Reinvenção do Estado
A definição do Estado contemporâneo nos faz mergulhar num oceano de questionamentos. Toda organização estatal é precedida pelo mercado, posto que a única forma do primeiro se sustentar é pela via de exploração de riquezas alheias e, estas, só surgem por meio da produção e troca livre entre os homens. Então, conclui-se que o Estado nada produz, apenas subtrai e, dessa expropriação ainda decorre a imposição da ordem legal para que se legitime seus atos, finalidades e, principalmente, seu sistema tributário. A reinvenção do Estado o reafirma como sendo concreto e histórico, porém, não de caráter gral e universal.
Entendeu-se
sobre o elevado custo de nada fazer diante de nova realidade, portanto, o
Estado-Providência que já definha à olhos vistos, peca por sua excessiva
dimensão. E, a vigente crise social de viés econômico-financeiro traça uma
oportunidade, para redimensionamento[1].
Eis
que o momento histórico requer a reinvenção do Estado que passará a ter como
centro gravitacional a ampla liberdade individual dos seus cidadãos,
representando o decisivo elemento para, enfim, ressuscitar o espírito
democrático e, mitigar o peso do Estado sobre a economia e dinâmica social.
Pelos
diferentes países, ideologias e contextos que variam de dimensões geográficas,
políticas e organizativas do Estado, tem-se que considerar que o Estado por
mais que sejam diversas as realidades, a concepção é afetada pela chamada
globalização, tecnologia e a existência de cidadãos informados e livres, além
de participativos.
Lembremos
que a inércia diante da nova realidade cobra elevado preço, pois o Estado
Social definha publicamente e escandalosamente, tornando-se insustentável.
Ademais o agravamento da crise econômica e financeira é mundial, o que demanda
uma reinvenção da organização e funcionamento das estruturas vigentes do
Estado. Não se trata de revolução, mas de uma reconstrução da ideia de
liberdade e progresso.
De
fato, eis um desafio contemporâneo complexo que é a reforma do Estado, uma vez
que a existência do Estado Moderno sempre foi uma das principais vantagens do
Ocidente, porém, o modelo adotado depois da Segunda Guerra Mundial tem-se
mostrado extenuado, não representando mais o bom governo. Enfim, novos fatores
que alavancam mudanças e, muitos pensadores continuam a defender, por razões
econômicas, demográficas e políticas que o Estado permanecerá crescendo, e por
via da dependência e da influência eleitoral dos subsídios dependentes, que
exigem mais e mais serviços sociais estatais.
Observa-se
também o paradoxo que é o gigantismo do Estado e os cidadãos-eleitores que não
estão satisfeitos da forma como estão a ser governados, o que incrementa uma
poderosa espiral de irresponsabilidade e de corrupção nos países ocidentais. E
tal problema também começa a surgir nos chamados países emergentes,
particularmente, a China, Índia, Rússia e Brasil que identificam a necessidade
global de se reformar seu Estado.
Em
nosso país, um dos mais gravosos problemas centra-se na corrupção governativa,
o que só nos faz concluir que o Estado terá fatalmente que se reformar para ser
hábil a funcionar saudavelmente no século XXI.
Neste
exato contexto, a China coloca em destaque dois dos principais valores do
Ocidente, o sufrágio universal e a existência de generosidade assistencialista
de cima para baixa. E, simultaneamente, em nosso país, vivencia-se a crise das
pensões, procurando imitar as formas alternativas existentes no Estado Social
europeu[2].
De
fato, um questionamento se avulta que é saber o real papel do Estado, cuja
apreciação deve ser amparada no pragmatismo e em princípios políticos sólidos,
inseridos na compreensão e aceitação de que estamos perante um mundo tecnologicamente
diferente, que já permitiu alterar as relações laborais, porém, não logrou
êxito em otimizar a gestão do Estado, nem sequer aumentar a produtividade e
eficiência do setor público.
Para
cogitarmos em reinvenção do Estado, temos realmente de conhecer profundamente
sua evolução histórico nos últimos três séculos e, reconhecer que os defeitos
de que tanto padece o Estado contemporâneo, para se ter uma redefinição de seu
papel e, das soluções alternativas pelas quais se deve pautar o vigente paradigma
do Estado e, ainda, quais os valores que devem nortear essa reforma.
A reinvenção
do Estado se preocupa em saber qual modelo será o adotado para o século XXI e,
mostra-se fundamental perceber que a sua evolução nos últimos três séculos, o
que é resumido nas concepções de segurança de Hobbes (século XVII), de
liberdade individual dos cidadãos de John Stuart Mill (século XVIII e XIX) e,
por derradeiro, na concepção do Estado do Bem-Estar Social de Beatrice Webb.
Registre-se
que não se deve encarar o Estado como um "mal necessário", vez que as
não terão necessariamente essa forma e, nem corresponde a história e a
atualidade. Pois é mais perigosa a existência do Estado, do que sua ausência.
Segundo Micklethwait e Wooldridge (2015) "o Estado pode ser um instrumento
de civilização" cujo aumento da despesa em curto prazo poderá até ser
justificável, porém, no futuro impõe-se a necessidade de controlar seu
gigantismo acelerado.
O
resultado redundou em ameaça às liberdades dos indivíduos que ficam
condicionados nas suas opções, uma vez que mais de metade do seu rendimento
será alocada ao pagamento de impostos, bem como condicionados por meio de licenciamento
e regulamentações de todas espécie.
O
conceito de Estado centralizador idealizado no moderno conceito de Estado-nação
nascido em 1651, com a publicação do Leviatã, de Hobbes, em que surge da noção
de contrato social existente entre governados e governantes. E, nessa
construção, o Estado tinha como funções a Lei e a Ordem, através de um soberano
que detinha o poder legitimado pela eficiência da sua governança. E, nesse
contrato social, o cidadão procedia à alienação da sua liberdade, com exceção
do direito último à vida.
Dessas
mencionadas funções o Estado tinha como poderes especiais o de legislar e o de
criar um Estado-Providência[3], no qual o governante não
era o Estado, mas antes a primeira pessoa do Estado a velar pela Ordem e pela
Lei. E, assim, John Locke na estrutura filosófica do Estado do século XVII
entendia que os cidadãos delegavam um poder num soberano por motivos de
conveniência e por medo, com vista a preservar o seu direito de propriedade.
Juntamente
com este modelo surgiu também o pensamento econômico de Adam Smith, segundo o
qual o mercado era o verdadeiro motor do progresso, do qual o Estado deveria
manter-se afastado, pois a intervenção do ente estatal, ainda que fosse
necessária, era vista como nefanda e nefasta e como uma forma de extorquir
impostos à sociedade e usá-los para sustentar os gastos desproporcionados dos
ricos.
No
bojo da obra "O Contrato Social" Jean-Jacques Rousseau referia que
"o homem nasce livre; E, por todo lado está acorrentado" (Micklethwait;
WOOLDRIGE, 2015), pelo que se entendia que o Estado tinha de ser controlado
pela vontade geral da população.
O
Estado como "guarda noturno" na dicção de John Stuart Mill que nasceu
em resposta do Estado centralizador, por meio das revoluções americana e
francesa do século XVIII. E, a preocupação deste doutrinador não era criar a
ordem a partir do caos, mas assegurar aos beneficiários dessa ordem a
possibilidade de desenvolverem ao máximo as suas capacidades e de alcançarem a
felicidade pessoal.
E,
nesse sentido, defende-se a existência de um Estado mínimo ou Estado guarda
noturno de natureza liberal e de pequena dimensão. E, influenciado pelas teses
utilitaristas, a função do Estado seria a de promover a máxima felicidade, pelo
que o êxito estava em libertar a iniciativa privada do jugo do Estado e dar
lugar ao espírito do mercado livre.
E, a
economia que é regida pela mão invisível do mercado, segundo Adam Smith. Logo,
as funções do Estado deviam ser reduzidas ao mínimo, com o mercado a assumir a
função de relevância na parte não assumida pelo Estado, não devia ser feito
pelo Estado nada que pudesse igualmente ou mais bem feito pelo esforço
voluntário (Micklethwait; WOOLDRIDGE, 2015).
A
doutrina de John Stuart Mill pregava a revolução moral do Estado fulcrada no
mérito e, não no favor, pois era o entendimento que a situação de desemprego
era consequência do fracasso moral e não no fracasso do mercado (Mill, 1859). A
intervenção do Estado somente justificável para evitar que os cidadãos
causassem danos, ainda que implicitamente reconhecesse que os objetivos do
Estado sendo ampliados enquanto civilizador das grandes massas populacionais, por
via do alargamento do sistema de ensino.
No
século XIX, Hegel veio a defender que o Estado devia ter um papel mais
relevante, confirmando que o Estado era a "marcha de Deus na terra",
como consequência de se começar a olhar para as condições sociais das
populações. Nos EUA, Lincoln (1854) entende que " é finalidade legítima do
governo fazer por uma comunidade de pessoas tudo que necessitam que se faça mas
não podem, de todo, ou não podem tão bem, fazer por si mesmos, pelas suas
separadas e individuais capacidades".
