidemias,
acontecimentos que incidem sobre a segurança e o funcionamento das sociedades,
aspectos ambientais, políticas de assistência e bem-estar social, entre outros.
Assim, o doutrinador descreve as duas faces da biopolítica: a protetora e a
discriminadora.
As
derradeiras mudanças realizadas em 2008 na Declaração de Helsinki revelam o
imperialismo moral das nações desenvolvidas na adoção de critérios éticos diversos (ou
double standards) no âmbito da pesquisa clínica quando comparados a nações em desenvolvimento.
As
mudanças tratam de questões como a garantia de acesso aos melhores métodos de
tratamento disponíveis, o que possibilita o uso do double standard,
assim como a não obrigatoriedade da responsabilização dos patrocinadores pelos sujeitos de pesquisa após o término dos
estudos.
De
acordo com o Estado de Bem-Estar Social que adotou uma acepção utilitarista e
visa objetivar a maioria da população, não devendo excluir as minorias,
prevendo a justiça distributiva o que dá acesso equânime as oportunidades aos
seus cidadãos. A igualdade e justiça e equidade assumem valores fundamentais para
promover as políticas públicas direcionadas para a justiça social.
Ainda
segundo a teoria da justiça distributiva de John Rawls à área da saúde,
justifica o motivo moral pelo qual devemos obedecer ao princípio da proteção de
igualdade de oportunidades. E, de acordo com a doutrina, a saúde humana é
afetada por aspectos determinantes sociais.
E,
tais doenças e incapacidades prejudicam o funcionamento normal e natural das
pessoas, restringindo suas oportunidades. E, a causa dos impactos negativos
porque a saúde preserva as habilidades das pessoas para serem cidadãos participativos
e proativos na vida social, cultural, econômica e política da sociedade.
O
contexto de exploração e os danos causados pela violação da integridade
justificam o tratamento diferenciado e positivo dos setores prejudicados pela
vulnerabilidade, proibindo, assim, as barreiras discriminatórias para corrigir
os efeitos das desigualdades.
Portanto,
tal contexto inclui, para além da assistência em saúde, a provisão de educação
pública e outras intervenções para gerar oportunidades desde a infância.
Lembremos
que as ações afirmativas objetivam garantir a justiça social de modo
democrático e, ressalta-se a relevância do artigo 14 da DUBDH que aponta para o
princípio da responsabilidade social e saúde. Trata-se de um dos aspectos da
responsabilidade pessoal, política, social e jurídica atuante na promoção da
saúde e, sendo um direito fundamental para todo ser humano.
A
versatilidade do conceito de vulnerabilidade é capaz de proclamar explicitamente
o princípio de forma universal, reconhecendo as formas de vulnerabilidade que
possam serem superadas por meios específicos de proteção e por ações baseadas
em direitos e dignidade humana que ofereçam proteção equitativa por parte do
Estado.
Observa-se
íntima relação da vulnerabilidade com a justiça, exigindo-se mais critérios e
restrições éticas para o desenvolvimento de pesquisas clínicas envolvendo
sujeitos vulneráveis. A aplicação da justiça também se faz presente na
elaboração de políticas públicas e na
assistência sanitária por meio de ações afirmativas capazes de promover justiça
social e oportunidades de acesso a todos de modo equitativo.
Reconhecer
que a vulnerabilidade não pode ser completamente eliminada, pois não é somente
circunstancial. O fato de se exercer autonomia
por meio do consentimento livre e esclarecido não suprime a vulnerabilidade,
pois sempre há o risco de ser explorada.
Por
exemplo, há possibilidade de fraudes, apresentações “maquiadas” sobre os
benefícios dos resultados, medicalizações exageradas como resposta a todo e
qualquer tipo de sofrimento, agravadas pela publicidade de seus patrocinadores.
Pelas
razões descritas, a autonomia não deve ser entendida de modo restrito a partir
da abordagem principialista norte-americana (capacidade de agir livremente segundo seus
valores e crenças), mas também a partir de criações efetivas de condições que tornem a pessoa capaz de agir de maneira
autônoma.
Ou
seja, alguém liberto e empoderado que compreenda as relações de poder que
influenciam sua autodeterminação e que, a partir dessa compreensão, possa agir
sobre fatores determinantes de sua saúde, reduzindo sua situação de vulnerabilidade.
Conclui-se
que a vulnerabilidade é conceito com diferentes perspectivas regionais, o que
permite diálogo para uma bioética global na busca de novas abordagens que incluam
essas perspectivas com o compromisso de enfrentar problemas bioéticos atuais e
futuros.
A
responsabilidade dos profissionais de saúde com a saúde pública é significativa
para combater a vulnerabilidade sanitária e preservar ou restaurar a integridade
dos pacientes. O que também persiste diante de outras vulnerabilidades.
O
referido dever se materializa, sobretudo, na promoção dos interesses dos
pacientes para reforçar seus direitos fundamentais (baseados na dignidade
humana e direitos humanos) e respeitar suas opções e sua história de vida.
In litteris:
"A tutela das vulnerabilidades
foi levada a sério no direito brasileiro a partir do momento em que o
ordenamento jurídico colocou a pessoa humana em seu centro de proteção e
promoção" (…) e que "o reconhecimento da vulnerabilidade de alguns
grupos é a forma de se concretizar uma tutela positiva, já que a simples
proibição da discriminação se demonstrou insuficiente para a promoção da
igualdade substancial de certas pessoas, sendo necessário ações afirmativas no
sentido de editar leis especiais para a proteção a esses grupos" (Brochado
Teixeira e Carla Moutinho, 2021).
Forçoso,
então, reconhecer que o suprimento das necessidades especificas, por leis
especiais, de cada grupo vulnerável identificado, como os das crianças e dos
adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e mulheres sob violência
doméstica, está a exigir, sempre, uma tutela jurídica integral, sob pena de a
proteção constitucional quedar-se inerte e/ou deficitária, falhando o Estado
nos seus inerentes deveres de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
A esse
propósito, torna-se indiscutível que "ao não proteger suficientemente tais
direitos, o Estado viola a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)"
O “Untermassverbot”, termo extraído da doutrina constitucional alemã,
com ampla repercussão em outras áreas de direito (por exemplo: penal e civil),
tem-se constatado todas as vezes quando o Estado não legisla, adequadamente, a
proteção de determinado direito fundamental, implicando uma notória
deficiência.
