O significado da Justiça

O Poder Judiciário comemora o Dia da Justiça nesta quinta-feira, dia oito de dezembro de 2008 e, eventuais prazos processuais que começarem ou terminarem nesse dia ficam automaticamente prorrogados para o dia nove de dezembro. O objetivo da data é homenagear o Poder Judiciário e todos os profissionais que atuam para o cumprimento da justiça no país e, que lutam pela manutenção e funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Fonte: Gisele Leite

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Na vetusta Filosofia da Antiguidade Clássica, a justiça correspondia a virtude suprema[1] e que abrangia tudo sem distinção entre o direito e a moral. Revelava-se como sendo a expressão do amor ao bem e a Deus. E, em apreciação das quatro virtudes de Platão, a Justiça é espécie de eixo em torno do qual orbitam as outras três virtudes: o autodomínio, a coragem e, finalmente, a sabedoria. A Justiça é a virtude moral que rege o ser espiritual no combate ao egoísmo biológico, orgânico do indivíduo".

Foi a Lei 1.408, de 1951 que estipulou o feriado em todo território nacional, mas a data já é comemorada desde 1940 em referência à Imaculada Conceição, porém, sua primeira celebração oficial ocorreu em 1950, por iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros.

O Dia da Justiça é um feriado forense, conforme art. 60. da Lei nº 11.697, de 13 de junho de 2008, quando as atividades de todos os órgãos do Poder Judiciário estão suspensas. A data foi originalmente criada pelo Decreto-Lei nº 8.292 de 1945, mas já era comemorada desde 1940 em referência à Imaculada Conceição.

A Justiça harmoniza pretensões e interesses conflitantes na sociedade e, equivale a uma exigência de igualdade na distribuição de vantagens ou cargas, ou seja, bônus e ônus. Deve-se entender a igualdade sob o aspecto relativo, isto é, como uma experiência de que os iguais sejam tratados da mesma forma, e os desiguais na medida de sua desigualdade, conforme pensou Aristóteles, na sua obra intitulada "Ética a Nicômaco"[2].

Tal tratamento significa um pré-requisito para a aplicação da igualdade sendo necessário que exista algum critério para determinar, o que seja considerado igual. Afinal, a ideia de justiça não é dirigida de forma absoluta a todos e, sim, a cada um. Mas, a todos os membros de uma classe determinada por certos critérios realmente relevantes.

As mais variadas formulações de Justiça para os grupos ou contextos diversos incluem a ideia de igualdade, que é pré-requisito à definição da categoria cujos membros devem ser tratados com igualdade. Portanto, conclui-se que a ideia de Justiça se prende a aplicação correta da norma, o que é oposto a arbitrariedade.

Na longa história do  pensamento jurídico inclui várias teorias da Justiça e, se distinguem com base na resposta que foi oferecida ao questionamento: qual é o fim último do Direito?

Numa primeira resposta a Justiça é orem e visa a paz social. E, ainda sustenta que os homens criaram o ordenamento jurídico para saírem do estado de anarquia e constante guerra, na qual viveram quando estavam no estado de natureza. Para essa tese, o direito natural é fundamental para salvaguardar o direito à vida. O direito como ordem é instrumento que os homens podem recorrer na civilização, e para garantir a segurança da vida e, nessa concepção baseia-se a filosofia política de Thomas Hobbes[3].

A segunda resposta afirma que Justiça é igualdade sendo a mais antiga e tradicional, sendo derivada de Aristóteles. Assim, o Direito é o remédio prioritário para aplacar as disparidades entre os humanos, que podem derivar tanto de desigualdades naturais como as sociais. Não é suficiente que o Direito imponha uma ordem, precisa ser justa, fundada no respeito à igualdade.

Simbolizada a Justiça pela espada e pela balança, a teoria do Direito como ordem visa enfatizar a espada e, a do Direito com igualdade correspondente a balança. O Direito natural fundamental que está no cerce desta concepção é o direito à igualdade.

A terceira resposta afirma que Justiça é liberdade, sendo que o fim último do Direito é a liberdade externa. A razão pela qual os homens se reuniram em sociedades e constituíram o Estado é exatamente erigir a garantia de expressão máxima da própria personalidade, o  que não seria possível se um conjunto de normas coercitivas não tutelasse, para cada um, uma determinada esfera de liberdade, impedindo a violação por parte dos outros.

O ordenamento jurídico justo é somente aquele que consegue fazer com que todos os membros consorciados possam usufruir de uma esfera de liberdade tal que lhes seja consentido desenvolver a própria personalidade segundo o talento peculiar de cada um, na mais ampla liberdade compatível com a existência da própria associação. Portanto, seria justo somente aquele ordenamento baseado na liberdade. Um exemplo de posicionamento desta concepção, no entender de Norberto Bobbio[4], é o pensamento de Immanuel Kant[5] que visou teorizar a justiça como liberdade.