O
Estado Social ou Estado Providência[4] surgiu como resposta ao
questionamento da existência de efetiva liberdade sem direitos sociais, tendo
tido como grande pensadora Beatrice Webb, que vem defender a ideia de "um
mínimo garantido para uma vida civilizada" (Micklethwait; WOOLDRIDGE,
2015), como resultado da existência de diferentes oportunidades para pessoas em
condições de vida diversas.
E,
nesse sentido, defendeu e ratificou que "vimos que só ao Estado poderia
ser confiada a provisão para futuras gerações, isto é, defende-se uma ideia de
um mínimo nacional, consubstanciada na tributação de toda a população como
forma de proporcionar benefícios sociais aos mais desfavorecidos, que passaram
a ser vistos como vítimas da sociedade e do mercado capitalista.
Esta
nova ideia de liberdade de carências e de igualdade de oportunidades e vem
implicar numa concepção de Estado intervencionista, bem como críticas ao laissez-faire
(Keynes, 1936), onde se defendeu que a salvaguarda do capitalismo devia ser galgada
pela realização de despesa pública, o que está na origem da construção de um
Estado agigantado. E, o Estado depois da Segunda Guerra Mundial começa numa
fase de crescimento, com sacrifício do bem individual em favor do bem coletivo,
com base na crença na fraternidade.
Nesse
fatídico momento, a despesa com os direitos sociais cresceu exponencialmente e
aproveitando que o PIB ter crescido como nunca havia ocorrido (1950-1973),
apenas interrompido com a crise petrolífera. E, os efeitos da Segunda Guerra Mundial,
da guerra fria, bem como as teorias econômicas de Keynes que promoveram a
implementação de um Estado de dimensões gigantescas, o que teve como
consequência o aumento dos impostos e a consequente diminuição do rendimento
disponível. E, no plano da justiça, o conceito de igualdade passou das
oportunidades iguais para a igualdade de resultados.
A
teoria do Estado Social ainda hoje se mantém implementada no mundo, apesar de
que nos anos oitenta se ter tentado proceder à primeira tentativa de reinvenção
do Estado. E, nesse período estavam
vigentes as teorias econômicas e de Estado mínimo de Friedman e Friedman (2012)
que alguns países tentaram implementar. Essa tentativa ocorreu com especial
intensidade nos EUA e na Inglaterra, repetidamente nos governos de Ronald
Reagan e Margaret Thatcher, em que se entendeu inserir um conjunto ampliado de
privatizações, com o fito de reduzir a dimensão agigantada de Estado, o que
apenas fora conseguido parcialmente.
A
doutrina de Friedman e Friedman (2012) entendia que o Estado sofria de problema
de tamanho, de gigantismo, em que se impunha a sua redução, de modo a tomá-lo
um mero parceiro ocasional, ou, na expressão de Stuart Mill, um guarda noturno,
diferentemente da onipresença defendida no Estado Social. Por seu turno, Hayek
(1944) mencionou nas suas obras que o agigantar do Estado acarretava o perigo
de sua insustentabilidade, o que levaria ao esmagamento da sociedade e da
liberdade dos cidadãos.
Ipso
facto, na Europa fora fundada a Escola Austríaca que pregava o pensamento
liberal de Mises (19510, Hayek (1960) e Popper. E, por outro viés, nos EUA, a
Escola de Chicago defendeu que os reguladores eram muitas vezes capturados
pelos regulados e, foi onde Friedman (1962) teve os poderes de adivinhação na
correlação que fez entre o intervencionismo estatal e o declínio nacional. E, na
Europa, Hayek e, nos EUA, Milton Friedman reinventaram as velhas ideias do
liberalismo do século XVIII e XIX adaptadas nos anos oitenta.
Com os
crimes do fim do século XX e início do século XXI foi a consequência natural e
esperada dos exageros cometidos, como havia advertido por Milton Friedman,
acentuado a partir dos anos setenta, o Estado começa a falhar em suas funções
nucleares. E, além disso que a intervenção com objetivos de justiça de
resultados e, não justiça de oportunidades, estava a produzir resultados muito
pouco igualitários, designadamente os pagamentos da assistência social
tomaram-se perversos, comprometendo a responsabilidade individual e amarrando
as pessoas à pobreza.
Eis a
época histórica quando grande parte da população passou a viver à custa do
Estado, por meio de subsídios, isenções e benefícios de toda a espécie e, onde
um terço da população ativa trabalhava no setor público. E, ipso facto, o
crescimento da dimensão do Estado promoveu fenômenos de complexidade e
inflexibilidade, o que gerou expressiva pressão sobre a economia, cujo
crescimento deixou de conseguir acompanhar o crescimento dos direitos e dos
benefícios sociais.
Aliás,
Margaret Thatcher influenciada pelas ideias de Hayek (1960) afirmou com razão
que era necessária "uma revolta mundial contra o Estado grande, o excesso
de impostos e a burocracia" e, em consonância, promoveu a redução da
despesa pública. E, tal política teve como consequência o aumento do desemprego,
a redução da inflação, a redução do número de dias de greve, a redução de taxa
máxima do imposto e, por derradeiro, deu início ao processo de privatizações
que findou por não concluir.
Enfim,
os últimos acontecimentos contemporâneos mostram de forma evidenciada que os
Estados e seus governos ter-se-ão de concentrar apenas em providenciar bens
públicos como a Lei e a Ordem. E, são reconhecidos esforços no sentido de
alterar o tamanho e funcionamento do Estado, conforme se deu com o Brasil, de
Fernando Henrique Cardoso, quando se promoveu a introdução de um programa de
privatizações de "modelo-Thatcher".
Já, no
mundo inglês Tony Blair e Bill Clinton defenderam nos seus governos que a
globalização era incompatível com o Estado agigantado. E, assim, o final do
século XX é de crescimento contínuo do Estado Providência, com a introdução de
regras e regulamentos que governam tudo e todos, com a redução da liberdade dos
cidadãos.
Na
Europa, a despesa cresce progressivamente, bem como o peso do Estado no PIB. E,
concretamente, no sul da Europa, depois de medidas restritivas com vista ao
cumprimento de requisitos de acesso à moeda única, fruto de taxas de juros
muito baixas, iniciaram um processo vicioso de endividamento.
O princípio
que deve guiar a reinvenção do Estado, nos termos defendidos pelos liberais
Stuart Mill e Milton Friedman é o princípio da liberdade, o qual na atualidade
tem sido sistematicamente colocado em causa, fruto da acumulação de
responsabilidades e da imposição à sociedade de cada vez mais custos ocultados.
E, assim, os principais defeitos do Estado contemporâneo são, a saber: 1. o
desajustamento face à globalização; 2. a influência dos grupos de interesse; 3.
a fraca produtividade do Estado; 4. a complexidade legislativa; 5. o desconhecimento
da realidade; 6. a falha da progressividade; 7. o funcionamento do sistema
político; 7. Os cidadãos-eleitores.
O
desajustamento do Estado diante das novas condições demográficas, bastante
distintas daquelas que serviram de base à atual concepção de Estado. Na União
Europeia é explícita e notória existênccia de estrutura política e organizativa
extraordinária, que adiciona novas regras e regulamentações, criando uma
confusão de responsabilidades sobrepostas. Este desajustamento em face da globalização
sendo notória a incapacidade de o Estado tornar eficiente o setor público.
Resultante
da teoria de Baumol que defendeu que a produtividade nasceu mais lentamente nos
indivíduos de trabalho intensivo. E, por esta teoria se explica que o Estado se
tornaram maiores porque se dedicaram as áreas da economia de trabalho
intensivo. E, assim, enquanto a indústria torna-se mais eficiente, tal não
sucede com os serviços da educação e da saúde, o que se justifica pela fraca
introdução tecnológica que o Estado não tem promovido, bem como devido à
pressão de grupos de interesse em que tal não ocorra.
De
acordo com a teoria de Olson (1971) demonstrou que os grupos de interesses têm
grande vantagem nas democracias, e quanto maior for o grupo, menos promoverá os
seus interesses comuns. E, a regulamentação é uma decorrência bélica dos grupos
de interesse, constituindo um entrave a novos concorrentes e permitindo a
existência de subsídios para todos. Isto é, o grupo pequeno (lobby) determinado
consegue impedir um interesse público, mais vasto, o que sucede, com os
sindicatos que tenham ligações com partidos de centro-esquerda. E, a
consequência é acrescida a dificuldade de se despedir no setor público e de controlar
ou minorar os benefícios que obtém.
Outro
busilis é a contabilidade mascarada e de desorçamentação de custos do Estado.
