O problema de eficácia e da efetividade das normas jurídicas internacionais
É sabido que a aplicação de sanções internacionais contam com apoio da ONU e de seu Conselho de Segurança. Em sua de defesa, afirma-se que possibilitam a manutenção da paz e da segurança internacional e, forçam o uso da alternativa diplomática. Porém, é muito questionável tal objetivo seja, verazmente, galgado pois as sanções internacionais, segundo alguns, atingem apenas modestos efeitos e prejudicam a população mais pobre dos países, já que alguns líderes sancionados continuaram no poder, por mais tempo, como foram os casos da Cuba e da Coreia do Norte. Portanto, ainda continua em debate tanto a eficácia como a efetividade das normas internacionais.
É
precisar haver maior reflexão doutrinária, principalmente, as relacionadas à
contemporaneidade e ao positivismo jurídico atual para introduzir os
questionamentos sobre a relação entre política e direito. Enfim, cumpre
responder se poderiam juntos, o Direito e a Política prover maior normatividade
e eficácia ao Direito Internacional?
E, a
partir de contexto teórico busca-se, fixar os parâmetros, para encontrar,
possíveis propostas que auxiliem na otimização do funcionamento do Direito
Internacional.
Evidentemente,
o positivismo jurídico[1] não é a premissa teórica
inicial do direito internacional. E, a pretensão científica do positivismo
permite a identificação, em suas estruturas teóricas, as bases do vigente
direito das gentes. E, qualquer tentativa para se compreender a organização do
poder dentro da ordem internacional poderá buscar, nos positivistas, as
premissas, que parecem ter se desconectados ao longo da trilha evolutiva.
Apesar
de que sobre a natureza jurídica do direito internacional, o debate já esteja
superado e a tônica que sustentava a sua
condição política foi muito útil para a devida contextualização de diversos
temas contemporâneos que tanto afligem os doutrinadores.
E,
ainda que a tradição possa ser entendida como repetitiva e previsível, a
leitura de Hans Kelsen e de H.L. Hart tornam-se obrigatórios ao que se propõe.
E, revisitar, principalmente, esses dois doutrinadores se mostra indispensável
ao entendimento dos contornos do direito das gentes atual.
E,
compreender a abordagem positivista do ordenamento normativo internacional
serviria, portanto, para facilitar melhor acepção da trajetória da disciplina e
do contexto político da conveniência dos Estados na contemporaneidade.
Segundo Jacob Dolinger, a dignidade é o mais antigo valor da humanidade e, também, o mais habitualmente aviltado. Os mitos em torno da declaração universal dos direitos do homem e da Constituição Federal brasileira de 1988. Trabalhar a modernidade sob a ótica positivista para compreender o momento atual, exige que se verificar as premissas adotadas pelos doutrinadores que buscam superar os esquemas teóricos modernos. E, cabe a ressalva quanto às críticas em relação as paralelos entre a modernidade e o positivismojurídico[2] e entre a pós-modernidade e pós-positivismo jurídicos.
O
pós-positivismo subdividiu-se em duas vertentes, das quais uma buscava na
aproximação com a moral a reação filosófica ao legalismo, e a outra centrava-se
na realidade do intérprete e na solidificação da norma jurídica como eixos de
combate ao positivismo clássico, entretanto o que há de mais comum entre as
duas, é a influência da tópica nas suas formulações.
O
termo "pós-positivismo" foi introduzindo no Brasil por Paulo
Bonavides em 1995, na quinta edição de sua obra intitulada "Curso de
Direito Constitucional. E, o pós-positivismo ou não positivismo defende a ideia
de que há ou deve haver um relacionamento entre o direito e a justiça (moral).
E, sua versão mais ortodoxa é defendida por Alexy e Dworkin, que informam que
tal vinculação é necessária, devendo existir, por isso seria a negação do
positivismo.
O
pós-positivismo é, portanto, e podemos ver no exemplo supracitado, a superação
do legalismo, não utilizando de ideias metafísicas como fez o jusnaturalismo,
mas admitindo que há valores compartilhados por toda a sociedade e reconhecendo
que estes valores devem integrar o sistema jurídico, tanto na sua formulação
quanto nas suas decisões.
E, tais paralelos pode produzir um reducionismo imperdoável, mas defende-se, sem restrições, que fogem à mecânica e nos leva para o terreno químico dos líquidos. Nesse sentido, nos socorreremos à Zygmunt Bauman que em sua obra “Modernidade Líquida” nos mostrou o amolecimento da realidade social, política e humana[3].
Existem
doutrinadores que argumentam no sentido de que o pós-positivismo, em verdade, seria
uma variação do jusnaturalismo. E, Manuel Atienza(2009) é um destes, em seu
artigo intitulado "Es el positivismo jurídico una teoría
aceptable del derecho" que demonstra uma conexão entre as teses jusnaturalistas
e as teorias de Dworkin, Alexy, Carlos Nino e, até Ferrajoli, Luís Prieto
Sanchís quando qualificou Dworkin de jusnaturalista.
Lembremos
que a concepção do direito de Kelsen conheceu por diferentes fases e, mesmo em
sua teoria pura tão famosa, percebe-se que ocorreu amadurecimento entre o
original de 194 e sua edição da década de 1960. E, Kelsen é reconhecido como
referência da teoria do direito e, também pode ser considerado um
internacionalista.
E, não
apenas em razão de sua construção monista com a prevalência internacional, mas
também, pelos três cursos que ministrou em Haia e, pela nítida contribuição do direito das gentes à sua
teoria geral. Na parte que cuida da ordem internacional, há diferenças notáveis,
mas os contornos mais contundentes permanecem.
Em verdade, o positivismo jurídico procura delimitar com nitidez o objeto de estudo de Direito[4] e seus doutrinadores alocam esse estabelecimento de fronteiras no centro de suas estruturações teóricas. E, outras áreas do conhecimento, ainda que sob a perspectiva moderna, não se percebiam como necessariamente isentas das influências externas.
Cabe
sublinhar a crítica feita à neutralidade científica tão pretendida
principalmente em face da atuação legislativa. Uma teoria pura jurídica não deveria,
teoricamente, ocupar-se da formação das normas jurídicas, porque a produção
normativa exige, outros elementos valorativos.
Já no
pós-positivismo[5]
ou neopositivismo, a crítica não se circunscreve à atividade legislativa
exercida, ao menos na estrutura interna do poder do Estado, pelo órgão dotado
de faculdade legislativa e se estende a órgãos diversos do natural, como o
Judiciário, quando exerce sua função concretiva, abandonando a mera extração da
normatividade do comando da lei.
