Polêmica do voto secreto no STF
A variedade de opiniões e entendimentos sobre o julgamento de temas polêmicos tais como descriminalização do porte de maconha para usuários e, tantos outros temas sensíveis e de grande apelo junto à opinião pública brasileira não deve servir de motivo para se alterar a previsão constitucional de voto expresso nos julgamentos do STF. A diversidade social e a transparência da justiça são indispensáveis ao Estado Democrático de Direito.
O Supremo Tribunal Federal
exerce a função de guardião da Constituição Federal e, tem a nobre missão de
fiscalizar as ações dos Poderes Executivo e Legislativo, afiançando que tais
poderes da república atuem dentro da constitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal é a
mais alta instância judicial, é a última instância do Judiciário brasileiro e
que acumula tanto as típicas competências da terceira instância como também as
de um tribunal constitucional.
A referida Corte Suprema fora
criada após a Independência do Brasil, na época com o nomen de Supremo Tribunal
de Justiça e, renomeado, com a Proclamação da República para Supremo Tribunal
Federal, de fato exerce um leque amplo de competências, entre as mais célebres
e relevante é o controle concentrado de constitucionalidade por meio de ações
diretas de inconstitucionalidade.
Todas as reuniões
administrativas e judiciais dessa Corte Suprema são transmitidas ao vivo pela TV
Justiça desde 2002 e pela Rádio Justiça desde 2004. Estando aberto ao público para assistir aos
julgamentos.
É composto por oito julgadores
chamados de Ministros, são nomeados pelo Presidente da República, devendo ser
aprovados pelo Senado Federal, sem ter mandato fixo, respeitado o limite máximo
previsto para a aposentadoria compulsória aos que atingirem setenta e cinco
anos de idade.
Durante a ditadura militar. em 1965, o número
fora majorado para dezesseis, com o escopo de diminuir o poder dos ministros
então indicados pelos anteriores Presidentes da República, tais como João
Goulart e Juscelino Kubitschek. Em 1969, com AI-5 foram compulsoriamente
aposentados os ministros Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal.
E, em solidariedade aos colegas afastados também o Ministro Antônio Gonçalves
de Oliveira renunciou ao cargo.
E, o Ministro Lafayette de
Andrada solicitou sua aposentadoria em protesto às providências de exceção
tomadas pelo governo militar. Com a saída de cinco ministros, o General Médici retornou
o Tribunal ao seu tamanho original que é de onze ministros. O Supremo era pouco
visível à opinião pública e ao cidadão brasileiro comum, até que em 1968, o
Ministro Aliomar Baleeiro publicou uma obra intitulada: "O Supremo
Tribunal Federal, esse outro desconhecido".
Foi a redemocratização que a
Suprema Corte deixou de ter mero papel secundário no cenário político e,
assumiu proeminência no Judiciário, apesar de que esse fenômeno é peculiar a
contemporaneidade e ocorre devido aos múltiplos fatores que determinaram tal
transformação.
O STF deve representar a
concretização das garantias fundamentais, seus detratores chamam o STF de
ministrocracia, ou os onze Supremos, a jactância de suas decisões se dá em face
o grande desgaste dos demais poderes, e ainda, a sensibilidade dos magistrados
à voz das ruas, além de desconfianças recíprocas e um aparato legislativo que
privilegia as decisões monocráticas. Observa-se que recentemente houve uma
redução do nível de desacordo mútuo entre os ministros.
Em 28.8.2023 a Primeira Turma
do STF rejeitou o princípio da insignificância, porém, concedeu medida
alternativa ao condenado por furto em bens que foram avaliados em cem reais.
Para a maioria do colegiado da Suprema Corte, a insignificância não pode ser
aplicada ao caso, conforme firme jurisprudência da Corte, pois o crime fora
perpetrado por mais de um infrator, durante o repouso noturno e, ainda, um dos
condenados é reincidente.
Segundo o histórico do caso, o juízo de
primeira instância impôs o regime semiaberto, decisão que fora mantida pela
segunda instância como no STJ. Porém, o relator original do RHC, no STF, o
Ministro Lewandowski (ora aposentado), manteve a reclusão, porém, determinou
que a pena fosse cumprida em regime aberto, entendimento também mantido pelos
Ministros Zanin e Fux.
Já para o Ministro Alexandre
de Moraes, a imposição do regime inicial semiaberto era desproporcional,
particularmente, porque não existir qualquer lesão ao patrimônio da vítima, já
que os bens foram restituídos ao proprietário. E, ainda, considerando que os
motivos para a substituição da pena são praticamente os mesmos para o
estabelecimento do regime prisional, entendeu que é igualmente cabível a
conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Ademais, o
regime aberto atribuído ao outro réu já teria sido substituído, em primeira
instância, por penas restritivas de direito.
