O Pequeno Príncipe e os efeitos do patrimônio do afeto
Toda a obra "O Pequeno Príncipe" é um mergulho poético no mundo do afeto o que nos convida a refletir e estudar o valor do afeto para o Direito brasileiro, notadamente, o Direito de Família, onde os vínculos socioafetivos geram parentalidade e, significados relevantes. A obra é atemporal pois suas mensagens nos oferece uma aprendizagem sobre a essência da natureza humana e seu reflexo nas órbitas jurídicas da pessoa humana.
"O essencial é invisível aos olhos".
L’essentiel est invisible pour les yeux"
Antoine Saint-Exupéry
“O
Pequeno Príncipe” de Antoine Saint-Exupéry começa quando um piloto caiu com seu
avião em meio ao deserto e ali encontrou uma criança loura e frágil. E,
afirmava ter vindo de um pequeno planeta distante.
E, com
sua breve convivência com o piloto perdido, os dois o menino e o homem repensem
seus valores e encontram o sentida da vida. Trata-se de um a história
fantástica, mágica e comovente, por vezes, triste e, apenas aparentemente infantil.
Não há
quem não se comova ao se recordar quando leu a obra. Representa uma obra
existencialista do século XX, segundo Marin Heidegger , sendo também um dos
livros mais traduzido do mundo, depois do Alcorão e da Bíblia.
O
maior legado da obra é a reflexão e o aprendizado e, através de uma escrita
fluida fluída e simples e incita o leitor a reavaliar seus valores, repensando
as riquezas da vida humana tais como
amor, amizade, trabalho, política e responsabilidade.
As
experiências do Pequeno Príncipe, um jovem que sai de seu planeta e, segue
viajando em busca de novos mundos e de inúmeras descobertas.
O
personagem quer saber e aprender cada vez mais! Em uma de suas andanças, o
jovenzinho vai parar na Terra, mais especificamente no meio do deserto, local
em que encontra um piloto perdido após um pouso complicado.
Enquanto
o piloto tenta consertar seu avião, ele e o pequeno príncipe criam um forte laço de amizade, compartilhando
histórias e aprendizagens. O pequenino, com seu coração puro e seu instinto
curioso, leva o piloto e, o próprio leitor, a pensar sobre as
certezas da vida. É na simplicidade dessa criança, que compreende a beleza de
uma estrela e o valor de uma única flor
que aprendemos a enxergar a vida em suas essências.
O que
torna o livro “O Pequeno Príncipe” um clássico que se perpetua entre gerações é
sua atemporalidade. As mensagens por trás da leitura não são apenas frutos da escrita do autor, mas sim,
da interpretação do leitor, que dependendo da fase que está vivendo encarará a
leitura de uma maneira diferente.
Trata-se
de uma história poética que cogita sobre nosso dia a dia, sobre nossos amores,
nossas amizades, nossa ganância e nossos
erros tão comuns e repetitivos, enfim, o homem que não vê com o coração, que só
se importa com o trabalho, que só cultiva o dinheiro, que não tem bons amigos e, principalmente, o
homem que não é capaz de manter viva a criança dentro de si.
São
infinitas as passagens reflexivas da obra. Uma das passagens mais comoventes,
destaco in litteris:
"É
o cuidado que você dedicou a sua rosa que a faz tão especial."
Adiante,
outro passagem inesquecível: "É bem mais difícil julgar a si mesmo do que
julgar os outros. Se conseguir julgar a si mesmo, provara que é um verdadeiro
sábio".
É
inegável que o grande diferencial da obra está no fato de cada leitor poderá
interpretá-la de uma maneira, de cada um
ser tocado de uma forma única. Ouso dizer que a leitura nos faz refletir
exatamente a respeito daquilo que mais
duvidamos, é como se o livro conversasse com o leitor. Portanto, só lendo para
saber o quão valiosa é essa obra.
Outro
ponto importante, é lê-la de coração aberto. Esse é o tipo de livro que precisa
ser degustado aos poucos, só assim a leitura será completa e nenhum pouco
superficial.
Toda a
obra nos faz dimensionar o afeto e, mais, o direito ao afeto O direito ao afeto
é a liberdade de afeiçoar-se um
indivíduo a outro. O afeto ou afeição constitui, pois, um direito individual:
uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações,
senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos.