Efetivamente,
a criação de normas jurídicas guarda elementos valorativos e exige discussão
quanto à legitimidade do legislador.
Ao
passo que o positivismo buscava fixar requisitos à legitimidade, o
pós-positivismo entende ser possível o exercício de concreção revestido de
extração de normatividade por meio do reconhecimento de plena normatividade dos
princípios[6].
O
positivismo jurídico tradicional passa a não ser capaz “de explicar
adequadamente a realidade do direito” (FIGUEROA, 2009a, p. 228-229, tradução livre).
Doutrinadores
como Robert Alexy (2008b), Ronald Dworkin (2002), Gustavo Zagrebelsky (2007),
García Figueroa (2009a) e, entre os nacionais, Paulo Bonavides (2009), Luís Roberto
Barroso (2007), André Rufino do Vale (2009), Humberto Ávila (2009)20, entre muitos
outros, entendem o direito segundo essa nova perspectiva.
Apesar
de não serem linearmente coincidentes seus pensamentos, pode ser identificada
uma série de características comuns em suas ideias.
Segundo
André Rufino do Vale (2009), há um ponto de convergência entre os autores
citados: eles “relativizam a separação ração entre Direito e Moral, admitindo
critérios materiais de validade das normas”.
Foi
visto que uma das principais críticas ao modelo positivista foi a falta de
critérios valorativos para a aplicação da norma, a qual favoreceu, muitas
vezes, decisões distantes da justiça ou mesmo absurdas. O pós- -positivismo
tenta firmar bases filosóficas para sanar essa problemática, com o escopo de
implementar direitos constitucionais a partir da verificação axiológica das
normas aplicáveis concretamente.
E,
dentro desse contexto interno, a interpretação feita pelo Judiciário plasmada
em forma de decisão, em sentença, acórdãos, por exemplo, não se adequa ao plano
internacional e ainda cria expectativas de resultados impossíveis a serem
fornecidos pelos aplicadores do direito.
Enfim,
o direito internacional é fundamentalmente positivista, sendo extremamente
dependente da volição dos atores com capacidade legisferante para
aperfeiçoar-se. E, as estruturas globais não são mais bem descritas e
compreendidas pelo positivismo, mas também, muitas vezes, deste dependem para
resistir como jurídicas.
Assim,
a pós-modernidade e suas consequências podem ser devastadores para os tribunais
internacionais.
Doutrinariamente,
segundo Hart, concentra-se na justificação da regra de reconhecimento, Kelsen
lançou mão do conceito de sanção e, de forma analítica, descreveu o
funcionamento das normas jurídicas.
Em
outro sentido, se percebe que a teoria de Hart é mais exemplificativa do que de
Kelsen que, em verdade, desde o princípio[7] se circunscreveu aos
limites de sua própria teoria. E, não apenas em face dos elementos referidos,
mas também da própria estrutura de validade proposta pelos dois doutrinadores,
impossível se faz sugerir coesão teórica entre Kelsen e Hart. E, quanto ao
direito internacional, essa diferença é explícita na perspectiva que estes têm
do voluntarismo na ordem internacional.
O
filósofo inglês Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1994), filho de um alfaiate
polonês de ascendência alemã, não inova o que já fora escrito a respeito do
Direito, apenas reforma outras teorias positivistas de uma forma mais ampliada
e sofisticada.
Afirmou
que o Direito só pode ser uma prática social que é baseada nos costumes e
crenças comuns e deve se estruturar sob este pressuposto, e como tal,
oportunizará a todas as pessoas participarem dele, já que todas as pessoas
praticam estes costumes e crenças comuns.
Na sua
explicação ele aduziu que o direito é constituído por uma família de regras de
comportamento. Tais regras são divididas entre dois tipos de regras:
a) Regras primárias que impõe diversos deveres,
sempre exigem que os indivíduos daquela sociedade façam ou deixem de fazer
algo. Estas regras, diz Hart, existem sem a necessidade de normas ou leis,
desde as sociedades primitivas, logo, são bastante frágeis em diversos
aspectos. Sozinhas são incertas, estáticas e ineficazes.
b)
Além dessas regras primárias, existem as secundárias, que são atributivas de
poderes, sejam estes poderes públicos ou privados. E foram criadas para
solucionar as fragilidades das regras primárias, são “remédios”. Porém, sem as
regras primárias, não haveria o porquê de existir regras secundárias, explica
Hart.
A
relação das regras secundárias, para Hart, se dá pela seguinte maneira:
Regra
de Reconhecimento[8]:
É atributiva de validade jurídica, define as competências e acaba com a
incerteza das regras primárias. Hoje, a Constituição Federal é um exemplo.
Regra
de Alteração / Modificação: Poder investido aos indivíduos para alterar, acabar
ou então criar novas regras primárias para aquela sociedade. Acaba com a
fraqueza estática das regras primárias. O poder legislativo, de hoje, é o
exemplo desta regra de alteração.
Regra
de Julgamento: É o poder investido aos seres humanos com competência para
decidir, identificando o crime cometido, o indivíduo a ser julgado e o processo
a ser seguido. Acaba com a ineficácia das regras primárias. Atualmente, no
Brasil, é de responsabilidade do poder judiciário.
Kelsen
também entende que as normas se dividem em primárias e secundárias, mas para
ele elas possuem conteúdos diferentes.
As primárias
prescrevem condutas (nesta prescrição de condutas se inclui as regras
secundárias de Hart, que para Kelsen são abrangidas pelas primárias) e as secundárias
prescrevem sanções[9]
caso se descumpram estas condutas.
Assim
como Hans Kelsen, Herbert Hart é um positivista no tocante ao conceito de
Direito. Ou seja, entendem que Direito e Moral são estudos distintos. Dessa
forma, ele também entende que a lei deve ser verdade na forma e não somente no
hábito social.
Apesar
de Hart afirmar que a lei não deve naturalizar preconceitos de origem moral,
ele reconhece o fato de que a moral orienta decisões em diversos casos, e que
Direito e Moral não são totalmente desligados em si e entende que o fundamento
da separação não se dá no âmbito jurídico, mas sim, no âmbito social, Hans
Kelsen já é mais fechado quanto a este aspecto, para ele o Direito é puro em si
mesmo, um sistema de normas.
Se
tomarmos como exemplo a homossexualidade, poderemos perceber que o fato dela
ser crime em diversos países é resultante dessa carga de preconceitos morais da
sociedade que afeta o Direito.