A postura conservadora do
recém-ministro Zanin no STF tem gerado críticas e, ele foi o primeiro da Corte
a se posicionar contra a descriminalização do porte de drogas. Sendo alvo de
opositores do governo pela indicação do atual Presidente da República, de quem
aliás, fora advogado, ele também ouviu cobranças advindas dos progressistas
pelas posições nitidamente conservadores logo tomadas em suas primeiras
manifestações formais.
Ao divergir na votação sobre a
descriminalização do porte de drogas, foi contra aos Ministros Alexandre de
Moraes, Fachin, Gilmar Mendes e Luíz Roberto Barroso que já tinham registrados
seus votos favoráveis à dita descriminalização, a Ministra Rosa Weber, atual
Presidente do STF se posicionou acompanhando à maioria dos ministros.
Ad rememorandum,
quando o então Ministro Zanin fora sabatinado pelo Senado brasileiro afirmou
que tinha sido indicado pelo atual Presidente da República por seu trabalho na
advocacia, e garantiu “não ter qualquer tipo de subordinação a quem quer que
seja”.
Entre outros argumentos
apresentados pelo Ministro Zanin, afirmou que a mera descriminalização para o
consumo de drogas, poderá agravar a situação no combate às drogas. De fato, o
temas sobre os entorpecentes é tema muito polêmico. Há argumentos de cunho
sociológico que enfatiza que a descriminalização do porte aumentaria o tráfico
de drogas.
Enfim, as críticas sobre o
Ministro Zanin só reforçam a pressão para que o atual Presidente da República
venha nomear um progressista para a vaga da Ministra Rosa Weber.
Estatísticas comprovam que a
lei brasileira de 2006, a Lei 11.343, o STF julgou a aplicação prática do seu
artigo 28 que visa diferenciar traficantes de usuários, a norma prevê penas alternativas
de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas
e comparecimento obrigatório ao curso educativo sobre o tema. No entanto, ainda
não há exata definição da quantidade de entorpecente que caracterizam o uso ou
tráfico. E, assim, acaba sendo desigualmente aplicada.
A referida lei deixou de
prever a pena de prisão, porém, manteve a criminalização. E, segundo o Ministro
Alexandre de Moraes, “dados estatísticos mostram que a lei não é igual para
todos. O analfabeto é considerado traficante com 32 (trinta e duas) gramas.
Quem tem segundo grau completo, 40(quarenta) gramas. Portadores de diploma de
ensino superior, com 49 (quarenta e nove) gramas. Ou seja, não há justiça
nisso".
Na visão do Ministro Moraes,
uma definição de limites de quantidade de drogas servirá para diferenciar
usuários de traficantes. Segundo o ministro, devem ser levadas em conta as
circunstâncias das apreensões para não permitir discriminação entre classes
sociais. Após o voto de Moraes, o julgamento foi suspenso a pedido do relator
do caso, Ministro Gilmar Mendes.
Um tempero a mais para o
debate foi a polêmica proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa)em relação a importação de flores de cannabis para uso medicinal,
através da Nota Técnica 35/2013. E, ainda os questionamentos a respeito da abordagem
regulatória em relação aos entorpecentes, o que afeta a liberdade de escolha
bem como o acesso à saúde de alguns pacientes. Há necessidade de se investir em
políticas públicas eficazes e voltadas para o tratamento e acompanhamento de
usuários de drogas.
O artigo 19, inciso III, da
Lei de Entorpecentes, por exemplo, já determina que as medidas socioeducativas
previstas no artigo 28 sejam aplicadas aos usuários de drogas, priorizando a
reeducação e a reintegração social, em vez da reclusão em um sistema penitenciário
muitas vezes sobrecarregado e ineficiente.
Já os artigos 20 e 21 tratam
do tratamento de dependentes químicos, assegurando o direito à atenção integral
à saúde e ao respeito à dignidade humana. Isso reforça a ideia de que a
abordagem sobre o consumo de drogas deve ser focada na saúde pública e no bem
estar dos cidadãos, evitando a estigmatização e a criminalização dos usuários.
Os pontos característicos da
vigente Lei de Drogas”, assim, incluíram: Crimes relacionados às drogas podem
ser classificados como ofensas contra a saúde pública; substitui o termo
substância entorpecente por droga, visando incluir um número maior de
substâncias; sem pena de prisão em flagrante para usuário e medidas mais
rigorosas contra o tráfico.