Cabe
afirmar que as obrigações de Estado não devam ser prestadas aquém do necessário
integral, porque se assim forem, estará o Estado incorrendo em proteção
deficiente, a não se permitir ou tolerar. Qualquer que seja a deficiência de
uma prestação legislativa impostergável, o elemento da insuficiência resultará
na desproteção dos bens jurídicos fundamentais tuteláveis.
É
forçoso admitir que em termos do que preconiza o artigo 245 da Carta Magna
vigente, são insuficientes, de fato, as proposições legislativas então
apresentadas, como refere, em sua petição inicial, a ADO 62[3].
A
regra constitucional do artigo 245 CF/1988., ao tratar da "prestação
assistência", não pode ser entendida, restritivamente ao suporte
financeiro dos desassistidos.
A
assistência aos vulneráveis, nessa espécie, colima uma proteção integral, ou
seja, a proteção quanto bastante, como a Constituição assim também reserva como
cláusula protetiva aos demais grupos vulneráveis.
A
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) dispõe que a determinação de uma deficiência
deve levar em conta não apenas uma catalogação
biomédica, caracterizada por sintomas e formas de expressão física de determinada doença, mas deve considerar também
os aspectos sociais a que o sujeito está
envolto, a fim de identificar situações de vulnerabilidade, exclusão e
limitação de manifestação de vontade
sofridas por pessoas com alguma deficiência.
O
conceito de vulnerabilidade tem sido perquirido mundialmente, sendo constatada a dificuldade de sua aplicação
teórico-normativa na solução de casos concretos, inclusive quando se trata de grupos comumente
considerados com vulnerabilidade acrescida.
Esse entendimento tem sido pautado, na maior parte
dos casos, por características biológicas de determinados grupos ou pessoas, como é o caso
de crianças, pessoas idosas e adultos com
deficiência, sendo observados também, mas com menor regularidade, aspectos socioeconômicos e culturais.
Assim,
a vulnerabilidade é um conceito passível de diversas interpretações, sendo necessário o
aprofundamento dos estudos especializados na temática.
No
sentido etimológico-conceitual, o termo vulnerabilidade possui origem latina da
palavra vulnus, cujo significado
é ferida. Assim, o vulnerável é aquele suscetível de ser ferido.
O
conceito de vulnerabilidade perpassa pela ideia de fragilidade e de maior exposição de alguém a ser acometido por
doenças ou por situações de agressões, sejam físicas ou psicológicas.
Nessa
perspectiva, todos os seres humanos são vulneráveis, pois estão suscetíveis a danos, doenças, abusos e
até mesmo serem explorados por outros.
A
relação entre vulnerabilidade e proteção
de adultos com deficiência intelectual, o marco conceitual trazido por Herring[4] se
mostrou pertinente, uma vez que seu estudo é desenvolvido apontando casos de
adultos vulneráveis, especificamente os
idosos, e analisando situações de abuso no cuidado desenvolvido por familiares.
O doutrinador
abordou o tema salientando a importância de outros elementos, que vão além dos aspectos
biológicos inerentes ao indivíduo, como reciprocidade,
cooperação, solidariedade e laços de confiança estabelecidos entre as pessoas.
O doutrinador
apresenta também as dificuldades em balancear os direitos de proteção e direitos quanto à autonomia de adultos
vulneráveis, especialmente quando estes não querem proteção, concluindo pela necessidade
de se impor limite razoável às obrigações do Estado na promoção da proteção.
Herring
argumentou que a vulnerabilidade pode ser compreendida de duas formas: a primeira, como uma condição humana
universal, ou seja, todos os seres humanos
carregam em si a condição de vulnerabilidade e estão sujeitos a sofrerem danos;
a segunda, é o reconhecimento de que
existem grupos com vulnerabilidades específicas, em regra advindas de condições biológicas, mas
que podem ser geradas, agravadas ou minimizadas
de acordo com o suporte social, institucional e condições socioeconômicas em que estão inseridas.
Assim,
o aparato estatal, ou a ausência deste, possui o condão de reduzir ou agravar
as situações de vulnerabilidade, especialmente em casos de doença.
Observa-se
que ambas as vertentes são complementares. Quanto à interconexão social do sujeito e à relação de dependência deste para
com os demais, levam a concluir que a vulnerabilidade
específica pode ser agravada, quando para além das condições biológicas do indivíduo, tais como idade, sexo e
situações de doença, as conexões sociais travadas por este não lhe sejam benéficas,
principalmente quando este está inserto em um ambiente de relações abusivas.
Assim, o contexto social, condições
econômicas, culturais, a qualidade de
cuidados e o nível de acesso a redes de proteção social também interferem em seu estado de bem-estar, já que a vivência
humana nos torna dependentes uns dos outros.
Identifica-se
o peso dado na esfera do direito internacional
dos direitos humanos à proteção de grupos vulneráveis, por outro, se levanta algumas questões sobre a produção de estigma
por parte do etiqueta mento das pessoas vulneráveis,
retirando-lhe a voz, desconsiderando sua vontade e preferências e substituindo sua decisão.
Outro aspecto
a ser destacado é que comumente pessoas têm sua autonomia denegada simplesmente pelo fato de
serem deficientes, o que as tornam, segundo
visões equivocadas e estigmatizantes, como mais vulneráveis.
Para a
Organização Mundial da Saúde (OMS), a deficiência intelectual é uma capacidade significativamente reduzida de
entender informações novas ou complexas e de aprender e aplicar novas habilidades. Isso
resulta em uma menor capacidade de lidar de forma independente com escolhas, o que
compromete também a interação social.