Hart
entra em sintonia em gênero, número e grau com Kelsen, quando afirma que a lei
se trata de uma regra social, porém, mais que isso, é uma regra jurídica, e
como tal apenas a autoridade política-jurídica é capaz de aplicar uma coerção
através de uma sanção.
E, o
reconhecimento se legitima não pelo medo da sanção, mas pelo respeito às leis,
porque entendemos que a lei existe para regular nossa forma de viver, o Direito
não impõe uma necessidade, retira esta necessidade da vida social.
As
sanções internacionais são ações usadas como forma de expressar desaprovação e
punir governos ou organizações estrangeiras, a fim de atingir um objetivo
político ou comercial.
Assim,
as sanções são impostas como forma de aplicar pressões e, dessa forma, incentivar
determinado país a mudar sua postura em relação a alguma ação vista por outros
países como um problema, ou consentir com as demandas do sancionador.
As sanções internacionais podem ser de
diversos tipos, a saber: sanções diplomáticas que ocorrem quando a ação tomada
para expressar a desaprovação com determinada ação de um país é feita não por
medidas contra as relações econômicas ou militares, mas através de meios
políticos e diplomáticos.
Exemplos
são a redução ou remoção de laços diplomáticos, cancelamento ou limitação de
visitas governamentais, fechamento de embaixadas, ou ainda, a retirada ou
expulsão de missões ou pessoal diplomático.
Sanções
militares que são ações que podem ser feitas de forma mais agressiva como um
embargo para cortar fornecimento de armamento
a determinado país, ou ações mais agressivas, como a intervenção ou
ataques militares.
Sanções
desportivas, que busca afetar o país através de ação que prejudique a moral da
população da nação afetada. Por exemplo, quando as equipes desportivas de um
país são proibidas de participar de eventos esportivos internacionais.
Sanções
econômicas que restringem relações comerciais de outras nações com o país punido.
Este tipo de sanção pode ser ocorrer na forma de embargo econômico[10], que consiste em
restrições de comércio e comercialização dirigidas ou não a setores específicos
da atividade econômica.
Exemplos:
de sanções econômicas são: a proibição de importação ou exportação de
determinadas mercadorias, tais como alimentos e medicamentos; proibição de
investimentos no país punido; proibição de prestação de determinados serviços;
congelamento de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros, como
títulos e empréstimos.
Sobre
a coerção social, está aí mais uma diferença de Hart com relação à Kelsen, para
Hart há a possibilidade de existir norma sem sanção externa e organizada, o que
é impossível para Kelsen.
Ora,
não se trata de sanção a nulidade de um ato qualquer inerente ao não
cumprimento de uma das normas secundária que atribuem poder para tanto. Para
Kelsen se não existir sanção na norma pode ser tudo, menos norma jurídica.
Enquanto
Kelsen vê a obrigatoriedade da sanção como pressuposto de se conferir validade
à norma jurídica, Hart entende que a sanção é extremamente necessária, mas não
para conferir validade à norma, e sim para se conferir eficácia a ela.
Afinal,
o ceticismo britânico em relação à autoimpositividade das obrigações
internacionais, decorrência direta de expressão da vontade e seu foco no
reconhecimento, portanto, eminentemente interno, faz o contraponto importante à
centralidade da pacta sunt servanda e da sanção na teoria pura do direito.
Enquanto
Hart fundamenta a validade da norma em sua obrigatoriedade e transfere ao
reconhecimento sua força normativa, regra de reconhecimento, Kelsen vincula o
sistema jurídico à sanção, à força da norma sancionadora. Portanto, esse é o
esquema básico de validade adotado pelos dois doutrinadores.
Questiona-se se ambas as teorias poderiam ser
plenamente aplicáveis à fundamentação do direito internacional. E, teria que se
analisar o papel da vontade em cada uma das teorias e à forma como o elemento volitivo
afeta as construções teóricas propostas. E, a distinção a ser feita, nesse
sentido, refere-se à diferença entre a vinculatividade do direito internacional
e a aplicabilidade de suas normas jurídicas.
Segundo
Hart, a falta de aplicabilidade das normas jurídicas retiraria o caráter
jurídico do direito das gentes. E, segundo esse doutrinador, na década de
sessenta, e apesar de toda a institucionalização da ordem global que estava em
andamento, o direito internacional seria uma estrutura primitiva, ainda estaria
em formação. A adesão dos Estados seria essencial para que se tornasse autenticamente
funcional.
Hart
fundou sua visão sobre o voluntarismo enquanto Kelsen funda a participação dos
Estados no Direito Internacional seria automáticas. Kelsen condicionou a
validade da norma à sanção e apontou a guerra e a represália como suficientes
ao cumprimento desse requisito teórico pelo Direito Internacional.
Com
tal argumento, defende-se o jus cogens que contém elementos de
voluntarismo. E, o próprio texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados fez expressa referência à norma sendo aceita e reconhecida pela
comunidade internacional e, ainda, conjunta seu caráter imperativo à ampla aderência
ao menos tácita aos seus desígnios. (Vide: Artigo 53 da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, Decreto 7.030 de 14 de dezembro de 2009).
A
aceitação de regras como obrigatórias a toda comunidade internacional por
costume pressupõe, portanto, também a plena aceitação desse comando por aqueles
que concentram o poder na ordem internacional.
A
teoria do jus cogens, pode bem escamotear determinado desequilíbrio de
poder com elementos valorativos capazes de justificar prevalência de visão de
mundo ou interesse particular específico como oponível a todos os membros da
comunidade internacional.
Dentre
os doutrinadores pesquisados, como parâmetro da fundamentação acima, estão:
Michel Foucault, Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2009; "A
verdade e as formas jurídicas". 3ª edição. Rio de Janeiro: Nau, 2002 e
Vigiar e Punir[11],
33ª edição. Petrópolis: Vozes, 2007 e, também René Descartes. Discurso sobre o
método. Porto Alegre: L&PM, 2009.
Frise-se
que dois elementos devem ser observados com atenção, a partir de tal afirmação.
Pois, o primeiro refere-se ao costume como direito internacional geral ou de
primeiro escalão, do direito internacional apontado por Kelsen.
A
pacta sunt servanda, mais que paradigma vinculante a todo participante da
dinâmica de poder na ordem internacional, possui caráter costumeiro impositivo
em face de seu aspecto formal que traz maior segurança e previsibilidade às
relações existentes entre os sujeitos do Direito Internacional.
Quando
certos aspectos relacionados com os direitos humanos são reconhecidos como
vinculantes globalmente, questões como a do Tribunal[12] Penal Internacional e aos
crimes específicos, tem-se a imposição de certa visão de mundo. Essa imposição,
oculta por dados culturais dos aplicadores do direito que não conseguem
conceber a existência de visão de mundo diversa.