Para melhor entender a concepção normativista do Direito temos, que a priori, examiná-la sob o pensamento de Hans Kelsen, que nos apresentou a Teoria Pura do Direito como crítica às concepções reinantes existentes no início do século XX. Fruto da decadência do capitalismo liberal, sendo ambientado por ideologias totalitárias que nasceram e tiveram suas primeiras concretas experiências com um liberalismo democrático de viés conservador.

Hans Kelsen ao formular sua teoria objetivou eliminar do campo eliminar do campo da ciência jurídica os elementos sociológicos ou dados da realidade social, estabelecendo que caberia à filosofia do Direito as considerações sobre valores, como a Justiça, o bem comum.

Segundo o formalismo kelseniano, teríamos como objeto da ciência jurídica a cognição das normas e não sua prescrição. Para tal concepção, não importa o conteúdo ou valor das normas, apenas sua vinculação formal ao sistema normativo.

Ressalte-se Karl Larenz[6], o extraordinário mérito da Teoria de Kelsen foi o de ser o primeiro notável ensaio de uma teoria que visou conferir-lhe cientificidade. O positivismo jurídico da teoria kelseniana foi marcante para a Ciência do Direito em todo o mundo. E, considera que o método e o objeto do direito deveriam ter enfoque normativo, desprendido de qualquer fato social ou valor.

A partir de Kelsen houve o surgimento de diversas teorias, ou para se filiarem a essa concepção normativista-legal, ou para se contraporem a ela.

São exemplos de teorias opostas à teoria kelseniana são: 1) a teoria sistêmica deduzida por Niklas Luhmann[7], que investiga o fenômeno jurídico a partir do âmbito social, numa perspectiva interdisciplinar; 2) a teoria tridimensional do Direito, que examina o direito sob a óptica do fato, valor e norma, foi consagrada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale[8].

Kelsen entendeu que o jurista deve caminhar de norma em norma, até a norma hipotética fundamental. O jusfilósofo considerou a estrutura lógica da ordem jurídica como piramidal, ou seja, o legislador, ao elaborar a lei, está aplicando a norma constitucional e o juiz, ao sentenciar, está aplicando a lei.

A maioria dos juristas atuais considera que o conceito do direito não pode identificar-se com o de norma, apresentando objeções à Teoria Pura do Direito de Kelsen[9] diante do seu caráter fragmentário e da própria insuficiência da concepção normativista-legal diante da complexidade das mudanças sociais.

O Direito, na atualidade, é visto como uma ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa. É uma ciência social aplicada.  É uma ciência normativa ética. Não há como depurar os aspectos fáticos e valorativos na ciência jurídica, eis que são aspectos significativos da experiência humana que devem ser considerados na argumentação e na fundamentação das decisões.

Desta forma, os elementos normativos, sociológicos e axiológicos são essenciais para a interpretação e aplicação do Direito. E a interpretação do Direito influencia diretamente no fim último da ciência do Direito.

A palavra justiça vem do latim justitia, que, além do sentido de “direito escrito, leis”, tinha os de equidade, justeza, exatidão (do peso), bondade, benignidade, afabilidade e brandura, segundo o clássico Dicionário Latino-português de Saraiva. O que acrescenta outra informação curiosa, a palavra derivou do adjetivo justus e não o contrário, que sugere a existência (...).

A reflexão sobre a justiça a partir da base axiológica pura, por exemplo, assumiu importância crucial no contexto jurídico contemporâneo. E, com efeito, a justiça é a qualidade de uma conduta humana intersubjetiva e deve constituir o valor-síntese do plexo de valores de uma sociedade humana.

O Judiciário, juntamente com Executivo e Legislativo, integra os três poderes da república brasileira. Tem a função de garantir os direitos individuais, coletivos e sociais, bem como solucionar conflitos entre cidadãos, entidades e estado. Para tanto, tem autonomia administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal brasileira vigente.

A justiça, portanto, não é uma concepção metafísica, é uma característica da própria experiência jurídica que se visualiza nas relações sociais e, no contínuo desejo de efetividade de direitos. As gerações de direitos fundamentais que foram inseridas nas Constituições dos Estados ao longo da história refletem bem esse anseio social.

Referências

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10ª. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Forense, 2003.

LARENZ, Karl. Metodologia de la ciencia del derecho. Barcelona: Ariel, 1996.

LEITE, Gisele. Reflexões contemporâneas sobre a Justiça. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/reflexoes-contemporaneas-sobre-a-justica Acesso em 08.12.2022.

LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro, 1995.

PISZKE, Oriana (Juíza).ACS.A Noção de Justiça e a Concepção Normativista-Legal do Direito. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-nocao-de-justica-e-a-concepcao-nomativista-legal-do-direito-juiza-oriana-piske#:~:text=A%20Justi%C3%A7a%2C%20na%20filosofia%20antiga,313) . Acesso em 8.12.2022.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2003.

_____________.Fundamentos do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2000.

SARAIVA, F.R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. São Paulo: Garnier, 1993.

Notas:

[1] A Suprema Virtude, também chamada Big Will (vontade suprema), é um poder sublime e avassalador, muito além do cosmo acessível aos seres humanos, incluindo até mesmo o Sétimo Sentido e o Oitavo Sentido. A Suprema Virtude concede não apenas poder bruto, mas habilidades diversas inimagináveis.