Nos Estados ocidentais a imprecisão dos números no setor público é grave
problema, a que acresce a dificuldade em obter números fiáveis. E, por outro
viés, existe ainda a ocultação do lado das receitas, tornando numa primeira
análise o sistema fiscal muito complexo, e de países que adotam o sistema de
taxa única.
Alguns
sistemas fiscais traz uma óbvia consequência pois as isenções, subsídios e
compensações favorecem sempre as classes mais abastadas e ainda existe o
problema da evasão fiscal.
Quanto
à falha da progressividade resulta da conclusão de que o Estado não se está a
concentrar naqueles que mais precisam, os pobres, mas antes concentra o seu
apoio aos idosos e às classes mais abastadas. No fundo, apesar de se afirmar
progressivo, o Estado grande não é muito progressivo, pois os impostos sobre o
consumo afetam os mais pobres, bem como existe o subsídio dependência que
beneficia acima de tudo a classe média. Já quanto aos idosos, estes são
nitidamente mais privilegiados em relação aos jovens que herdam a
responsabilidade de sustentar as pesas reformas das gerações anteriores. Enfim,
conforme Micklethwait e Wooldridge, in litteris: "a democracia é um voto
pelo passado. Porque é um voto pelos votos instalados do presente".
O
funcionamento do sistema político, o qual é disfuncional, o que vem motivando
uma paralisia política, em resultado das lutas políticas entre as competências
da esfera nacional e europeia. Por outro lado, os países anglo-saxónicos e
nórdicos pretendem manter o Estado fora do setor privado, enquanto os Estados
continentais entendem ser papel do Estado intervir na economia. Estas
divergências têm tido como resultado o afastamento de gente talentosa do setor
público, que mantém os salários baixos e uma hierarquia rígida.
Por
fim, o oitavo defeito corresponde aos cidadãos-eleitores, que reúnem os
anteriores defeitos, decorrente do facto da natureza humana ter levado a que o
poder fosse transferido em demasia para grupos de interesses especiais. Por
outro lado, como referem com propósito Micklethwait e Wooldridge (2015), “a
democracia está a ser desfigurada por expectativas irrealistas e exigências
contraditórias”, tendo em conta que o cidadão-eleitor deseja impostos mais
baixos e menos burocracia, mas que ao mesmo tempo pretende um Estado grande.
O fim
do século XX e o início do século XXI veio a demonstrar que os governantes
possuem consciência do problema, o que levou a que alguns países da zona do
Euro que estavam a ser mal-administrados (Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e
Grécia) empreendessem mudanças e encetassem as reformas estruturais. E,
igualmente, na Inglaterra de James Cameron conseguiu diminuir a despesa pública
para menos de quarenta por cento do PIB, invertendo o despesismo do governo de
Margaret Thatcher.
Em
pleno século XXI é entendimento que já não basta a mera desregulação da
economia, é necessário reinventar o Estado por via do afastamento de um Estado
de dimensões gigantescas. A solução asiática tem várias “caras” e
particularidades, mas o caso de Singapura é sintomático daquilo que é possível
fazer, uma vez que este país de pequena dimensão geográfica conseguiu que a
despesa pública atingisse somente 17% do PIB e, ainda assim, tem um dos
melhores sistemas de educação e saúde.
Na
realidade, constata-se que perante um Estado de inspiração liberal (Hobbes e
John Stuart Mill) e com algo de muito particular. Por um lado, partindo do
pensamento de Hobbes, entende-se que os seres humanos são por natureza maus,
tal maldade tem de ser controlada e, por isso, adotam um regime autoritário e
elitista. Por outro, seguindo o pensamento de John Stuart Mill, erigiram um
diminuto Estado vigilante, que proporciona aos seus cidadãos as oportunidades
(e não os resultados) e depois deixa-os tratar do seu próprio bem-estar.
Esta
solução levanta duas questões ou dúvidas, isto é, se deve o Estado ser
democrático e até que ponto deve ser generoso para com os cidadãos. A solução
encontrada por Singapura dá preferência à responsabilização dos cidadãos e à
eficiência, o que é sintomático no pensamento de Lee Kuan Yew – “não acredito
que a democracia conduza necessariamente ao desenvolvimento” (MICKLETHWAIT;
WOOLDRIDGE, 2015). Ao invés, defende que esse desenvolvimento está na
disciplina e num bom governo assente na meritocracia.
Com a
ideia de Estado-vigilante pretende-se mantê-lo com uma dimensão pequena e
tornar as pessoas responsáveis pelo seu próprio bem-estar, de modo a combater
os exageros do Estado-providência (MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2015).
Por
exemplo, no que se refere à assistência social, Singapura adotou um seguro
social, no qual os cidadãos pagam para o fundo central de previdência, enquanto
nos Estados ocidentais os subsídios são baseados na condição social de cada um.
Assim, no sistema de Singapura aquilo que é recebido provém em 90% do que se
descontou e, por isso, compensa trabalhar, existindo ainda assim uma pequena
rede de protecção para os pobres ou muito pobres.
Em
síntese, Lee Kuan Yew aduz ao problema da democracia in litteris: “quando
se tem democracia popular para ganhar votos tem de se dar mais. E para se bater
o adversário nas eleições seguintes tem de se prometer ainda mais”
(MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2015), o que corresponderá àquilo que poderemos
designar por leilão a ser pago pelas futuras gerações.
Por
seu turno, a China também entende que o sistema ocidental não é eficiente,
argumentando que tanto a economia como a sociedade necessitam ser dirigidos,
pelo que aceitar a governação de alguns será a chave para o sucesso da
governação.
Portanto,
nosso país de dimensões continentais, cuja dimensão corresponde a um problema
que o próprio Brasil enfrenta, vigora a ideia de capitalismo de Estado, em que
a diplomacia e a economia estão a cargo do Estado. Por isso, não foi por acaso
que o Brasil de Dilma Roussef tem destinado muitos recursos a um conjunto de
grandes empresas, para produzir um modelo de política industrial, nas quais
adquire muitas vezes pequenas participações (O Leviatã como acionista minoritário).
O
capitalismo de Estado não está isento de dificuldades, sendo que o maior deles
resulta da corrupção, mas também se verifica uma menor valorização bolsista das
empresas do setor público em confronto com as empresas do setor privado, a
redução de produtividade e o fato de os resultados serem obtidos por via de
subsídios escondidos.
O
capitalismo de Estado, ancorado no autoritarismo e na meritocracia, levou
Friedman (2009) a afirmar que “A autocracia de partido único tem decerto os
seus inconvenientes. Mas quando é chefiada por um grupo de pessoas
razoavelmente esclarecidas, como na China de hoje, pode ter também grandes
vantagens”.
Analisemos
a solução nórdica, a trazida pela Suécia nos anos sessenta, seguindo o
pensamento igualitário quando adotou a solução do Estado Providência, que levou
o país a chegar a 63% do PIB em 1993. Porém, com a reinvenção do seu Estado
conseguiu reduzir a gigantesca dimensão do Estado para uma despesa pública
correspondente a 49% do PIB, e também em cortar a taxa marginal máxima de
imposto em 27% para 57%, e eliminar o imposto sobre a propriedade, as doações,
a riqueza e as heranças. E, com essa política rígida no campo financeiro,
consubstanciada na obrigação de excedente orçamental.
Atinente
a um dos assuntos mais sensíveis, as pensões que passaram a ser vistas não como
benefício, mas como contribuições, com ajustamentos indexados à alteração da
esperança média de vida. E, no campo da educação se adotou o conceito de
escolas independentes e cheques-ensino. A área da saúde foi aberta à gestão dos
privados, numa ótica de produtividade tendencialmente gratuita, com apenas o
pagamento de um pequeno valor residual.
Por
seu lado, a Dinamarca erigiu um dos mais avançados sistemas de e-governament,
salvaguardando o melhor que podia ser retirado do Estado-providência e
estudando formas alternativas de prestar os principais serviços sociais.
O
sistema nórdico tem o indivíduo como seu objeto e não o crescimento do Estado,
com base nas ideias de liberdade, de responsabilidade financeira e de
concorrência, afastando-se de qualquer ideia de paternalismo e de planificação.
Em consequência deste modelo, os países nórdicos têm vindo a dominar os índices
de inclusão social, de competitividade e de bem-estar, bem como têm uma das mais
elevadas percentagens de participação das mulheres na vida ativa e uma forte
mobilidade social, conseguindo manter um Estado-providência generoso.
Em
resumo, estes países conseguiram demonstrar que o Estado pode ser dominado,
abrindo caminho a uma das soluções de futuro para a reinvenção do Estado, isto
é, o papel da tecnologia através do e-governament.
Porém,
a solução nórdica representa um princípio, não uma solução que possa ser
utilizada de igual modo em todos os países; mas dessa solução resulta o papel
da tecnologia para a redução da dimensão do Estado e para a construção de um
Estado mais eficiente.