O
nobre doutrinador Flávio Tartuce nos explica o significado do afeto. Afeto quer
dizer interação ou ligação entre
pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por
excelência, é o amor; o negativo é o
ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.
O
termo afetividade possui diversos significados no âmbito jurídico. Existem doutrinadores
como Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto Lôbo, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce,
entre outros, que afirmam que a afetividade seria um princípio que define o
núcleo familiar. Já outros como Silvio Venosa, Cristiano Chaves e Nelson
Rosevald aduzem que seria um rol exemplificativo, no qual afetividade seria
apenas mais um princípio de direito de família que norteia outros princípios,
como por exemplo, o da dignidade da pessoa humana. Em polo totalmente inverso
há ainda aqueles como Regina Beatriz Tavares de Lima, Roberto Senise, Guilherme
Calmon e Luiz Fachin que discordam da atribuição da afetividade como princípio[1] jurídico, classificando
apenas como um mero sentimento, que não deve ser confundido com o sentimento de
amor.
O
admirável professor Sérgio Resende de Barros nos esclarece que A liberdade de se
afeiçoar um a outro é muito semelhante à liberdade de contratar um com outro.
Daí,
não raro, confundir-se afeição com contrato, ensejando a patrimonialização
contratual do afeto. Não se deve reduzir o afeto ao contrato, para o fim
imediato e ora até exclusivo de retirar dessa redução e impor às “partes
contratantes” efeitos patrimoniais, às vezes nem sequer desejados por ambas.
Mas a
analogia entre afeição e contrato serve
para um fim justo: mostrar que, como a liberdade de contratar, também a
liberdade de afeto é um direito individual implícito na Constituição brasileira de 1988, cujo § 2º do
art. 5º não exclui direitos que, mesmo não declarados, decorram do regime e dos
princípios por ela adotados.
É o
que ocorre com a liberdade de contrato e a liberdade de afeto. Ambas são inerentes
ao relacionamento social. Se negadas – ou tolhidas fora do bem comum – implicam
a desfiguração do Estado Democrático de Direito e das liberdades a ele fundamentais.
Sonegar
essas duas liberdades – ainda que não declaradas expressamente – é renegar ao
regime e aos princípios constitucionais do
Estado Democrático de Direito exigido pelo art. 1º da Constituição.
É
negar a Constituição jurídica do Estado brasileiro desde o princípio. Inegável,
pois, que embora afeto não seja contrato – o direito ao
afeto, como o direito ao contrato, é liberdade individual implícita na
Constituição.
Entre
as tribos, na origem do povo romano, a atração natural de um indivíduo a outro
se dizia affectio ou affectus, palavras compostas da preposição ad (= para) e
de uma forma nominal do verbo facere (= fazer). Literalmente, affectio
e affectus traduzem a ideia de ser feito um para o outro.
O
afeto está presente nas mais diversas relações humanas. Destacadamente, nos
relacionamentos de natureza sexual, nos quais, atualmente, o Estado brasileiro deixou de respeitar a vontade dos indivíduos,
quanto à definição do alcance do afeto nascido entre eles.
Para
celebrar ou criar uma relação, inclusive para fins patrimoniais, pode-se casar ou tornar evidente
uma união estável. Mas ninguém pode optar por simplesmente viver um vínculo
afetivo independente da intervenção estatal,
vale dizer, sem sequelas de ordem patrimonial. A patrimonialização da união
estável é forçada – e reforçada pela
legislação estatal.
O que
solapa o vínculo afetivo. Amedronta os que só querem se amar. Gera expedientes
– como: “fazer um contrato”, “não morar juntos”, “evitar manifestações de afeto por escrito”, etc. – para não
tipificar união estável.
Em resumo:
a tradicional ideologia da família, que matrimonializa e patrimonializa a
afeição, não pode valer-se do Estado social para tolher o direito individual ao
afeto sexual, cobrindo com as vestes de mercadoria toda e qualquer figura
jurídica ligada à união de natureza sexual entre duas pessoas. Sob pena de
negar o Estado Democrático de Direito e seus princípios constitucionais.
