Paradoxos no Direito

Os paradoxos do Direito não são privativos nem exclusivos do Brasil e podem estar em outros sistemas jurídicos, mas é necessário enfrentá-los de forma específica e contextualizada, por isso o maior processualista vivo no Brasil, José Eduardo Carreira Alvim, falou em recente e brilhante palestra: o Juiz não é aplicador de lei. É, em verdade, um fazedor de Justiça

Fonte: Gisele Leite

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Há também os paradoxos do direito, observando-se a teoria da sociedade de autoria de Niklas Luhmann[1] e Raffaele Di Giorgi[2]. E, se revela nos conceitos como soberania, direitos humanos, princípios do direito e democracia que foram criados para dar uma fundação a um sistema que funda a si mesmo.

Um paradoxo poderá fazer deduzir que a um só tempo, inocente e culpado? Ou melhor, culpado porque é inocente. Durante toda a Idade Média não era um problema que o ius proprium convivesse com os direitos dos diversos centros de poder:  direito do império, do papado, dos príncipes.

Numa ordem jurídica plural os diversos centros de produção   normativa   conviviam   de   maneira   sobreposta, autônoma   e   não necessariamente conflitante, numa situação que Paolo Grossi definiu de “covigência” (GROSSI, 2014).

Exatamente porque eram incipientes as pretensões de se fazer valer um direito politicamente fundado, o princípio básico regulador daquela ordem plural ainda era o do pacta sunt servanda, ou seja, do respeito aos contratos e à autonomia (soberania) dos centros de poder.

O sociólogo Niklas Luhmann certa vez disse que os paradoxos “têm uma inclinação fatal para reaparecer” (LUHMANN, 1988).   No   caso   de   Kohlhaas, isso é   literal:   o   paradoxo possivelmente permaneceria escondido e invisível se o desfecho da história não fosse trágico, da mesma forma que não seria visível se ninguém se perguntasse sobre como duas decisões contraditórias podem coexistir num mesmo caso. “Paz pública”, “soberania”, “razão de Estado”, nesse caso, são construções filosóficas que permitem ao direito esconder de si mesmo suas inconsistências e paradoxos

Os paradoxos do direito ficam escondidos, mas de vez em quando emergem no plano das estruturas e das operações do sistema, como acabamos de ver. 

Quando isso acontece, são imediatamente tratados como defeitos a serem solucionados de algum modo, sob o risco de o sistema ficar, diante de tais “inconsistências”, bloqueado.

Como “dogmática jurídica”, a teoria do direito cria hierarquia de normas, num catálogo de “fontes do direito”, constrói diferenças como aquela entre direito objetivo e direito subjetivo, métodos da interpretação e referências como analogia ou princípios do direito.

Uma estratégia usual de evitar inconsistências é a hierarquização das normas, com a distinção entre níveis de normas, na qual as normas constitucionais se colocam numa posição superior. 

Mas, pode ocorrer sempre o caso de uma norma constitucional poder ser considerada inconstitucional   e, aí, parece   que   temos   novamente   um   enovelamento ou stranges   loops (HOFSTÄDTER, 1995):  se a norma constitucional pode ser, eventualmente, inconstitucional, como poderia ela ser parâmetro para a constitucionalidade de outras normas?  E quem vai julgar que a constituição é inconstitucional?  O paradoxo reaparece.

Outra forma de “resolver” o paradoxo é mediante a distinção entre regras e princípios, também construída pela teoria do direito.  A teoria diz que as regras não podem ter sentidos contraditórios. 

Assim, se uma regra colide com a outra, em seus sentidos, a dogmática jurídica constrói referências para decidir qual terá preferência: a mais nova, a mais “graduada” na escala da validade normativa, a decisão do tribunal superior...

Quando nada disso funciona, ou quando se quer decidir na ausência de regras ou mesmo para além dessas, a teoria do direito oferece ao juiz os chamados “princípios gerais do direito”. 

Os princípios, desta forma, são como “cambial e in Bianco per un futuro aperto”, permitem a tomada de decisão onde elas aparentemente não podem ser tomadas.

Em 1994, a relevante pesquisa de Juliana N. Magalhães sobre a aplicação dos princípios pelo Tribunal de Justiça Europeu, os princípios muitas vezes são criados no momento mesmo em que são aplicados (NEUENSCHWANDER, 2013). Também aqui o paradoxo reaparece.