A
melhoria do Estado pela via tecnológica é apenas uma das faces da reinvenção do
Estado, pois é também necessário encontrar uma solução para os grupos de
interesse, grupos de pressão e para os lobbies instalados.
O
busilis colocado pela teoria de Baumol, no sentido de que os mecanismos que
estimulam a produtividade do setor privado não seriam aplicáveis no setor
público, poderá hoje encontrar a sua resolução através da inovação tecnológica
(revolução tecnológica).
São
exemplos desta revolução as aulas online, os instrumentos tecnológicos que
permitem fazer a correção de exames e as novas tecnologias que tornam os
métodos de ensino mais eficientes. A revolução tecnológica também tem permitido
melhorar a eficiência numa das áreas nucleares para Hobbes, a segurança
(Ordem), visível pela redução da taxa de criminalidade.
A
solução nórdica encontrou igualmente solução para o problema da demografia,
consubstanciado nos custos elevados com pensões e saúde, através da introdução
da tecnologia nos cuidados de saúde. No que se refere aos custos na saúde
introduziram a cobrança de uma pequena taxa como forma de financiar e de
desincentivar o recurso sistemático aos hospitais. O sistema de pensões foi
reedificado com base nas contribuições e não tanto nos benefícios, através da
introdução de um mecanismo que leva a que parte da pensão seja transferida para
o setor privado (seguros), com a indexação da pensão ao crescimento económico
ou à recessão e com o aumento da idade da reforma.
A
reinvenção do Estado começou após a introdução de novas soluções adotadas por
alguns países quando restou demonstrado que o dogma do Estado grande ou gigante
é possível de ser ultrapassado, e que não seja adequado as demandas do século
XXI. Ressalte-se que as soluções têm de ser condicionadas por questões práticas
e ideológicas, mas igualmente por fatores externos que acarretarão fatalmente à
remodelagem do Estado e, que ocorrerá por meio da revolução tecnológica e da
globalização.
Enfim,
o Estado não se atualizou e continuou a funcionar da mesma forma semelhante ao
que sucedia há cem anos, assente em premissas que estão hoje deslocadas do
tempo histórico. A primeira premissa errônea é que o Estado devia fazer o mais
que pudesse internamente, isto é, devia ter o monopólio de tudo o que
implicasse em qualquer interesse público, o que veio a ter como efeito a
institucionalização dos grupos de interesse.
A
segunda premissa errônea foi que a tomada de decisões pelo Estado devia estar
centralizada, o que é uma lógica que não funciona, em particular na saúde e na
educação. A terceira premissa errônea é a uniformidade, a qual resultou de um
culto pela igualdade, segundo o qual seria dever do Estado assegurar que
ninguém recebia menos do que aquilo que tinha direito, devido ao azar ou
preconceito de classe, o que é totalmente desconexo como um mundo flexível. Por
derradeiro, a última premissa errônea funda-se no pensamento de que a mudança é
sempre para pior, no qual a inovação é diabolizada.
Diante
da evolução histórica dos últimos trezentos anos, particularmente, das
tentativas de introduzir as alterações ao Estado nos anos oitenta resulta a
conclusão da extrema dificuldade em introduzir reformas, as quais não ocorrem
em muitos casos por egoísmo do próprio gestor público, mais preocupado em
salvaguardar os seus interesses econômicos.
Porém,
a crise financeira que vem originando a falta de liquidez dos Estados, a
consciência de que a governação poderia ser mais eficiente e de melhor
qualidade, levam a acreditar que estão reunidas as condições necessárias para a
reinvenção do Estado.
Na
realidade, a globalização e a revolução tecnológica que mudaram o setor privado
estão igualmente a começar a introduzir-se no setor público, através do
aparecimento de formas mais eficientes de governação. Porém, as primeiras fases
de introdução tecnológica demonstraram que é necessário que esse processo seja
acompanhado por uma alteração do modo de trabalhar.
Por um
lado, numa época de globalização a centralização fundada na escassez de
informação não faz hoje sentido, sendo preferível a existência de um Estado em
rede como forma de gerar uma maior participação da sociedade e,
consequentemente, incentivar a existência de comportamentos mais responsáveis.
Por outro, a globalização exige cada vez mais transparência e concorrência, bem
como a existência de um Estado pequeno.
Neste
sentido, Tony Blair defendeu a existência de “um Estado pós-burocrático”, com
um centro de decisão pequeno e uma multiplicidade de fornecedores públicos e
privados de serviços.
Em
resumo, a reinvenção do Estado passa pela introdução do pluralismo, da
diversidade, do localismo e da transparência e concorrência. O pluralismo é
essencial para a existência de transparência e concorrência, devendo-se abrir
as prestações de serviços públicos aos privados, como são exemplos os hospitais
privados e as escolas independentes (Suécia).
Esta
pluralidade deve ser adequadamente alvo de supervisão, de modo a evitar-se os
abusos e a corrupção, o que poderá ser minimizado pela introdução de sistemas
de informação e avaliação públicos, ao dispor dos cidadãos.
A
diversidade deve implicar a existência de diferentes tipos de organizações
dentro do setor público, o que teria efeitos sobre a aplicação de novos métodos
de melhoria dos resultados, a atração de pessoas fora do funcionalismo público,
bem como incentivaria a existência de grupos de trabalho voluntários.
O
localismo é fundamental, pois resulta que as melhores ideias têm surgido da
administração local e não da administração central, as quais são os
laboratórios para as reformas dos governos centrais. A isto acresce o facto de
os cidadãos estarem mais interessados nas ideias que são defendidas pelos
responsáveis locais. Esta é uma solução que os países com dimensões
continentais, como o Brasil, não podem deixar de adotar.
A
mudança é atualmente algo que está começando a enraizar-se na sociedade, pois
existe a percepção da necessidade de mudar o Estado fazedor, central e
uniforme, mas ao contrário do que sucedeu nos últimos séculos a mudança está a
surgir de baixo para cima.
Percebida
a vontade e as condições necessárias à mudança da conceção de Estado em que
temos vivido, importa responder à questão sobre a utilidade do Estado e que
incumbências lhe devem ser atribuídas no âmbito do Estado digital e
globalizado. Será hoje consensual que não bastam reformas pragmáticas em face
dos interesses e grupos instalados, pois vive-se numa época em que impera a
crise de ideias e a dificuldade em adaptar o Estado a um “novo” mundo. Com
efeito, urge admitir que a igualdade tal como a vemos hoje em dia e o que
tradicionalmente resulta da cidadania foi demasiado longe, levando à construção
de um Estado gigantesco, que paradoxalmente tornou-se um inimigo da liberdade
individual dos cidadãos.
O
Estado tem necessidade de ser reinventado, através do regresso aos grandes
princípios dos liberais do século XVIII e XIX, corporizados por John Stuart
Mill e Tocqueville, da revisão da amplitude dos direitos adquiridos, que se
encontram em desarmonia com a revolução tecnológica e a globalização. Logo,
mostra-se premente que o Estado não esgote os poucos recursos que tem à sua
disposição, que proceda à utilização da tecnologia de modo a tornar-se mais
produtivo e eficiente, e que volte a colocar liberdade no centro da ideia de
Estado.
O
indivíduo deve se beneficiar da máxima liberdade, por isso o enfoque do Estado
não deve estar na igualdade e na fraternidade. O núcleo das liberdades a serem
salvaguardadas deve consistir na liberdade de opinião, da vida privada, de
expressão e de propriedade, com base no argumento moral de que as pessoas têm direito
a viver as suas vidas de acordo com as suas próprias vontades, pois como
afirmava Kant “o paternalismo é o maior despotismo imaginável” (BERLIN, 1981).
A
limitação da liberdade vem sendo fundamentada com um argumento prático, mas
trata-se de uma falsa troca entre a liberdade e o bem-estar comum, pois o
bem-estar não pode justificar a mitigação das liberdades dos cidadãos.
A
liberdade de iniciativa económica e o desenvolvimento económico não são
incompatíveis com a harmonia e o bem-estar social. Por exemplo, a tributação do
rendimento através de taxas progressivas, pelo qual se tributa mais
gravosamente os cidadãos mais abastados, é um ataque à liberdade, que sendo um
pequeno ataque irá gerar um grande ataque.
Contemporaneamente,
a margem de autonomia dos cidadãos é reduzida, tendo o conceito de liberdade
sido subvertido, através da redução gradual da importância da liberdade. Para
os liberais do século XVIII e XIX era preocupante o nexo entre a existência de
um Estado grande e a democracia de massas, pois no seu pensamento não seria
muito diferente passar da tirania de poucos para a tirania de muitos. Ora, o
que temiam veio a acontecer durante o século XX, uma vez que o cidadão-eleitor
vota em favor que o Estado dê e faça cada vez mais, o que tem influência sobre
a sua liberdade, mas nem por isso se obteve um Estado e uma Democracia
melhores.