Ao
direito constitucional da família impõe-se uma conclusão: se é preciso proteger
a família e a mulher, também é evidente que o Estado brasileiro deve a seus
cidadãos e cidadãs, e a todo indivíduo, uma providência urgente: garantir o
direito individual ao afeto sexual mediante a figura jurídica de uma simples
união de afeto que heteroafetiva ou
homoafetiva não seja desvirtuada ex vi legis, como a união estável o
foi.
Existem
três momentos importantes e bem distintos no Direito de Família brasileiro: o
primeiro é o regido pelo Código Civil de 1916; o segundo é o após a
Constituição Federal de 1988 e o terceiro é o disciplinado pelo atual Código
Civil e legislação infraconstitucional.
No
Código Civil brasileiro de 1916, a família estava intrinsicamente ligada ao pater
familiae, onde o pai tinha todo o poder sobre a mulher e os filhos. O
modelo de família era único, ou seja,
aquele constituído pelo casamento e os filhos legítimos eram apenas os havidos
dentro do casamento.
Esse
formato de família era patriarcal, autoritário, hierárquico e patrimonialista
onde os membros tinham funções diferenciadas, eram numerosos e a procriação era
fundamental para perpetuar a espécie e o patrimônio, já que a força de trabalho
era essencial para a sobrevivência da mesma, sendo o afeto um valor timidamente
revelado ou até mesmo desconhecido nesse ambiente em que as relações eram muito
mais econômicas do que afetivas.
A
partir do reconhecimento de outras formas de constituição da família previstas
na Constituição Federal de 1988, o Direito de Família deixou de ser
conservador, discriminador e autoritário, pois passa a ser visto sob a ótica da
dignidade da pessoa humana, da igualdade e da afetividade. Portanto, família
não significa, obrigatoriamente, mais casamento, sexo e procriação. Sexo e
casamento não estão necessariamente mais juntos, nem sexo e procriação.
A
família perdeu valores que não mais se adequavam a realidade social e ganhou
outros mais condizentes como dignidade, igualdade, solidariedade,
responsabilidade e afeto. Ao conceber tais valores a Constituição Federal
brasileira de 1988 muda o curso, a trajetória , a estrutura do Direito de
Família.
Jazem
na Constituição Federal brasileira de 1988 diversos princípios constitucionais
gerais, que se aplicam a todas as esferas do direito e existem alguns
princípios mais específicos aplicados ao Direito de Família, ou seja, além dos consagrados
princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CFRB/1988); da
liberdade(art. 5º, inciso LIV) e da
igualdade (art. 5º., inciso I ) tem-se o princípio da pluralidade familiar, da
monogamia, da solidariedade familiar, da proteção integral da criança, do
adolescente e do idoso, da proibição do retrocesso social, da paternidade
responsável e o princípio da afetividade, entre outros.
A
pessoa humana e seus valores, como se vê, foi colocada em primeiro lugar, no vértice
da pirâmide constitucional e diante da estruturação familiar.
A
dignidade da pessoa humana é definida por Sarlet como: a qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como nenhum a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos. (SARLET, 2002).
O
princípio do respeito da dignidade da pessoa humana está ligado a afetividade
pois "constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva),
garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a
realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente
(CFRB/1988, art. 227)." (DINIZ, 2007).
O
atual Código Civil (2002) incorporou os princípios constitucionais referidos
nas relações familiares. a noção de afeto, como um elemento concreto a integrar
as relações familiares, escreve
Carbonera.
A
noção de afeto, como um elemento concreto a ser considerado nas relações de
família, foi ingressando gradativamente no jurídico, assim como outras tantas:
liberdade, igualdade, solidariedade. Isto se deve às transformações pelas quais
ela passou, especialmente quanto ao deslocamento do centro de preocupações da
instituição família para aqueles que a compõem.
A
partir do momento em que o sujeito passou a ocupar posição central, era
esperado que novos elementos ingressassem na esfera jurídica. E foi o que se
observou com relação ao afeto. (CARBONERA, 2000).
