Precedentes Judiciais brasileiros
Para Dworkin (2003), não há criação do Direito pelos magistrados, mas construção do Direito pelas partes mediante os princípios, portanto abandona o marco teórico, a perspectiva unilateral das regras, conforme defendia o positivismo. Dworkin (2003) entende que a integridade na atividade jurisdicional fomenta a integridade política, que supõe a personificação da comunidade como um todo, que se engaja nos princípios da equidade, justiça e devido processo legal adjetivo. É certo que um juiz verdadeiro só irá imitar Hércules até certo ponto, a permitir que o alcance de suas interpretações se estenda desde os casos imediatamente relevantes até outros casos gerais do direito. A interpretação é, essencialmente, uma atividade de recriação e, também, de escolha de significado, “ainda que lógica e argumentativamente guiada”. A teoria da “única resposta certa”[1] não resolve, por exemplo, o problema da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, textos normativos genuinamente ambíguos. O que só reforça a importância dos precedentes judiciais
Durante
o Código Buzaid, a do CPC/1973, o precedente judicial era caro e afeito para os
países de tradição de anglo-saxã, sendo pouco investigado pela doutrina
brasileira e, praticamente ignorado pelo Código. Com o Código Fux, o CPC/2015 o
mesmo instituto galgou os holofotes da comunidade jurídica brasileira.
As
primeiras obras monográficas sobre o tema precedente judicial produzidas na
vigência do CPC/1973 remontam ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000
(vide: CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz; CRUZ
E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito; SOUZA,
Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante; LEAL, Roger
Stiefelmann.
O
efeito vinculante na jurisdição constitucional), ganhando maior atenção da doutrina
a partir dos anos 2010, quando já tramitava perante o Congresso Nacional o
projeto de lei que, futuramente, colimaria no CPC/2015 (vide: MARINONI, Luiz
Guilherme. Precedentes obrigatórios; Marinoni, Luiz Guilherme (coord.). A força
dos precedentes; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito
jurisprudencial, v. 1 e 2; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente
judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais; LIMA, Tiago
Asfor Rocha Lima. Precedentes judiciais civis no Brasil; MANCUSO, Rodolfo de
Camargo. Sistema brasileiro de precedentes).
Hermes Zaneti Junior contabilizou nada menos
que 33 (trinta e três) livros e artigos científicos sobre o tema precedentes,
publicados após a sanção do Código. (In: ZANETI JUNIOR, Hermes. O valor
vinculante dos precedentes, pp. 366-367).
E, o
número, de lá para cá, só vem aumentado (vide, p. ex.: VIANA, Antônio de Souza
Viana e NUNES, Dierle. Precedentes: a mutação no ônus argumentativo; MARQUES,
Elmer da Silva).
O
poder de influenciar na formação da decisão judicial como requisito legitimador
do precedente judicial obrigatório.(In: Revista de Processo, nº 275;
OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. Teoria brasileira dos precedentes judiciais e o
argumento novo, não considerado na formação da tese jurídica. Revista de
Processo, nº 280; MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada sobre questão em
favor de terceiros e precedentes obrigatórios. Revista de Processo, nº 284;
MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados; Desafios à
implementação do sistema brasileiro de precedentes em decorrência da ausência
de teoria geral própria e da tendência à equiparação ao modelo do common law.
Revista de Processo, nº 288; ALVIM, Teresa Arruda. Modulação na alteração da
jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes).
É possível definir o termo “precedente” como
um evento do passado que orienta uma tomada de decisão no presente. A
ilustração de Neil Duxbury para definir precedente é tão lúdica quanto
percuciente.
Relata
o doutrinador que, no 11º aniversário de sua filha mais velha, deu-lhe de
presente um aparelho celular. A segunda filha, ao completar onze anos, pediu a
ele de presente um telefone celular, invocando o acontecido com a irmã mais
velha.
Extrai-se
o traço inaugural da definição do que seja precedente judicial. Trata-se de um
molde colhido de decisão judicial proferida num caso pretérito, que servirá de
parâmetro para o julgamento de outro caso no presente.
Verifica-se,
portanto, que "o alcance deste somente pode ser depreendido aos poucos,
depois de decisões posteriores", decisões nas quais esse exercício
comparativo será realizado, como explica Cruz e Tucci, a partir de dois
elementos fundamentais dos casos em cotejo: "(a) as circunstâncias de fato
que embasam a controvérsia; (b) a tese ou o princípio jurídico assentado na
motivação (ratio decidendi) do provimento decisório".
A
relevância que um acontecimento precedente tem para a estabilidade e,
essencialmente, para a previsibilidade das relações sociais. Transportando a ideia
para o campo do Direito, não é difícil constatar a importância deste
“acontecimento pretérito” quando se tratar, ele, da solução que o Estado-juiz
entrega a determinado conflito.
Se
determinada demanda envolvendo o fato F foi julgada da forma J pela razão R,
numa futura causa que verse sobre o mesmo fato F e na qual tenha sido invocada
a mesma razão R, deve-se esperar a mesma solução J.