No
entanto, paradoxalmente o governo aprovado pela vontade geral democrática, que
nunca foi tão grande e sobrecarregado como agora, é severamente criticado pela
sua ineficiência pelos mesmos cidadãos. Importa ter presente que a limitação de
determinadas liberdades, designadamente a económica, não teve uma contrapartida
adequada ao nível do bem-estar social. Pelo contrário, é crescente o declínio
da confiança no Estado e o desprezo dos cidadãos-eleitores pelos seus
governantes, bem como a paralisia do Estado resultante da existência de muitos
governos de coligação.
O
Estado está igualmente a falhar porque lhe estão a dar aquilo que ele mais
deseja, poder e obrigações excessivas, o que resulta de uma questão ideológica,
centrada no facto dos governos de esquerda terem colocado como questão central
a igualdade e a fraternidade. O que devia ser igualdade de oportunidades
tornou-se igualdade de resultados, e a fraternidade passou a ser uma questão de
direito adquiridos, os quais seriam devidos a todos, para além de qualquer
princípio de responsabilidade, o que levou a subverter a ideia de liberdade.
Em
verdade, os objetivos e funções do Estado têm falhado, o que nos leva a
concluir que essas falhas são as utopias sociais.
Portanto,
cada novo programa social torna mais difícil ao Estado prosseguir as suas
funções nucleares, o que implica uma dificuldade fatal em implementar economias
de escala, devido a inegáveis problemas de coordenação e excesso de burocracia.
Outra das vertentes da dimensão excessiva do Estado tem origem nas exigências
dos cidadãos-eleitores, que pretendem cada vez
mais
serviços do Estado, mas que em contrapartida não estão dispostos a pagar por
eles, voltando a exigir em compensação outros serviços adicionais e, deste
modo, criando-se um círculo vicioso. Neste sentido, os governos de direita
também têm responsabilidades no crescimento do Estado, por via da implementação
do securitismo, o que cria mais uma limitação à liberdade.
Por
outro lado, cada novo programa ou departamento governamental torna mais difícil
a capacidade dos cidadãos e dos seus representantes de fiscalizar os
comportamentos do governo e de corrigir as suas falhas e abusos, levando a que
as próprias estruturas superiores de governação sejam incapazes de controlar ou
supervisionar as decisões que são tomadas nos níveis inferiores. Este facto é
notório no elevado endividamento local para satisfazer interesses especiais. Em
consequência, face ao não funcionamento do Estado, a reinvenção do Estado deve
ser fundada na liberdade e numa dimensão organizativa e funcional menor.
O fato
de se defender uma visão liberal do Estado e da sociedade não significa ser-se
libertário, pois pensamos que o Estado-providência conseguiu algumas conquistas
importantes, bem como determinadas funções vitais devem manter-se sob controlo
privativo do Estado, numa lógica de guarda-noturno e de fornecedor de
infraestruturas.
Pelo
que a redução da dimensão do Estado deve ser temperada por uma visão pragmática
da realidade, assumindo-se como adequada a visão de Alfred Marshall: “que não
seja posto a trabalhar naquilo que não está especialmente qualificado”
(MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2015).
A
reinvenção do Estado deve tomar em consideração a necessidade de adequar-se a
uma dimensão que seja sustentável, como forma de conseguir controlar, por um
lado, o descontentamento popular e a desilusão pelas promessas incumpridas e,
por outro, evitar a sucumbência do Estado pelo seu peso excessivo na economia e
na sociedade, uma vez que é preferível um Estado pequeno e forte a um Estado
grande e fraco, em que se respeite a liberdade dos cidadãos, se inculque a
responsabilidade dos mesmos, que seja eficiente e produtivo nas suas funções
nucleares.
O
processo de reinvenção do Estado passará assim na posição que assumimos pela
redução da dimensão do Estado, através da diminuição das suas funções, o que
constitui um fator que irá melhorar a gestão, em conjunto com a introdução do
elemento tecnológico. Esse objetivo deverá ser concretizado por um “novo”
processo de privatizações que ficou incompleto nos anos 80, pelo corte nos
subsídios, que beneficiam indiretamente mais as classes abastadas e os grupos
de interesse e, por fim, pela reforma da atribuição de direitos sociais,
assegurando que estes visam os mais pobres e que são sustentáveis a longo
prazo.
Apesar
do movimento de privatizações dos anos 80, o Estado mantém a titularidade sobre
muitas empresas, imóveis e terrenos. As privatizações constituem uma forma
adequada de reduzir a dívida pública e de melhorar a administração desses
mesmos bens, sendo que a regulação consiste na melhor forma de salvaguardar os
interesses públicos nos setores dos transportes, eletricidade,
telecomunicações, que até hoje têm sido vistos como setores estratégicos para o
Estado.
O
desmantelamento dos interesses e dos subsídios que favorecem os mais ricos e
influentes consiste numa forma de evitar a subida dos impostos, pelo que se
mostra mais adequado que o Estado se concentre na eliminação da rede de
benefícios (Estado-providência dos ricos), isto é, no desmantelamento do
capitalismo de compadrio, corporizado por subsídios a indústrias politicamente
bem relacionadas.
Essa
atuação deve ser também extensível ao sistema de impostos sobre o rendimento
individual, que se encontra distorcido pela ajuda às classes mais abastadas,
uma vez que transforma bens públicos em ganhos privados, minando a
competitividade da economia e desviando recursos escassos. O Estado deve
concentrar-se na luta contra a corrupção, bem como contra um sistema fiscal
cheio de subterfúgios, isenções, benefícios fiscais, que devem ser abolidos ou
reduzidos de forma faseada, de modo a permitir a descida das taxas de impostos
e a simplificação do sistema fiscal.
A
explosão dos direitos sociais constitui o principal problema do Estado, os
quais vêm crescendo de forma contínua desde a Segunda Guerra Mundial, o que se
agrava com o envelhecimento progressivo da população. Paradoxalmente, o Estado
em vez de cuidar dos mais desfavorecidos vem esbanjando recursos financeiros
com o estado-providência das classes mais abastadas.
Por
outro lado, os custos crescentes com a saúde têm levado ao agravamento dos
custos sociais, pelo que importa encontrar soluções, que deverão passar pelo
aumento da idade da reforma, pela indexação da pensão à esperança média de vida
e à evolução da economia, o que melhoraria, segundo se julga, o PIB em 1%, uma
vez que haveria mais gente a trabalhar. Ademais, os benefícios deveriam estar
indexados à inflação e não aos rendimentos do trabalho, em que uma parte
deveria estar abrangida por um seguro social, em vez da pura assistência social.
Quanto
aos custos clínicos, a solução deverá passar pela organização dos hospitais, na
qual algum dos trabalhos médicos passasse a ser efetuado por pessoal não
médico, bem como pela utilização mais intensa de máquinas e tecnologia. A
utilização das unidades hospitalares deverá estar sujeita ao pagamento de
pequenas taxas, de modo a evitar a sua utilização excessiva. Por fim, os outros
benefícios fiscais deverão sujeitar-se a um pagamento maior por parte dos seus
efetivos beneficiários, de modo a não se subsidiar a ociosidade e a evitar
abusos.
Efetivamente,
Beveridge (1942) defendia a limitação temporal da assistência social, bem como
a verificação dos rendimentos para impedir que os ricos acedessem a benefícios
destinados aos pobres. Além disso, o Estado tem a obrigação moral de impedir o
empobrecimento das gerações futuras em favor das gerações atuais, a que acresce
a criação de uma dívida implícita para o futuro. Como referido, hoje estão
reunidas as condições necessárias para a reinvenção do Estado, designadamente
através da revolução tecnológica nas áreas identificadas como nucleares – lei,
ordem, saúde e educação –, e por via da concorrência das novas conceções de
Estado provenientes do Oriente.
O
segredo de um bom Estado (ou governo) reside em controlar as paixões humanas,
não em as desencadear, o que deverá ser obtido através de cargos políticos de
duração mais longa. Importa recordar que John Stuart Mill tinha razão quando
receava que a maioria das massas predominasse, coagindo as minorias ao conformismo,
por pressão moral e regulamentação legal – “todos escravos (iguais) de um
Estado todo-poderoso (tirano)” (MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2015).
O
cidadão-eleitor está cada vez mais afastado dos governos e dos políticos, não
vota, detesta os políticos, odeia os corruptos e ineficientes, mas não coloca a
ideia de democracia em causa. As falhas da democracia estão a ser reveladas,
porque os governos estão a fazer o que os eleitores querem, atrofiando o seu
funcionamento e promovendo o crescimento incontrolável do Estado.
O
acentuar de questões ideológicas tem prejudicado o funcionamento da democracia,
o que é acentuado pela manipulação de círculos eleitorais, os quais estão cada
vez mais alheados da ideia de liberdade, com o consequente regresso à velha corrupção.