O
afeto surge sob novo olhar do legislador, da doutrina e da jurisprudência, se
consolidando como um direito fundamental.( DIAS, 2007). E, a mesma doutrinadora conclui dizendo
"talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio
norteador do direito das famílias é o princípio
da afetividade."(DIAS, 2007)
Embora
a palavra “afeto’ não exista expressamente no texto constitucional, extrai-se
do mesmo que pelo fato de a Constituição Federal reconhecer e proteger as relações familiares, quer sejam havidas de
casamento, quer sejam constituídas pela união estável, famílias monoparentais e
famílias adotivas, a união dessas
pessoas ocorre pelo afeto e não mais apenas por procedimentos formais, daí a
presença indubitável do afeto, inclusive
quando trata da igualdade entre
todos os filhos (art. 227,parágrafo 6º).
O
princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de
princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico.".
Segundo
o doutrinador encontram-se na Constituição Federal brasileira três fundamentos
essenciais do princípio da afetividade, que compõem a evolução social da família, especialmente nas últimas
décadas do século XX: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua
origem (art. 227,parágrafo 6º.);
b) a
adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de
direitos (art. 227, parágrafos 5º e 6º.);
c) a
comunicabilidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade
da família constitucionalmente protegida
(art. 226, parágrafo 4º.)
No
Código Civil de 1916[2], não existiu e nem dele se
pode extrair a presença do afeto, pois baseada que estava a relação familiar na
unidade da família constituída somente através do casamento, na hierarquização,
no autoritarismo do pater familiae e na patrimonialização. Segundo
Carbonera o afeto existiu de forma
presumida e não concreta.
Saliente-se
que o atual Código Civil, não fazia referência expressa a palavra afeto até a
alteração ocorrida nos arts. 1.583 e 1.584 do C.C., que regulavam a guarda dos filhos na
dissolução da sociedade conjugal, pela Lei nº11.698, de 13 junho de 2008, que
instituiu a guarda compartilhada.
Apenas colocava o termo “afetividade” quando se
referia a uma das condições da guarda de terceiros, no alterado art.1.584,
parágrafo único.
Pela
primeira vez, o legislador usou expressamente a palavra afeto, no art. 1.583,
parágrafo segundo inciso I, alterado pela Lei nº. 11.698/2008, justamente no capítulo que trata da proteção dos filhos,
ao descrever as três condições necessárias para o genitor exercer a guarda
unilateral, como se verifica: In litteris:
Art.
1.583. A guarda será unilateral ou
compartilhada.
2º. A
guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para
exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:
I -
afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
Ainda,
novamente coloca a afetividade[3] como um requisito no
momento de conceder a guarda unilateral ou compartilhada do menor para
terceiro, conforme o art. 1.584, parágrafo
5º. do C.C., com alteração recente da Lei 11.698 de 13 de junho de 2008,
estabelecendo que:
Daí
porque entende-se que "o direito das famílias instalou uma nova ordem
jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto."(DIAS, 2007).
Assim
se o afeto deve ser valorado juridicamente é porque ele é um bem jurídico,
mesmo imaterial ou abstrato, que pode ter um preço, ou seja, um valor aferível
economicamente e não só sentimentalmente.
Em
matéria de Direito de família e de afeto na família o valor jurídico do afeto é
um dos `nós que deve ser desfeito, buscando-se uma solução equilibrada a respeito.
O
termo “nó” foi utilizado por Perrot ao
tratar sobre a família após o século XIX. (PERROT). Alguns estudiosos desataram os nós no Direito
de Família (já estão sendo desfeitos pela doutrina e jurisprudência brasileiras),
no que diz respeito a afetividade nas relações familiares, como por exemplo a
união estável, a família homoafetiva (Em
09.10.2008, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a possibilidade jurídica
de apreciação de ações que envolvem união homoafetiva pela primeira vez) e a filiação
socioafetiva. Resta desfazer mais este.
O
afeto tornou-se um valor tão importante no Direito de Família que o desafeto
paterno passou a ser objeto de litígio e indenização[4] por danos morais.
O
Poder Judiciário brasileiro desde o ano de 2003, foi chamado a examinar a
questão do abandono afetivo na relação paterno-filial, sendo que a ação pioneira transcorreu na Comarca de Capão da
Canoa, tendo a sentença condenado o pai a indenizar a filha por abandono
afetivo, no valor de 200 salários-mínimos.
De se
salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos
filhos (art. 22 da Lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a
escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao
parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar
condições para que a criança se autoafirme.