Mais
do que previsibilidade, como destaca MacCormick, trata-se de uma questão de
justiça e imparcialidade que, igualmente, deve independer de quem sejam as
partes conflitantes ou o magistrado julgador.
Desse
panorama, extrai-se o traço inaugural da definição do que seja precedente
judicial. Trata-se de um molde colhido de decisão judicial proferida num caso
pretérito, que servirá de parâmetro para o julgamento de outro caso no
presente.
Seguindo
adiante, invocando ainda a doutrina da common law, extrai-se que, para efeito
de aplicação do precedente, por ocasião de um segundo julgamento a respeito de
uma mesma matéria, o elemento nuclear da decisão pretérita invocada e que, bem
assim, realmente importa à mensuração de sua incidência no presente, é a ratio
decidendi ou holding, assim compreendida como “a enunciação da razão
sob a qual uma questão é julgada perante uma Corte”.
Seguindo
adiante, invocando ainda a doutrina da common law, extrai-se que, para efeito
de aplicação do precedente, por ocasião de um segundo julgamento a respeito de
uma mesma matéria, o elemento nuclear da decisão pretérita invocada e que, bem
assim, realmente importa à mensuração de sua incidência no presente, é a ratio
decidendi ou holding, assim compreendida como “a enunciação da razão
sob a qual uma questão é julgada perante uma Corte”.
É ela,
a ratio decidendi extraída da decisão, e não a própria decisão,
portanto, que servirá de parâmetro ao julgamento do caso futuro. Esse é o
motivo pelo qual Marcelo Souza adverte que, na doutrina do stare decisis,
embora seja comum se referir à observância do precedente, “na verdade, o que as
cortes estão obrigadas a seguir, é a ratio decidendi deste precedente”.
Trata-se
de instituto que não comporta uma única “fórmula pré-concebida”. Ao procurar
encontrar uma definição para a ratio decidendi, Cross and Harris
afirmam categoricamente que “a further upshot of the foregoing discussion
seems to be that it is impossible to devise formulae for determining the ratio
decidendi of a case” (CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English
law, p. 72).
De
todo modo, é comumente utilizada pela doutrina britânica para referir-se à
razão essencial, extraída da fundamentação, que levou a Corte àquela decisão.
V.g.: “The ratio decidendi is the ruling expressly or impliedly given by a
judge which is suficient to settle a point of law put in issue by the parties
arguments in a case, being a point on which a ruling was necessary to his/her
jusitification (or one of his/her alternative justifications) of the decision
in case.” (MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory, p. 215); “Ratio
decidendi can mean either ‘reason for the decision’ or ‘reason for deciding’.”
(DUXBURY, Neil. Op. cit., p. 67).
É ela,
a ratio decidendi extraída da decisão, e não a própria decisão,
portanto, que servirá de parâmetro ao julgamento do caso futuro.
Esse é o motivo pelo qual Marcelo Souza adverte
que, na doutrina do stare decisis, embora seja comum se referir à
observância do precedente, “na verdade, o que as cortes estão obrigadas a
seguir, é a ratio decidendi deste precedente”.
Os
demais elementos constantes da decisão, isto é, aqueles que não servem de
alicerce cervical à sua conclusão, mesmo que topograficamente localizados na
fundamentação, são denominados obiter dicta, conceituados por MacCormick
como “outras declarações de opinião a respeito da lei, valores ou princípios na
decisão, que vão além do(s) ponto(s) que necessita(m) ser(em) definido(s) para
o julgamento do caso”.
Trata-se
de um conceito por exclusão: o que não compuser a ratio terá sido obiter dictum
que, dessa forma, pode incluir considerações sobre uma questão levantada porém
não decidida, sobre fatos hipotéticos, sobre uma questão que, embora tenha
recebido atenção no julgamento, não está contida no objeto central da lide ou
declarações abertas de caráter legal ou prático.
Sendo
a ratio “a” (e não “uma”) norma jurídica extraída da decisão, quando se
estiver diante de decisão colegiada, a existência de uniformidade entre os
membros do órgão, ainda que por maioria, é condição para que seja possível
identificar com precisão qual a norma jurídica criada pela decisão e, bem
assim, para que ela possa ser utilizada como precedente num julgamento futuro.
Entretanto, essa conformação nem sempre acontece.
Num
colegiado formado por três juízes, se um recurso é provido pelo julgador 1 pelo
fundamento A, pelo julgador 2 pelo fundamento B e pelo julgador 3 pelo
fundamento C, o acórdão terá sido unânime pelo provimento do recurso, mas dele
não se extrairá a norma jurídica capaz não só de refletir a posição majoritária
da Corte mas, especialmente, de servir como precedente.
Esse
fenômeno é conhecido como decisão plural, “ou seja, uma decisão destituída de ratio
decidendi” e que, bem por isso, “não constitui guia para os juízes e
tribunais resolverem os casos concretos”.