Outra famosa história, lembrada por Niklas Luhmann no texto Die Rückgabe des zwölften Kamels (LUHMANN, 2000) Luhmann utiliza-se daquela estória porque, como ele mesmo diz, as grandes questões jurídicas podem ser observadas a partir de casos concretos.  Casos concretos, ora, podem ser Kohlhaas ou esse dos camelos. E a grande questão a ser observada é o problema dos paradoxos do direito.

Na história dos camelos, três homens estão diante da situação de dividir sua herança (alguns camelos) de acordo com a vontade de seu pai, um velho beduíno, que dispunha que o filho mais velho deveria receber metade dos camelos, o do meio deveria receber um quarto e o mais novo, um sexto destes. 

Ocorre que quando o velho beduíno morreu restavam apenas onze camelos, total do qual não se poderia efetuar a divisão na forma cômoda e sua vontade. O problema foi levado a um Juiz, que juntou ao complexo dos camelos o seu próprio camelo, fazendo então a divisão da forma estabelecida: de um total de doze camelos, o filho mais velho ficou com seis, o do meio com três e o menor com dois.

A soma da parte de cada um perfazia onze camelos, de modo que o Juiz, realizada a tarefa, tomou de volta o décimo segundo camelo.

Luhmann perguntou, após contar essa história, se o décimo segundo camelo é ou não necessário.  Ele tem que ser real ou é uma ficção?  Para Luhmann, o décimo segundo camelo apresenta uma situação de ambivalência, pois o sistema utiliza-se dele, sem mesmo o possuir.

Neste sentido, ele é real, pois torna possível a operação de divisão dos camelos, mas, ao mesmo tempo, ele é uma ficção, pois poderia ser apenas pressuposto e, mesmo assim, as operações seriam possíveis. Neste sentido, o camelo é e ,ao mesmo tempo, não é necessário (LUHMANN, 2000).

Assim como o camelo, as construções teóricas como os princípios do direito, que flutuam desse modo no sistema, tornam possíveis travessia entre o direito e o não direito. 

Os princípios “flutuam” nas operações do sistema, entram no positivo para depois retornarem do positivo, estão no sistema precisamente porque não estão no sistema. Os princípios operam como normas jurídicas no momento da decisão, mas um instante antes e um instante depois já não são normas.

A expressão é usada por Luhmann e De Giorgi na obra “Teoria della Società”, quando eles se referem, de uma forma mais geral, aos conceitos construídos pela ciência (LUHMANN & DE GIORGI, 1993).

A maior finalidade dos princípios é tornar possível a travessia entre o Direito e o não-direito quando o sistema jurídico deverá decidir, exatamente, sobre aquilo que é direito e o que não é direito. E, a cada decisão se constrói suas fronteiras ou limites. Mas, o Direito lida com as pressões de seu ambiente, o que pode resultar no abuso no uso dos princípios.

Essa diferença é constitutiva do sistema e é, também, paradoxal. Isto porque direito e não direito (Recht/Unrecht) são dois lados que não são simplesmente contrários, mas se pressupõem reciprocamente. O que surgiu primeiro? O direito ou o não direito? Recht ou Unrecht?

Lembrando Jorge Luís Borges e um outro famoso conto, El Jardin de los Sendeiros que se bifurcam, podemos afirmar, com Luhmann, que agora temos uma simultaneidade de sentidos que não é referida, antes precisa ser ocultada (LUHMANN, 2000). O direito é a unidade da diferença entre o direito e o não-direito. Isso pode parecer paradoxal e, na verdade, é paradoxal.

O que aqui chamo de paradoxo, portanto, não é um defeito lógico, que por vezes aflora no direito e precisa ser resolvido pela dogmática jurídica.  Na verdade, o paradoxo é constitutivo do direito.

A fundação do direito é paradoxal porque, em seu fundamento, o direito não tem nem a Natureza, nem a Razão do contrato, ou a soberania e a constituição e, como dolorosamente assistimos, nem mesmo a “democracia deliberativa” de Habermas.

Importante frisar que o paradoxo não é um problema para a prática do direito, pois não aparece no plano das estruturas do sistema, exceto em casos excepcionais, porque o direito de fato opera sob uma base paradoxal.

Afinal, o direito faz é, a cada operação, indicar o que é direito e simultaneamente o que não é direito (Recht/Unrecht).

O paradoxo aparece quando o direito se coloca aquilo que Luhmann chamou de “terceira questão”, ou seja, a questão sobre o direito que o direito tem de dizer o que é direito e o que não é direito.

