Responsabilidade civil contemporânea

A responsabilidade civil contemporânea assume cunho protetivo e promocional. Sendo protetivo no sentido de garantir a todo ser humano um tratamento digno de suas necessidades e, promocional quanto a viabilizar as condições de vida para que uma pessoa adquira sua liberdade e crescimento. E, assim, é a responsabilidade civil do Estado pode ser contratual ou extracontratual. Na primeira, existe um vínculo contratual entre o Estado e o terceiro. Por isso, o Estado será responsabilizado quando a administração descumprir os termos desse contrato. A Lei 8.666/1993 regula esse tipo de responsabilidade. A teoria do risco administrativo representa o fundamento da responsabilidade objetiva do Estado. Para gerar responsabilidade do Estado, devem surgir três elementos: a conduta administrativa, o dano e o nexo causal. Pela teoria do risco administrativo, o Estado poderá eximir-se da reparação em alguns casos específicos. Portanto, nessa teoria há uma presunção de culpa da administração. Mas, é preciso que o Estado comprove que determinada situação não foi sua culpa

Fonte: Gisele Leite

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A responsabilidade civil do Estado[1] é um instituto social de reparação que evoluiu e se aperfeiçoou e apesar de já definida no texto constitucional brasileiro vigente não é possível demonstrar a existência de unicidade em sua aplicação pelo Judiciário. Especialmente, diante da jurisprudência prevalente pelo Supremo Tribunal Federal.

Lembremos que a reparação é mesmo a racional conduta da vida em social, e as ponderações e valores sobre a responsabilidade civil evoluem e variam muito conforme a cultura cada cultura.

E, para galgar a reparação, as sociedades admitiram diversas formas de ressarcimento, por vezes, em ouro, trabalho, retribuição em igual proporção, perdão da dívida e até partes do corpo foram meio para a satisfação do direito do credor, usados por muitos séculos.

A responsabilidade civil é mesmo resultante da evolução jurídica e normativa constante e, inicialmente fora disciplinada entre os civis com regras e princípios tradicionais. E, foram as transformações sociais que propiciaram o fortalecimento do Estado que então passou a assumir papel relevante na complexa relação entre cidadãos.

E, posteriormente, se observou a interação comum entre o Estado e o cidadão era juridicamente desequilibrada o que poderia gerar prejuízos para a parte mais vulnerável, o cidadão.

Na tentativa de superar essa vulnerabilidade, o tema da responsabilidade civil saiu, em parte expressiva, do âmbito do Direito Civil e, passou a ser disciplinada pelo Direito Público.

Observa-se que a jurisprudência constitucional pátria tem apresentado uniformidade em relação à responsabilidade civil do Estado em conformidade com a previsão do artigo 37, §6º da CF/188 e ainda no artigo 43 do Código Civil brasileiro de 2002.

A jurisprudência constitucional baseia todas as decisões que serão tomadas nos tribunais e juízos inferiores, principalmente com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei nº13.105/2015).

O Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião da Constituição, tem por pressuposto o monopólio em relação a construção da jurisprudência constitucional e, ainda tem o dever de transmitir segurança decisional. Por consequência, compete ao Judiciário, criar o arcabouço de decisões que observe as normas e garantias asseguradas pela Constituição Federal brasileira vigente.

A existência de ficção jurídica para atribuir ao Estado a responsabilidade é primordial na contemporaneidade. E, as primeiras reflexões de Hobbes sobre a existência do Estado já trazem a ideia de manifestação de cada cidadão na formação do ente maior.

Salientou Hobbes, in litteris: “Porque pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade [...], que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado.”.

Já para os contratualistas clássicos como Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes e Montesquieu usaram-se do Direito natural[2] para justificar a existência do Estado soberano.

E, os doutrinadores refletiram sobre a necessidade e as possibilidades para que o Estado se posicione acima dos interesses do particular, no entanto, limitado na complexa estrutura sistêmica proposta por Montesquieu.

Cabe ainda ressaltar que a divisão das funções do Estado é nitidamente mais antiga do que a doutrina explicitada pelos doutrinadores contratualistas. Já na Grécia Antiga, a obra de Aristóteles[3] trazia o esboço sobre a atuação do Estado por meio de poderes repartidos.

Apesar de buscarem os fundamentos básicos da existência do Estado, a noção de personalidade jurídica, somente, foi percebida posteriormente.

Segundo Dalari, a necessidade de fixar o Estado no plano jurídico nasce na Alemanha. A personificação do Estado se mostra como o principal avanço coletivo em relação a possibilidade de limitação jurídica das ações e questões envolvendo o Estado. Assim, para o controle estatal, estabelece-se critérios mais práticos do que os anteriores.

Ainda segundo Hobbes, o Leviatã é submetido ao conjunto de regras, direitos e obrigações e, recebe personalidade própria, distinta de seus membros. E, o pensamento de incorporação do Estado pelo sujeito específico, normalmente, monárquico, deixa espaço para definição e desenvolvimento no ordenamento jurídico.

Quando L'État c'est moi que foi o apótema do Rei Luís XIV da França, perde seu significado para as democracias. Em resumo, existem duas correntes principais no tocante a ideia de personalidade jurídica.

A primeira corrente é correlacionada a existência fictícia. Savigny afirma, segundo Dalari (1998), que o sujeito real é aquele que tem vontade e consciência individualizada, independente de outro sujeito. A outra corrente está baseada no campo da realidade.

Alguns doutrinadores explicam a personalidade do Estado como organicismo biológico, o ser biológico que emana vontades, dentre eles estão Gerber e Gierke. Inclui, nessa vertente, a ideia de organismo moral com existência própria que depende de seus órgãos para interagir independente da vontade dos próprios membros e cidadãos.

Evidenciam-se duas correntes doutrinárias, a realista e a ficcionista, coadunam-se na medida em que distanciam o Estado da vontade de seus participantes e o posicionam como ser autônomo e responsáveis por seus atos e comportamento.

A base para a responsabilização do Estado fulcra-se justamente na possibilidade científica das ações do seu poderoso por si só.

Perceber as consequências das ações do Estado é efeito do trabalho científico pautado na separação concreta do cidadão e da entidade administradora.

Dessa forma, a problemática trazida pela formação do Estado é superada pela eleição de mecanismos coerentes de controle que afastam as pessoas físicas envolvidas e apresentam o “ser” próprio para se responsabilizar.

A responsabilidade civil do Estado está conectada ao reconhecimento no ordenamento jurídico de personalidade jurídica independente das ações das pessoas físicas que dão materialidade a essas atitudes.

A irresponsabilidade por danos advindos do Estado tem relação com a existência indissociável, até então, entre a figura do monarca (soberano) e o Estado. Destarte, a personalidade jurídica dá margem aos pleitos de indenização que são tão comuns no dia a dia do povo brasileiro.

Diante da possibilidade de responsabilização do Estado, tendo em vista sua personalidade jurídica, os doutrinadores passaram a sistematizar o tema. Basicamente dividem a responsabilidade civil do Estado levando em consideração os momentos de irresponsabilidade total, o de responsabilidade subjetiva e da objetiva.

Atualmente, o Brasil está predominantemente utilizando a teoria da responsabilidade objetiva[4] em observância a comando expresso da Constituição da República com a seguinte redação:

        Art. 37 § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[5] (BRASIL, 1988).

Registre-se também que a sintonia entre a Constituição da República e o Código Civil só foi observada em 2002 com a promulgação da Lei nº 10.406, de 10.01.2002. O codex civilis disciplina no art. 43 a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público interno em coerência sistêmica com o instituto trabalhado, entretanto, em relação às empresas privadas prestadoras de serviços públicos.

Inicialmente a fase era de irresponsabilidade do Estado que perdurou até o século XIX e fora construída com base na teoria dívida dos reis. E, as condutas dos monarcas eram emanadas de Deus, por isso divinas. Razão, por que não faziam mal a ninguém.

Ressalte-se que alguns poucos Estados continuaram irresponsáveis até o século XX, entre os quais os EUA e a Inglaterra, 1946 e 1947, respectivamente.

A fase da irresponsabilidade perdurou por mais tempo na sociedade e, ainda pode ser percebida indiretamente na modernidade. A maioria dos doutrinadores pátrios afirmam a irresponsabilidade do Estado não foi acolhida pelo Brasil.

No entanto, Nascimento (1995) menciona a inexistência de responsabilidade pela intangibilidade do Rei e dos mandatários durante a fase de colonização das terras brasileiras. Ademais, o doutrinador assinala a existência das Ordenações Portuguesas como regra vigente no Brasil e salienta que, em especial as Ordenações Filipinas, foram baseadas na máxima “o rei não erra”.[6]

Também apresenta a possível fase de irresponsabilidade civil no Brasil colonial. O que refutaria boa parte da doutrina que mantém o entendimento quanto a inexistência de irresponsabilidade.