A Lei 13.840 (de 5 de junho de
2019) dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e as
condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e para tratar do
financiamento das políticas sobre drogas. As principais mudanças giram em torno
de: medidas para internação (inclusive involuntária); mudança das penas
condenadas por tráfico: 4(quatro) para 6 (seis) anos; e privilégio de linha de
financiamento direto de comunidades terapêuticas.
Já em 6 de abril de 2022
entrou em vigor a Lei 14.322/2022, que altera essencialmente os artigos 60 e 61
da Lei 11343 de 2006. As principais modificações dizem respeito à possibilidade
de apreensão definitiva dos veículos utilizados para o transporte de droga
ilícita. Além disso, também indica que tais instrumentos ou formas de
transporte envolvidas, deverão “ser imediatamente comunicadas pela autoridade
de polícia judiciária responsável pela investigação ao juízo competente.”
A Lei 14.322/2022 especifica
sobre a apreensão de: “veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros
meios de transporte e dos maquinários, utensílios e instrumentos envolvidos no
transporte de drogas ilícitas”.
Art. 4º São incapazes,
relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados
em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos”.
Em tempo: o vigente Código
Civil brasileiro prevê que de acordo com a lei, os “viciados em tóxico”, ou
seja, dependentes químicos, e os “ébrios habituais” ou alcoólatras, também
fazem parte do grupo de “relativamente incapazes”.
Ratifique-se que o STF é
guardião da Constituição Federal brasileira vigente e, em verdade, julga em
nome do povo no Estado Democrático de Direito, o que aliás, é confirmado até
por seu Regimente Interno. Ao se defender o voto secreto dos Ministros do STF
viola-se tanto o princípio democrático como o republicano. Aliás, a justiça
brasileira há de ser transparente e, para tanto, se exige que suas decisões
sejam fundamentadas tanto fática como juridicamente.
O recém-ministro vem sofrendo
críticas da esquerda depois de três votações, a saber: não reconhecendo a
insignificância em furto de bens de baixa valor (cem reais); voto contrário à
equiparação de ofensas à comunidade LGBTQUA+ como injúria racial e voto
contrário a descriminalização ao porte de maconha para uso pessoal.
No dia 21.8.20233 o STF por
maioria de votos reconheceu que ofensas homofóbicas podem ser reconhecidas como
injúria racial. Destaque-se que no entendimento do Ministro Fachin, a injúria
racial constituiu espécie do crime de racismo e, a decisão do SSTF não poderá
ser restringida e, a pena para a conduta delituosa varia de dois a cinco anos
de prisão.
Esqueceram ainda de apontar
que o mesmo Ministro Zanin votou em favor da Liberdade de expressão e derrubou
a decisão judicial que havia censurada a reportagem da Revista Piauí.
Depois da enxurrada de
críticas aos posicionamentos do Ministro Zanin, erroneamente, o atual
Presidente da República defendeu o voto secreto no STF a fim de evitar
animosidades aos magistrados. Já para o atual Ministro da Justiça, Flávio Dino
afirmou que o debate é válido, mas não deve ser tratado nesse governo.
Alguns ministros da Corte
Suprema foram ouvidos pela imprensa e, em caráter reservado, rechaçaram a
possibilidade de se alterar o texto constitucional vigente para instituir o
voto secreto. Porém, admitiram que a Corte avalia internamente uma mudança
sistêmica na votação em plenário. É importante ressaltar que tanto o texto
constitucional vigente como o Regimento Interno do STF determinam a
transparência como um dos principais pilares para atuação.
In litteris:
“Todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação”.
O cerne do debate reside na
excessiva exposição do STF em certos temas e, ainda, os extensos votos
existentes no modelo atual. Cogita-se em adotar um simplificador do mecanismo
tal como já acontece no plenário virtual.
O próximo Presidente da Corte
que será o Ministro Barroso já propôs que cada magistrado tenha, no máximo,
quinze minutos para expor seu voto.
Convém ressaltar a importância
da repercussão geral para o STF pois esse instituto processual pelo qual a
Suprema Corte reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos
extraordinários que apresente questões relevantes no aspecto econômico, social,
político ou jurídico e que ultrapassam aos interesses subjetivos da demanda.
Deve prevalecer o voto expresso
e a transparência da justiça brasileira em todas as suas instâncias. Os votos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) no Brasil não são secretos porque parte-se do princípio segundo o
qual as pessoas julgadas têm o direito de saber quem a condenou ou quem a
absolveu.