Como não pode observar o paradoxo e com isto bloquear a continuidade de suas operações, o sistema é forçado a uma resolução criativa do paradoxo, de forma que este, ainda que este nunca seja dissolvido, possa ser desenvolvido de uma forma criativa.

É aí que, no plano da semântica, o direito tem que encontrar respostas que evitem o paradoxo, e, então, cria noções como Natureza, Razão, Soberania ou Constituição.

Assim, o que as teorias do direito fazem é, a cada vez que se deparam como paradoxos, inventarem formas de interromper a circularidade paradoxal, desenvolvendo criativamente o paradoxo constitutivo do direito. 

A tarefa das teorias do direito é construir paradoxos sobre paradoxos, como forma de resolver paradoxos. Desta forma, a resposta pode ser encontrada na referência à soberania, como no caso Kohlhaas, ou nos “princípios do direito”, como no caso Elmer contado por Ronald Dworkin e tantas vezes por nós recontado ou, ainda, numa noção como “razão argumentativa”.

Vista dessa perspectiva, a história do direito e do pensamento jurídico pode ser observada também como uma sequência de construção de paradoxos (LUHMANN, 1988) inventados como forma de ocultamento do paradoxo do auto fundação do direito, ou seja, do paradoxo constitutivo do direito.

Alguns desses paradoxos são particularmente operativos, possibilitam um largo “uso criativo”, porque foram de tal forma assumidos como uma referência interna ao sistema jurídico que, de fato, acabamos por acharque o direito é assim, fundado na soberania ou na constituição, que isso é da estrutura do direito e não um certo modo que o pensamento jurídico encontrou para descrever  a  fundação  do  direito  e,  desse  modo,  elaborar  uma  narrativa  do  direito  que  evite  o encontro  com  o  paradoxo. 

Mas, o paradoxo acaba, fatalmente, por reaparecer, e quando isso acontece, os paradoxos que ocultam o paradoxo se revelam como sendo também paradoxais.

Desde o início da modernidade, as estratégias de ocultação do paradoxo do auto fundação do direito tem sido, simultaneamente, estratégias de ocultação do paradoxo da política. 

Assim como, no período anterior, tinham sido as mesmas que escondiam o paradoxo da religião.  Isso porque, na modernidade, embora direito e política tenham se especificado como diferentes modalidades de solução de problemas sociais, diferentes sistemas sociais, suas funções se apoiaram reciprocamente.

O Estado moderno surgiu como uma organização tanto política quanto jurídica que, entretanto, só é possível porque direito e política na modernidade diferenciaram-se em suas funções e códigos da comunicação.

Neste contexto, desponta o paradoxo, tipicamente moderno, aquele da unidade da diferença de direito e política. Conceitos como soberania e Constituição, podem nesse passo ser abordados como invenções do pensamento jurídico e político que foram encontradas para esconder esse paradoxo. Mediante o recurso a soberania ou a constituição, se pretendeu resolver, com um só conceito, dois diferentes problemas:  uma explicação sobre o fundamento do direito e sobre o fundamento da política.   

E, como direito e política são diferentes sistemas sociais que fundam a si mesmos, fundam-se cada qual em seu próprio paradoxo constitutivo, esses conceitos, inventados para oferecer uma fundação a sistemas que não têm fundamento, acabam por reaparecerem como também paradoxais.

O paradoxo da soberania desponta já no célebre Les Six Livres de la République[3], de Jean Bodin (1572), que definiu esta como como o poder “absoluto e perpétuo de uma República” e como fonte da lei7.

Para Bodin, a soberania só pode ser ilimitada, pois o soberano não pode estar sujeito à lei, a nenhuma lei, nem de um superior, nem de um igual, nem de um inferior.

Trata-se de uma questão lógica, pois assim como “o Papa não ata jamais suas próprias mãos (...) o Príncipe soberano não pode atar suas próprias mãos (...)” (BODIN, 1578). 

Bodin propõe uma soberania ilimitada para escapar do paradoxo, mas, paradoxalmente essa soberania é limitada porque ilimitada, porque pode tudo menos limitar a si mesma.

Ao pesquisar sobre o conceito de soberania, vi que se tratava mais do que disso: o paradoxo da soberania como poder ilimitado porque limitado escondia, na verdade, um outro paradoxo: aquele do auto fundação do direito e da política.     

Este caráter paradoxal repete-se nas diversas outras formulações que o conceito de soberania, ao longo de sua evolução, encontrou. O círculo deve ser perfeito, sem defeitos, pois assim como a coroa não é perfeita se seu círculo não é inteiro, também a soberania não o é, se tiver algum defeito (NEUENSCHWANDER, 2016). 