A
partir do QI, a deficiência intelectual é classificada em leve (QI entre 50 a
69), moderada (QI entre 35 e 49), grave (QI entre 20 e 34) e profunda (QI
inferior a 20), segundo a Organização Mundial da Saúde 2; 4; 6; 7.
Inicia
a deficiência mental antes da idade
adulta, com um efeito duradouro no desenvolvimento do indivíduo. A deficiência depende não apenas das condições
de saúde ou incapacidades, mas também de
fatores ambientais e meios de apoio à participação e a inclusão plena da pessoa
na sociedade.
A
Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual prevê, em seu artigo 6º, que os Estados possuem a incumbência de
providenciar serviços de apoio capazes de facilitar que pessoas com deficiência
intelectual possam tomar decisões significativas sobre sua vida, visto que são detentoras dos mesmos
direitos que outras pessoas.
Há o reconhecimento de que elas são aptas a fazer
escolhas, tomar decisões e comunicar suas preferências, para melhorar seu
desenvolvimento pessoal, seus relacionamentos e sua forma de participação na sociedade, apesar das
dificuldades que enfrentam.
Mesmo
com a existência da CDPD e da Lei 13.146/2015
– Estatuto da Pessoa com Deficiência – a qual dispõe, em seu artigo 6º, inciso IV, que um dos direitos de pessoas com
deficiência é ter seu direito à fertilidade respeitado, sendo vedada esterilização
compulsória, o Poder Judiciário desprezou tais dispositivos ao argumento de que “inexistem
políticas públicas apropriadas que disponibilizem
às pessoas portadoras de necessidades especiais métodos anticoncepcionais adequados à sua condição”. (In:
Brasil. Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção
Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d6949.htm.
[Acesso em: 2.11.2023.)
Sublinhe-se
que adultos com deficiência intelectual
se encontram em situação de vulnerabilidade acrescida, o que, por si só, não justifica a intervenção impositiva em seu
corpo e a supressão de seus direitos humanos, sob o manto da proteção.
Assim,
o cuidado e as ações estatais exigem extrema atenção quanto a aplicações práticas da concepção de
proteção a vulneráveis, na medida em que esta pode limitar o exercício da autonomia de
pessoas com deficiência intelectual, ensejando
dano travestido de proteção.
As definições de risco
e vulnerabilidade, afirmando que ambas
só podem ser entendidas quando associadas a diferentes contextos
histórico-sociais e a diferentes áreas
científicas que as desenvolveram para dar conta de seus objetos.
Em segundo lugar, é defendida a ideia de que são conceitos
distintos, mas intrinsecamente relacionados, pois, enquanto risco se refere às condições fragilizadas da sociedade
tecnológica contemporânea, vulnerabilidade identifica a condição dos indivíduos nessa sociedade.
Finalmente, concorda-se
que a sociedade pós-industrial é uma sociedade
de risco, principalmente pelos efeitos que a tecnologia e a globalização
econômica produziram.
Há uma discussão em
torno da gênese do conceito de risco e
seu uso (França et al., 2002; Yunes; Szymanski, 2001), que se apresenta
em várias disciplinas do campo das
Ciências Naturais e Exatas (por exemplo, Biologia e Ecologia) e, em particular,
das Ciências da Saúde (Medicina,
Epidemiologia) e das Ciências Sociais e Humanas (Economia, Sociologia, Direito,
Política e Psicologia).
Essas aplicações dos
conceitos tiveram implicações para pesquisas e práticas em relação à infância e adolescência, pois o
risco como conceito parte do discurso linguístico, tem-se constituído na trajetória histórica e cultural
das sociedades e deve ser sempre pensado como processo e não como variável em si (França et al.,
2002; Yunes; Szymanski, 2001).
As definições de risco
e vulnerabilidade[5]
que só podem ser entendidas como um
processo associado a diferentes contextos histórico-sociais e a diferentes
áreas científicas que as desenvolveram
para tratar seus objetos. Não se pretende, entretanto, por uma questão de limitação da análise, fazer exame exaustivo
da trajetória do uso dos conceitos em questão.
Em segundo lugar, é
defendida a ideia de que, por um lado, tem havido uma confusão no uso dos conceitos de risco e vulnerabilidade e, por
outro, alguns autores concentram-se mais no conceito de risco, enquanto outros, no de vulnerabilidade.
A necessidade de
esclarecimento conceitual evidencia-se no
uso que os órgãos governamentais fazem destes conceitos, como, por exemplo, o
que se constata na Política Nacional de
Assistência Social (BRASIL, 2004).
Foram as estudiosas
Yunes e Szymanski (2001) que chamaram atenção para a diferença entre os
conceitos de risco e vulnerabilidade.
Segundo elas, o conceito de vulnerabilidade “é aplicado erroneamente no lugar de risco”, pois são dois conceitos distintos.
Enquanto risco, segundo
as autoras, foi usado pelos epidemiologistas
em associação a grupos e populações, a vulnerabilidade refere-se aos indivíduos
e às suas suscetibilidades ou
predisposições a respostas ou consequências negativas.
É importante
ressaltar-se, contudo, que, para essas autoras, existe uma relação entre vulnerabilidade e risco: “a vulnerabilidade
opera apenas quando o risco está presente; sem risco, vulnerabilidade não tem efeito”. A palavra
vulnerável origina-se do verbo latim vulnerare, que significa ferir, penetrar.
Por essas raízes
etimológicas, vulnerabilidade é um termo geralmente utilizado na referência de predisposição a desordens ou de
susceptibilidade ao estresse.
O conceito de vulnerabilidade
foi formulado nos anos 1930 pelo grupo
de pesquisa de L. B. Murphy, que acabou por definir o termo como “susceptibilidade à deterioração de
funcionamento diante de estresse”.
A relação entre
vulnerabilidade e risco, Reppold et al. (2002) afirmam que, frente a situações adversas, o “comportamento dos
sujeitos perante esses eventos depende de sua vulnerabilidade”, ou seja, há uma
predisposição ou mesmo resposta pouco adequada à situação.