O reconhecimento de jus cogens material deve
ser feito com sinceridade que se defende a assunção de que a construção
jurídica que o sustenta e baseia-se em fatores políticos de ampla adesão
mundial. A negativa desse fato seria ou ingenuidade ou mera má-fé.
Portanto, qualquer justificação para o jus cogens que se afaste da adesão aproxima os princípios e regras[13] caracterizados como cogentes ao direito natural. E, tal conceito de inerência, por sua vez, vai contra às prospecções positivistas de direito, mesmo sob protestos famosos, segue ainda prevalente na atualidade.
A
postura jusnaturalista ainda que fundada em racionalidade e, conseguinte, afastada
de premissas metafísicas e que constitui atualmente autêntico exercício de fé
e, seus adeptos compõem grupo admirável que parece conseguir racionalmente
acreditar na natureza humana.
Sublinhe-se,
também, a contundente crítica feita por Martti Koskenniemi, na obra “The
politics of international law”. The european journal of international
lex. Esse artigo específico foi
objeto de releitura em Koskenniemi vinte anos depois.
A
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em seu artigo 64, indica a
possibilidade de superveniência de comando imperativo e ainda reforça a adesão
tácita que fora fixada no artigo 53.
São
muitos os detratores da possibilidade de entender o direito internacional
apenas sob o prisma formalista do positivismo. E, as críticas ao juspositivismo
apontam, suas dificuldade em incorporar preceitos valorativos, e se prende à
difícil relação entre o Direito Internacional e a política.
A
negação do político no jurídica não se sustenta no plano internacional bem como
no direito interno. E, a atenção que deve ter o aplicador de direito cinge-se a
implementação do comando jurídico e o excessivo poder nas mãos dos principais
atores que concentram a concreção e a efetivação de normas, são apenas exemplos
de entraves vistos à negação referida.
Portanto,
a política deve ser admitida na análise jurídica da ordem jurídica. O embate de
forças na aplicação de regras de direito pode exigir o afastamento de elementos
valorativos e sua sobreposição por comandos de forma e de procedimento.
E, o
apego excessivo ao procedimento, aproxima o direito internacional de abordagens
menos valorativas, as quais se mostram incompatíveis com um sistema de limitada
coercibilidade.
Para
haver efetivação de sistema de valores esse deve ser dotado de capacidade de
coerção que é desafio ainda ser superado e, mesmo o constitucionalismo como o
do nosso país e de outros da América Latina ainda enfrentam.
A
construção do direito internacional de modo axiológico sem levar em
consideração esses elementos, seria transformá-lo em mero exercício de fé.
Sobre
o elemento coercitivo que prejudica a construção do direito internacional como
um conjunto de normas valorativas, percebe-se que, apesar de avanços e do
surgimento de incentivos ao cumprimento das normas, ainda não se aperfeiçoaram
completamente mecanismos que se concentrem em reputação e em sanções não
violentas.
O
desenho da eficácia da norma internacional ainda concentra, portanto, nos
estados seus traços mais marcantes. Diferentemente do modelo estatal interno, a
vontade do sujeito de direito das gentes é fundamental, portanto, para a
produção normativa e para seu cumprimento; daí a maior facilidade que o
positivismo tem para administrar a teoria jurídica internacional.
Nesse
sentido, é de se perceber que as críticas de Hart ao voluntarismo não excluem
determinadas premissas voluntaristas em sua construção teórica.
No que
diz respeito aos sujeitos capazes de expressar essa vontade construtora e
garantidora do cumprimento das normas, a centralidade cabe ao Estado.
Exclusivamente ao Estado, ousa-se afirmar. Por mais que se defenda o
compartilhamento do poder entre estados e organizações internacionais, os primeiros
ainda preservam protagonismo e prevalecem, em última ratio, em relação
às segundas.
A
escolha política concretista, não deve ser confundida com mera exegese
normativa. E, a extração da normatividade deve ser feita
com
fulcro em certos parâmetros para que não haja deslocamento da função
legislativa dos que a possuem para órgãos que devem apenas aplicar o direito ou
decidir o melhor direito.
E,
esse abandono de certas premissas, repercutiu de forma bem contundente, e até
mesmo caricata, na proteção do ser humano.
Após a
Guerra Fria[14],
a ordem internacional passou por período de redemocratização geral, e no plano
interno o direito se afastou do positivismo jurídico que sustentavam a
fundamentação das regras exclusivamente no plano jurídico, e, apesar de não
excluírem definitivamente, afastavam os esquemas de validade da moral.
Nota-se
que a aproximação da moralidade ao direito abriu caminho para que a concreção
fosse realizada de forma alternativa ao previsto no ordenamento. O poder de
concretizar a vontade foi revestido de revelação do melhor direito sob
parâmetros axiológicos. O aplicador do direito pôde, então, relativizar o
formalmente posto em nome de suposta razão prática que não se reconhecia como
decisionismo.
Internamente, a Constituição Brasileira de 1988
foi recebida com entusiasmo e tudo passou a ser possível com fulcro nos
princípios[15]
centrais de seu texto e, o saldo inicial foi muito positivo e, o entusiasmo foi
sedimentado em doutrina e, construído em jurisprudência.
Os
órgãos dotados de função de extração de normatividade passaram a exercer
concreção quase ilimitada, abusando da textura aberta de grande parte dos
direitos fundamentais.
As
conquistas foram expressivas, particularmente, no preenchimento de lacunas
legislativas e, logo, o órgão com capacidade de julgar passou a exercer a
função política aberta e de forma recorrente. E, festejaram-se os julgamentos
sobre as pesquisas científicas com embriões humanos e, a igualdade entre a
parceria civil.
Julgados
recentes que tratam do acesso da Receita Federal aos dados bancários sem
autorização judicial e da relativização da presunção de inocência colocaram o
sistema constitucional na berlinda.
O
decisionismo[16]
que exerce a escolha política e concretiza o direito revestindo-se de todo o
instrumental teórico “pós-tudista” está, no momento, sob holofotes e pode ser
convidado a regressar ao status extrator de normatividade anterior. Trata-se de
um momento interessante, sem dúvida.
A
ordem internacional se relaciona com a estrutura constitucional interna. E, a
descrição dos dilemas constitucionais bem aponta as questões enfrentadas no
plano interno, quando disciplinada a proteção do ser humano. E, ainda lança luz
sobre o contexto mais complexo e mais adverso que é a imprevisibilidade da
política internacional.