Mais adiante, em Rousseau, o soberano visível, facilmente identificável enquanto monarca, é substituído por um outro, também absoluto, mas tornado "invisível": o povo enquanto volonté générale. Mediante essa estratégia da invisibilização do soberano, conforme já observara Koselleck, a soberania é “confiada a   uma   sociedade   que, enquanto   sociedade, não   pode, de   fato, dispor   desta vontade”.

Também   a   Constituição   pode   ser   descrita   como   um   paradoxo.   Na   tradição constitucionalista, que tem suas raízes no pensamento medieval e, na ideia de que o soberano pode estar a um só tempo acima e abaixo da lei (Floresceu, Braxton), o paradoxo da limitação daquilo que só poderia ser pensado como supremo ou absoluto encontrou uma formulação inovadora.

O conceito moderno de constituição traz a ideia de uma limitação que, simultaneamente, é não-limitação, posto que é autolimitação. As constituições se apresentam como um fundamento comum do sistema jurídico e do sistema político, na forma de um acoplamento estrutural entre esses dois sistemas.

No quadro das constituições, “política e direito aparecem como um sistema e o direito como a forma de reação aos inconvenientes políticos, inclusive o risco de recaída no estado de natureza” (LUHMANN, 1996). 

Mas, ainda que as constituições permitam “trocas” entre direito e política, de modo que decisões políticas possam ser juridicamente legitimadas e decisões jurídicas encontrem apoio na coercibilidade própria da política, as diferenças entre esses dois sistemas permanecem, latentes, na forma do paradoxo.

A Constituição, como reação à diferenciação social, desloca temporalmente o paradoxo da fundação do direito e da política, do passado e da tradição, para o futuro: o futuro da realização da soberania popular, dos direitos fundamentais, em suas sucessivas gerações...

Mas isso não impede, por exemplo, que no contexto do julgamento da ADPF  153[4] pelo Supremo Tribunal Federal, quando se solicita que seja examinada a constitucionalidade de determinada interpretação da Lei de Anistia, aquela corte tenha decidido sobre o futuro com os olhos no passado, ao construir uma narrativa da fundação da Constituição no “armistício” celebrado pela via da Lei de Anistia[5].

Luhmann propõe uma teoria sociológica do direito como esse meta-nível capaz de observar e descrever o paradoxo, observando e descrevendo como o pensamento jurídico ocultou, e    ao mesmo tempo tornou operativo o paradoxo mediante fórmulas como contrato, Razão, Direito Natural, Direito Positivo, Norma Fundamental, princípios do direito.

Niklas Luhmann, na obra “Die Knust der Gesellschaft”, afirma que os paradoxos nada mais são que a representação do mundo na forma do autobloqueio do observador.

Para Luhmann “as obras de arte se põem em cena como paradoxos tão somente para demonstrar que não se pode proceder desta maneira, para simbolizar o inobservável no mundo”.

O Direito pátrio, notadamente o contemporâneo, enfrenta os mais diversos desafios e paradoxos que exigem a reflexão crítica na busca de soluções criativas e eficazes.

Dentre os desafios que afetam o sistema jurídico brasileiro, é possível destacar alguns específicos paradoxos.

Um dos paradoxos se refere à prescrição de crimes. Embora a prescrição seja uma garantia constitucional dirigida a proteger o direito à segurança jurídica e evitar a punição de crimes ocorridos há muito tempo, ela também pode impedir a punição de crimes graves, especialmente, nos casos de corrupção e crimes contra a Administração Pública. 

Afinal, deverá existir um equilíbrio entre a proteção da segurança jurídica e a necessidade de punição de crimes graves para evitar a impunidade e garantir a justiça.

Outro paradoxo se refere ao ativismo judicial que é forma legítima de proteger direitos fundamentais e promover a justiça social, como também poderá gerar insegurança jurídica, interferindo na separação de poderes e violar o princípio da legalidade.

Enfim, é necessário refletir sobre o papel do judiciário na sociedade e buscar um justo equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais e o respeito à democracia e à legalidade.

Os paradoxos do Direito não são privativos nem exclusivos do Brasil e podem estar em outros sistemas jurídicos, mas é necessário enfrentá-los de forma específica e contextualizada, por isso o maior processualista vivo no Brasil, José Eduardo Carreira Alvim, falou em recente e brilhante palestra: o Juiz não é aplicador de lei. É, em verdade, um fazedor de Justiça.

