Parecer sobre Direito do Trabalho a respeito da dispensa por justa causa em razão de recusa vacinal (Covid-19)

Por Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz.

Fonte: Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz

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Durante a pandemia de coronavírus, surgira movimento antivacinal que se alastrou no Brasil, acarretando desafios para as autoridades sanitárias e jurídicas brasileiras. E, o referido debate chegou ao Superior Tribunal Federal, sendo precursora a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.587 que trouxe precedentes de legitimidade de penalidades a quem se recusar a imunizar-se, principalmente, se há necessidade de convívio e contato com outros empregados e, a frequência de pequenas aglomerações para implementação de trabalho.

Precisamos reconhecer que a pandemia do coronavírus teve, e ainda tem, proporções mundiais e, em nosso país, teve mais de seiscentos mil mortos e, outro relevante número de infectados e sequelados com a doença. Assim, além da crise sanitária, cumulou-se também a crise econômica e trabalhista, ampliando a miséria bem como restrições e condicionantes que tanto alastraram o poder destrutivo do coronavírus.

A consulta in casu, procura saber se é possível a aplicação de justa causa no contrato laboral em face de peremptória recusa de imunização vacinal, não obstante a vacinação não ser obrigatória, em razão do governo federal negacionista.

É sabido que a vacina representa uma relevante evolução da medicina, aumentando a qualidade de vida e a expectativa de vida.

E, em nosso país, a vacinação fora responsável pela erradicação de diversas doenças de varíola, poliomielite bem como no controle de outras doenças como sarampo, catapora, coqueluche, tétano e outros violentos patógenos letais.

Lembremos que nosso texto constitucional vigente segundo os termos do inciso II, do artigo 23 afirma que "cuidar da saúde e assistência pública" é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e, há a responsabilidade solidária de todos esses entes da federação brasileira.

Portanto, é um direito constitucional positivado ter um ambiente seguro, sendo dever do Estado dispô-lo, conforme prevê o artigo 220, §3º, II, que garante a possibilidade de defesa, da pessoa e da família, de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. E, adiante, no artigo 225 do mesmo texto constitucional, expressa claramente a necessidade de ações estatais em prol do bem da coletividade.

Com a advento da pandemia pela Covid-19 foi introduzida a Lei 13.9797/2020 que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, sendo prevista a possibilidade de vacinação compulsória, além do isolamento, da quarentena e da restrição de entrada ou saída do país.

In litteris, o seu artigo 3º:

Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020); III - determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas

É cediço que toda a coletividade foi afetada seja direta ou indiretamente pela pandemia de Covid-19 e, pelas consequências sociais advindas desta.

A vacinação contra Covid-19 foi disponibilizada para reduzir radicalmente o número de casos graves, internações e mortes causadas pela doença, mas não protegem contra a infecção, nem impedem que o vírus seja transmitido. É sabido, outrossim, que nenhuma vacina tem garantia total de imunização, destarte haver necessidade de manter as medidas sanitárias preconizadas.

Em razão do princípio da preservação da dignidade da vida humana há diversas cláusulas pétreas que constitui um rol representativo de direitos e obrigações, entre estes: igualdade de direitos e obrigações para homens e mulheres, livre manifestação de pensamento, inviolabilidade de intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de pessoas, a liberdade de crença e consciência.

O direito do trabalho que é igualmente regido por regras e princípios e que disciplina a relação trabalhista onde vige desigualdade das partes. Onde o trabalhador é a parte vulnerável e necessita de tutela. Entre os mais relevantes princípios desse ramo jurídico estão: o da proteção, da primazia da realidade, da continuidade da relação de emprego, da irrenunciabilidade de direitos, da inalterabilidade contratual lesiva e intangibilidade salarial, todos com a primazia de preservação do emprego em condições dignas.