Um dos fatores de risco
para o desenvolvimento psicológico e social é o baixo nível socioeconômico. Em famílias pobres, operam como fatores de alto
risco, além do baixo nível socioeconômico, a remuneração parental, baixa escolaridade, famílias
numerosas e ausência de um dos pais.
A definição econômica
da vulnerabilidade social[6], segundo Oliveira (1995) é
“insuficiente e incompleta”, porque, em
primeiro lugar, não especifica as condições pelas quais os diferentes grupos sociais ingressam no conjunto dos
indivíduos ou grupos vulneráveis.
Em segundo lugar, há indivíduos vulneráveis entre os índios, os
negros, as mulheres, os nordestinos, os trabalhadores rurais, tanto assalariados quanto aqueles ainda na
condição de posseiros, meeiros, as crianças em situação de rua, a maioria dos deficientes físicos, entre
outros segmentos populacionais.
O referido autor
entende que a resolução ou atenuação da vulnerabilidade reside, exatamente, no econômico. Em sua opinião, “os
grupos sociais vulneráveis se tornaram vulneráveis, pela ação de outros agentes sociais”. Isso é
importante “não apenas porque os retira da condição passiva de vulneráveis, mas também porque
identifica processos de produção da discriminação social”.
As políticas sociais
públicas, segundo Oliveira (1995), apesar de atenuar as vulnerabilidades, não esgotam o repertório de ações que se situam
muito mais no campo dos direitos.
A Política Nacional de
Assistência Social (BRASIL, 2004) menciona esses fatores e outros como o
precário ou nenhum acesso aos serviços
públicos e a fragilização de vínculos afetivos, relacionais ou de pertencimento
social (discriminações etárias, étnicas,
de gênero ou por deficiências[7], dentre outras), das
famílias consideradas vulneráveis.
Registra que os grupos
“indigentes” e “pobres” se constituem
nos maiores contingentes vulneráveis da sociedade brasileira, sendo que o
mecanismo produtor dessa
vulnerabilidade, basicamente, é o mercado de força de trabalho.
A diminuição da vulnerabilidade desses grupos está ligada, na
opinião do autor, à retomada do crescimento econômico do país dentro de um novo modelo e em níveis que
possam ofertar empregos capazes de reempregar quem foi desempregado e empregar os que estão
ingressando na idade de trabalhar. Mas, se não ocorrer essa retomada, segundo Oliveira (1995), a concentração
da renda continuará produzindo indigentes do mercado informal de trabalho.
A vulnerabilidade dos
grupos sociais somente poderá ser eliminada
desde que se “transite de uma noção de carências sociais para o terreno de
direitos sociais”, parece ser
interessante.
Direitos e cidadania
são conceitos contemporâneos que implicam promover as habilidades dos indivíduos e da coletividade
em compreender, analisar, refletir e conscientizarem-se sobre o mundo que os cerca, interagindo,
tornando-se um agente e membro de grupo participativo e criativo e, portanto, gerando desenvolvimento
pessoal e social.
A tendência entre os
pesquisadores na área da criança e do adolescente é a ênfase nos potenciais e nas habilidades das crianças, dos
adolescentes, das suas famílias e das comunidades, ao invés das carências, das faltas ou das deficiências.
Esses pesquisadores
tiram do foco a noção de risco, comumente atrelada às famílias pobres, e passam a
valorizar os aspectos preventivos e as formas de promoção do desenvolvimento integral de seus filhos (Barker;
Rizzini, 2002).
A visão da criança e do
adolescente como oportunidade e a definição de bases de apoio formais (creches, escolas, clubes, programas
religiosos) e informais (redes de amizade e solidariedade, relações afetivas significativas na vida das crianças e
adolescente), bem como os recursos familiares e comunitários, são os elementos fundamentais
para o desenvolvimento saudável da criança
A vulnerabilidade como
exposição a riscos e baixa capacidade material,
simbólica e comportamental de famílias e pessoas para enfrentar e superar os
desafios com que se defrontam.
Portanto, os riscos
estão associados, por um lado, com situações próprias do ciclo de vida das pessoas e, por outro, com condições das
famílias, da comunidade e do ambiente em que as pessoas se desenvolvem.
Em sociedades baseadas
em economia de mercado, Carneiro e Veiga (2004) entendem que a pobreza representa a primeira aproximação da
maior exposição a riscos, principalmente em contextos em que famílias pobres não contam com uma rede
pública de proteção social (acesso a bens e serviços básicos que viabilizem melhores oportunidades
para enfrentar as adversidades).
A ausência de recursos materiais alimentará outras fragilidades: baixa
escolarização, condições precárias de saúde e de nutrição, moradias precárias em locais ambientalmente
degradados e condições sanitárias inadequadas (necessidades insatisfeitas). Famílias e
pessoas em tais condições de vida disporão de um repertório mais reduzido para enfrentar as adversidades, o
que, nos termos de Sen (2000), é denominado privação de capacidades.
O conceito de risco tem
sido estudado por pesquisadores americanos
e europeus nos últimos trinta anos e, no Brasil, o estudo foi intensificado a
partir da década de 1990, principalmente
pelo campo da Psicologia.
As autoras apontam uma
trajetória das análises de risco, tomando
como ponto de partida a perspectiva culturalista de Mary Douglas (teoria
cultural do risco), até chegar à teoria
social de Beck e Giddens. Para França et al. (2002), esses dois últimos
autores deram uma contribuição decisiva
para que o conceito de risco assumisse um lugar central nas Ciências Sociais, diferente do enfoque culturalista dado por
Mary Douglas.
Em sua teoria, Douglas,
citado por França et al. (2002),
mostra como o julgamento moral está envolvido com a percepção de risco em nossa
sociedade, visto que a percepção
não é algo natural e que as instituições sociais o usam para controlar o comportamento humano, reforçar normas e
melhor coordenar as instituições.