Na União Europeia é patente a falta de democracia desde a sua génese, visto que
se tratou de um projeto de elites, de modo a controlar paixões, mas onde tem
existido pouca vontade política na eliminação desse défice democrático. Tal é
evidente no processo que conduziu à introdução do euro, sem qualquer consulta
democrática, ou com as “novas” pretensões de controlar e vetar os orçamentos
nacionais.
Por um
lado, existe o problema profundo da democracia participativa, ameaçada pela
globalização, o qual está a promover a mudança das políticas nacionais, fruto
de se reconhecer que se cedeu em demasia poderes relacionados com o comércio e
o mundo financeiro. Por outro lado, há os grandes desafios que surgem da
sociedade, como as nações que desejam a separação. A estes fatores juntam-se os
micropoderes das ONGs e dos lobistas, que estão a intermediar a política
tradicional, no âmbito do qual a internet veio derrubar barreiras, facilitando
a organização e a agitação social.
Neste
novo contexto social e político, os partidos tradicionais não conseguem atrair
novos militantes, nem estabelecer maiorias estáveis, onde é cada vez mais
notório o cinismo eleitoral do cidadão-eleitor, em que continua a exigir tudo
do Estado, apesar das críticas cada vez mais severas que são apresentadas.
Assim, se por um lado exigem que o Estado lhes dê todos os serviços
imagináveis, por outro, têm uma atitude de desdém para com o Estado e os seus
governos.
A
democracia tem vivido erradamente assente em dois dogmas, isto é, que existe um
credo universal a favor da democracia e que não pode existir capitalismo sem
democracia, mas como se viu tais dogmas estão ultrapassados. Aliás, muitas das
preocupações dos liberais clássicos vieram a concretizar-se, como o expresso
por Buchanan e Musgrave (2000): “temiam que os políticos democráticos
atendessem sempre aos seus eleitorados – e por conseguinte fizessem crescer os
défices e subinvestissem em infraestruturas”.
Somos
levados a pensar que a democracia não estará em colapso a favor do autoritarismo,
porque a democracia é bastante adaptável às diferentes épocas históricas, mas
ainda assim é preciso que seja preservada. Como deixamos enunciado existem
várias questões que urge solucionar, nomeadamente, como obter um Estado menor e
limitado, bem como resolver o problema das elevadas expectativas que recaem
sobre a democracia, mas que não podem ser cumpridas. Além disso, importa
encontrar uma solução para o facto de os cidadãos-eleitores desejarem a sua
satisfação no curto prazo e não a sustentabilidade do Estado a longo prazo.
Na
realidade, um Estado menor, que se autolimite, seria mais sustentável, pois é
essencial que o Estado controle a si próprio, através de um sistema de freios e
contrapesos, em face dos perigos apontados à sobrevivência do Estado e da
própria democracia, nomeadamente, o crescimento desmesurado do Estado em
prejuízo das liberdades, a continuação da atribuição de mais poderes aos grupos
de interesses, a possibilidade do Estado continuar a fazer promessas que não
pode cumprir, a atribuição de direitos sociais que não pode pagar e a
proclamação de objetivos que não são alcançáveis.
As
soluções a adotar em face a esses problemas e questionamentos terão de ser
adaptadas a cada país, mas passam ao que julgamos pelo mencionado autodomínio
do próprio Estado, através da proclamação de limites que não poderão ser
ultrapassados, bem como a introdução de cláusulas “pôr do sol”, isto é, a
imposição de que as leis caduquem decorrido um determinado período temporal.
Além disso, os desejos dos cidadãos-eleitores terão de ser necessariamente
equilibrados com a globalização e com as limitações financeiras do Estado, em
que determinadas funções deverão ser entregues a tecnocratas, sob a supervisão
adequada.
Sintetizando,
o que importa ressuscitar alguns ideais liberais do século XVIII e XIX no
âmbito do processo que designamos de reinvenção do Estado, designadamente o
regresso do espírito de liberdade, realçando-se mais os direitos individuais e
menos os direitos sociais, e ressuscitar o espírito democrático, diminuindo o
peso do Estado na economia e na sociedade.
O
Estado contemporâneo deve surgir a partir da noção de Estado de Direito como
ator internacional e protagonista de ordem jurídica não apenas nacional,
principalmente, em razão de inúmeras alterações do pós-guerra quanto ao regime
jurídico de direitos humanos.
Há o
questionamento quanto a soberania pós-nacional diante da multiplicidade
normativa de atores governamentais e não-governamentais que interferem
diretamente na formulação e aplicação de políticas públicas.
Aliás,
a evolução no conceito de políticas públicas vinda por meio da atuação do Poder
Legislativo e Executivo em sua implementação trouxe a reconfiguração desse
sistema binário diante da queda do monismo jurídico que não se sustenta pela
simples existência da lei tida como protagonista do ordenamento jurídico ou o
Estado como sendo o único responsável pela criação da normatividade.
A
reinvenção do Estado surge por conta da transição paradigmática gerada pela
mundialização e por uma noção de soberania pós-nacional.
Onde
ocorre a abertura do Estado e da Constituição a redes político-normativo
transnacionais, e questiona-se a organização estatal para o devido
enfrentamento dessa conjuntura de direitos da composição gerada na sociedade em
rede.
Na
compreensão do Estado contemporâneo passa pela formação do Estado Democrático
de Direito, sob a perspectiva do constitucionalismo, a partir das
reconfigurações conjunturais envolvendo a globalização, cosmopolitismo e a
mundialização. Na perspectiva concreta de atuação estatal na ordem social, sob
a teoria das políticas públicas, estudam-se os instrumentos de cooperação
regional, nacional e não-nacional, o que garante direito fundamentais ou
humanos através de políticas públicas e de qual forma o Estado efetiva e se
organiza para garantir tais regras protetivas.
Observa-se
como as formas de Estado têm enfrentado as normatividades pós-nacionais, esboço
de uma ordem jurídica mundial, tendo por base, especificamente, os direitos
fundamentais ou humanos, principalmente, no que tange às formas de efetivação,
na perspectiva de políticas públicas.
Na
perspectiva da atuação em concreto do Estado na ordem social e econômica,
adentra-se na teoria de políticas públicas, sob a perspectiva de direitos
humanos, estes como possível mola propulsora de uma ordem jurídica mundial. De
acordo com Mohamed ElBaradei[5] (2012), uma das mais
severas ameaças à segurança humana traduzidas como a pobreza, guerra,
terrorismo, degradação ambiental, doenças transmissíveis e armas de destruição
em massa estão intimamente conectadas, sendo todas elas ameaças sem fronteiras
e limites. E, assim, além das fronteiras de questões jurídicas, políticas e
sociais, quando se exige a cooperação multinacional, sendo impossível a
qualquer governo, individualmente, superar a tias entraves e perigos.
Por
outro viés, as transformações tecnológicas trouxeram nova configuração do
comportamento pessoal nessa sociedade mundial, com alterações da cultura
tradicional e a forma de expressão da subjetividade, acarretando novo pensar
sobre o tempo contemporâneo.
E,
assim, como as guerras, as democracias em risco e as visíveis ameaças
totalitárias, os movimentos migratórios em massa, a violência e ódio que
parecem atestar o fracasso de forma de organização da sociedade.
Esse
novo Estado desponta como ator fundamental nesse emaranhado de relações
sociais, econômicas, culturais de que forma este ente poderoso tem de se
adaptar e se reorganizar para enfrentar a realidade contemporânea. Acreditando
que a figura do Estado repousa sob um pacto social implícito que tornou a
figura estatal ainda imprescindível à organização espaço-temporal na esfera
pública mundial, como este ente pode dar conta dessa dispersão e multiplicidade
normativa, tendo em vista a ressignificação do conceito de soberania estatal.
De
fato, é imperioso se deve reinterpretar e reinventar a própria noção do Estado,
seja a partir de sua atuação na esfera pública mundial, seja a partir de sua
atuação na esfera singular da vida de cada um dos seus cidadãos, que podem ser
seus e de outros Estados, ou de nenhum, tendo em vista a concepção de
"cidadãos do mundo", de que cogita o filósofo britânico Anthony
Appiah (1998).
A
sociedade proposta se fundamenta no cenário de sociedade e relações em rede,
bem como o contexto a experiência do autor como membro da Advocacia-Geral da
União, atuante na implementação de políticas públicas ambientais, educacionais,
de saúde, sanitárias, indígenas, dentre outras, no plano consultivo e contenciosa/judicial
da União.
Realmente,
a realidade atual demanda por incessante atuação de órgãos públicos no
atendimento de direitos fundamentais ou humanos, pretende-se questionar também
como os Estados têm se preparado para existirem e permanecerem na ordem jurídica
mundial. A origem dos questionamentos sobre o Estado contemporâneo começou com
o filósofo Giorgio Agamben, quando pergunta sobre a essência da
contemporaneidade.