Ainda,
há julgamentos em que, à solução do caso concreto, o órgão jurisdicional não
cria uma nova norma jurídica, o que, segundo Hermes Zaneti Júnior, pode ser
observado em duas situações:
(i)
quando a decisão se limitar a aplicar a lei
escrita em si, de forma determinativa, vez que “a decisão que apenas refletir a
interpretação dada a uma norma legal vinculativa pela própria força da lei não
gera um precedente”; ou
(ii)
quando a
decisão for integralmente pautada numa norma jurídica criada no julgamento de
caso pretérito, caso em que “a vinculação decorre do precedente anterior, do
caso-precedente, e não da decisão presente no caso-atual”.
Concorda-se
com o autor no sentido de que a replicação do precedente na solução dada em
decisão futura não cria norma jurídica, mas não quando afirma que a mesma
lacuna é observada na decisão cuja solução é encontrada mediante estrita
aplicação da lei.
Cabe
relembrar que a doutrina, disseminada especialmente a partir das obras de Hart
e Dworkin, sobre a distinção entre julgamento de casos fáceis[2] e casos difíceis[3].
Portanto,
não havendo controvérsia, um caso fácil é aquele que resulta em uma só solução
para o caso e o caso difícil é aquele que permite mais de uma solução correta
para o caso.
Sem
olvidar da divergência entre os autores no que diz respeito à forma de solução
dos casos difíceis, para aquilo que concerne ao ponto em exame interessam os
casos fáceis, assim chamados aqueles cuja solução depende unicamente da
aplicação subsuntiva da lei escrita, de forma mecânica, fazendo relembrar quase
que intuitivamente o modelo apresentado na conhecida obra de Montesquieu,
segundo o qual os juízes “são apenas a boca que pronuncia as palavras da lei;
seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força, nem o rigor”. La
bouche de la loi ? Les figures du juge dans L’Esprit des lois.
Tais
casos apresentam como característica a facilidade no encaixe dos fatos ao texto
da lei, o que, por inexistir qualquer indeterminação jurídica, ocorre de forma
dedutiva.
Ao
sustentar ser prescindível a justificação argumentativa nesse tipo de decisão, Rodrigo Ramina de Lucca[4] traz exemplos do que
seriam tais casos fáceis: “Qual é a indeterminação jurídica de uma demanda em
que se pede a renovação de um contrato de locação? Ou da demanda em que se pede
a condenação do réu à obrigação de fazer prevista em contrato?”
Por
isso, sustenta Hermes Zaneti, não tem aptidão para tornar-se um precedente “a
decisão que aplicar lei não-objeto de controvérsia”, porque apenas reflete “a interpretação
dada a uma norma legal vinculativa pela própria força da lei”.
Neste
ponto, discorda-se. Mesmo nos casos em que o texto legal adere claramente a
determinado suporte fático, a aplicação da regra ao caso pelo juiz não se dá de
forma mecânica, sendo imprescindível, ao mínimo e por exemplo, que o magistrado
controle a constitucionalidade do dispositivo, que se assegure de que naquele
caso não há mesmo outra regra capaz de inibir a sua incidência etc.
Mesmo
nesses casos, podem ocorrer problemas de subsunção que, como descreve Teresa
Arruda Alvim, “são problemas de encaixe da norma em fatos ocorridos no mundo
empírico”.
Como
se verifica, vige no ordenamento brasileiro a regra da responsabilidade
patrimonial do devedor, hoje tipificada no art. 780 do CPC, e antes no art.
591, CPC/1973. Segundo essa regra, todos os bens e apenas os bens do devedor
respondem por suas obrigações.
Recorde-se
que a Lei 8.009/1990, que contempla a regra da impenhorabilidade do “bem de
família”, prevê em seu art. 3º, II, uma exceção a essa regra (portanto, lato
sensu, também uma “regra jurídica”), ao dispor que o imóvel pode ser
expropriado por dívida oriunda de financiamento à aquisição do próprio bem.
No ano
de 2001, a Caixa Econômica Federal propôs a execução de título 2001.70.00.008698-3,
que teve por objeto a satisfação de dívida oriunda de financiamento
habitacional, pleiteando assim a penhora do próprio imóvel para futura
expropriação judicial.
Em embargos à execução, o devedor reconheceu o
débito, afirmando que deixou de pagar as parcelas do financiamento porque
voluntariamente abdicou de seu trabalho para se dedicar exclusivamente aos
cuidados de seu filho, que possuía doença degenerativa rara e gravíssima.
Embora
a demanda tenha findado por acordo, o ponto que aqui merece destaque é o de
que, olvidando da regra do art. 591 do CPC/1973, a juíza do feito determinou
que o débito fosse pago com recursos provenientes dos depósitos de prestações
pecuniárias penais e suspensão condicional da pena.
Em
síntese, a regra jurídica legal, válida e incindível sobre o caso deixou de
sê-lo a partir da diretriz interpretativa e dos valores adotados pelo julgador
do caso.