A definição de risco
para uma sociedade relaciona-se com
aspectos que envolvem a moralidade e reforçam as novas contribuições que
Douglas traz sobre a necessidade de
criarem-se instrumentos de investigação que privilegiem as construções da
população a respeito de riscos,
considerando seus aspectos sociais, o que inclui abranger as especificidades
culturais, econômicas e subjetivas das
populações, sem querer universalizar as conclusões através de estudos quantitativos e psicométricos (FRANÇA et
al., 2002, p. 31).
O risco se configura,
hoje[8], como um signo importante para se compreender o homem.
Focalizar os discursos e situar a concepção de risco em relação a tantos outros
signos construídos na modernidade como por exemplo, infância, trabalho precoce,
subjetividade, saúde, pobreza já
possibilitam a reflexão sobre as transformações que ocorrem no mundo atual, as quais incidem nos sujeitos, em particular,
e na sociedade.
A vulnerabilidade
aparece também nas análises do conceito de resiliência. No contexto dos estudos sobre resiliência, a vulnerabilidade é
um conceito utilizado para definir as susceptibilidades psicológicas individuais que potencializam os
efeitos dos estressores e impedem que o indivíduo responda de forma satisfatória ao estresse.
Yunes e Szymanski
(2001) definem, ainda, que o termo implica
alterações aparentes no desenvolvimento físico e/ou psicológico de uma pessoa
que se submeteu a situações de risco, as
quais podem torná-la suscetível e propensa a apresentar sintomas e doenças.
Segundo as mesmas doutrinadoras,
a vulnerabilidade diz respeito à predisposição individual para o desenvolvimento de psicopatologias ou de comportamentos
ineficazes em situações de crise.
Tais autoras reiteram que a vulnerabilidade não se
refere apenas a predisposições genéticas, pois condições como baixa autoestima, traços de personalidade
e depressão são frequentemente descritas como vulnerabilidades.
A inclusão poderá
viabilizar, assim, na opinião dos autores acima citados, a melhoria das condições materiais de pessoas, famílias e
comunidades, bem como o acesso a serviços públicos básicos (educação, saúde, habitação, nutrição,
segurança pública, justiça, cultura e recreação) para esses grupos desenvolverem sua competência, autonomia,
autodesenvolvimento e capacidade de ação.
Estudos finalizaram sua análise dizendo que os riscos
e as vulnerabilidades emergem de uma multiplicidade de fatores interdependentes. E, as estratégias
para reduzi-los e ampliar a inclusão requerem ações em várias frentes, exigindo o planejamento para que elas
sejam executadas de forma integrada e complementar.
Essa noção de risco
exige que a Política de Assistência Social defina quais as situações que tornam
os cidadãos mais sujeitos à vivência do
risco ou que imprimem maior vulnerabilidade social.
Um dos princípios da
vulnerabilidade do consumidor é a vulnerabilidade informacional: consiste na ausência, ou a
complexidade da informação prestada que não permite o entendimento do consumidor. Ou seja,
a informação não é sucinta a ponto dos compradores compreenderem.
Conforme prevê o art.
6º, inciso II do CDC, é um direito básico do consumidor: "a educação e divulgação sobre o consumo adequado
dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações".
A vulnerabilidade é o
conceito que representa todo o sistema consumerista, no que busca proteger a parte mais frágil da
relação de consumo com o fim de promover o equilíbrio contratual
Existem quatro espécies
de vulnerabilidade do consumidor; fática, técnica, informacional e jurídica.
a) Vulnerabilidade Fática (ou socioeconômica) consiste na relação de superioridade do poder que o fornecedor tem em relação ao consumidor; b) Vulnerabilidade informacional; advém da ausência da insuficiência da informação que não permite a compreensão para o consumidor; c) Vulnerabilidade Técnica; é o não conhecimento sobre o produto ou serviço técnico da relação de consumo; d) Vulnerabilidade jurídica; é a falta de conhecimentos jurídicos que permita entender as consequências jurídicas daquilo que se obriga a desvencilhar das coisas absurdas do mercado.
Portanto, a principal
razão pelo qual existe os direitos no Código
de Defesa do Consumidor, é a vulnerabilidade, a parte mais fraca, que é o consumidor, sem nenhum esforço precisa-se ser
equilibrado diante do fornecedor, e protegê-lo.
A Política de Assistência
Social estabelece quais as
vulnerabilidades sociais que devem ser cobertas por uma política de proteção ou
de seguridade social, mas não parece
distinguir risco de vulnerabilidade, deixando um flanco que pode trazer, no
futuro, dificuldades para a elaboração, o monitoramento e a avaliação das políticas
públicas. Esse fato tem consequências para a formulação de índices, taxas que visem mensurar ou avaliar as situações vividas
por grupos ou indivíduos.
Frise-se que a Norma
Operacional Básica/SUAS (BRASIL, 2005),
por outro lado, ao definir a Taxa de Vulnerabilidade Social Municipal, somente
se refere à noção de vulnerabilidade que
considera o grupo familiar; seria mais apropriado, conforme Yunes e Szymanski
(2001), se fosse usado o conceito de
risco.
Assim como as noções de
“necessidades básicas insatisfeitas”, “pobreza multidimensional” e
“desenvolvimento humano”, exclusão e vulnerabilidade social são noções antes de
tudo políticas (ainda que nem sempre sejam percebidas como tal), que introduzem
novos recursos interpretativos sobre os processos de desenvolvimento social,
para além de sua dimensão monetária.
Nesse sentido, a
leitura desses processos, resultante desta “nova” conceituação, pode dialogar e
produzir efeitos sobre as propostas e os desenhos das políticas públicas,
alargando seu escopo e colocando em evidência as responsabilidades do Estado,
em todos os seus níveis administrativos, na promoção do bem-estar dos cidadãos.
O IVS (Índice de
Vulnerabilidade Social)[9] ora apresentado tem a
pretensão de sinalizar o acesso, a ausência ou a insuficiência de alguns
“ativos” em áreas do território brasileiro, os quais deveriam, a princípio,
estar à disposição de todo cidadão, por força da ação do Estado.