O Direito
internacional sua eficácia e sua efetividade dependem muito do contexto
política e sua influência na positivação das normas internacionais e, na
aplicação de sanções internacionais.
Para
se admitir o estabelecimento de padrões normativos universais conforma a
escolha política e, significa fazer uma faxina nas dinâmicas de poder e, ainda,
exige o resgate do formalismo positivista que regulamenta a validade
daquilo que se produz a partir dos acordos celebrados.
Quanto
aos direitos humanos apesar de regiamente defendidos, é indispensável que tal
defesa seja honesta e que implemente validade aos acordos internacionais
celebrados. A aproximação da moral ao
direito em contexto global deve ter como base alguma legitimidade voluntarista.
Não se
pode olvidar o pós-modernismo, escolhido para ser considerado inerente ou definitivo e, quando o direito recorrer a
positivismo tradicional, e aos esquemas de concreção não permitem a ampla
produção normativo através dos instrumentos jurisdicionais.
De
toda sorte, não se deve acreditar que as teses valorativas trazem a moralidade
ao direito, e não se aplicariam ao direito internacional definitivamente. O que
se afirma, é que tais teses exigem maior coesão sobre seus conteúdos de
moralidade a ser considerado.
Já no
contexto interno, existe em regra, a coesão social capaz de admitir tal
abordagem valorativa do direito. Porém, no ordenamento internacional não.
Afinal,
coesão moral requer consensos políticos e ainda não são possíveis dentro da dinâmica
do poder internacional.
O
sistema regional europeu, por exemplo, teve muito sucesso na harmonização dos
máximos locais com os mínimos atingidos no consenso regional. Porém,
claramente, se vê que apesar de se reconhecer o papel do órgão jurisdicional
regional na construção da integração da Europa, os mínimos morais verificados
baseiam-se em tratados estruturados como compromissos muito positivistas que
vinculam suas partes aderentes.
Os
referenciais teóricos de Kelsen[17] e Hart mostram-se
absolutamente habilitados e mostram-se capazes de sustentar formulações
relacionadas à fundamentação do direito internacional. E, em síntese, sob a
perspectiva do participante da ordem global, principalmente do Estado como
sujeito por excelência.
Assim,
Hart apresentou construção centrada na vontade e vinculada à adesão, ou s seja,
à expressão do desejo político de fazer parte, enquanto Kelsen, ao menos no que
se refere às bases formais, percebe o sujeito automaticamente submetido à
dinâmica política e, ipso facto, ao direito internacional.
E,
participar não implica, na teoria de Kelsen, a submissão absoluta e o perfeito
funcionamento do sistema. A validade da regra impositiva depende do
direito internacional igualmente de sanção, como em sua proposta para o direito
em geral, e, na ausência de instituições centrais capazes de coibir os
descumprimentos e, da identificação da coerção na guerra e nas represálias.
A
dependência que a eficácia - e, também, a efetividade - tem do voluntarismo
estatal conduz seu enquadramento teórico com maior facilidade ao positivismo
jurídico. O sujeito de direitos não apenas se submete ao conjunto normativo,
ele também é responsável pela criação, aplicação, manutenção e cumprimento das
regras.
Nas
palavras de Hans Kelsen, a “eficácia do Direito significa que os homens
realmente se conduzem como, segundo as normas jurídicas, devem se conduzir, significa que as normas são efetivamente
aplicadas e obedecidas”.
Podemos
diferenciar também os conceitos de eficácia social e eficácia jurídica. A
eficácia jurídica é um conceito formal, segundo o qual uma norma emanada de
acordo com o ordenamento jurídico se torna eficaz juridicamente, podendo ser
exigida e tornar-se obrigatória. Já a eficácia social existirá quando as pessoas sujeitas àquela norma de fato a
aceitam e obedecem.
Assim,
uma norma pode ter eficácia jurídica, mas não eficácia social como ocorre com diversas e famosas “leis que
não pegam” no país.
Nas
palavras de Michel Temer na obra “Elementos de Direito Constitucional” eficácia
social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas
relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos.
Eficácia
jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na
ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em
que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que
com ela conflitam.
Kelsen
diferencia eficácia e validade: a segunda se refere à obrigatoriedade da norma,
ou seja, a uma característica que torna a norma jurídica algo que deve ser
obedecido; a primeira refere-se ao fato de que a norma jurídica efetivamente é
obedecida.
Numa
palavra, “a validade é uma qualidade do Direito; a chamada eficácia é uma
qualidade da conduta efetiva dos homens e não, como o uso linguístico parece
sugerir, do Direito em si”.
Entretanto,
há uma relação entre esses dois conceitos. Para Kelsen, “uma norma é considerada válida
apenas com a condição de pertencer a um sistema de normas, a uma ordem que, no
todo, é eficaz”.
Ou
seja, para que uma norma seja válida,
ela deve pertencer a um ordenamento jurídico aceito e obedecido pela sociedade
(eficaz). A partir do momento em que o Direito
deixa de ser eficaz, a norma também deixa de ser válida.
Robert
Alexy entende de maneira similar, ao afirmar que a validade jurídica de um
sistema normativo dependerá da eficácia social deste sistema, em termos
globais.
Ou
seja, para o autor, as normas integrantes de um sistema normativo deixam de ser
socialmente eficazes, e assim, juridicamente válidas, “quando já não são
observadas ou quando sua não observância deixa de ser punida em termos
globais”.
Alexy
converge com Kelsen também neste ponto. Para ele, as normas individualmente
consideradas não precisam ser infalivelmente aceitas e obedecidas para ter validade
jurídica, desde que estejam integradas em um sistema jurídico socialmente
eficaz em termos globais.
Porém,
poderá ocorrer o fenômeno denominado “dessuetudo”
(sic), “que consiste na perda da validade jurídica de uma norma em razão
da redução de sua eficácia abaixo daquele mínimo [de eficácia social ou de possibilidade de eficácia]”, sendo que esse
mínimo de eficácia não é possível de ser fixado de maneira universalmente
exata.
H. L.
A. Hart[18] teve um posicionamento
oposto a Kelsen e Alexy. Para Hart, não há conexão necessária entre eficácia e
validade do direito, “a menos que a
norma de reconhecimento do sistema inclua, entre seus critérios (como ocorre
com algumas), a condição (às vezes denominada norma de dessuetude) de
que nenhuma norma seja considerada como pertencente ao sistema se houver
deixado de ser eficaz há muito tempo”.
Hart
ponderou, no entanto, que uma desconsideração generalizada pelas normas do sistema
(ineficácia do sistema jurídico) torna uma afirmação a respeito da validade deste sistema uma afirmação sem
sentido, por estar fora da realidade daquela sociedade.
