O que esperar da Reforma atualizadora do Código Civil brasileiro?
Por Gisele Leite
De
fato, os vetustos Códigos Civis não possuem mais espaço nem aplicação nos
tempos contemporâneos. E, a força da legalidade constitucional somada as
transformações sociais e políticas, a expansão da legislação especial e, o
alargamento dos objetivos da codificação civil impactam e favorecem a Reforma
dos Códigos Civis.
Conveniente
lembrar que as relações entre os particulares se submetem de forma hierárquica
e estrutural e, ainda, de modo direto à normatividade advinda da Constituição
Federal brasileira vigente, é o que nos ensinou o insigne Ministro do STF Luiz
Edson Fachin.
É
preciso reconhecer o desafio em construir uma codificação que esteja em
harmonia e sintonia com as demandas de seu tempo. Todavia, existem tantos
limites estruturais como textuais. E, nesse contexto, a missão hermenêutica vai
além do formalmente interpretar. Pois a insuficiência textual poderá reduzir a
relevância da codificação e, ainda, dificultar seu sentido, condenando-a a ser
meramente obsoleta.
Por
essa razão, periodicamente são necessárias as reformas. No Direito Comparado
podemos reconhecer que as extensas reformas pelas quais passaram diferentes
livros do BGB nas últimas décadas revela a inevitabilidade desse desafio, e
também foi assim, no Direito das Obrigações na França entre os anos de 2016 a
2017.
A
segurança jurídica esperada de uma codificação não obtém materialização
estática e exige o diálogo entre o passado e as demandas do presente,
perfazendo o labor de um cavaleiro de duas épocas diferentes. A Reforma deve se
pautar em princípios regentes que advém da órbita constitucional e, da onde
advém toda normatividade do sistema.
Enfim,
um código civil do século XXI deverá atender a sociedade democrática que
conhece seus direitos fundamentais e, enfatizar a proteção da dignidade humana,
do desenvolvimento socioambiental e, ainda, a realização dos valores
constitucionais e, ainda, contemplar a liberdade em suas mais variadas
expressões, sendo um espaço para a liberdade negativa, como também chancelar a
liberdade positiva, na definição, pelas pessoas em relação, dos rumos de suas
vidas e, também a promoção da liberdade substancial o que permite a efetiva
condição para existir a realização de escolhas.
O
Ministro Fachin ainda destacou que especialmente o recente Código Civil
Argentino é um exemplo de diploma legal coerente com essas demandas e, se
destacou por ser capitaneado por Ricardo Luís Lorenzetti e, ainda, deve servir
de boa inspiração para o direito civil brasileiro.
No
Brasil, destaque-se, nos termos da própria Constituição Federal vigente, os
tratados podem ser incorporados ao ordenamento jurídico com força
jusfundamental, como ocorreu, por exemplo, com a Convenção de Nova York sobre
as pessoas com deficiências.
A
importância dos direitos humanos avulta, no Código Civil argentino, também com
ênfase no artigo 2º, que define a interpretação das normas de acordo com os
tratados internacionais.
Frise-se
que há necessária disciplina jurídica das novas tecnologias, nas incertezas e
na velocidade das transformações contemporâneas, deve se dar de modo que estas
sirvam à dignidade da pessoa humana, mesmo no contexto do denominado
transumanismo.
As
fronteiras entre corpo e máquina tendem a se diluir, como se já constata, desde
o uso de um marcapasso, de próteses, até chegar em implantes cerebrais, que
podem demandar futuras respostas no campo dos chamados neurodireitos, conforme
preconiza o Ministro do STF.
Afinal
no brave new world, dignidade, liberdade, igualdade e solidariedade são
postas à prova, impondo ao Direito a construção de respostas que assegurem a
instrumentalidade das tecnologias a serviço da pessoa humana. E, não o
contrário.
A
pluralidade familiar merece efetiva concretização da legislação infraconstitucional,
em linha com aquilo que se consolidou na jurisprudência do STF, em sede de
controle de constitucionalidade.
Deve também contemplar a igualdade de gêneros e, o novo Código argentino passou por assegurar a ambos os genitores responsabilidades perante os filhos. É a autoridade parental compartilhada (ou cuidado compartilhado, como prefere o Código Civil argentino). Além de disciplinar o Direito digital.
Referências