Trata-se,
no fim das contas, de examinar o tema da subsunção com um olhar contemporâneo,
ou, como propugna Teresa Arruda Alvim, enxergá-la como uma subsunção “dos novos
tempos”, na qual o exercício de encaixe dos fatos ao ordenamento jurídico se dá
“a partir do texto da lei, da jurisprudência e da doutrina, e dos princípios
que lhes tenham sido incorporados”.
Não se
está a afirmar, com isso, que toda causa sob julgamento configure um caso
difícil, na acepção da expressão aqui utilizada.
O que
se sustenta é que, mesmo no julgamento de um caso fácil, a aplicação da lei
sobre os fatos se dá inexoravelmente à luz de diretrizes interpretativas e
valores, elementos estes que, quando presentes, resultam na criação de uma
norma jurídica geral que, bem assim, poderá ser invocada no julgamento de um
caso futuro.
Transportando
essa “teoria do precedente”[5] para o Brasil, autores
nacionais já afirmaram, a partir dela, que “os precedentes não são equivalentes
às decisões judiciais.
Eles
são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões
judiciais”, isto é, “as razões necessárias e suficientes para a solução da
causa ou de qualquer questão julgada pelo tribunal”.
Dessa
forma, o “coração” do precedente lato sensu, isto é, da decisão judicial
invocada num julgamento futuro como razão de decidir, é a sua ratio
decidendi que, conformada por: “(a) a indicação dos fatos relevantes (statement
of material facts); (b) o raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal
reasoning) e (c) o juízo decisório (judgement)”,configura “o núcleo
vinculante, a parte relevante do julgamento, o qual será aplicado no futuro.”
Note-se,
portanto, que na perspectiva formal, apesar do que se poderia intuir no sentido
de que a ratio decidendi estaria vinculada à fundamentação da decisão (art.
489, II, do CPC), tal constatação não se trata de uma regra absoluta.
Como
contempla em si os fatos relevantes, as razões necessárias para e a própria
conclusão, a ratio pode se espraiar por todas as partes do ato
decisório.
Por
outro lado, a fundamentação poderá conter elementos e fundamentos que, embora
debatidos e mesmo que acolhidos por unanimidade por um órgão colegiado, não
guardam relação necessária com a solução alcançada naquele julgamento.
Trata-se
dos obiter dicta[6], “meras reflexões
que ali constaram por decorrência do raciocínio desenvolvido pelo julgador, mas
que não podem ser consideradas, isoladamente, como justificativa para a
conclusão judicial.”
Traçados
os contornos gerais do que se entende por precedente judicial, faz-se relevante
à conclusão do tópico a observação feita por Rodrigo Ramina de Lucca de que,
independentemente do momento histórico, do local e mesmo do sistema jurídico ao
qual se submete, o conceito de precedente é, invariavelmente, o mesmo. “Seja no
Brasil, na França ou na Inglaterra, devem ser consideradas procedentes as
decisões que, contendo razões jurídicas universais, válidas para todos os casos
análogos ao que foi julgado, tenham aptidão para influenciar os julgamentos
subsequentes.”
Aqueles
fatores tais como contexto temporal, espacial e sistema não estão dentro do
conceito, mas orbitam em torno dele: serão relevantes para definir como e de
que forma o precedente será aplicado.
São
eles, portanto, os responsáveis pelos diferentes impactos que o precedente pode
gerar em cada ordenamento, ou num mesmo ordenamento mas em diferentes momentos,
como se observa da comparação entre os sistemas judiciários brasileiro e
inglês, ou, dentro do próprio ordenamento brasileiro, entre o sistema
construído a partir do CPC/1973 e do vigente CPC/2015.
Conceitua-se
o precedente constitui um molde extraído de decisão pretérita para aplicação em
um caso presente, importa examinar qual(is) órgão(s) jurisdicional(is) pode(m)
ser influenciados por aquele dito precedente.
Quanto
ao tema, não se diverge quanto a divisão dos planos de incidência do precedente
em vertical e horizontal.
O
precedente vertical é conceito intuitivo pois pressupõe que uma decisão tomada
por órgão jurisdicional hierarquicamente superior possa refletir sobre o
julgamento de questão similar por órgão inferior.
Trata-se
da chamada eficácia vertical do precedente. Tanto na Inglaterra como nos
Estados Unidos, um precedente de Corte superior é de observância obrigatória
pelos órgãos jurisdicionais inferiores a ela.
Essa
vinculação é tão marcante que, ao deparar com dois precedentes conflitantes da
Corte Suprema, o magistrado não pode simplesmente “escolher” entre o mais ou
menos novo, ou entre o mais ou menos provido de fundamentos convincentes. “Do
contrário, deve extrair uma norma jurídica que atribuía eficácia a ambas as holdings”.
Já o
precedente horizontal demonstra ser coerente que um órgão inferior se afine com
as decisões tomadas por órgão superior, parece também se inserir neste mesmo
raciocínio lógico a premissa de que este órgão superior deve, internamente,
manter a mesma harmonia.