In
litteris: A contemporaneidade é, assim, uma relação singular com o
nosso próprio tempo, que a ele adere e dele se distancia em simultâneo; mais precisamente,
é essa relação com o tempo que a ele adere através de um defasamento e de um
anacronismo. Os que coincidem demasiado plenamente
com a época, que condizem em todos os pontos perfeitamente com ela, não são contemporâneos, porque,
precisamente por isso, não conseguem
vê-la, não podem fixo olhar sobre ela”. (AGAMBEN; 2009, p.20)[6].
Partindo da ideia de adesão e distanciamento,
em simultâneo, do nosso próprio tempo, tem-se como norte de estudo o fenômeno
da mundialização, a partir do livro “Constitucionalismo na Mundialização,
desafios e perspectivas da Democracia e dos Direitos Humanos”. Na obra, Gustavo
de Oliveira Vieira esclarece que:
“A
compreensão do espaço jurídico-político contemporâneo demanda o entendimento
acerca do pano de fundo em que as transformações planetárias vêm ocorrendo, na
medida em que são ditadas pela construção de interdependências pós-nacionais – assumindo a
terminologia “pós-nacional” do
instrumental teórico habermasiano como mais preciso -, remodeladoras do status
quo (ante) da economia, da política, do Direito e da cultura”. (VIEIRA, 2015).
Segundo
Gustavo de Oliveira Vieira, a crescente integração da sociedade mundial faz com
que os problemas sejam evidenciados por sua factididade multissetorial,
evocando por novas respostas sobre a organização estatal e limitação dos
poderes e, as crises de efetividade dos direitos humanos e fundamentais.
E,
após certo cinismo e com a superficialidade de tratamento dado pelos entes
estatais aos direitos humanos, na metade da década de quarenta, ocorreu uma
emergência dos direitos humanos, tida como mola propulsora de uma revolução
copernicana do Direito, tendo por efeito, a revelação do seu caráter humano e
universal, desdobrando-se, por conseguinte, no esboço de soberania.
A extensa
normatização internacional dos direitos humanos veio acompanhada de crescente
processo de universalização de seus conteúdos e do aperfeiçoamento de
mecanismos de instituição que se gestionam em organizações para além do Estado
Nacional.
Para
Mireille Delmas-Marty, historicamente, a noção de Estado e a Lei perfazem os
pontos de referência, sendo esta a fonte estatal por excelência no passado.
Afinal, na tradição romano-germânica, o Estado e a Lei tornaram-se pontos
referenciais históricos no Ocidente, onde o Direito divorciando-se da Moral e
da Religião, identificou-se ao Estado. A lei, em sua majestade, se tornou a
fonte quase única no final do século XVII, instituindo a ordem jurídica com a
qual nos acostumamos.
Em
atenção a Jânia Saldanha e Rafaela Cruz autoras do texto intitulado "Três
Desafios para um Direito Mundial" observou-se as particularidades como a
globalização, a mundialização e universalidade, o que nos remete a difusão
espacial de um produto, técnica ou ideia. Enquanto a universalidade implica em
compartilhamento de sentidos.
A
mundialização dos direitos do homem e, resguarda-se o termo
"globalização" para a economia. E, consigna-se como mundialização jurídica
na profanação de ícones modernos tais como o Estado Nacional, a Constituição, o
Estado de Direito para enfim a reconstrução de projeto de sociedade. Conforme sugere
Agamben reconstruindo uma sociabilidade que tenha ao encontro, inclusive, dos
projetos sagrados, tidos como conquistas civilizatórias, mesmo em troca de
promessas de um mundo novo, ainda não apresentado. (In: MORAIS, José Luiz
Bolzan; NASCIMENTO, Valéria Ribas do., 2010).
Foi o
cosmopolitismo que trouxe as bases dogmáticas para o constitucionalismo e,
supõe o surgimento de múltiplas lealdades, bem como o crescimento de diversas
formas de vidas transnacionais, acesso de atores políticos não-estatais, com o
reconhecimento internacional dos direitos humanos.
Enfim,
a realidade contemporânea propõe a ordem jurídica de urgência para a sociedade
em rede demonstram claramente que o Estado não pode se pautar em seu antigo
modo de agir. A recuperação do Estado é fundamental como condição de uma
cultura constitucional cosmopolita.
Nesse
sentido, Gerardo Pisarello afirma que, apesar das leituras pessimistas da
globalização, o Estado segue sendo, a partir de uma leitura realista, o ator
político por excelência, possuindo um espaço concreto para garantir a liberdade e a igualdade entre as
pessoas.
Ademais,
sob a influência das pressões desenfreadas pela globalização, os Estados se
convertem com frequência em agentes ativos encarregados de adequar as
sociedades em funções dos grandes poderes privados internacionais. por isso, é urgente a
valorização do espaço público. (NASCIMENTO;
2011).
Constata-se
que o Estado continua o ator político por excelência, sendo o garantidor de um
espaço concreto de liberdade e igualdade entre indivíduos. Porém, ao mesmo
tempo, a globalização não raras vezes converte este mesmo, ente em signatário
de diversas exigências dos poderes privados que comandam, especialmente, a
economia dos agentes privados internacional.
O que
se percebe é que o Estado, não sendo descartado dessa nova ordem jurídica
não-nacional, depende da reinvenção da figura deste, mas que recuperação que é
possível a partir de qualquer tipo de Estado, que seja, por exemplo, voltado
para suas próprias fronteiras, pois este é insuficiente, não apenas para as
instituições estatais e privadas, como para a coletividade como um todo.
Partindo
do pressuposto de que o Estado existirá ainda por muito tempo como ator do
cenário internacional, a sua atuação através da efetivação de direitos
fundamentais ou humanos se dá, indubitavelmente, no plano concreto, por meio de
políticas públicas, convém verificar em que bases se dá a intervenção do Estado
nesse plano.
E,
nesse sentido, Bolzan de Morais elucidou que a aproximação do dever ser do
texto da Constituição ao ser da realidade fática, nos direitos sociais, é
tarefa dos Poderes Executivo e Legislativo, por meio de políticas públicas e da
umbilical ligação com o Estado Social.
Sobre os
naturais tensões que enfrenta o Estado, veio o doutrinador esclarecer, in
litteris:
"O
Estado se encontra hoje, talvez mais do que nunca, em um intenso jogo de
tensões, entre, para usar as expressões de Sassen, fatores endógenos e exógenos
de constrangimento de sua ação, os quais vão desde o mercado de capitais até as
incidências produzidas por outros países, principalmente por aqueles economicamente mais desenvolvidos.
A composição desses interesses reflete-se, inclusive, no alcance das políticas
públicas internas, tendo foros próprios para sua realização.
Marcado
por sucessos e, mais ainda, por suas crises, o Estado Social, hoje, precisa se
confrontar com as condições e possibilidades para a produção de suas “escolhas”
em um ambiente, no mínimo, em transição. Uma transição conteudística,
substantiva, ao mesmo tempo que uma transição formal, ante as quais as
respostas, muitas vezes, confrontam os interesses sociais e individuais
permanentemente tensionando os modelos explicativos construídos pela filosofia
moderna. (MORAIS, JOSÉ LUIS BOLZAN DE; VALLE BRUM, GUILHERME, 2016).
E,
particularmente, no plano interno, ressalta-se que as escolhas de políticas
públicas são antes políticas, sendo o Poder Legislativo e o Poder Executivo,
eleitos democraticamente pelo voto, os atores que definirão as políticas e
destas cuidarão. O Legislativo atua na formulação legal da política,
especialmente, no que se refere a normatização das normas de cunho social e, o
Executivo na implementação das prestações decorrentes da legislação positivada.
E, a
respeito da política pública, Felipe de Melo Fonte esclarece que esta
compreende o conjunto de atos e fatos jurídicos com finalidade de concretizar
de objetivos estatais pela Administração Pública, in litteris:
Assim,
a política pública pode ser decomposta em normas abstratas de direito (e.g., Constituição, leis estabelecendo
finalidades públicas), atos administrativos
(e.g., os contratos administrativos, as nomeações de servidores públicos para o desempenho de
determinada função, os decretos regulamentando
o serviço etc.), a habilitação orçamentária para o exercício do dispêndio público e os fatos
administrativos propriamente ditos (e.g., o trabalho no canteiro de obras, o atendimento
em hospitais públicos, as lições de
professor em estabelecimento de ensino, etc.) (FONTE;2013).
Nesse
mesmo vetor, Maria Paula Dallari Bucci afirma que o estudo de políticas públicas permite o estudo de
demandas sociais que fundamentem a construção de novas formas jurídicas:
Definir
as políticas públicas como campo de estudo jurídico é um movimento que faz
parte de uma abertura do direito para a interdisciplinariedade.