O livro quinto das Ordenações Afonsinas retrata em seus títulos comandos e consequências para os súditos do Rei. O primeiro deles é direcionado aos hereges que afrontam a justa posição do Rei e dos Príncipes que são enviados por Deus para governar o povo.

Nas Ordenações, os títulos, temas de cada enunciado, acabam por demonstrar que o súdito não teria a possibilidade de encontrar reparação frente as sempre acertadas atitudes do Rei.

A irresponsabilidade é decorrente da ideia de soberania do governante, normalmente o monarca, e do Estado sobre o cidadão. E, mesmo após a Revolução Francesa, de 1789,[7] com a adoção da tripartição dos poderes, a população era relutante em admitir a interferência do juiz nas funções do Legislativo, exercidas pelos representantes do povo, fato que manteve em certa medida a irresponsabilidade estatal em desfavor dos cidadãos.

Registre-se que a França não foi a primeira a instituir o Estado de direito com divisão de poderes. Os Estados Unidos a antecederam em 1787.

A irresponsabilidade do Estado foi se tornando insustentável com o passar do tempo.  Para trazer segurança jurídica buscou-se a situação ideal em que o Estado se submetesse às próprias leis.

Nesse contexto, o primeiro passo para a superação da irresponsabilidade do Estado é a previsão legal de situações específicas em que o Estado é responsabilizado por danos decorrentes de conduta de seus agentes, em desconformidade com o Direito posto.

A legalidade, nesse sentido, é apresentada como situação de início da suplantação da irresponsabilidade estatal, que perdurou por séculos.

Na análise contemporânea, é necessário ressaltar que a irresponsabilidade do Estado pode decorrer da impossibilidade da perquirição da reparação nos órgãos competentes. O cidadão sem amparo para acesso ao Judiciário, fica sem ação em relação à reparação civil.

Indenizar tem a ver com receber algo por conta de algum prejuízo causado por alguém. Reparar tem a ver com consertar o que foi danificado. Um dos principais aspectos do Direito Civil é a reparação de danos e a vedação do enriquecimento sem causa.

A indenização nasce do rompimento de uma obrigação que decorre de um ato que originara o dever de arcar com as consequências. A responsabilidade, nessa linha, é justamente qualquer situação na qual uma pessoa deva arcar com um ato, fato ou negócio jurídico danoso.

Compensação é a reparação “in natura”, substituindo o bem por outro semelhante, ou restaurando o bem danificado. (com = mesmo; penso = peso). Segundo a etimologia, é a reparação com “volta ao mesmo peso”; a devolução do próprio bem.

A reparação integral do dano vai além da indenização do imóvel afetado. A legislação ambiental brasileira, por exemplo, deixa evidente que a empresa causadora do dano ao individuo ou a coletividade tem por obrigação de reparar esse dano, de modo a fazer as circunstâncias da vida dessas pessoas afetadas voltarem a ser como eram ou melhores do que eram antes do dano, na maior medida possível.

A grosso modo, existem sete tipos principais de indenização previstas no direito pátrio, a saber: indenização por danos materiais, indenização por danos morais, o que tecnicamente é compensação, indenização por danos existenciais.

O dano existencial possui caráter objetivo, pois o evento danoso modificou a realidade da pessoa, de modo a obrigá-la a desistir de propósitos anteriormente traçados. Indenização por danos sociais que são também um tipo novo de indenização, refere-se ao rebaixamento do nível de vida em sociedade e pode ser tanto moral quanto de qualidade de vida.

Indenização por perdas de chance que incide sobre o que vítima deixou de ganhar, é frustração da oportunidade de um ganho patrimonial, ou ainda, pela redução de uma vantagem, por ato ilícito de um terceiro. Deverá ser real e concretamente comprovada. Indenização por dano estético deixado por marcas permanentes no corpo da vítima, causando incômodo psicológico e estético.

É uma restituição comum, em casos de atentado à integridade física e em erros médicos. São aqueles que deixam cicatrizes, sequelas ou quaisquer outros sintomas que causem insatisfação da pessoa.

E, finalmente, a indenização por morte. Quando o evento degradante culmina em morte, é de responsabilidade do culpado quitar as despesas geradas com o hospital e funeral. Assim como, pagar à família da vítima a quantia com a qual o morto contribuiria em seu tempo de vida produtiva. Portanto, esse valor é chamado de indenização por morte.

Dessa forma, o Estado, além do dever de manter previsão legal adequada aos anseios sociais quanto à responsabilização, deve manter o aparato judicial coerente com essa sistemática.

O Estado não deve ser formalmente responsável, e materialmente irresponsável por seus atos. Dessa forma, o Estado de Direito deve prever as hipóteses de responsabilidade, os ritos processuais e o acesso ao Judiciário de maneira simplificada.

A simplicidade decorre da posição de desvantagem do cidadão em situação de conflito com o Estado. Para equilibrar a relação jurídica, o ordenamento jurídico prescreve meios para facilitar a ação do cidadão.

Entre os meios, cita-se o reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado. Nessa hipótese, apenas o dano e o nexo de causalidade devem ser apresentados.

Enfim, afastar o cidadão da oportunidade de galgar a justa reparação é forma de solapar o comando constitucional de não lesionar que é imposto ao Estado. Esse ato de ocultar as garantias e desviar a atenção do povo está entre as diversas atitudes ardilosas utilizadas por   alguns governantes com o intuito de negar à população o efetivo acesso aos direitos e garantias fundamentais.

As garantias contra esses abusos estão previstas na Constituição Federal da República de 1988, que devem ser realizadas nos parâmetros aceitáveis, universais e justos, tendo-se em vista a insignificância do cidadão em face do Estado.

A inobservância de garantias constitucionais dá margem ao Ente Público de, por meio de artifícios ilegais, eximirse de responsabilidade, em desfavor do cidadão que, sem ação, sofre as consequências da violação de seus direitos resultado do descumprimento da Constituição da República.

Existem as situações em que o Estado, principalmente, os Estados-membros e os Municípios, embora condenados judicialmente, não cumprem as decisões judiciais em tempo hábil, configurando hipótese de descumprimento da Constituição e da legislação infraconstitucional. A propósito, traz-se a título de exemplo ilustrativo, o art. 100 da Constituição da República.

O referido artigo prescreve que depois do trânsito em julgado e da liquidação da sentença, o Presidente do respectivo Tribunal encaminhará até o dia 1º de julho, ao órgão fazendário, a requisição do precatório, para que o valor seja consignado no orçamento anual do exercício subsequente, devendo o pagamento ser efetuado no exercício, observando-se a ordem cronológica da apresentação dos precatórios. Frise-se que esse prazo de até um ano e meio para a quitação dos mesmos não é cumprido pela maioria dos Entes federados.

Alega-se que o problema dos precatórios atinge a todos os cidadãos e a todas as instituições do País, sendo o mais grave da história constitucional da República. A diferença, neste momento histórico, é que o problema, que antes era crônico e remontava aos tempos da proclamação da República, agora se tornou agudo e constante em função do julgamento do Supremo Tribunal Federal que, ao declarar inconstitucional o parcelamento do pagamento dos precatórios, poderá (hipoteticamente) suscitar uma crise institucional.

Justificam-se essa morosidade, alegando a falta de recursos financeiros, fato que pode servir de subterfúgio para o não pagamento das indenizações devidas, no prazo estabelecido pela Constituição Federal vigente, o que leva, ou pode levar, a situação contemporânea de irresponsabilidade do Estado. Há a responsabilização na lei e na Justiça, mas prevalece a irresponsabilidade na realidade prática vivente.

E, sobre os acordos realizados entre a Administração Pública e os credores dos precatórios, situação em que o cidadão renuncia até 40% (quarenta por cento) de seu precatório deixando de receber grande parcela do seu montante, conquistado mesmo depois longa e onerosa batalha judicial.

O deságio prejudica o direito concreto na medida que afasta o cumprimento regular das obrigações do Estado. A prática do deságio como padrão para os precatórios leva novamente a encriptação, ocultação, artifícios que configuram mitigação ou até a irresponsabilidade do Estado.

A dificuldade dos credores de receber os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária foi um dos motivos que levou à constitucionalização do precatório (VAZ, 2005, p. 80). Assim foi que o constituinte fez constar pela primeira vez no art. 182 da Constituição de 1934 a disciplina dos precatórios, estabelecendo a observância obrigatória da ordem de apresentação dos precatórios, sendo vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais, prática useira antes da Constituição de 1934.