Segundo
Neil Duxbury, por grande parte do século XX a House of Lords
aceitou não só o princípio de que estava vinculada aos seus próprios
precedentes como, mais do que isso, de que não poderia superá-los.
Mesmo
após o Practice Statement de 1966, por meio do qual a Corte de cúpula
inglesa declarou-se “livre” para rever seus precedentes, é baixíssimo o número
de casos em que isso efetivamente ocorreu, com média inferior a um por ano.
Já nos
Estados Unidos, embora o respeito aos próprios precedentes promova consistência
e previsibilidade no desenvolvimento dos princípios jurídicos e, via de
consequência, integridade das e confiança nas decisões judiciais, não há (e
nunca houve) uma regra rígida e inflexível a respeito nesse sentido.
Luiz
Guilherme Marinoni destaca o que se chamada de eficácia horizontal do
precedente ao afirmar que “a mesma lógica que impõe o respeito aos precedentes
obrigatórios pelos órgãos judiciais inferiores exige que os órgãos de um mesmo
tribunal respeitem as suas decisões”.
Na lição
do doutrinador, “seria impossível pensar em coerência da ordem jurídica, em
igualdade perante o Judiciário, em segurança jurídica e em previsibilidade caso
os órgãos do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, pudessem negar,
livremente, as suas próprias decisões.”
Em
artigo publicado há mais de duas décadas, o doutrinador Calmon de Passos já
vislumbrava essa irradiação horizontal (e vertical) que os precedentes das
Cortes de vértice emanam, afirmando que, ao decidir um caso concreto, “o
tribunal se impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca,
também, para os julgadores de instâncias inferiores.
Em destacada em paradigmático julgado do STJ, de
cuja própria ementa é possível extrair as características de confiança,
robustez e previsibilidade inerentes a um sistema no qual as orientações de uma
Corte são respeitadas por ‒ antes de mais ninguém ‒ ela mesma.
No
julgamento do agravo regimental em embargos de divergência 228.432,
consignou-se que “se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as
decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais
órgãos judiciários façam o mesmo.”
Examinando a classificação dos precedentes quanto aos planos de incidência, Ronaldo Cramer sustenta que as Cortes de vértice têm aptidão para produzir precedentes com eficácia vertical e horizontal, ao passo que os tribunais locais “proferirão precedentes horizontais, que vinculam apenas seus órgãos internos e de primeira instância.”
Vislumbra-se
que a ideia propugnada pelo autor é baseada na premissa de que os órgãos de
primeira instância, por fazerem parte da estrutura judiciária dos tribunais
locais (p.ex.: uma vara cível de Campinas faz parte do Poder Judiciário do
Estado de São Paulo; uma vara federal de Lages faz parte do Tribunal Regional
da Quarta Região), é dizer: o judiciário de primeira instância “está contido”
nos tribunais aos quais se vincula.
Outrossim,
sob a perspectiva funcional por fases do processo, claramente um precedente de
tribunal local pode ter aptidão para refletir verticalmente sobre os juízos de
primeira instância a ele submetidos.
Colhe-se
da doutrina pátria, com maior relevo, duas propostas diferentes. A primeira
delas divide o precedente em obrigatório e persuasivo. A segunda em precedentes
de obrigatoriedade forte, média e fraca.
É obrigatório aquele que não deixa margem de
liberdade para o julgador que depara com demanda similar àquela cuja tese
jurídica já foi definida pelo precedente. Não há opção senão empregar no caso
em exame a mesma solução adotada pelo precedente. “O sistema em que a eficácia
das decisões é absolutamente vinculante proíbe o juiz de decidir de forma
contrária ao tribunal que lhe é superior, assim como proíbe o órgão
jurisdicional de negar o que já decidiu.”
Nesses
parâmetros, observa-se que o Judiciário inglês conforma um sistema
verticalmente obrigatório de precedentes, no qual “toda Corte é obrigada a
seguir qualquer caso decidido por uma Corte hierarquicamente superior.
No
entendimento de Marcelo Alves Dias de Souza, a distinção entre precedente
relativamente obrigatório ‒ que mesmo diante da eficácia vinculante pode não
ser aplicado no caso futuro, exigindo-se para tanto fundamentação pontual sobre
os motivos que levaram ao afastamento do precedente ‒ e precedente absolutamente
obrigatório, definido pelo autor como “aquele que deve ser seguido, mesmo que o
Juiz ou Tribunal o considere incorreto ou irracional. Atém-se ao precedente
judicial e não se move o que está quieto (teoria do stare decisis et non
queta movere).
Quanto
ao precedente persuasivo é aquele que, ao contrário do obrigatório, não vincula
a atuação do órgão jurisdicional ao decidir a demanda, ainda que verse sobre
controvérsia objetivamente idêntica àquela enfrentada no próprio precedente.