A CLT instituída pelo Decreto-Lei 5.452/1943 é equiparada à lei federal, sendo aplicada a todos os trabalhadores, tendo sofrido grande alteração no ano de 2017, quando se instituiu três princípios de proteção ao capital (liberdade, segurança jurídica e simplificação), acrescentou e/ou modificou noventa e sete artigos da CLT, três artigos da Lei 6.019/74, um artigo da Lei 8.036/90, um artigo da Lei 8.213/91 e um artigo da Medida Provisória 2.226/2001.

A função protecionista do direito do trabalho em benefício do empregado desconhece a bilateralidade da relação de emprego.

E, uma vez aceito o caráter sinalagmático do contrato laboral, seria de rigor a aceitação de igual dose de proteção concedida ao empregador. Repise-se que, realmente, o trabalho constitui direito fundamental positivado em nosso ordenamento jurídico e ainda em tratados e convenções internacionais, aos quais o nosso país é signatário, além de estar disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Lembremos ainda que o contrato laboral deverá ser duradouro e digno, visando a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa humana. E, toda relação trabalhista deverá ser fixada no princípio da boa-fé, e todas as partes devem atuar com honestidade, lealdade, ética e probidade.

Sendo ainda possível, haver a extinção do contrato laboral por iniciativa do empregado ou do empregador. E, no caso de haver justa causa que equivale à penalidade mais gravosa ao empregado, quando pratica qualquer das falhas previstas no artigo 482 da CLT.

A dispensa motivada em justa causa além de prevista em lei, em sua prática, deve observar a proporcionalidade entre o fato realizado e a sanção aplicada. E, o advento da presente pandemia ergueu novos desafios no mundo do trabalho, como o uso contínuo de máscaras faciais, o distanciamento, a proibição de ir e vir nos casos de lockdown, disseminação de fake news e a insegurança sanitária e econômica.

A dispensa com justa causa é gravosa e traz prejuízos materiais e psicossociais. E, deve ser medida excepcional.

É o parecer que no caso específico de recusa vacinal, seguindo o entendimento firmado tanto nos tribunais como do STF:

I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

Ressalte-se que a dispensa por justa causa é cabível tratando-se de recusa vacinal imotivada do empregado em detrimento às normas legais vigentes que aduzem a sua obrigação. É o caso da Lei 14.124, de 10 de março de 2021 que estabeleceu a vacinação compulsória contra Covid-19. Esses trabalhadores, sem justificativa, têm resistência voluntária à imunização, movidos por ideologias equivocadas e pela polarização política e religiosa.

Portanto, o entendimento majoritário jurisprudencial no brasil é de que tais interesses individuais não podem prejudicar a coletividade.

Portanto, a vacinação compulsória é lícita e cabível e constitucional, prevista na Lei 13.979/2020 e na Lei 6.259/1975. Sendo ilícito, porém, o uso da força, para prover a imunização.

Assim, ao Estado é possível impor limitações aos não imunizados, como impedimento de acesso aos locais públicos e de ingresso em instituições de ensino, aplicação de multas, proibição de frequentar shows, teatros, cinemas, pontos turísticos e, etc.

O julgamento das Ações Direitas de Inconstitucionalidade 6.596, 6.587 e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.257.879 criou precedentes para as ações do judiciário. Ratificou o Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da ADI 6.587 e da ARE 1. 267, 879, in verbis:

       "Não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros. Ele lembrou que a vacinação em massa é responsável pela erradicação de uma série de doenças, mas, para isso, é necessário imunizar uma parcela significativa da população, a fim de atingir a chamada imunidade de rebanho".

Conclui-se, portanto, que o STF ao fixar a tese no ARE retrocitado compreender ser constitucional a imposição de imunização mediante a vacinação e, consolidou o entendimento que a vacinação é compulsória, sendo diferente da vacinação forçada.

Por estarmos vivenciando momento atípico faz-se necessária a obrigatoriedade vacinal na busca efetiva de contenção e enfrentamento da pandemia bem como da proteção de toda sociedade.

*Gisele Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

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