Além de notório saber jurídico requer-se sensibilidade e percepção da realidade em sua volta. (Vide in:  https://www.youtube.com/watch?v=8m9BB_YTCA4  ).

Referências

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Notas:

[1] Niklas Luhmann (1927-1998) foi sociólogo alemão apontado como um dos principais autores de teorias sociais do século XX, deixando vasta obra. O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação pois tem o papel de regular as relações entre o sistema e o ambiente. Na teoria de Luhmann, a ideia de transferência de informação é deixada de lado. O receptor não recebe uma informação da mesma maneira que é emitida. No processo de comunicação, tal informação é multiplicada. Ele aplicou esse erro ao excesso de ontologia, ao supor que a informação propagada é na mesma adquirida. Em 1994, o sociólogo apresentou uma exposição sobre a realidade dos meios de comunicação e após isso ele publicou seu livro.  A princípio é necessário entender alguns conceitos: sistema, ambiente e sistemas sociais. Luhmann queria se diferenciar da noção de sistema presente no dicionário, ele faz isso ao propor imaginar sistema através de sua diferença com ambiente. Isso significa que tudo que existe é sistema ou ambiente. Um sistema pode ser ambiente de outro sistema, isso depende do ponto de referência com que se observa. Não faz sentido dizer que algo é ambiente por si só, e isso não faz do sistema mais importante do que o ambiente. Um não existe sem o outro, eles não são independentes.

[2] Raffaele De Giorgi (1947) é sociólogo e filósofo italiano. Depois de realizar estudos e pesquisas em muitas universidades europeias e lecionar no Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte (Sociedade Max Planck), sua colaboração mais frutífera foi com Niklas Luhmann, com quem fundou o Centro de Estudos de Risco em 1990 na Universidade de Lecce, do qual é diretor até hoje. Realizou muitos estudos e seminários na América do Sul, obtendo um Càtedra de Exelcia na Universidad Nacionàl Autònoma de México. Foi diretor da faculdade até 2012, quando foi nomeado diretor do Departamento de Estudos Jurídicos da Universidade de Salento. É um dos principais estudiosos italianos da Teoria dos Sistemas Sociais.

[3] O tratado Les six livres de la République, de Jean Bodin (1530-1596), foi publicado originalmente em Paris em 1576. É uma das obras mais conhecidas e citadas da filosofia política, pois é nela que Bodin formula o conceito moderno de soberania, base de todo o pensamento político posterior. Nesta Bodin também afirma sua preferência pela monarquia regida por leis (que dará origem mais tarde à monarquia constitucional) e defende a independência do poder político com relação ao religioso, assim como a prevalência do direito sobre a força para obter um bom governo. Além dessas teses seminais, seu método é igualmente inovador pois ele infere as regras do governo justo a partir de uma vasta comparação histórica de inúmeras formas de governo. O primeiro livro postula o objetivo do Estado, descreve os diferentes tipos de poder (conjugal, paterno, senhorial) e define o cidadão e a soberania. O segundo livro descreve as formas de Estado (monarquia, aristocracia, democracia). O terceiro livro explica as funções dos órgãos do Estado (senado, oficiais, magistrados, colegiados). O quarto livro comenta a ascensão e queda dos Estados e suas causas. O quinto livro discute a adaptação do Estado ao clima e ao caráter da população, bem como diversos aspectos da administração estatal (fisco, penas e recompensas, guerras, tratados e alianças). Enfim, o sexto livro continua a debater certas políticas públicas (censo, finanças, moedas) e depois compara as três formas de Estado e os tipos de justiça correspondentes a cada uma.

[4] A ADPF 153 é uma ação declaratória de preceito fundamental protocolada pela OAB, perante o STF, com o intuito de questionar a validade da Lei de Anistia (6.683/79) perante os representantes dos Estados (especialmente, policiais e militares), que praticaram atos de tortura, durante o regime militar. Proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a ADPF nº 153 questionava a interpretação corrente da Lei de Anistia (Lei nº 6.683/1979), segundo a qual os envolvidos nos crimes cometidos pelo aparato repressivo teriam sido automaticamente anistiados pela norma editada durante o processo de transição à democracia. Este estudo analisa o impacto que o processo de transição à democracia brasileiro teve no novo cenário político iniciado com o fim da ditadura, verificando as conexões entre o posicionamento emitido pela mais alta instância do Judiciário no país e a forma como se deu a transição da ditadura para a democracia.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Paradoxo Filosofia Direito Direito Constitucional Ativismo Judicial

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