A partir da Constituição de 1934, a disciplina dos precatórios sempre esteve presente no texto constitucional, constando do art. 95 da Constituição de 1937; do art. 204 da Carta de 1946; do art. 112 da Carta de 1967, passando para o art. 117, pela Emenda Constitucional no 1, de 1969, que apenas deslocou a matéria do art. 112 para o art. 117, sem alteração substancial na redação do dispositivo.  

“Apenas com o advento da Constituição de 1946 (art. 194), o ordenamento jurídico consagra a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, que é mantida na Constituição de 1967 (art. 105) e na EC 1/1969 (art. 107).” (In: OLIVEIRA, Rafael Rezende. Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, p. 765).

Vale dizer, quando pendentes de pagamento pela Fazenda Pública, seriam efetivamente quitados, de que o País pudesse seguir pela trilha dos Estados que podem ser considerados republicanos e democráticos de Direito. Tal, contudo, não ocorreu. Ao contrário do que era esperado e socialmente desejado, o problema agravou-se após a edição da Constituição de 1988, como se lê da explanação do Ministro Marco Aurélio na Intervenção Federal no 2.915-5-SP.

O descumprimento do disposto no texto original da Carta de 1988 acabou forçando a edição de sucessivas Emendas que, por sua vez, também acabaram descumpridas. Foram nada menos do que quatro Emendas alterando a disciplina dos precatórios.

Inicialmente, o dispositivo original foi alterado pela EC no 20, de 1998; posteriormente, veio a EC no 30, de 2000; depois, a EC no 37, de 2002; e, finalmente, a EC no 62, de 2009, que o Supremo Tribunal Federal acaba de declarar inconstitucional quanto ao parcelamento do pagamento dos precatórios. 

As estruturas sociais e estatais podem assegurar que os direitos dos cidadãos não sejam exercidos de maneira correta, acarretando grave prejuízo social.

As observações trazidas pelo doutrinador são válidas para criar a leitura crítica sobre alguns institutos que se perpetuam no Brasil sem explicação aparente e que escondem a violação do direito do cidadão.

A responsabilidade pessoal do agente público foi o momento de transição para a responsabilidade subjetiva do Estado, por culpa anônima. Cabe lembrar que a responsabilidade da pessoa é decorrente da visão civilista de culpa[8] ou dolo. É o que se constata na Constituição brasileira de 1824, que nos artigos 133, 143, 156 e 179, cuida de fato, nexo e dano, nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1824)

O momento de transição é visto na Constituição brasileira de 1824 no tocante aos artigos 99 e 129, que ressaltam que o Imperador é sagrado e inviolável, insusceptível de responsabilização, bem como a Regência e o Regente.

Verifica-se que os artigos citados trazem a coexistência da irresponsabilidade do Governante e responsabilidade dos agentes individualmente considerados.

A responsabilidade pessoal do agente público não foi abandonada no Direito brasileiro. O objetivo dessa manutenção é evitar que o agente seja inconsequente e utilize a máquina pública com fins diversos do interesse público.

Nessa perspectiva, ressalte-se a evolução do combate à corrupção experimentada pelo Brasil nos últimos anos. Dentre as diversas operações, a mais proeminente denominada “Lava-Jato”, vem alcançando os diversos níveis de corrupção.

A operação alcançou o setor público nas pessoas ocupantes de cargos dos primeiros escalões do Executivo, de parlamentares e assessores do Legislativo, dos Entes Federados, de diretores de empresas estatais e o setor privado, como as empresas privadas, empresários e altos executivos corruptores, que efetivamente contaminam a estrutura política do Brasil.

A responsabilidade do agente é prerrogativa do Estado de acordo com a jurisprudência constitucional e não pode ser invocada pelo particular. Assim, assegura-se o direito do cidadão em buscar a responsabilidade do Estado.

O momento de transição é visto na Constituição de 1824 no tocante aos artigos 99 e 129, que ressaltam que o Imperador é sagrado e inviolável, insusceptível de responsabilização, bem como a Regência e o Regente.

Verifica-se que os artigos citados trazem a coexistência da irresponsabilidade do Governante e responsabilidade dos agentes individualmente considerados. (BRASIL, 1824)

Na análise contemporânea, a responsabilidade pessoal do agente público não foi abandonada no Direito brasileiro.

O objetivo dessa manutenção é evitar que o agente seja inconsequente e utilize a máquina pública com fins diversos do interesse público. Nessa perspectiva, ressalte-se a evolução do combate à corrupção experimentada pelo Brasil nos últimos anos.

Dentre as diversas operações, a mais proeminente denominada “Lava-Jato”, vem alcançando os diversos níveis de corrupção.

A operação alcançou o setor público nas pessoas ocupantes de cargos dos primeiros escalões do Executivo, de parlamentares e assessores do Legislativo, dos Entes Federados, de diretores de empresas estatais e o setor privado, como as empresas privadas, empresários e altos executivos corruptores, que efetivamente contaminam a estrutura política do Brasil

A responsabilidade do agente é prerrogativa do Estado de acordo com a jurisprudência constitucional e não pode ser invocada pelo particular. Assim, assegura-se o direito do cidadão em buscar a responsabilidade do Estado.

O instituto da culpa é tipicamente estruturado na esfera civil e, apesar disso, ainda tem aplicação na jurisprudência constitucional no tocante à responsabilidade estatal.

Efetivamente não é possível falar-se em superação das antigas fases da responsabilidade do Estado, pois todas ainda mantêm ligação com o moderno Direito. Para compreender o desenvolvimento da responsabilidade, cabe, então, refletir sobre o instituto da culpa civil.

A culpa no ordenamento jurídico é mais do que o sentimento sob a ótica freudiana.  O instituto da culpa é marco importante para a sociedade, pois delimita a responsabilidade do agente público. Ela é o resultado moral ou jurídico de determinada ação e da consequência daquela ação.

Henri de Page define culpa como:

          “Muito simplesmente um erro de conduta, é o ato ou fato que não teria praticado a uma pessoa prudente; avisada; cuidadosa em observar as eventualidades infelizes que poderiam resultar para outrem”.

O Código Civil brasileiro não traz em seu bojo o que seja culpa, mas, com o estudo da doutrina pode-se dizer que culpa é não cumprir uma obrigação vigente. O legislador pátrio, principalmente no âmbito das relações Civis, sempre foi influenciado pelo Direito Romano, contudo, na área da Responsabilidade Civil quem se mostrou mais evidente a influenciar as normas do Código de 1916 foi o Código Francês que dizia: “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autri un dommage oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer”. (g.n.) Faute faz a menção a um dever de reparar um dano.

Os franceses sentiram muita dificuldade em definir a culpa, pois a conotação de faute é muito ambígua, significando erro ou falta. Em que pese esse dispositivo francês tenha sido de extrema importância para a noção de responsabilidade civil no Brasil, o legislador de 1916 preferiu valer-se da noção de ato ilícito como causa da responsabilidade, e o Código Civil de 2002 continuou nesse mesmo seguimento, trazendo em seu artigo 927 C.C.

O impacto social dado às especificidades da culpa fará com que a punição para o agente público seja mais branda ou não, considerando que os valores sociais estão intimamente ligados a atribuição de peso à culpa propriamente dita.

A responsabilidade convencional necessita da culpa para ser aplicada. Nesse sentido, as culturas antigas já aplicavam a lei da reciprocidade, conhecida como a lei de talião. Os antigos ensinamentos de Deus ao povo hebreu foram imortalizados no Torá[9], que traz regras sociais inestimáveis que, se constatada culpa, geram consequências severas.

O livro “Semoto / Êxodo” descreve situações de culpa e as consequências que ela trará: “[...], mas se resultar dano, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão em mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

A culpa é a “violação de dever jurídico de modo a causar dano à outrem”. No espectro da culpa existem várias faixas de ação expressas em dolo, culpa por omissão, escolha e imprudência.

O instituto da culpa também se divide em contratual ou extracontratual, significa dizer que a relação jurídica entre os sujeitos se estabelece por contrato prévio, também conhecido como responsabilidade obrigacional, ou pela ação, que é gatilho para a nova relação jurídica sem a necessidade de prévio acordo.

Muito se debate sobre a apropriação da culta no âmbito do direito público, pela ligação direta e típica ao direito civil. A utilização do instituto da culpa civil no âmbito das pessoas jurídicas e, principalmente, no Direito Administrativo é superficial e, ainda sofre dificuldades.