Alguns
institutos e categorias jurídicas tradicionais, hoje despidos de seu sentido legitimador original, buscam novo
sentido ou nova força restabelecendo
contato com outras áreas do conhecimento, das quais vinha se apartando desde a caminhada positivista que
se iniciou no século XIX.
Ter-se
firmado como campo autônomo, dotado de “objetividade” e “cientificidade” –
desafios do positivismo jurídico -, é um objetivo até certo ponto realizado pelo Direito, o que permite a
seus pesquisadores voltar os olhos às
demandas sociais que fundamentam a construção das formas jurídicas. (BUCCI; 2006, p.2).
Apesar
do esquema definido na Constituição Federal, o contexto de pluralismo normativo
quebra o monismo jurídico, havendo inequívoca perda da Lei como principal
protagonista e fonte primária do Direito, especialmente, no que se refere ao
regime jurídico de direitos humanos.
Pois,
com o pós-guerra mundial em que houve progressiva aparição de novos atores
supranacionais e transnacionais. E, assim, há o redimensionamento do Estado,
como efeito sofrido pelo impacto dos ordenamentos nacionais de normas emanadas
de organizações internacionais de integração. As referidas organizações
mundiais demandaram a cessão de competência por parte dos Estados-membros com a
consequente mitigação de sua soberania, o que, por sua vez, limita a soberania
destes Estados dentre do cenário internacional.
Aposta-se
até numa supraestatalidade normativa como meio de viabilizar a efetivação de
direitos humanos e, para esse autor, o fenômeno da supraestatalidade supõe a
adoção de valores, princípios ou regras jurídicas comuns, no âmbito de
ordenamentos diferentes, uma vez que os próprios valores do Estado
Constitucional possuem sua vocação universalista e cosmopolita.
Bernoit
Frydman trouxe em sua obra o que vem a ser o fim do Estado do Direito, a partir
de uma governança por standards e indicações da globalização, onde o direito
global se caracteriza não apenas por uma mudança na escala de regras, mas
também, das normas e processo de regulação, assim como da própria natureza das
normas em uso (FRYDMAN, 2016).
Sobre os direitos humanos como a mola
propulsora de uma ordem jurídica mundial, Ferrajoli escreve sobre a esfera
pública mundial, e sobre uma possível democracia representativa planetária,
concluindo que a grande lacuna em nível
internacional é a falta de funções e de instituições de garantia, muito mais do
que funções e instituições de governo.
Para o
doutrinador, enquanto as funções e instituições de governo guardam relação com
a discricionariedade política, é imperioso a criação de funções e instituições
de garantia, não somente das tradicionais garantias jurisdicionais – que aparecem nos casos de violação dos direitos
fundamentais – mas de garantias primárias
e das relativas a estas instituições, destinadas à sua direta tutela e satisfação, no quesito saúde, alimentação
básica, educação, segurança, tutela do meio
ambiente.
Já
para Ferrajoli as inúmeras Cartas de Direito que existem no ordenamento
jurídico internacional carecem de leis de atuação para que possam garantir os
direitos nesta proclamados, defendendo por fim:
“Creio
que o adimplemento dessas promessas por meio da construção de uma esfera
pública mundial seja, hoje, o principal desafio lançado à razão jurídica e à razão política pela crise dos
Estados Nacionais e pelos gigantescos problemas abertos pela crise does Estados
nacionais e pelos gigantescos problemas
abertos pela globalização.
A
garantia dos direitos fundamentais, e
mais do que nunca, dos direitos sociais, não pode, de fato, ocorrer sem o desenvolvimento, por conta
da política e do direito, de uma esfera
pública distinta, como esfera heterônoma, das esferas privadas do mercado e da economia.(...).
É,
portanto, a falta de uma esfera pública internacional, à altura dos novos poderes
supraestatais, o verdadeiro grande problema cuja solução depende hoje daquilo
que Norberto Bobbio chamou de “o futuro da democracia”.
À
crise dos Estados, e por isso do papel das esferas públicas nacionais, não
correspondeu a construção de uma esfera pública à altura dos processos de
globalização em andamento. A consequência mais evidente da globalização, na
ausência de uma esfera pública mundial, foi, então, o crescimento exponencial
da desigualdade, sinal de um novo racismo que considera inevitável a miséria, a
fome, as doenças e a morte de milhões de seres humanos sem valor”. (Ferrajoli,
Luigi. 2011).
Ademais
é a pluralidade de conflitos internacionais e transnacionais que envolvem
fatais violações de direitos humanos é uma realidade contemporânea, sendo que
para solução para tais conflitos não se restringe ao âmbito nacional, tampouco
ao internacional.
E,
assim, a via de alteração, quiçá cosmopolita poderia representar um caminho
hábil para equilibrar os anseios do comum, da unificação de alguns campos, e do
relativo, na perspectiva de coordenação e harmonização do direito à diferença.
E
refletir sobre o espaço jurídico-político contemporâneo é como o Estado
Constitucional persiste no centro da dinâmica civilizatória mas que precisa se reajustar
para suportar o grande acúmulo de funções e responsabilidades que lhe são
atribuídas.
E,
nesse ponto, o Estado precisa se reinventar, seja na definição de quais
políticas públicas priorizar, seja na implementação ou internalização dessas
políticas de acordo com um ordenamento jurídico não apenas composto por atos
normativos nacionais ou típicos, mas de uma ordem jurídica múltipla,
interdependente e não formal (princípios como fonte de Direito).
Assim, o Estado se reformula para garantir maior efetividade dos direitos humanos, na atuação de vias políticas públicas de forma que a era dos direitos não sejam mais a mesma era da sua maciça violação e da mais profunda desigualdade.
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Notas:
[1] É um Estado que não é neutro. Não é mínimo nem máximo. É o Estado necessário para a sociedade e a cidadania. Democrático e participativo. É de todos e para todos. É negociador e suas negociações são orientadas pelo interesse público. É republicano. É eficaz, eficiente e efetivo. Suas políticas públicas e serviços são de qualidade e atendem aos anseios dos cidadãos nos diferentes territórios. É parceiro da Sociedade.
[2] O Estado do Bem estar social não é o paraíso; não é a contrautopia neoliberal, nem a utopia socialista. Mas é a forma mais avançada de estado e de sociedade que os indivíduos – e, eu diria, mais as mulheres que os homens, porque elas estão mais preocupadas com os problemas da desigualdade e da injustiça – lograram construir. É uma construção política. É uma construção de todos os dias, associada a um dos quatro grandes objetivos políticos, além da segurança ou da ordem pública, que as sociedades modernas se impuseram historicamente a partir do século XVIII: a liberdade, o bem-estar econômico, a justiça social e a proteção do ambiente. Entre esses objetivos, há contradições, mas as confluências ou as concordâncias são maiores, como este excelente livro demonstra. E por isso é razoável pensar que o estado do bem-estar social sobreviverá e se expandirá, não obstante as dificuldades reais e a oposição ideológica conservadora que seus defensores terão sempre de enfrentar.
[3]
O termo "Welfare State" foi originalmente cunhado pelo
historiador e cientista político britânico Sir Alfred Zimmern nos anos
de 1930. Estudioso das relações internacionais, não propriamente das políticas
sociais, Zimmern visava registrar terminologicamente a evolução do Estado
britânico, em seu entender positiva, de um power state para um welfare state.
Esta última se caracterizaria pelo predomínio da lei sobre o poder, da
responsabilidade sobre a força, da Constituição sobre a revolução, do consenso
sobre o comando, da difusão do poder sobre sua concentração da democracia sobre
a demagogia. Ainda nos anos de 1930, a expressão cairia no gosto e uso popular
graças à associação entre a Inglaterra e o Welfare State e
Alemanha nazista e o power state, sugerida publicamente pelo então arcebispo de
York (e depois de Canterbury) William Temple. Aparentemente, o contraste
estaria entre um Estado voltado para uma agenda doméstica e outro motivado pela
dominação externa.
[4]
O Estado do Bem Estar não é uma invenção arbitrária de políticos populistas,
conforme já sugeriu a teoria econômica neoclássica e neoliberal, mas uma
consequência histórica do desenvolvimento político da humanidade, no quadro de
sociedades capitalistas. E, a partir da sua revolução nacional e industrial, e
tomando-se como referência os dois primeiros países que completaram sua
revolução capitalista, o Estado começa a ser liberal (século XIX), mas em
seguida, em razão das lutas de classes populares e média, torna-se um Estado
Democrático (primeira metade do século XX) e, mais adiante, na segunda metade
do século XX, em vista dessas mesmas lutas, torna-se um Estado do Bem Estar
Social resultante de longo e difícil processo de lutas sociais.
[5]
Mohamed ElBaradei, é um diplomata egípcio, antigo diretor-geral da Agência
Internacional de Energia Atómica. Foi premiado com o Nobel da Paz de 2005,
juntamente com a Agência Internacional de Energia Atómica. Foi vice-presidente
do Egito num curto período de 2013.