Afirma-se
ter força “persuasiva”, portanto, na medida em que, por não interferir
diretamente no resultado do julgamento da demanda futura, configura “indício de
uma solução racional e socialmente adequada” ou, como quer Gustavo Santana
Nogueira, quando ostentar apenas o “efeito prático de orientar o órgão julgador
a adotar aquele posicionamento já previsto.”
Nos
Estados Unidos, Bryan Garner destaca que a decisão de uma Corte à qual o órgão
julgador não está vinculado ou mesmo uma questão enfrentada por tribunal a ele
superior a título de obiter dictum podem gerar um precedente persuasivo que,
embora não determine o resultado no julgamento em trânsito, deve ser por ele
cuidadosamente considerado.
A essa
categoria de precedente persuasivo que, para o jurista, não consiste em mera
orientação sugestiva ao órgão julgador, mas sim em solução já existente com a
qual deve afinar-se a decisão futura, exigindo-se fundamentada motivação por
parte do julgador que pretende deixar de observá-lo.
Ainda
mais rígida é a posição de Hermes Zaneti Júnior, que refuta em absoluto a
existência de precedentes meramente persuasivos. Partindo da premissa, também
sustentada por Marinoni e Mitidiero, como já visto, de que apenas as Cortes de
vértice têm aptidão para proferir decisões qualificáveis como precedentes,
afirma o autor que “não há sentido falar em precedentes persuasivos.
Dessa
forma, exarado um precedente, sua consideração passa a ser obrigatória a todas
as vezes que a mesma matéria venha a ser debatida em casos considerados
análogos.”
Com a
devida vênia, não se concorda com a posição acima apresentada. Pertinente, nesse sentido, a colocação de
Ronaldo Cramer, que, reconhecendo a precípua finalidade das Cortes de vértice
em trazer uniformidade ao direito, como propugnado por Marinoni, Mitidiero e
Zaneti Júnior, reconhece que tal cariz “não deve excluir os tribunais de
segunda instância de fazer o mesmo, sobretudo porque há matérias que dizem
respeito exclusivamente à lei estadual ou municipal.”
Mais do
que isso, não se pode perder de vista que o sistema processual brasileiro
contempla de lege lata não só a possibilidade de tribunais locais criarem
precedentes como atribui a eles força obrigatória.
São os
casos, por exemplo, dos precedentes extraíveis de acórdão proferido em
incidente de assunção de competência (cujo julgamento, nos literais termos do
art. 947, § 3º, do CPC, vinculará todos os juízes e órgãos fracionários) e em
incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 927, III, do CPC).
O Código
de 2015 não só manteve em sua quase integralidade as técnicas de objetivação da
prestação jurisdicional presentes no seu antecessor como criou novos institutos
com esse propósito. É o caso do já emblemático incidente de resolução de
demandas repetitivas – IRDR.
Se, de
um lado, é inegável (e inevitável) que do processo de aplicação da lei sobre os
fatos seja possível extrair diversas normas jurídicas, de outro, cabe ao
judiciário encontrar, de forma justificada e racional, a melhor delas.
Nessa
seara, o grande passo dado pelo CPC/2015, com relação ao seu antecessor, está
na valorização dessa missão do Judiciário em delimitar a melhor norma jurídica
aplicável a um determinado caso.
Essa
percepção decorre, notadamente, do exame dos arts. 926, 927 e 489, § 1º, V, do
Código de 2015. A estabilidade exigida dos tribunais pelo dispositivo legal é
condição necessária à própria segurança jurídica, princípio este que conforma
pilar do Estado de Direito e, como sustenta Lucas Macêdo, “é um dos mais
importantes vetores do CPC/2015”, defendendo o autor que o “regime de
precedentes obrigatórios” instituído pelos arts. 926 e 927 é verdadeira
“normatização fundada no princípio da segurança jurídica”.
Aliás,
relembre-se que Dworkin vê o próprio Direito como integridade. Partindo da
premissa de as pessoas conformam uma comunidade política genuína apenas quando
concebem que suas vidas estão conectadas por princípios comuns, não somente por
regras impostas por uma agenda política, o jusfilósofo sustenta que o Direito,
como produto dessa sociedade, é igualmente integridade, fundado na concepção de
que os direitos são amparados por princípios que proveem a melhor justificação
da prática jurídica como um todo, universalmente.
Daniel
Mitiero observa que “o Código de 2015 aparece em um outro quadro teórico”,
caracterizado pela “proeminência de técnicas preventivas em detrimento de
repressivas para outorgar unidade ao direito” e cujo eixo gravitacional migra
da legislação meramente aplicada para a colaboração na criação do Direito, o
que implica na “densificação da segurança jurídica e a promoção da liberdade e
da igualdade” a partir “da interpretação que é dada pela jurisdição à
Constituição e à legislação.”
Fundado
no pilar da segurança jurídica instituído pelo dispositivo antecedente, o art.