De acordo com Di Pietro (2014), inicialmente adotou-se a teoria civilista para a responsabilização do Estado, o que acabou fracassando devido aos aspectos peculiares da culpa e sua aplicação para as pessoas jurídicas.

Faria (2015) aponta o caso que marca o rompimento com o paradigma da responsabilidade pautada na teoria puramente civilista. Trata-se do caso Agnès Blanco ocorrido na França no ano de 1873 e deu ensejo ao processo no âmbito do Direito Público para apurar a responsabilidade da empresa estatal sobre o acidente.

Nesse viés, a verificação da culpa passa a ser vislumbrada na falta do serviço, sem buscar a identidade do agente envolvido, o que foi definido como culpa anônima da Administração Pública. Contemporaneamente, não há o abandono completo dessa vertente de subjetividade em relação às omissões do Estado.

Os julgados constitucionais salientam que a responsabilidade do Estado no caso de inação é subjetiva e depende, em alguns casos, de conduta reiterada para se configurar.

No caso da omissão genérica, o Estado tem o dever genericamente de realizar determinadas ações. Por exemplo, o Estado tem obrigação de fiscalizar as vias de trânsito. Quando há uma batida de carro, não necessariamente a omissão da fiscalização vai ser a causa da batida. Nesse caso, o dever de fiscalizar as vias é genérico. Portanto, nas omissões genéricas, a responsabilização só ocorre com a comprovação de culpa ou dolo (teoria subjetiva).

Outros julgados dão visibilidade à responsabilidade objetiva mesmo em casos de omissão. A chamada “omissão específica”[10] leva em conta algumas condutas que são presumidamente verificáveis, em consonância com o risco administrativo no caso concreto.[11]

Já a teoria do risco administrativo, adotada pela Constituição Federal Brasileira, assevera que o Estado será responsabilizado quando causar danos a terceiros, independente de culpa. Exceto nos casos de existência de excludentes como as de caso fortuito ou força maior e culpa exclusiva da vítima.

Mas esclareça-se que se adotou apenas a teoria do risco moderado ou mitigado e não do risco integral, que não admite qualquer causa de exclusão da responsabilidade.

Cabe esclarecer, entretanto, que como exceção e em hipóteses pontuais expressamente previstas em lei, pode-se identificar a adoção da teoria do risco integral na responsabilidade por danos nucleares[12] (CF/1988, art. 21, XXIII, d) e por danos causados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público (Lei 10.755, de 09.10.2003).

Nesses casos ademais de inexigir-se o elemento culpa, dispensa-se até mesmo o nexo causal, inadmitidas quaisquer causas excludentes da responsabilidade. Bastam apenas o fato material e o dano correspondente. (In: STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 3ª.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 187).

Apesar de ser mais coerente com o ordenamento jurídico, a demonstração da não conduta do Estado é difícil para o cidadão, fator que pode inviabilizar a reparação civil. Entretanto, a doutrina majoritária ainda sustenta a responsabilidade civil subjetiva do Estado nos casos de condutas omissivas. Entre os doutrinadores filiados a essa corrente de pensamento cita-se Dias (2004).

Jurisprudência “responsabilidade subjetiva”: AI 850063 MG. Rel. Min. Rosa Weber. DJ 10.09.2013; ARE  684736 CE. Rel. Min. Rosa Weber. DJ 20.08.2013; RE 585007 DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. DJ 05.05.2009; RE 603342 PE. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. DJ 02.12.2010. (BRASIL, 2017)

Jurisprudência “responsabilidade objetiva”: RE 677139 PR. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 20.10.2015; ARE 813433 RJ. Rel. Min. Rosa Weber. DJ 14.10.2014; RE 692332 PB. Rel. Min. Teori Zavascki. DJ 06.08.2013; RE 677283 PB. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 17.04.2012; RE 594902 DF. Rel. Min. Cármen Lúcia. DJ 09.11.2010; RE 607771 SC. Rel. Min. Eros Grau. DJ 20.04.2010; RE 573595 RS. Rel. Min. Eros Grau. DJ 24.06.2008. (BRASIL, 2017)

Apesar de existir doutrina tendente ao pensamento publicista em relação à responsabilidade do Estado, muitas vezes a jurisprudência resvala em questões de ordem subjetiva tipicamente civis para justificar e basilar as decisões.

O elemento subjetivo tem como cerne a culpa e depende do sujeito para ser verificada. A culpa, normalmente, se liga diretamente ao agente público e a prova de tal conduta ou omissão é complexa e dispendiosa para o cidadão prejudicado.

A título de análise, apresenta-se a problemática envolvendo o Estado e a verificação de culpa em suas ações. A complexa relação entre o terceirizado e a Administração Pública perpassa a teoria subjetiva em meio ao comando constitucional de responsabilidade objetiva, art. 37 § 6º da Constituição da República vigente.

Quanto à responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, o entendimento atual do STF é que ela alcança os usuários e os não usuários do serviço.

A responsabilidade subsidiária do ente público por débitos trabalhistas decorrente da terceirização é o típico problema da demonstração de culpa que o trabalhador deverá assumir.

A jurisprudência constitucional admite a responsabilidade da Administração Pública no caso de culpa in eligendo ou in vigilando[13], quando o Estado deixa de fiscalizar a empresa prestadora do serviço, terceirizada. Cumpre salientar que a Constituição vigente não prevê a responsabilidade subsidiária subjetiva[14] para qualquer ente federativo.

Outrossim, a responsabilidade subsidiária subjetiva deixa o cidadão, que trabalha para o Estado em regime de terceirização, desguarnecido de proteção objetiva, mais fácil de ser alcançada.

Nessa mesma ideia de culpa, fala-se em culpa publicizada7 que é associada à falta do serviço. O Min. Carlos Velloso, na formação da jurisprudência constitucional, ventila a ideia da teoria subjetiva para verificar a responsabilidade do Estado quando ele é omisso.

Dessa maneira, o julgador adverte que se deve demonstrar culpa por negligência, imperícia ou imprudência[15] para concretização do dano causado pelo Estado.

Indaga-se sobre a possibilidade de verificação de culpa no contexto constitucional de 1988. É decorrência lógica do art. 37 § 6º que o dano deve ser cometido por agente público, o que traz a necessidade de coadunar o ato ao dano pelo nexo de causalidade.

Aproveito para citar as jurisprudências abaixo-relacionadas:

Jurisprudência “responsabilidade subsidiária do Estado na terceirização”: RCL 12634 RO. Rel. Min.  Roberto Barroso. DJ 22.09.2015; Rcl 15512 AM. Reli Min. Rosa Weber. DJ 15.03.2016; RCL 21956 PE. Rel.  Min. Edson Fachin. DJ 01.03.2016; RCL 13703 DF. Rel. Min. Rosa Weber. 15.12.2015. (BRASIL, 2017)

Jurisprudência “culpa publicizada”: RE 179147, Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 27.02.1998; RE 372472 RN.  Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 04.11.2003; RE 369820 RS. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 04.11.2003; RE  179147 SP. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 12.12.1997. (BRASIL, 2017).

Não há a obrigatoriedade de demonstrar dolo ou culpa em qualquer caso, importando apenas a conduta em si, seja ela de ação ou de inação.

A subjetividade está associada apenas ao funcionário público quando ele é confrontado pelo Estado. A utilização de preceitos de culpa para elidir a responsabilidade estatal pode estar associada ao encobrimento de constantes violações dos direitos do cidadão em face da sistemática indigna de governo.

A responsabilidade objetiva do Estado é circunscrita de divergências no tocante a aplicação prática no Supremo Tribunal Federal. A origem desse instituto é decorrente da dificuldade de associar a culpa, subjetividade, ao Estado. O Min. Celso de Mello salienta os pressupostos da responsabilidade da Administração:

Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil  objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a  causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou  negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e  lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição,  incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não,  do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da  responsabilidade estatal. (BRASIL, 2012).

A discussão sobre a licitude ou ilicitude das ações do Estado não deve ser suportada no tocante à responsabilidade objetiva[16]. O dano causado pela ação lícita deve ser indenizado da mesma forma.

Não é possível desconsiderar a responsabilidade do Estado com pretexto de licitude. No entanto, ela poderia ser considerada na dosimetria do valor da indenização.

A inversão do ônus da prova cabe a admissão de excludentes é ventilada no Supremo Tribunal Federal em algumas questões da teoria objetiva de responsabilidade.

Nesse contexto, sublinha-se as ponderações da doutrina balizada que aponta ocultação da culpa no aspecto objetivo, o que levaria a aplicação de uma teoria subjetiva oculta no ordenamento jurídico pátrio.