Assim
sendo, “pode-se dizer que alguém que emite um enunciado interno sobre a
validade de uma norma especial de um sistema pressupõe que seja verdadeiro o
enunciado factual externo de que, de modo geral, o sistema é eficaz”.
Porém, nem sempre esta regra se aplica, pois
“pode ter sentido e nem sempre é inútil” cogitar-se a respeito da validade de
uma norma dentro de um sistema ineficaz.
Ele dá
como exemplo desta afirmação o modo de ensinar o direito romano como se este
sistema ainda fosse eficaz ou estivesse em vigor.
Lembrando que a submissão automática ao sistema, não significa adesão tácita ao conteúdo material do conjunto normativo. O Estado tido como sujeito internacional de direitos e de obrigações por excelência, ainda responde fundamentalmente pela eficácia do direito internacional.
Referências
ACCIOLY,
Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G.E. do; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2011.
ADEODATO,
João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. (Org.) - Filosofia e Teoria Geral do
Direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Junior por seu
septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
ALEXY,
Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional democrático.
Revista de Direito Administrativo, São Paulo: n. 217, 1999.
ALEXY,
Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp:
1994.
ALEXY,
Robert. Derecho y corrección. In: ALEXY, Robert. La
institucionalizacion de la justicia. Tradução de José Antonio Seoane,
Eduardo Roberto Sodero e Pablo Rodríguez. Granada: Editorial Comares, 2005.
______.
Los Derechos fundamentales en el Estado constitucional democrático.
In: CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). 4ª. ed. Madrid: Trotta,
2009.
______.
Teoría de la argumentación jurídica. Tradução de Manuel Atienza e
Isabel Espejo. 2ª. ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2008a.
BARROSO,
Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas.
Rio de Janeiro: Renovar: 2006.
BAUMAN,
Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Editora Zahar, 2001.
BAUMAN,
Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na
modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
BOBBIO,
Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
___________.
O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995.
_____________.
Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1999.
______________;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política – Vol.
1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010.
CANÇADO
TRINDADE, Antônio Augusto. The access of individuals to international
justice. The Collected Courses of the Academy of European Law, vol.
XVIII/1. Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.
CARBONELL,
Miguel. Neoconstitucionalismo(s). 4ª. ed. Madrid: Trotta, 2009.
CARNEIRO,
Yuri Castro. Pós-Positivismo Jurídico e uma Nova Interpretação
Constitucional. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/6318/3860]
Acesso em 01.0.2022.
CASELLA,
Paulo Borba. Evolução institucional do direito internacional: à luz do
cinquentenário do conceito de direito de Hart (1961). In: Revista
Brasileira de Filosofia. Ano 60, Vol. 236, janeiro-junho, 2011.
CRIVELLARI,
Thiago Fernando Miranda. Decisionismo
Judicial Brasileiro: Da Teoria ao Caso Lula-Triplex. Disponível em: https://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/13207/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O_DecisionismoJudicialBrasileiro.pdf
Acesso em 01.0.2022.
DESCARTES,
René. Discurso sobre o método. Porto Alegre: L&PM, 2009.
DIMOULIS,
Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa
do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
DOLINGER,
Jacob. Dignidade: o mais antigo valor da humanidade. Os mitos em torno da
declaração universal dos direitos do homem e da constituição brasileira de
1988. As ilusões do pós-modernismo/pós-positivismo. A visão judaica.
Revista do Direito Constitucional e Internacional. Ano 18, v. 70, p. 60-61, jan.
mar/2010.
_______________.
The case for closing the UN: international human rights: a study in
hypocrisy. Jerusalém: Gefen Publishing House, 2016.
DWORKIN,
Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University
Press, 1977.
FERNANDES,
Ricardo Vieira de Carvalho; BICALHO, Guilherme Pereira Dolabella. Do positivismo
ao pós-positivismo jurídico. O atual paradigma jusfilosófico constitucional.
Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?sequence
Acesso em 03.03.2022.
FERNANDES,
Ricardo Vieira de Carvalho; CAVALCANTI, Eduardo Muniz Machado. Jurisprudência
do STF: anotada e comentada. São Paulo: Editora Método, 2009.
FOUCAULT,
Michel. A verdade e as formas jurídicas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nau,
2002.
__________.
Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2009.
____________.
Vigiar e Punir. 33ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
HART,
H.L.A. The concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1961.
_________.
O Conceito de Direito. Tradução
de A. Ribeiro Mendes, 5ª. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
HEILBORN,
Paul. Les sources du droit international. In: Recueil des Cours. Academie
de Droit International de la Haye. Volume 11, 1926-I.
JELLINEK,
Georg. Das Recht des modernen Staates. Berlin: Verlag von O.
Häring, 1900.
KELSEN,
Hans. Les rapports de système entre le droit interne et le droit
international public. In: Recueil des Cours. Academie de Droit
International de la Haye. Volume 14, 1926-IV, pp. 227-331.
KELSEN,
Hans. Reine Rechtslehre – Einleitung in die rechtswissenschaftliche
Problematik. Leipzig und Wien: Franz Deuticke, 1934.
KELSEN,
Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado, 1974.
KELSEN,
Hans. Théorie du droit international public. In: Recueil des
Cours. Academie de Droit International de la Haye. Volume 110, 1953-III.
KELSEN,
Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
SANTOS,
Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. In:
Lua Nova: Revista de Cultura e Política 39, 1997.
TEMER,
Michel. Elementos do direito constitucional. 14ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 1998.
HESSE,
Konrad. A Força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.
SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia constitucional
y derechos fundamentales. Madri: Trotta, 2000.
VALE,
André Rufino do. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a
distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: IDP/Saraiva, 2009.
ZAGREBELSKY,
Gustavo. El derecho dúctil. Tradução de Marina Gascón. 7. ed.
Madrid: Trotta, 2007.