927 do CPC dispõe, imperativamente, que “os juízes e tribunais observarão” os
provimentos judiciais descritos em seus incisos (nesta ordem: I – decisões do
STF em controle concentrado; II – enunciado de súmula vinculante; III –
acórdãos em IAC, IRDR[7] e REER[8]; IV – enunciados de súmula
do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; e V –
orientação do plenário ou órgão especial).
O
dispositivo institui, segundo parcela da doutrina, um “rol de precedentes
obrigatórios”, refere-se, provimentos oriundos do próprio órgão jurisdicional
que devem ser aplicados em casos futuros que apresentem o mesmo suporte
fático-jurídico. “Não se trata de mera persuasão, mas de vinculação aos
precedentes, isto é, os julgadores têm o dever de respeitar o comando.”
Nesse
quadro, essencialmente, mas criado não exclusivamente – a partir dos arts. 926
e 927, a doutrina passou a propugnar que o CPC/2015 “inaugura a previsão de uma
sistemática de precedentes obrigatórios”, entrando para a história “como a
primeira lei a prever de forma plena e manifesta a obrigatoriedade de
precedentes judiciais em geral.”
Na
atenta observação de Talamini, o CPC/2015 pretende, claramente, “atribuir força
vinculante em sentido estrito à decisão-quadro no julgamento de recursos e
causas repetitivos. Vale dizer: seu descumprimento pelos órgãos judiciais
inferiores passa a ensejar reclamação ao tribunal superior.”
Aos
referidos dispositivos legais não é unânime.
Ao se
questionar se a força vinculante dos precedentes emana daqueles artigos,
Mitidiero responde negativamente, concluindo que “decorre da compreensão do
papel adscritivo da interpretação e da necessidade daí oriunda em densificar a
segurança jurídica a partir não só da atuação de um juge inanimé ou de um juiz oracle
of the law, mas levando-se em consideração a conjunção do trabalho do
legislador, da doutrina e do juiz.”
Para o
jurista, portanto, os precedentes são formados apenas pelas Cortes de vértice
e, nessa posição, serão sempre obrigatórios, ao passo que os Tribunais locais
são responsáveis pela produção de jurisprudência, sendo todos eles responsáveis
pela edição de súmulas.
Inegável
é que, seja a partir dos arts. 926 e 927 do Código de 2015 ou não, há certo
consenso no sentido de que o ordenamento brasileiro comporta, hoje, um sistema
de precedentes.
Essa
premissa, contudo (e infelizmente), não é capaz de, por si só, assegurar as tão
almejadas previsibilidade e segurança jurídica, ou, como alertou Georges
Abboud, “nem de longe quer significar que o sistema gere respostas antecipadas
aos problemas que ainda nem aconteceram.”
Se
analisado objetivamente, esse sistema de precedentes gera “efeito vinculante
para o julgado do STF e do STJ, ainda que ele seja discricionário, e
possivelmente, possa vir a ser modificado na próxima sessão de julgamento.”
Seria o mau e velho trata-se a consequência, mas não se atinge a causa.
Ao
estabelecer que o juiz deva seguir o precedente, a lei, por si só, não impede
que as decisões passem a se firmar num sistema de “colar precedentes isolados
em sua fundamentação, baseando-se unicamente neles para a resolução do caso”, o
que atentaria contra a própria concepção de integridade apresentada por Dworkin[9], calcado na permanente
continuidade da interpretação do mesmo material , seja a lei, seja o precedente
, que o órgão jurisdicional já considerada suficientemente interpretado.
Aliás,
desde o nascedouro do CPC/2015, é possível observar na doutrina um forte
movimento orientado para a otimização e o aperfeiçoamento de um “legítimo”
sistema de precedentes, voltado à compreensão e extração da ratio decidendi
de uma decisão para, a partir dela, construir argumentada e justificadamente a
solução do caso futuro, “apesar do discurso dos precedentes no Brasil ser
apresentado com a finalidade de otimizar o julgamento de casos idênticos.”
Preleciona
Didier Jr., que o dever de integridade se relaciona com a ideia de unidade do
Direito. Embora o termo “integridade”
esteja muito relacionado a Ronald Dworkin, este ensaio não interpretará o enunciado
normativo do art. 926 do CPC brasileiro exclusivamente
com base no seu pensamento.
As
ideias de Dworkin são importantíssimas para
a compreensão do assunto, mas não são a única fonte para a concretização do
dever de integridade no Direito brasileiro.
Essa
opção decorre da premissa teórica do professor estadunidense, segundo a qual somente há uma
resposta correta para um problema jurídico.
Neste
ponto, essa prestigiada teoria da interpretação do Direito não é a seguida
neste artigo. A interpretação é, essencialmente, uma atividade de recriação e,
também, de escolha de significado,
“ainda que lógica e argumentativamente guiada”.
A teoria da “única resposta certa” não resolve, por exemplo, o problema da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, textos normativos genuinamente ambíguos.