A demonstração de inexistência de culpa por parte do Estado resvala tanto a questão processual de admissão do contraditório e da ampla defesa, quanto à questão de subjetividade das condutas do Estado. Por consequência, a inversão se torna perigosa na medida em que dá margem a não responsabilização do Estado por danos quando se alega outras excludentes.

A evolução da responsabilidade estatal levou a objetivação do instituto. Nesse contexto, adotou-se a formulação pautada na igualdade entre os cidadãos em que os danos causados ao indivíduo seriam repartidos para toda a sociedade. Assim as teorias do risco foram desenvolvidas para balancear a responsabilidade objetiva do Estado.

Os riscos se dividem em administrativo e integral que em síntese admitem ou não as cláusulas excludentes do nexo de causalidade[17]. A tentativa básica do risco administrativo é evitar a má conduta do indivíduo, que poderia valer-se do risco integral para alcançar a indenização sem amparo jurídico.

A vertente do risco administrativo está relacionada ao ato lesivo e injusto causado pela Administração Pública. Não há a perquirição de culpa no tocante aos atos da Administração, bastando somente na lesão e no nexo de causalidade.

Esse é o raciocínio predominante no Direito brasileiro, por conseguinte a jurisprudência vem reforçando a existência e aplicação da tese em muitos julgados. (MEIRELLES, 2005)

O risco administrativo possibilita afastar ou verificar a existência de responsabilidade pela análise do caso concreto.

Busca-se dessa forma, estabelecer a argumentação lógica de fatos e danos, e para além disso, abre-se a possibilidade de demolição do alegado na presença de excludentes de responsabilidade. A ação singular da vítima, a força maior e o caso fortuito seriam formas de romper o nexo de causalidade.

A jurisprudência, sobre o risco administrativo apresentada em nota de rodapé, lembram das constantes violações de direitos pela omissão e que seria inviável admitir teorias que facilitassem a responsabilização por omissão.

A jurisprudência constitucional traça o parâmetro de virtude aristotélica. O meio-termo, nem muita responsabilização do Estado, nem pouca. O pensamento que mais se aproximaria dessa virtude é o do risco administrativo.

Não quer isso dizer que os ideais de justiça são alcançados, sob essa ótica, o meio-termo poderia também ser utilizado como forma de prejudicar o direito do cidadão. A questão econômica é o principal fator que impossibilita a reparação do Estado em todas as hipóteses.

A ponderação deve ser feita sem perder o foco nos direitos fundamentais. O equilíbrio no orçamento público deve forçosamente também incluir as indenizações e diminuir gastos desnecessários, por exemplo, evitar: centro de compras no Congresso Nacional, publicidade/propaganda dos Entes federados e outras vantagens financeiras que só devem ser consideradas quando os demais direitos, mais importantes, forem assegurados.

A situação de risco criado é utilizada como forma de justificar a responsabilidade do Estado nos casos em que ele cria circunstâncias de risco para os cidadãos.

O risco criado ou suscitado pode derivar da situação de guarda de alunos, presos, idosos e pacientes, também pode surgir da guarda de objetos.

Nos ambientes geridos pelo Governo a responsabilidade é asseverada. Pessoas como alunos, detentos, custodiados e outros sujeitos, desde que submetidos a situação de risco pela ação da Administração Pública, são resguardados.

Na sistemática do risco criado a justificativa para a responsabilização do Estado está diretamente ligada à causalidade interna do evento. Eventos tipicamente externos, por exemplo, a queda de raio, não causaria responsabilização do Estado.

No caso da causalidade interna, a circunstância criada pelo Estado elevaria o risco do problema em si, por exemplo a briga de crianças na escola pública.

As situações logicamente decorrentes do risco causado, chamadas de extensão da custódia, também são de responsabilidade do Estado.

Dessa maneira, a fuga de detento e o imediato cometimento de crime gera a responsabilização do Estado. Cabe ressaltar que a condição de custódia deve ser determinante para o acontecimento.

Mesmo observando a sistemática do risco criado[18], a jurisprudência constitucional tem rechaçado a ideia de responsabilidade ligada ao risco integral.

A desconsideração de causas que poderiam quebrar o nexo de causalidade traria, segundo a doutrina, um risco sem precedente, conforme já comentado. Olvidam-se que a própria Constituição já delimitou as possibilidades de responsabilização, por isso, ir além, ou aquém da determinação é inconstitucional, por mais que a as decisões perpetuem essa prática.

O risco integral é retratado como ponto extremo da responsabilidade civil do Estado. Por esse motivo, o risco integral não é opção para o Supremo Tribunal Federal, de acordo com os julgados apontados em nota. (ARAGÃO, 2013)

No entanto, o risco integral[19] parece ser a alternativa que se coaduna melhor ao que foi previsto na Constituição brasileira vigente. Mesmo assim, é visivelmente inviável a admissão de tal raciocínio no Estado brasileiro pela imensa dificuldade na efetivação da responsabilização com fundamento no risco integral.

No direito pátrio, a Constituição Federal criou a possibilidade de duplicidade de indenizações em caso de acidente de trabalho. De uma forma objetiva, responde o INSS pela indenização tarifada devida ao empregado, seja qual for a causa do acidente. Assim a responsabilização é integral, vale dizer, adotou o nosso sistema a teoria do risco integral, sendo certo que, mesmo que o evento tenha sido causado exclusivamente pelo empregado, remanesce o direito à indenização.

Por outro lado, o empregado acidentado pode ser beneficiado por uma segunda indenização caso reste provado que o empregador agiu com culpa ou dolo, responsabilização subjetiva.

Não obstante o Estado deve se empenhar para transcender essas dificuldades e se colocar definitivamente na condição de responsável nos termos da Constituição.

Evitar gastos desnecessários é forma coerente de começar os trabalhos de efetivação da garantia constitucional de responsabilidade objetiva do Estado.

A justificativa do risco integral é baseada na ampliação do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. A sociedade compartilha suas dificuldades e arcam financeiramente com o prejuízo do semelhante. Todos seriam responsáveis por todos no contexto paradigmático. (CAHALI, 2012)

A regra que prevalece na jurisprudência constitucional é a do risco administrativo. O risco integral é evitado sob a alegação de impossibilidade prática do Estado em relação a arcar com os prejuízos da vida cotidiana do cidadão.

Para viabilizar a responsabilidade do Estado seria necessário admitir as excludentes de responsabilidade o que evitaria abusos no tratamento desse instituto em face da própria sociedade.

Cabe salientar que a doutrina do risco integral nunca foi admitida no ordenamento jurídico do Brasil. Durante sua análise, o doutrinador Meirelles (2010) adverte que ela poderia levar a situação de abuso de direito e a iniquidade social.

Apesar de ser a opção que mais se adequa às premissas da responsabilidade objetiva, o risco integral demanda maturidade social que os governos e a sociedade ainda não refletiram.

Decorrem do risco integral[20], implicação não só financeira, mas também de relação do Estado com o particular de maneira harmônica e honesta. Esse tipo de responsabilidade poderia interferir na vida dos cidadãos de maneira indesejada, tendo em vista que todos pagariam por um dano que o Estado não deveria suportar, e também poderia condicionar o Estado ao litígio eterno.

Assim, a mudança social exigida para admitir o risco integral é profunda. Aspectos como a mediação, a educação do cidadão e o comprometimento da Administração Pública, são fundamentais para essa transformação.

Saber se a adoção do risco administrativo ao invés do risco integral não é derivada apenas do pensamento de preservação do status quo do Estado é algo importante, mas difícil de concluir. Falar que o risco integral nunca foi ou será admitido pelo Estado, como pondera Meirelles (2010) é inviável.

Para visualizar a aplicação basta recorrer ao Ordenamento Jurídico e as hipóteses em que a jurisprudência e a doutrina aceitaram a ocorrência da responsabilização objetiva pelo risco integral. São exemplos:

O dano nuclear art. 21 da Constituição da República de 1988 “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. (BRASIL, 1988). Dentre as decisões do Supremo Tribunal Federal, sublinha-se o voto do Min. Ricardo Lewandowski, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.976, de 07.05.2014.

O Ministro relembra a existência da responsabilidade por risco integral no tocante ao dano nuclear, que é amplamente defendido na doutrina.

A responsabilidade por dano ambiental foi tratada pela Lei nº 6.938, 31.08.1981 como prescindível de culpa. Posteriormente, o julgado do Superior Tribunal de Justiça abordou a temática do risco integral nesses casos no Recurso Especial (RE) 13.737.88 SP.