Os três subíndices que
o compõem: i) Infraestrutura Urbana; ii) Capital Humano; e iii) Renda e
Trabalho representam três grandes conjuntos de ativos, cuja posse ou privação
determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades
contemporâneas.
Além disso, a
vulnerabilidade é entendida, como mencionado anteriormente, como consequência
da existência de situações prévias de
risco
O papel do risco na
sociedade contemporânea, porque para
eles essa sociedade é uma “sociedade de risco”. Esses dois sociólogos se opõem
à abordagem quantificadora do risco e,
por meio da Teoria da Modernização Reflexiva[10], oferecem outra
abordagem.
Beck (1997) argumentou
que a sociedade contemporânea é diferente da sociedade de classes e define “sociedade de risco” como “uma fase
no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e
individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle da sociedade industrial” (BECK,
1997).
Em sua publicação de
1997, Beck acrescenta que a definição de
perigo não pode ser determinada pela ciência, pois é sempre uma construção
cognitiva e social.
Giddens, por sua vez
(1997), acentua também a diferença entre a “sociedade de classes” e a ”sociedade de riscos”. Para ele, a “sociedade
de riscos”, além de introduzir novos tipos de perigos para a humanidade, também introduz novas relações
entre sistemas de conhecimentos, leigos e peritos, num contexto em que a estimação dos riscos é, em
grande parte, imponderável.
Nessa perspectiva, a
noção de risco em Giddens (1997)
tornou-se tão central quanto à de Beck. Ao analisar a “alta modernidade”, Giddens argumentou que não há imagem que possa
traduzi-la, devido não só ao fato de este mundo ser mais aberto e contingente, como também ao fato
de acumularmos conhecimentos sobre nós mesmos e sobre o ambiente material. Afirma, ainda, que
vivemos em um mundo em que há um equilíbrio simétrico entre oportunidades e perigo.
Ao cogitar o risco
apenas como uma questão de preocupação pessoal e individual. As incertezas da vida, nesse sentido, deveriam
ser enfrentadas e respondidas pelas pessoas individualmente, de acordo com as suas possibilidades. Assim,
parece não haver mais o compromisso coletivo da sociedade com os riscos sociais da população,
da comunidade.
Como outros exemplos,
pode-se cogitar nos casos de pessoas que
não tenham o que comer; que são violentadas pelos seus pais; que não conseguem uma vaga na escola; que não
conseguem desenvolver as suas potencialidades, ou se encontram na circunstância de trabalhar desde
a infância.
A noção de risco
implica não somente iminência imediata de um perigo, mas também a possibilidade de, num futuro próximo, ocorrer
uma perda de qualidade de vida pela ausência de ação preventiva.
A ação preventiva está
relacionada com o risco, pois não se trata de só minorar o risco imediatamente, mas de criar prevenções para
que se reduza significativamente o risco, ou que ele deixe de existir.
Que se os indivíduos
não estiverem assegurados contra
imprevistos causados pelos riscos, viverão na insegurança, pois o risco social
compromete a capacidade dos indivíduos
de assegurar por si mesmos sua independência social.
Para o doutrinador
(2005), a problemática surgiu,
particularmente, nos anos 1980, devido a uma pane e erosão dos sistemas de
proteção na sociedade salarial. Há uma
dificuldade crescente de se assegurar contra riscos sociais (acidente, doença, desemprego, incapacidade de trabalhar devido à
idade ou à presença de uma deficiência).
Com o enfraquecimento
do Estado nacional e social, indivíduos e grupos que sofreram as mudanças socioeconômicas e que intervieram
desde os meados dos anos 1970, sem ter a capacidade de controlá-las, encontram-se em situação de
vulnerabilidade.
Assim, surgem uma
insegurança quanto ao futuro e uma
confusão que também pode alimentar a insegurança civil, sobretudo em
territórios como as periferias, onde se
cristalizam os principais fatores de dissociação social.
Não existe unanimidade
sobre as formas de cálculo e os critérios para definição das linhas de pobreza
e de indigência. Os atuais programas
sociais dos governos federal, estaduais e municipais usam valores diferentes.
Entretanto, para
elaboração do Plano Plurianual (PPA), o critério tem sido a proporção de
pessoas que tem rendimento familiar per capita de até meio salário-mínimo (linha da pobreza) e de até um
quarto de salário-mínimo (linha da miséria). Indivíduos pobres são definidos como aqueles com renda familiar per capita
inferior a R$ 75,50 (setenta e cinco reais e cinquenta centavos), ou meio
salário-mínimo (BRASIL, NOB/SUAS, 2005).
Em março de 2011, a equipe de transição do
governo da presidente eleita Dilma Rousseff sugeriu que se adotasse a linha de pobreza de R$ 108 (cento e oito reais) por
pessoa da família, porém até o presente momento o IPEA e governo federal ainda
não forneceram uma definição oficial de
pobreza e miséria.
No momento em que os
sistemas de seguridade clássicos foram assim fragilizados, Castel (2005) afirma que apareceu uma nova geração de
riscos, ou pelo menos de ameaças percebidas como tais: riscos industriais, tecnológicos, sanitários,
naturais, ecológicos, etc.
São problemáticas do
risco que não parecem ter relação direta
com a primeira geração, uma vez que sua emergência corresponde, no essencial, às consequências incontroladas do
desenvolvimento das ciências e das tecnologias que se voltam contra a natureza e o meio ambiente que
elas pretendiam controlar a serviço do ser humano.
A afirmação de que se
vive numa ”sociedade do risco”[11] se baseia de fato numa
extrapolação contestável do conceito de
risco. Um risco no sentido próprio da palavra é um acontecimento previsível, cujas chances de que ele possa acontecer e o
custo dos prejuízos que trará pode ser previamente avaliado. Pode, portanto, ser indenizado,
porque pode ser mutualizado.