[2] É a partir das anotações de Nicômaco que Aristóteles levanta e discute as ideias centrais para a filosofia ocidental, principalmente as debatidas em a “República”, de Platão. De acordo com os ensinamentos inseridos em Ética a Nicômaco, a ética não é um conceito abstrato e distante, encerrado no ambiente de ensino, mas é percebido como algo prático e palpável, um exercício que permite o florescer da felicidade humana. De acordo com o filósofo, existem três tipos de vidas possíveis: aquela dos prazeres, onde o ser humano se torna um refém daquilo que deseja; aquela política, que busca a honra pelo convencimento; aquela contemplativa, a única que detém, de fato, a essência da felicidade.

[3] Thomas Hobbes foi um matemático, teórico político e filósofo inglês, autor de Leviatã e Do cidadão. Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de um governo e de uma sociedade fortes. Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. O Estado não pode estar sujeito às leis por ele criadas pois isso seria infringir sua soberania.

[4] Norberto Bobbio foi um filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano. Conhecido por sua ampla capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos. Um os grandes pensadores do século XX, Norberto Bobbio nasceu em Turim, Itália, no dia 18 de outubro de 1909. Viveu 94 anos, teve uma carreira de sucesso e foi reconhecido não apenas na Itália como também em outros países deixando um grande legado acadêmico.

[5] Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo alemão, fundador da “Filosofia Crítica” - sistema que procurou determinar os limites da razão humana. Sua obra é considerada a pedra angular da filosofia moderna. O sistema filosófico Kantiano foi concebido como uma síntese e superação das duas grandes correntes da filosofia da época: o “racionalismo” que enfatizava a preponderância da razão como forma de conhecer a realidade, e o “empirismo”, que dava primazia à experiência. Com Kant surge o “Racionalismo Crítico” ou “Criticismo”: sistema que procura determinar os limites da razão humana. Sua filosofia foi sintetizada em suas três obras principais: “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” e “Crítica do Juízo”.

[6] Jurista e filósofo alemão, nascido em 1903 e falecido em 1993, licenciado pela Universidade de Göttingen, desenvolveu uma vasta atividade científico-jurídica no campo do Direito Civil. Lecionou nas Universidades de Kiel e Munique e desenvolveu essencialmente a metodologia jurídica do Direito como a dogmática do Direito Civil. Na filosofia do Direito nota-se influências de Hegel, dos neohegelianos e ainda dos neokantianos da "Escola de Baden". Entre as obras do autor destacam-se: Rechts-und Staatsphilosophie der Gegenwart, 1935 e Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1969.

[7] Niklas Luhmann foi um sociólogo alemão apontado como um dos principais autores das teorias sociais do século XX, deixando uma obra com mais de 14.000 páginas. Durante sua carreira acadêmica, Luhmann também abordou em seus estudos a política, as artes, economia, religião e os sistemas comunicacionais. O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Ela tem o papel de regular as relações entre o sistema e o ambiente. Na teoria de Luhmann, a ideia de transferência de informação é deixada de lado. O receptor não recebe uma informação da mesma maneira que é emitida. No processo de comunicação, essa informação é multiplicada. Ele aplica esse erro ao excesso de ontologia, ao supor que a informação propagada é a mesma adquirida. Em 1994, Luhmann apresentou uma exposição sobre a realidade dos meios de comunicação e após isso ele publicou seu livro. Luhmann utiliza vários conceitos apropriados de diversos autores e cada conceito ganha um significado novo e algumas vezes diferente da noção inicial.

[8] Miguel Reale (1910-2006) foi um jurista, filósofo e professor brasileiro. Tornou-se mundialmente conhecido com sua “Teoria Tridimensional do Direito”. Em 2002, coordenou e elaborou o novo Código Civil Brasileiro. Ocupou a cadeira n.º 14 da Academia Brasileira de Letras.

[9] Hans Kelsen foi um filósofo nascido em Praga (à época Império Austro-Húngaro) em 11 de outubro de 1881. De origem judaica e pensamentos socialdemocratas, foi perseguido pelo Regime Nazista e forçado a migrar para os Estados Unidos, onde lecionou na Universidade da Califórnia em Berkeley. Escreveu mais de 400 livros abordando vários campos científicos e é considerado um dos principais pensadores do positivismo (não só jurídico) e do direito como um todo. Sua obra mais importante é a “Teoria Pura do Direito”. Foi o principal precursor do controle concentrado de constitucionalidade, tendo influenciado diretamente a previsão do modelo na Constituição da Áustria de 1920. Entre 1921 e 1930, Kelsen atuou como juiz da Corte Constitucional austríaca. Devido ao autoritarismo crescente na Áustria, Kelsen foi dar aulas na Alemanha, mas foi impelido a deixar o país com o avanço do regime nazista em razão de sua ancestralidade judaica. Mudou-se para os Estados Unidos, onde foi professor na Universidade da Califórnia. Faleceu em 19 de abril de 1973, com 91 anos, na cidade de Berkeley, onde lecionava.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


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