Art. 14 §1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (BRASIL, 1981)

Como sugere Baracho Júnior (2000) o risco integral, em especial para o dano ambiental, advém da intangibilidade das causas de excludente de responsabilidade.

A ponderação traz consequências mais rígidas para o autor do dano, sendo essa a resposta à displicência em relação ao meio ambiente que se observa no Brasil.

A assunção de responsabilidade pela União nos casos de atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves é descrita na Lei nº 10.309 12.11.2001. A referida lei traz a sistemática do risco integral para o Ordenamento Jurídico dizendo:

Art. 1º Fica a União autorizada a assumir as responsabilidades civis perante terceiros no caso de danos a bens e pessoas no solo, provocados por atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras no Brasil ou no exterior. (BRASIL, 2001)

A responsabilidade objetiva por risco integral é assunto que permeia a jurisprudência constitucional, seja para a aplicação em alguns casos, seja como paradigma para basilar o risco administrativo.

Por certo, a evolução da responsabilidade do Estado não está completa e dependerá da movimentação da sociedade e da situação fática para que seja ponderada a sua efetiva aplicação.  Surgirão, certamente, novos casos possuirão valor emblemático com o novo modelo de precedentes trazido pelo Código de Processo Civil de 2015, a jurisprudência constitucional servirá de instrumento para evitar decisões divergentes no Judiciário.

A Constituição brasileira de 1988 foi fruto da preocupação popular em ter seus direitos resguardados em face do Estado. Foram associados direitos e garantias fundamentais com diversos comandos de ação para o Estado.

Surge então a difícil tarefa de compatibilizar os gastos públicos e a efetivação de direitos para o povo.  Dotada com muitos deveres e pouco engajamento dos políticos brasileiros, a falta de prestação das obrigações do Estado virou patologia estrutural.

A Constituição Federal brasileira vigente não cumprida gera a chamada omissão estatal e o cidadão permanece impotente para agir contra a lentidão e inação do Estado.

Várias promessas e pouca ação. O verbete é corolário da omissão do Estado frente às determinações constitucionais. Assim, a omissão do Estado pode ser sentida em várias situações.

A má conservação de estradas, o descaso médico da saúde pública, a falta de fiscalização e outras proposições podem dar ensejo a omissão. As várias possibilidades de verificar a omissão do Estado estão ligadas diretamente a benevolência constitucional do povo para o povo.

Dessa maneira, é prudente lembrar que a omissão, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários, fato, nexo e dano, que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes públicos, nessa condição, hajam causado a terceiros.

Dentre as decisões, sublinha-se o RE 179147 que tem como relator o Min. Carlos Velloso. Os julgadores adotaram a teoria subjetiva da responsabilidade civil do Estado em da ação deve demonstrar que a conduta omissiva foi resultado de uma inação genérica atribuída ao serviço público. (BRASIL, 1997)

Outras decisões que trabalham a responsabilidade extracontratual por omissão do Estado levam em consideração o aspecto objetivo do Direito.

O tema vem se desenvolvendo no Supremo Tribunal Federal, que ultimamente adota a teoria objetiva para os casos de omissão. Consagram os critérios objetivos para definir quando o Estado está omisso ou não, com o intuito de nortear as decisões das instâncias inferiores.

Registre-se que, atualmente, a adoção do risco administrativo é preponderante.  Sublinhe-se o RE 677139 PR cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes, julgamento, dia 22.10.2015.

Na ementa do respectivo recurso, salienta o julgador que a responsabilidade do Estado se dá pela teoria do risco administrativo mesmo que por omissão. Sendo pressuposto a demonstração de conduta, do dano e do nexo entre eles. (BRASIL, 2015)

A RESERVA DO POSSÍVEL E A BASE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL[21]

De acordo com Mendes (1999), a reflexão sobre a reserva do financeiramente possível surgiu na Corte Constitucional alemã. Seu pressuposto é condicionar o exercício de um direito previsto legalmente à disponibilidade financeira do Estado.

Atualmente, a reserva do possível é vista com ressalvas na jurisprudência constitucional. Apesar de utilizada, o Supremo Tribunal Federal é relutante em admitir a reserva do possível sem a fundamentação adequada e que não perpasse ou deixe transparecer a irresponsabilidade do Estado.

De acordo com os julgados, a reserva do possível não poderia ser utilizada para comprometer o núcleo básico do direito em análise. A omissão estatal não pode comprometer e frustrar direitos previstos na Constituição. O Estado deve ser responsabilizado pelo descumprimento de seus deveres, sendo vedado a ele dar apenas um parâmetro financeiro para o seu não cumprimento.

A responsabilidade do Estado não pode ser limitada pela reserva do possível na medida em que é garantia constitucional para defesa do cidadão. O complexo arranjo econômico para sustentar prestação digna para a população, resvala no descaso corrupto com que alguns governantes administram o Estado.

Coadunar com o erro estatal em casos de descumprimento de ordens constitucionais não pode ser atitude do Poder Judiciário, para isso existe o instituto da responsabilidade.

Novamente, cita-se as jurisprudências abaixo-relacionadas

Jurisprudência “teoria objetiva de responsabilidade quando por omissão”: RE 677139 PR. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 22.10.2015; ARE 847116 RJ. Rel. Min. Luiz Fux. DJ 24.02.2015; AI 852237 RS. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 25.06.2013; AI 734689 DF. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 26.06.2012; (BRASIL, 2017)

Jurisprudência “aplicação da reserva do possível[22]”: ARE 855476 MG Rel. Min. Dias Toffoli. DJ 16.02.2016; STA 223 PE. Rel. Min. Ellen Gracie. DJ 14.04.2008; ARE 745745 MG Rel. Min. Celso de Mello. DJ 02.12.2014; ARE 727864 PR. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 04.11.2014; AI 598212 PR. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 25.03.2014; ARE 855762 RJ. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 19.05.2015. (BRASIL, 20.

Estruturar a responsabilidade extracontratual do Estado no parâmetro filosófico contemporâneo é possível nos ensinamentos de Habermas, citado por Baracho Júnior (2000).  Depreende-se que a nova visão de Estado de Direito depende da inserção da sociedade como o principal norte para o desenvolvimento do ordenamento jurídico.

A divisão dos encargos e prejuízos é alicerce para a responsabilidade civil do Estado, essa estrutura é decorrência lógica da vontade do homem de viver na sociedade. A aceitação do instituto é racional e está associada à construção do processo democrático social de cada nação. Supera-se a ideia de castas sociais defendidas e a validade da norma fica mais próxima da virtude democrática.

Sendo esclarecedora a doutrina do prof. Rafael Oliveira:

         “É tradicional a distinção entre a responsabilidade civil por danos causados pela atuação estatal e o sacrifício de direitos promovido pelo Poder Público. Enquanto a responsabilidade civil do Estado pressupõe violação a direitos, normalmente mediante conduta contrária ao ordenamento jurídico (ex.: indenização por erro médico ocorrido em hospital público), gerando o dever de ressarcimento dos prejuízos causados, o sacrifício de direitos envolve situações em que a própria ordem jurídica confere ao Estado a prerrogativa de restringir ou suprimir direitos patrimoniais de terceiros, mediante o devido processo legal e o pagamento de indenização (ex.: desapropriação).

Na responsabilidade civil, a lesão aos direitos de terceiros é efeito reflexo da atuação estatal, lícita ou ilícita. Por outro lado, o sacrifício de direitos compreende atuação estatal, autorizada pelo ordenamento, que tem por objetivo principal (direto) restringir ou extinguir direitos de terceiros, mediante pagamento de indenização.” (OLIVEIRA, Rafael Rezende. Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, p. 763).

O assunto foi recentemente definido pelo STF na via da repercussão geral:

      “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.

Essa foi a tese fixada pelo Plenário, ao negar provimento, por votação majoritária, a recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (tema 777), interposto pelo estado de Santa Catarina contra acórdão que o condenou ao pagamento de indenização por danos decorrentes de erro na elaboração de certidão de óbito, que impediu viúvo de obter benefício previdenciário. O ministro Marco Aurélio foi o único a votar contra a tese.

A maioria dos ministros reafirmou entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à responsabilidade direta, primária e objetiva do Estado, contida na regra prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF/1988), pelos danos que tabeliães e oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a terceiros.

Também fixou orientação no sentido do dever estatal de acionar regressivamente o agente público causador do dano, por dolo ou culpa, considerado o fato de a indenização ser paga com dinheiro público.

Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator), que rememorou a jurisprudência da Corte sobre a matéria e afastou a possibilidade de se extrair a responsabilidade objetiva dos notários e registradores do art. 37, § 6º, da CF/1988.