O seguro[12] foi a grande tecnologia que permitiu o controle dos riscos, repartindo
os efeitos no seio de grupos de indivíduos que se solidarizaram diante de diferentes ameaças
previsíveis. É um modelo solidarista ou mutualista que está na base da cobertura dos riscos sociais
(CASTEL, 2005)
O risco não poder ser
identificado como vulnerabilidade, embora se possa estabelecer uma relação estreita entre eles. O
primeiro conceito se refere à situação de grupos, e o segundo deve ser usado para a situação
fragilizada de indivíduos. Essa parece ser uma boa distinção.
Outra conclusão é a
falta de clareza no uso dos conceitos de risco e vulnerabilidade social. A
terceira conclusão evidencia que a sociedade pós-industrial é uma sociedade de
risco, principalmente pelos efeitos que
o mundo globalizado produziu, no qual as ações individuais podem ter efeito sobre o planeta e as modificações em
algum lugar do planeta ter efeitos sobre os indivíduos do mundo todo. Tende-se a concordar com esta
visão, mas não se pode deixar de lado a importância da economia na redução da vulnerabilidade social.
Além disso, com o
enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social desde os anos 1980, as condições de se combater o risco e a
vulnerabilidade se tornaram mais frágeis.
Por fim, acredita-se
que os conceitos de risco e de vulnerabilidade são de fato distintos, mas creio
que, apesar de terem uma origem no
processo econômico social dos séculos XVIII e XIX, pela introdução do capitalismo industrial e financeiro, não podem
ser reduzidos a esse único processo.
Com razão Raffaele
Giorgi apontou que o direito não consegue imunizar-se do risco do direito. E, a
dogmática apesar de tentar estabilizar as novas figuras do direito para o
controle do risco da situação ou que sancionam comportamentos lícitos em face
do exercício do direito, produzem-se danos que teria pretendido evitar.
Portanto, surgem novos problemas e efeitos sendo imprevisível a quantidade de
fatores causais concomitantes.
A sociedade industrial se transformou ao longo do século XX, como enfatizaram Beck e Giddens, em uma “sociedade de risco” devido ao desenvolvimento altamente tecnológico. Progredimos tanto em certas áreas mas, amargamos retrocessos em outras[13].
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Notas:
[1]
O Relatório Belmont – promulgado em 1978, numa reação institucional aos
escândalos causados pelos experimentos da medicina desde o início da 2ª Guerra
Mundial – utilizou como referencial para as suas considerações éticas três
princípios básicos: a Autonomia (respeito às pessoas); Beneficência e Justiça.
Do Relatório Belmont ao Código de Regulamentos Federais O relatório defendeu o
respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça como princípios fundamentais
para a conduta ética de pesquisas envolvendo participantes humanos.
[2]
Três cenários da relação entre
vulnerabilidade e poder. O primeiro
cenário aborda as dificuldades ou o não reconhecimento dos limites das
vulnerabilidades devido aos fascinantes
desdobramentos da ciência, o que nos
torna uma “sociedade de riscos”. O segundo cenário chama atenção para a concentração de poder
(tanto de consumo quanto de produção), estruturando uma sociedade sem reflexão ética que legitima
a iniquidade. E, por fim, a fragilidade e a vulnerabilidade do poder são vistas nas guerras, no
terrorismo, nas disputas econômicas e
políticas entre nações e na estruturação
das iniquidades sociais.
[3] EFEITOS DAS DECISÕES EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: DA POSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE SENTENÇAS CRIATIVAS NO CONTROLE ABSTRATO DAS OMISSÕES DO PODER PÚBLICO. ADO 62 em face da demora do Congresso Nacional em cumprir o artigo 245 da CF/1988. A presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão foi ajuizada pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, tendo por objeto suposta inércia do Congresso Nacional na regulamentação do art. 245 da Constituição Federal, que determina a edição de lei que disponha sobre hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito. A ADO 62 surge, agora, como instrumento de eficiência ao ditado constitucional, para concitar o Congresso Nacional a adotar medidas que tornem efetivos os comandos do artigo 245 da CF, importando significativo acentuar, no epicentro da omissão, definir a exata latitude do normativo, diante da assistência social programada aos herdeiros carentes. Por exemplo, filhos menores que perdem suas mães por conta do feminicídio, ficando também carentes da proteção materna, a exigir uma presença intensiva de cuidadoras ou assistentes (mães sociais) destinadas, psicanaliticamente, a substituir o elo perdido. O significado “carência” não deverá, portanto, ser limitado ou subsumido ao mero conteúdo econômico e a lei assim cuidará de dispor, em coerência. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355660171&ext=.pdf Acesso 29.11.2023
[4]
Partindo da concepção de Herring , tem-se que a vulnerabilidade é condição inerente a todos os seres humanos, contudo,
determinados grupos possuem
vulnerabilidade acrescida, tal como adultos com deficiência intelectual.
Ora, recorrentemente a autonomia de tais
pessoas é afrontada, especialmente no campo da
saúde, na medida em que as decisões sobre sua vida são realizadas
mediante utilização exacerbada do
recurso da tomada de decisão substituta, como a curatela, deixando de ofertar-lhes suportes para tomada de decisão,
que lhes permitam compreender
informações complexas e conduzir a própria vida. Com isso, tais pessoas
acabam por tornarem-se socialmente
invisíveis.
[5]
No âmbito do direito internacional dos direitos humanos, o conceito de
vulnerabilidade é frequentemente utilizado, com referência a indivíduos, grupos
ou segmentos de população que carecem de especial proteção ou de discriminações
positivas. A Constituição Federal Brasileira vigente, em seu art. 3º estabelece
objetivos fundamentais que revelam a noção de justiça social presente em nosso
ordenamento jurídico. Dentre estes destacamos a redução das desigualdades
sociais e regionais, que nos remete ao direito à igualdade, que constitui um
dos pilares estruturais das normas jurídicas de nosso ordenamento, que deve ser
compreendidos, também, a partir dos aspectos materiais de seu exercício, ou
seja, sem que se desprezem, os critérios de proporcionalidade e equidade que direcionam a aplicabilidade dos
direitos fundamentais e trazem, de modo explícito a proteção de certos grupos,
que decorre de uma análise da realidade histórica de marginalização social ou
de hipossuficiência diversas, as situações de vulnerabilidade social. Os grupos
vulneráveis identificados neste artigo são as crianças e adolescentes em
situação de risco e as pessoas com deficiência, embora o Texto Constitucional,
ao tratar desta questão tenha disciplinado outras situações igualmente
importantes, no que se refere à proteção do Estado para nosso progresso e
justiça sociais.