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Notas:
[1]
No ensaio “Não existe mesmo nenhuma resposta certa em casos controversos?”,
publicado como o capítulo 5º da obra “Uma Questão de Princípio”, Dworkin revisita
a discussão travada com os positivistas jurídicos no texto anterior, em torno
da possibilidade de uma resposta correta para os chamados casos difíceis. Ou
seja, o autor tem o objetivo de negar a tese segundo a qual, em face de casos
nos quais inexiste a incidência de uma regra expressa, o magistrado estaria
autorizado por meio de um poder discricionário a criar um direito novo e
aplicá-lo retroativamente ao caso.
[2]
Os casos fáceis são aqueles em que as normas jurídicas aplicáveis são claras e
precisas, e os fatos são inquestionáveis. Nesse tipo de caso, a resolução é
alcançada por meio da aplicação do silogismo jurídico. O silogismo jurídico é
um método de raciocínio dedutivo utilizado pelos juristas para determinar a
solução de um caso a partir da aplicação de uma norma geral a um caso
particular.
[3] Os casos difíceis são aqueles em que as normas jurídicas são inexistentes, contraditórias ou ambíguas, e os fatos são dúbios ou controversos. Nesses casos, a construção das premissas maior e menor do silogismo jurídico torna-se complexa, exigindo do juiz um raciocínio mais aprofundado e, muitas vezes, a utilização de justificações de segunda ordem para alcançar uma conclusão lógica e adequada.
[4]
Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo
(USP). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Paranaense de
Direito Processual e do Comitê Brasileiro de Arbitragem.
[5]
A teoria dos precedentes judiciais foi desenvolvida a partir do sistema do
Common Law. Essa teoria afirma que os precedentes normativos devem ser usados
em casos semelhantes, garantindo, assim, previsibilidade do direito. O juiz
interpreta os fatos do caso, os compara com os fatos do caso anterior e, se
eles forem suficientemente parecidos ou análogos, aplica ao caso em julgamento
a mesma solução já aplicada ao caso anterior. Daí a palavra “precedente”.
Assim, nem leis, nem decisões judiciais são, em si, sinônimos de Direito.
[6] Um obiter dictum é “algo dito por um juiz ao realizar o seu julgamento que não é essencial para a decisão do caso. Ele não forma parte da ratio decidendi do caso e portanto não cria precedente vinculante, mas pode ser citado como autoridade persuasiva em casos futuros”. Um obiter dictum é “algo dito por um juiz ao realizar o seu julgamento que não é essencial para a decisão do caso. Ele não forma parte da ratio decidendi do caso e portanto não cria precedente vinculante, mas pode ser citado como autoridade persuasiva em casos futuros”. Não podemos confundir que o obiter dictum estará presente nas opiniões judiciais de várias formas e, portanto, não vinculativas, embora a ratio possa ser toda a fundamentação, em muitos casos haverá razão que não constitui parte da ratio, mas obter,
[7]
IRDR. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) foi uma das
inovações processuais trazidas pelo novo Código de Processo Civil (Lei n.
13.105, de 16 de março de 2015). Encontra-se regulamentado nos artigos 976 a
987 do CPC e tem como principal objetivo identificar processos que contenham a
mesma questão de direito, para decisão conjunta.
IAC. O Incidente de
Assunção de Competência – IAC, regulamentado pelo artigo 947 do atual Código de
Processo Civil, revela-se admissível quando o julgamento de recurso, de remessa
necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão
de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos
processos. Consiste no deslocamento da competência funcional de órgão
fracionário para apreciar o recurso/processo de competência originária/remessa
necessária, para um órgão colegiado de maior composição. O acórdão proferido
pelo órgão colegiado se consubstanciará em um precedente que vinculará todos os
juízes e órgãos fracionários do tribunal, salvo eventual revisão da tese.
[8]
Com o julgamento dos recursos representativos da tese idêntica, os recursos
sobrestados na origem terão seu seguimento negado na hipótese de o acórdão
recorrido coincidir com a orientação do Tribunal Superior; ou serão novamente
examinados pelo tribunal de origem na hipótese do acórdão recorrido divergir da
orientação do paradigma. Sendo mantido o acórdão divergente, far-se-á o exame
de admissibilidade do recurso especial.
O efeito ultra partes dos
julgamentos repetitivos é confirmado pelo inciso IV do art. 1.040 ao prever que
“se os recursos versarem sobre questão relativa à prestação de serviço público
objeto de concessão, permissão ou autorização, o julgamento será comunicado ao
órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para a fiscalização da
efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada”.
Como após o julgamento do
paradigma é de se supor que todos os outros processos sejam julgados da mesma
maneira, o Código acaba prevendo a possibilidade da parte desistir da ação em
curso em primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a
questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da
controvérsia (art. 1.040, § 1º). Se a desistência for anterior ao oferecimento
da contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de
sucumbência (§ 2º). A grande novidade fica por conta da isenção das custas, já
que não havendo contestação, não há que se cogitar em honorários. Se as custas
foram pagas antecipadamente, cabe o pedido de devolução. Já o § 3º prevê que a
desistência independe do consentimento do réu, mesmo que apresentada após a
contestação.