Notas:
[1]
O direito muitas vezes foi responsável por sacrificar um de seus grandes
objetivos como a justiça em nome da segurança jurídica. E, a justificativa se
encontra na transição da Idade Média para a Moderna, em meados do século XVIII,
ao início do século XIX, quando a sociedade reclamava limites ao poder
concentrado e ilimitado nas mãos do soberano. Afinal, desejava-se construir
barreira aos arbítrios dos reis absolutistas. Lembremos que os movimentos
constitucionais modernas que tem origem na Constituição francesa de 1791 e dos
Estados Unidos de 1797, trouxe também um mito do sistema jurídico: a lei. Sendo
que era o instrumento conformador da liberdade do cidadão e passava a ser
considerado o único meio a legitimar a limitação de seus direitos. Apenas a lei
válida poderia impor obrigações aos cidadãos. Desta forma, a lei e o primado da
soberania popular ganharam tamanha relevância que foram erigidos ao patamar de
dogma. O positivismo clássico condensou o pensamento da época, situando a lei
no patamar de um comando estratificado, abstrato e absolutamente coercitivo, o
que atendia ao repúdio aos desmandos e extravagâncias produzidos pelo
absolutismo. A lei tornou-se a expressão suprema de soberania popular, que é
considerado o fundamento principal para a criação dos Estados modernos. E, o
povo não poderia ser apenas o autor da Constituição, mas tinha de ser o
soberano. Assim, a soberania popular ganhou espaço e semântica.
[2]
O positivismo, nas palavras de Dworkin (2002), pode ser resumido em três
preceitos-chave: (a) acreditar o direito como um conjunto de regras especiais
utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar
qual o comportamento será punido ou coagido pelo poder público”, regras essas
que são aferidas quanto a sua validade (pedigree); (b) caso não se encontre uma
solução dentro do direito (conjunto de regras) para uma determinado fato, o
aplicador da norma deve ir além do direito na busca de algum outro tipo de
padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação
de uma regra jurídica já existente; e (c) dizer que “alguém tem uma ‘obrigação
jurídica’ é dizer que seu caso se enquadra em uma regra jurídica válida que
exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (...) Na ausência de
tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica”.
[3]
Em “Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida” (2014),
Zygmunt Bauman, o maior pensador social contemporâneo, junto com o filósofo e
professor de ciência política da Lituânia, Leonidas Donskis, fazem uma análise
brilhante desse novo mal que assola nossa época e nos anestesia perante o
sofrimento alheio. Uma leitura fundamental e de grande interesse para todos
aqueles que se preocupam com as mudanças mais profundas que, silenciosamente,
moldam a vida dos homens na modernidade líquida, uma modernidade que retrata
tanto fenômenos compostos de aparência, quanto desprovidos de referências.
Salve-se quem puder" é o lema atual, cuja vida política se desloca para os
bastidores e os nossos líderes são fantoches desrespeitosos e incrédulos por
uma multidão que se veste de indiferença para sobreviver à violência da qual
não apenas faz parte, como contribui para sua existência. Impedido de assumir
uma postura ética diante dos devaneios atuais, distante de suas premissas mais
básicas do viver, o cidadão atual nada mais é do que uma ilha isolada
defendendo seus interesses, tão pouco apropriados pelo próprio sujeito que o
defende, visto que ele nada mais é do que um representante inócuo de uma massa
produzida e manipulada pelos meios de comunicação.
[4] O positivismo jurídico é então entendido como
ciência da legislação positiva, que “pressupõe uma situação histórica concreta:
a concretização da produção jurídica em uma só instância constitucional, a
instância legislativa” (ZAGREBESLKY, 2007, p. 33, tradução livre). Seu
significado supõe uma redução de tudo o que pertence ao mundo jurídico, à lei,
incluindo os direitos e a justiça, simplificação que concebe o trabalho dos
juristas como mero serviço da lei, com a busca pura e simples da vontade do
legislador.
[5]
Com o crescimento do pós-positivismo um novo pensamento jusfilosófico entra em
cena para impor limites valorativos ao aplicador do direito com uma pretensão
de correção do sistema. Esses limites se traduziram absurdamente necessários
após as barbáries do Nazismo e do Fascismo justificadas em nome da lei, daí
passou-se a ter a concepção que era de imensa necessidade a elaboração de um
novo direito constitucional capaz de abranger valores humanitários para
resguardar vidas e princípios de amplo interesse social, pois o positivismo
jurídico não era mais capaz de explicar adequadamente a realidade do direito, e
o pós positivismo iniciou sua trajetória guardando uma referência relativa ao
ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e de
legitimidade.
[6]
O princípio da razoabilidade (proporcionalidade) permite invalidar atos quando
não haja adequação entre o fim perseguido e o meio empregado, a medida não seja
exigível ou necessária havendo caminho para chegar ao mesmo resultado com menor
ônus a um direito individual e quando não há proporcionalidade em sentido
estrito. Já o princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de se
exteriorizar mais subjetivamente que os outros, trata-se de um conjunto
humanitário de percepções da realidade alheia que tende a tentativa de
políticas e decisões para preservação ou chances na busca pelo “mínimo
existencial”, tal expressão é razoavelmente dita tendo dentro dela elementos
como: renda mínima, saúde básica e educação fundamental, além do acesso à
justiça.
[7]
Os princípios não são mais fontes secundárias, como previa o art. 4º da LICC,
porém fontes primárias capazes de regular condutas. Em outras palavras, o
pós-positivismo pode ser encarado como a concepção teórica do
neoconstitucionalismo, pois permite
repensar alguns alicerces jurídicos, como a teoria da norma, a teoria das
fontes, a teoria da interpretação, etc. A teoria da interpretação alcança novo
status ao receber influência da filosofia do direito: “a tópica (e a retomada
em se pensar o estudo dos casos a partir de problemas neles suscitados), a
hermenêutica (e todos os métodos de interpretação conhecidos e incrementados pela metodologia constitucional contemporânea)
e a argumentação jurídica (no tocante à justificação do intérprete)” (MOREIRA,
2009, p. 218).
[8]
A regra de reconhecimento é responsável pela identificação de quais regras de
obrigação serão unificadas de modo a não evitar dúvidas sobre sua
aplicabilidade. Ela é um fato, e não uma presunção, como em Kelsen. É uma regra
secundária que informa como os juízes reconhecem a norma válida. Há ainda as
regras de alteração que permitem a inserção de novas regras primárias no
sistema e as regras de julgamento identificam que indivíduos devem julgar e
qual as regras processuais para tanto.
[9]
Os Estados Unidos e o Reino Unido também divulgaram mais medidas contra a
Rússia, já que os líderes de ambas as nações condenaram as ações do presidente
russo, Vladimir Putin. A Rússia já está, de certa forma, pagando o preço por
sua agressão, com as ações e a moeda do país despencando nesta semana após a
decisão anterior de Putin de ordenar tropas para o leste da Ucrânia. Desde
24.02.2022, o principal índice MOEX da Rússia fechou em queda de 33%, enquanto
o rublo caiu para uma baixa recorde, em queda de 7% em relação ao dólar
americano. Ele se recuperou na sexta-feira, sendo negociado a 84,7 em relação
ao dólar americano. A Ucrânia também está pedindo ao Ocidente que proíba a
Rússia da SWIFT, a rede de alta segurança que facilita pagamentos entre 11.000 instituições financeiras em 200 países. E, no início da
semana, a Alemanha interrompeu a certificação do gasoduto Nord Stream 2 após as
ações de Moscou.