[6] A vulnerabilidade social tem relação com a estrutura de vida cotidiana das pessoas. Entre as situações geradoras de vulnerabilidade social em pesquisas nos países periféricos, podem ser citadas: a baixa capacidade de pesquisa no país; disparidade socioeconômicas na população; baixo nível de instrução das pessoas; inacessibilidade a serviços de saúde e vulnerabilidades específicas relacionadas com o gênero feminino e com as questões raciais e étnicas, entre outras.
[7]
Com relação às pessoas com deficiência, a Constituição traz que é competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidarem da
saúde, da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com
deficiência. Porém, competem concorrentemente os Entes Federados para legislar
sobre a proteção e integração social das pessoas com deficiência. Ademais, o
Texto Constitucional garante as pessoas com deficiência, a assistência à saúde,
atendimento educacional especializado, bem como a criação de programas de
prevenção e atendimento às pessoas com deficiência, sua integração social, por
meio de treinamento para o trabalho e a facilitação de acesso aos bens e
serviços coletivos, eliminando as barreiras arquitetônicas. E, por fim,
assegura-se que o Estado criará programas de prevenção e atendimento às pessoas
com deficiência, bem como sua integração social, por meio de treinamento para o
trabalho e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, eliminando as
barreiras arquitetônicas. Ademais, a lei regulamentará sobre a construção de
logradouros e edifícios de uso público e a fabricação de veículos coletivos
para que o acesso às pessoas com deficiência esteja garantido.
[8] EMBI+ Risco-Brasil. Frequência: Diária de 29/04/1994 até 24/11/2023. Fonte: JP Morgan Unidade: - Comentário: O EMBI+ (Emerging Markets Bond Index Plus) estima o desempenho diário dos títulos da dívida dos países emergentes em relação aos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O índice é baseado nos bônus (títulos de dívida) emitidos por este grupo de países e mostra os retornos financeiros obtidos a cada dia por uma carteira selecionada de títulos. O EMBI+ auxilia os investidores na compreensão do risco de investir no país, quanto mais alto for seu valor, maior a percepção de risco. Ele foi criado para classificar somente países que apresentassem alto nível de risco segundo as agências de "rating" e que tivessem emitido títulos de valor mínimo de US$ 500 milhões, com prazo de ao menos 2,5 anos. A unidade de medida deste índice é o ponto-base, onde dez pontos-base equivalem a um décimo de 1%. Os pontos mostram a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. Essa diferença é o spread, ou o spread soberano. Mais informações: Metodologia EMBI. Emerging Markets Bond Index Plus: Rules and Methodology Atualizado em: 28/11/2023
[9]
No momento o IVS está sendo emitido somente com base na renda per capita,
obtida por meio do Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), que o
estudante poderá fazer na Secretaria de Assistência Social ou no CRAS do seu
município. Índice que busca subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas
de gestão e planejamento territorial, em especial a revisão do Plano Diretor de
Ordenamento Territorial (PDOT), a partir de representação da vulnerabilidade
social no Distrito Federal e demais
Estados da federação.
[10]
A teoria da modernização reflexiva considera que as decisões políticas de mais
influência sobre as vidas cotidianas não derivam mais da esfera ortodoxa da tomada de decisão - o sistema político
formal, mas adviria das esferas informais, da politização do não-político. Pelo
viés da modernidade reflexiva, apontada por Giddens, identifica-se uma teoria
da ação social na qual o papel do indivíduo não é visto como mero apêndice das estruturas que compõem a
sociedade, mas compatível com a reflexão e recomposição das subjetividades e
dos sujeitos.
[11]
Sociedade de risco é um termo usado para descrever a maneira pela qual a
sociedade moderna se organiza em resposta ao risco. O termo foi criado pelo
sociólogo alemão Ulrich Beck em seu livro Risikogesellschaft (1986) onde
coloca as origens e as consequências da degradação ambiental no centro da
sociedade moderna. Tendo em vista a assertiva, segundo Beck (2011) a sociedade
industrial foi deslocada pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos
riscos não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas da
típica primeira modernidade.
[12]
A teoria de securitização é uma das principais contribuições da Escola de
Copenhague, que surgiu em 1985, originalmente chamada de Copenhagen Peace Research Institute. Nesse momento, as
escolas europeias acompanhavam o movimento de renovação teórica das Relações Internacionais sobre os conceitos de
segurança. Somado a isso, as marcas da II Guerra Mundial permaneciam no dia a
dia europeu, o que favorecia o processo de criação de uma identidade europeia e
a unificação das políticas de defesa e segurança. A Escola, inicialmente
liderada por Barry Buzan, Ole Waever e
Jaap de Wilde, sustentava o pressuposto segundo o qual ocorreu uma evolução nos
estudos de segurança internacional.
Segundo eles, três grandes diferenças marcaram a evolução nesses
estudos. A primeira está no conceito chave de segurança. Após a II Guerra, estudiosos deixaram de pensar esse conceito
apenas como sinônimo de defesa, havendo uma abertura para questões políticas e
sociais dentro dos estudos da área. A
segunda mudança foi a abordagem de um novo problema: as armas nucleares.
Utilizar apenas meios militares para entender
segurança não era suficiente para compreender o uso ou não de armas
nucleares. O contexto era significativamente diferente do anterior à II Guerra
Mundial. A disputa nuclear se tornou a arte de evitar guerras, mas sem ser
militarmente derrotado ou coagido. A terceira grande mudança diz respeito à
natureza das questões de segurança, que deixaram de ser puramente militares e
passaram a envolver outros temas relacionados à segurança do oponente, como as
questões econômicas.