Salientou a natureza estatal das atividades exercidas pelos tabeliães e registradores oficiais. Essas atividades são munidas de fé pública e se destinam a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade.

Ademais, consoante expressa determinação constitucional, o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização estatal (CF/1988, art. 236).

Segundo o ministro Fux, não obstante os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, a responsabilidade civil desses agentes públicos está disciplinada, de forma expressa, em norma de eficácia limitada, na qual definida a competência do legislador ordinário para regular a matéria (CF/1988, art. 236, § 1º).

Isto é, a própria Constituição Federal retirou o assento constitucional da regulação da responsabilidade civil e criminal dos notários, relegando-a à autoridade legislativa.

Frisou, no ponto, que o art. 22 da Lei 8.935/1994, na redação dada pela Lei 13.286/2016 (3), regulamenta o art. 236 da CF/1988 e prevê que os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

A disciplina conferida à matéria pelo legislador consagra a responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro. Portanto, não compete ao STF fazer interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (CF, art. 37, § 6º).

Ademais, ressaltou que o art. 37, § 6º, da CF/1988 se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente como “pessoas naturais” delegatárias de serviço público, nos termos do referido dispositivo legal.

Vencidos, em parte, nos termos e limites de seus votos, os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, e, integralmente, o ministro Marco Aurélio.” RE 842846/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 27.2.2019. (RE-842846).

A validade do art. 37 §6º, da Constituição da República de 1988, está no valor que a sociedade atribui a ele, assim, a construção da norma e sua aplicação devem estar intimamente ligadas a ação comunicativa. A função de integração social do direito fica então associada não apenas à norma, mas ao consenso e a convenção do cidadão.

Afastar-se dessa premissa filosófica habermasiana, pela confusão de decisões e pela modificação casuística da responsabilidade civil, demonstra a predominância da vontade do Estado sobre a vontade social. A soberania popular é o que justifica e limita a responsabilização do Estado e não o montante financeiro despendido para a reparação.

A racionalidade estruturada e condizente com a vontade do povo é o rumo decisório que a jurisprudência constitucional deve adotar, para que o Estado não seja dominante em relação ao povo, mas coerente com sua vontade.

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Notas:

[1] Responsabilidade direta há, portanto, os ditames constitucionais alcançam: Autarquias e fundações públicas de direito público; Empresas públicas e sociedades de economia mista quando prestarem serviço público; Pessoas privadas que prestam serviço público por delegação do Estado.

[2] O direito natural não envolve mais um conjunto de deveres estabelecidos pela lei natural, e, existem, na perspectiva de Rousseau, dois direitos naturais: a vida e a liberdade, frequentemente mobilizados contra uma tirania que pode se estabelecer em mais de um registro e sob mais de uma forma: como tirania paterna, como tirania política e como tirania colonial. Consequentemente, em um primeiro momento operamos no registro da antropologia e percebemos que, embora no puro estado de natureza os homens não tenham desenvolvidos as faculdades que possibilitam o conhecimento da lei natural, ela opera imediatamente pelas paixões naturais, sem ter a necessidade de ser mediada por qualquer faculdade adquirida.

[3] Em "Política", o filósofo grego ocupou-se em descrever as mais variadas formas de convivência humana sob um governo comum. Mais do que isso, ele também tenta responder a inúmeras indagações: quais formas de governo são as melhores? Por que ocorrem as revoluções? O que fazer para evitá-las? Que papel deve exercer a educação na melhoria dos cidadãos? Quais as características físicas e sociais de uma cidade ideal? Dentre as três formas de governo, Aristóteles admite que a monarquia e a aristocracia podem ser as melhores. Mas, para que isso aconteça, é preciso que, no comando do regime, exista um homem excepcionalmente sábio e justo, no primeiro caso, ou um grupo deles, no segundo. Como essa situação é incomum, a forma mais indicada de governo é a politia: mesmo que a cidade não possa contar com uns poucos homens de valor excepcional, é razoável que ela conte com muitos capazes de governar e de ser governados, alternadamente. Para evitar abusos, a politia conta com leis escritas a ser seguidas (daí ela também ser chamada de “governo constitucional”). Ou seja: a forma preferida por Aristóteles não está assim tão longe do modelo formal de democracia que temos hoje. O primeiro poder apontado por Aristóteles é o deliberativo. Assim como o nome sugere, este poder constitui na deliberação sobre os negócios do Estado, e corresponde ao poder Legislativo. Nesta categoria é notada a autonomia das Assembleias nas decisões tocantes a paz ou guerra; ou no estabelecimento de sanções para condutas criminosas. O segundo poder apontado corresponde ao Executivo. É dito compreender “todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las”. Para Aristóteles, este poder requer a criação de magistraturas que o deverão exercer exaustivamente para o cumprimento de funções essenciais para o bom funcionamento da sociedade, tais como abastecimento de alimentos e administração de edifícios públicos e privados. O terceiro poder se refere aos cargos de jurisdição, isto é, determina o alcance da atuação de juízes de acordo com seus referentes campos. Em suma, a concepção aristotélica no tangente a separação de poderes é crucial para que os interesses sociais sejam atendidos, em detrimento dos interesses de um único governante. Afirma que a política é o bem mais importante em uma sociedade, e este se encontra atrelado de maneira inseparável da ideia de justiça, esta que é alcançada por meio de tratamento igual entre indivíduos em situação de igualdade.

[4] Responsabilidade do Estado é a obrigação dos órgãos públicos e demais entes estatais de reparar os danos que seus agentes causarem no exercício da função pública. Pode ser objetiva – quando os atos praticados pelos agentes públicos resultam em prejuízos ou danos a terceiros, mesmo sem culpa – ou subjetiva, quando basta demonstrar o dano provocado pelo agente do Estado, e o nexo causal.

[5] No direito civil o dolo não tem importância, pois a culpa o abrange, logo, não haverá distinção se o ato ilícito causado foi doloso ou não. Giovanna Vistintini aponta que esses dois aspetos, estruturalmente não têm nada em comum. De fato, há uma longa distância no ato pelo qual o agente procura intencionalmente o resultado (dolo) e naquele que se dá por negligencia, imprudência ou imperícia (culpa). Em sede de indenização, porém, as consequências são idênticas.

[6] Quanto à adoção do instituto da responsabilidade; vigorou em tal sistema, até 1947, a teoria da irresponsabilidade do Estado em relação ao dever de reparar danos causados aos particulares. Era baseada no princípio “The King Can do no Wrong” – o Rei não erra.  Quem respondia perante os tribunais pela reparação de danos causados aos particulares era o funcionário, com a aplicação do princípio de responsabilidade baseado no dever que cada patrão tem em relação a seu funcionário, assim como no dever que este detém em relação ao patrimônio de outrem.

[7] O Código Civil brasileiro de 2002 moderniza, nesse contexto, trouxe melhor perspectiva do Direito Civil a nível de codificação. E trouxe mecanismos relevantes para a intervenção nos contratos, tendo em vista o princípio da preponderância dos interesses sociais, sem a quebra de intangibilidade do princípio da autonomia da vontade. E, Renan Lotufo ensinou in litteris: "O Código francês, que deveria refletir os princípios da Revolução (Liberdade, Fraternidade e Igualdade), focaliza dois outros valores fundamentais: Propriedade e Contrato. Admite que a propriedade deve ser para todos e que deve existir liberdade contratual para todos, entendida, como algo inato a todo ser humano, eis que todo ser humano é livre para contratar como e com quem quiser. Tal estrutura do Código fora extremamente criticada no curso temporal, pois é exatamente a liberdade dada aos contratantes que levou o fraco a ser submetido ao forte, de onde se chegou a célebre frase de Lacordaire: "entre o fraco e o forte a liberdade escraviza e a lei liberta". In: Da oportunidade da codificação civil. Artigo publicado na ed. n. 68, dezembro de 2002. Revista do Advogado dedicada ao tema. Novo Código Civil. Aspectos Relevantes

[8] Ressalte-se que esta mudança de concepção da culpa (de psicológica a normativa) foi criticada por alguns doutrinadores. Assim, René Demogue sustenta que a culpa normativa, ao adotar o critério do bom pai de família objetivo, procedendo-se à análise in abstracto da culpa, contraria a ideia de responsabilidade subjetiva.22 Por outro lado, há quem sustente que a culpa apreciada in concreto se revela mais apta a “incitar os indivíduos a se mostrarem mais prudentes”.