[10]
O caso mais conhecido de sanção internacional é o imposto pelos EUA à Cuba. O
conflito entre os dois países começou em 1959, quando o movimento
revolucionário cubano depôs o Presidente Fulgêncio Batista, aliado do governo
estadunidense, e mais tarde, em 1961, impôs o sistema socialista em Cuba. O
embargo econômico a Cuba começou em 1962, quando EUA proibiram que qualquer
país mantivesse relações comerciais, financeiras ou econômicas com a ilha. O
objetivo era fazer que a privação de acesso aos bens de consumo, forçassem a
queda de Fidel Castro. Em 2013, Cuba e os EUA começaram uma reaproximação,
apesar de que o embargo econômico continuava vigorando e, não havia previsão de
mudança. Já que o fim do embargo depende de aprovação do Congresso
norte-americano.
[11]
“Vigiar e Punir” foi publicado por Michel Foucault em 1975. Esta é uma das
obras mais famosas do filósofo francês e trata profundamente da questão da
disciplina e do poder no mundo moderno. Também se debruça com cuidado sobre a
importante mudança de estratégia que abandonou a punição em troca da vigilância
constante e reguladora. A pergunta que atravessa todo o Vigiar e Punir é: por
que a prisão? Por que a sociedade
capitalista fez as instituições penais desempenharem o papel de encarcerar?
Quais são suas causas e seus efeitos? Esta série trata minuciosamente de cada
capítulo do livro. Foucault analisa as técnicas de disciplina e vigilância que
se espalharam de maneira gradual e imperceptível pela sociedade ao longo do
séc. XVIII e XIX.
[12]
Em relação às leis de Nuremberg, em nome da lei o direito foi utilizado para a
realização de barbáries e atrocidades. O mundo não mais aceitava o império de
uma lei tirânica. Alguns parâmetros morais de justiça precisavam ingressar no
direito, visto que somente os critérios formais de validade não eram
suficientes. Com isso, surge o movimento de aproximação do Direito com a moral,
o pós-positivismo.
[13]
Há, na teoria dworkiana, uma distinção crucial entre regras e princípios, dado
que os princípios, ao contrário das regras, não indicam as consequências
jurídicas que se seguem à realização das condições que estão previstas, mas
exercem um peso na decisão judicial, que não se dá a partir de uma relação all
or nothing. As regras, pois, hão de encontrar sustentação nos princípios,
expressam-nos.
[14]
A Guerra Fria (1947-1989) foi o confronto ideológico, político, econômico e militar entre os dois blocos
internacionais formados no fim da
Segunda Guerra Mundial: o capitalista – liderado pelos Estados Unidos e o socialista encabeçado pela
URSS. Foram anos de tensão que duraram até a queda do Muro de Berlim, em 1989,
momento que simbolizou também o enfraquecimento do bloco socialista. A URSS foi
oficialmente dissolvida em 26 de dezembro de 1991.
[15] No positivismo, os princípios têm uma
natureza supletiva ou interpretativa, diferentemente da fase jusnaturalista
anterior, em que eles poderiam regular a conduta das pessoas. Nas palavras de
Mamari Filho (2005, p. 17), a natureza dos princípios gerais é eminentemente
supletiva, integradora, na
medida em que se admite que
o sistema de leis (positivas) é incapaz de regular todas as situações havidas
na vida cotidiana”.
[16]
Em Filosofia, é a teoria elaborada pelo filósofo e jurista alemão Carl Schmitt
(1888-1985), um dos teóricos do nazismo, segundo a qual em épocas de crise a
desordem só se transforma em ordem por meio da decisão absoluta, que tem
primazia sobre a ordem. Nas palavras de Schmitt: "Para o jurista de tipo
decisionista a fonte de todo o 'direito',
isto é de todas as normas e os ordenamentos sucessivos, não é o comando
enquanto comando, mas a autoridade ou
soberania de uma decisão final, que vem tomada junto com o comando".
[17]
Para Kelsen, o Direito só é útil porque o Estado tem o monopólio da violência,
o monopólio do poder de coerção por parte deste Estado. Poder de fazer valer a
própria vontade. Toda norma imputa uma coerção, mesmo que tacitamente. Após a
análise das duas teorias, a teoria de Herbert Hart parece ser mais lógica do
que a de Hans Kelsen, pois municia o Direito de outros fatores como a Moral, e
não acha que a Teoria do Direito não tem como ser observada em sua “pureza
metodológica” como preconiza o Kelsen. Para Hart, o Direito é uma prática
social e a razão da existência dele se deve por nossos costumes e crenças comuns.
Logo é mais próxima da sociedade, e é construída a partir do que já é comum na
sociedade. Fora o fato de que Hart, ao contrário de Kelsen, imagina que o
Direito é histórico, ou seja, acompanha os fatos sócias, evolui historicamente,
real.
[18] Para Hart, se o agente não for punido, não há uma falha na obrigatoriedade de se cumprir a norma, há uma falha na eficácia desta norma enquanto determinadora de condutas sócias. Enquanto, conforme dito anteriormente, para Kelsen esta falha na coerção representa uma norma inválida, já que não se aplica. Logo, para Hart, a coerção da norma é um elemento exterior a ela, desvinculado à norma, que é importantíssimo, mas que, se não existente, não retirará a obrigatoriedade de se adequar a conduta individual a norma jurídica, por parte dos indivíduos. Por esta visão, Hart entende que Moral pode fazer parte do Direito, já Kelsen entende que não há juízo de valor, que para o indivíduo atender as ordens jurídicas, não é cientificamente responsabilidade do estudo do Direito, é talvez, estudo da Moral. Para Kelsen precisa-se haver um fato concreto para se ter como base a obrigatoriedade. E para Hart, a norma é cumprida porque é obrigatória moralmente. O respeito à norma vem porque ela é considerada válida, já que está de acordo com as crenças cotidianas.
Autores:
*José Luiz Messias Sales, Professor Universitário. Mestre em Direito das Relações Internacionais e a Integração. Advogado. Especialista em Direito Empresarial, Direito Processual Civil. Assessor do Instituto Jamil Sales (IJL). Autor da obra “Segurança Jurídica dos Contratos Comerciais no Mercosul. As Relações entre Brasil e Uruguai” E-mail: messiassales@terra.com.br