[9] A "culpa judaica" entrou na literatura norte-americana há meio século, e após dezenas de filmes de Woody Allen e Bernard Malamud, a idéia evoca uma caricatura de auto-culpa neurótica; o pai judeu que, sessenta anos depois, ainda acha que todos os fracassos do filho se devem ao fato de ele não ter comprado a bicicleta que o garoto queria no seu sétimo aniversário; a mãe judia que está convencida de que sua incapacidade de impressionar a esposa do presidente da sinagoga marcou sua família como párias sociais por todas as gerações; o rabino que acredita que todos os problemas do mundo são causados pelos pecados que ele próprio cometeu. Uma visão egocêntrica, falha e pessimista do universo.

[10] A responsabilidade por omissão do Estado existe, mas deve ser levada em consideração outra Teoria. Quando o ato que determinou a responsabilização for uma ação do Estado, é usado a Teoria do risco administrativo (teoria objetiva), por outro lado, no caso de omissão do Estado, a teoria utilizada é a da culpa administrativa, ou seja, a teoria subjetiva.

[11] Considera-se omissão específica e por isso deve-se utilizar a teoria objetiva. Ou seja, havendo conduta (ou falta de conduta), dano e nexo causal, o Estado deverá indenizar terceiro prejudicado.

[12] Já o conceito de dano nuclear é: “O dano pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados”.

[13] A culpa in eligendo ocorre quando a responsabilidade é atribuída a quem escolheu mal aquele que praticou o ato, e, in vigilando, quando consequente de sua falta de vigilância ou atenção, de que resultaram os fatos motivadores dos danos e prejuízos. Mas se a pessoa é um servidor do governo, a vítima só precisa provar que sofreu um dano e que esse dano foi originado pela ação do funcionário. A vítima não precisa provar a culpa ou dolo do servidor público. Ou seja, ele não precisa provar o que se passava pela cabeça do servidor público. Ainda que tenha sido um mero acidente, o governo continua responsável pelo dano causado por seu servidor. Ele é responsável pela indenização, independente da culpa de seu servidor: dano e causalidade são suficientes.

[14] A responsabilidade subsidiária tem caráter acessório ou suplementar. Há uma ordem a ser observada para cobrar a dívida, na qual o devedor subsidiário só pode ser acionado após a dívida não ter sido totalmente adimplida pelo devedor principal. A responsabilidade subsidiária é quando uma empresa é responsável de forma secundária pela dívida. Entretanto, só é possível acioná-la caso a primeira não pague. O Reclamante não poderá cobrar da empresa que responde subsidiariamente, sem que haja primeiro uma cobrança contra a outra empresa. No Brasil, a delegação de serviços está regulamentada pela Lei 8.987/95, na qual fica expresso que essas empresas prestam o serviço por sua conta e risco, e em caso de danos assumem a responsabilidade objetiva de repará-los. Com base na lei, o Estado responde por eventuais danos causados pelas concessionárias de forma subsidiária. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são muitos os processos em tramitação que discutem esses temas, tanto nos colegiados de direito público quanto nos de direito privado. A obrigação de reparar danos, decorrente da responsabilidade civil, surge nas mais diversas situações, como atropelamentos em rodovias cedidas, acidentes na rede de transmissão elétrica e até mesmo a falta de peixes em um rio em razão da construção de uma usina hidrelétrica. Dependendo da composição das demandas, elas podem ser julgadas no âmbito da Primeira Seção do STJ (Primeira e Segunda Turmas, especializadas em direito público) ou da Segunda Seção (Terceira e Quarta Turmas, especializadas em direito privado). A definição da competência interna para o julgamento das demandas relacionadas à delegação de serviços já foi tema de discussões no STJ. Em 2002, ao analisar a responsabilidade das sociedades de economia mista nesses casos, a Corte Especial definiu entendimento que é seguido pelo tribunal até hoje.

[15] Negligência, imprudência e imperícia são termos presentes em diversos cenários jurídicos. De uma maneira geral, negligência é a omissão da conduta esperada para uma determinada situação; imprudência é a ação sem cautela; e imperícia é a ação equivocada por falta de técnica, de inaptidão. Verifica-se que negligência é não fazer o que deveria ser feito, imprudência é fazer o que não deveria ser feito e imperícia é fazer mal o que deveria ser feito corretamente.

[16] A responsabilidade civil objetiva é aquela que acontece independentemente de culpa ou dolo. Eis que, portanto, os elementos que devem estar presentes são os três restantes: ato ilícito; nexo de causalidade; dano. Há diversas justificativas para as leis adotarem a responsabilidade objetiva. Uma delas é a teoria do risco da atividade: determinadas atividades expõem os demais membros da sociedade a riscos, e quem se beneficia delas teria o dever de reparar os danos causados, independentemente de culpa ou dolo.

[17] As excludentes de nexo de causalidade: fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito e força maior. Para essas excludentes, referencia-se o art. 393, do CC: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

[18] Podemos definir a teoria do risco criado como aquela que sempre envolve vantagem para agente ativo da relação jurídica relevante. Podemos assim dizer que aquele que tira proveito da situação gravosa ou do prejuízo causado a outrem tem o dever legar de reparação. A teoria do risco teve diversas vertentes, destacando-se a do risco-proveito, a do risco profissional, a do risco excepcional, a do risco integral e a do risco criado. Pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito; onde está o ganho, aí reside o encargo- ubi emolumentum ibi onus. Caio Mário da Silva Pereira sintetizou: aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo, [...] A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do risco proveito. Aumenta os encargos do agente, é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. In: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,1992, p. 24.

[19] A teoria do risco integral constitui uma modalidade extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v.g. culpa da vítima; fato de terceiro, força maior). A teoria do risco integral originalmente legitimou a responsabilidade objetiva e proclama a reparação do dano mesmo involuntário, responsabilizando-se o agente por todo ato do qual fosse a causa material, excetuando-se apenas os fatos exteriores ao homem. Trata-se de uma construção jurisprudencial a ser aplicada em casos excepcionais, na medida em que a sua adoção representará a imposição de uma obrigação objetiva de indenizar, mesmo que as circunstâncias evidenciem a existência de uma excludente do nexo causal.

[20] A teoria do risco integral constitui uma modalidade extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v.g. culpa da vítima; fato de terceiro, força maior). A teoria do risco integral originalmente legitimou a responsabilidade objetiva e proclama a reparação do dano mesmo involuntário, responsabilizando-se o agente por todo ato do qual fosse a causa material, excetuando-se apenas os fatos exteriores ao homem. Trata-se de uma construção jurisprudencial a ser aplicada em casos excepcionais, na medida em que a sua adoção representará a imposição de uma obrigação objetiva de indenizar, mesmo que as circunstâncias evidenciem a existência de uma excludente do nexo causal.

[21] Na responsabilidade extracontratual o agente infringe a um dever legal, porque não existe nenhum vínculo jurídico (relação jurídica) entre a vítima e o agente antes do evento, enquanto na responsabilidade contratual o agente ofende a um dever contratual - é inadimplente em relação a uma obrigação contratada. Já, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana é aquela que deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, consoante o art. l56 do CC, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual. A utilidade da distinção da responsabilidade contratual ou extracontratual está precisamente na facilidade de se imputar a responsabilidade no primeiro caso: havendo o descumprimento de cláusula contratual, presume-se a culpa pelo inadimplemento, impondo-se, por conseguinte, a reparação do dano causado. O inadimplente apenas se desincumbirá da obrigação se provar a existência de excludentes de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior14, alguma excludente contratual) – invertendo-se, por conseguinte, o ônus da prova.

[22] A ideia de reserva do possível é frequentemente associada à alegação de insuficiência de recursos apresentada pelo Estado como forma de se eximir do cumprimento de suas obrigações no campo dos direitos sociais. A invocação da cláusula da reserva do possível serviria como uma escusa, utilizada de forma genérica pelos entes estatais, para não concretizar os direitos sociais. A expressão “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen) foi utilizada pela primeira vez pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, em julgamento proferido em 18 de julho de 1972. Trata-se da decisão BVerfGE3 33, 303 (numerus clausus), na qual se analisou a constitucionalidade, em controle concreto, de normas de direito estadual que regulamentavam a admissão aos cursos superiores de medicina nas universidades de Hamburgo e da Baviera nos anos de 1969 e 1970. Em razão do exaurimento da capacidade de ensino dos cursos de medicina, foram estabelecidas limitações absolutas de admissão (numerus clausus).  BVerfGE é a abreviação de Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts (decisões do Tribunal Constitucional Federal).


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Responsabilidade Civil Estado Teoria do Risco Administrativo Responsabilidade Objetiva CF/88

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