Desnecessário
discorrer acerca da importância do pai no desenvolvimento da criança. A
ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em
desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. (Juiz Mario Romano Maggioni,2ª.
Vara. Comarca de Capão da Canoa. Proc. 14/1020012032-0.Data 15.09.2003).
Entende-se
que tal decisão teve uma interpretação incoerente com o ordenamento jurídico,
uma vez que é possível enquadrar-se a conduta dos pais que abandonam seus
filhos, quer seja materialmente, moralmente e intelectualmente nos crimes
contra a família referentes aos crimes contra a assistência familiar, previstos
nos arts. 244 a 247 do Código Penal, citados a seguir:
Art.
244- Deixar, sem justa causa, de prover a assistência do cônjuge, ou de filho
menor de 18 (dezoito) anos ou inapto
para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não
lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão
alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, deixar, sem justa
causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena -
detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior
salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo
único: Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de
qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o
pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
Art.
245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia
saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo:
Pena -
detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos.1º. A pena é de 1(um) a 4 ( quatro)
anos de reclusão, se o agente pratica
delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior, com o fito de
obter lucro.
Art.
246 - Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade
escolar:
Pena -
detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou de multa.
Ou
seja, é possível aplicar-se uma pena criminal, mas não é possível aplicar-se
uma sanção cível, prevista nos art. 186 do Código Civil, que atingirá apenas o
patrimônio desses pais que negligenciam os cuidados com os filhos. Portanto tal
atitude é crime, mas não configura ato ilícito.
Assim
sendo é possível penalizar a pessoa, mas
não é possível atingir os seus bens. É o mesmo que dizer retire-se a sua
liberdade, mas não os seus bens.
Parece
ser uma inversão de valores, colocando os bens materiais em primeiro lugar, em
detrimento da pessoa humana ou da
liberdade humana, o que é totalmente incoerente com o princípio de dignidade da
pessoa humana e com a despatrimonialização do Direito Civil.
Está evidente
que o privilégio do patrimônio (direito de propriedade) do pai, em
detrimento da pessoa humana ( direito à
dignidade) do filho, que deve estar em primeiro lugar quando houver colisão de direitos fundamentais, segundo a proporcionalidade ou a ponderação de valores[5].
Ao
mesmo tempo o ordenamento jurídico protege a honra de uma pessoa, que também é
um valor subjetivo, por calúnia, injúria e difamação, condenando o ofensor ao
pagamento de indenização civil.
O art.
5º., inciso X, da Constituição Federal vigente disciplina a inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de uma pessoa, assegurando
indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.
Outras
ações estão surgindo com o mesmo propósito, mas a que está chamando a atenção
de todos é o caso supracitado, pois está pendente de julgamento aguardando
decisão do Supremo Tribunal Federal, eis que o Superior Tribunal de Justiça
entendeu que não cabia apreciação do Supremo Tribunal Federal e a parte
recorrente entrou com agravo de instrumento.
Espera-se
que o Supremo Tribunal Federal, último alento para aqueles que buscam justiça,
aplique os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, paternidade
responsável, dever de convivência, solidariedade familiar, proibição do
retrocesso social e afetividade.
Caso
contrário, entender-se-á que a família não é constituída por seres humanos,
dignos de tutela judicial e que os princípios constitucionais não têm
aplicabilidade nas relações familiares.
Certo
é que o valor pecuniário nessas ações não reparará o amor perdido, a
convivência que não existiu e o afeto que não foi transmitido, isto é, não
recompõe a perda, mas deve servir como uma punição pedagógica para educar quem
abandona e fazer com que outros pais e mães tenham uma conduta responsável em
relação aos seus filhos, sujeitos de direitos.
Nesse
sentido, Pereira entende que não se pode obrigar alguém a dar afeto, porém o
valor da indenização não terá nesses casos cunho ressarcitório, mas punitivo e
simbólico, ou seja, pedagógico, como se verifica:
Afinal, estes são os responsáveis pelos filhos
e isto constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O descumprimento
dessas obrigações significa violação ao direito do filho. Se os pais assim não
agem, devem responder por isso.
Essa é
a resposta que a sociedade deve dar, por meio da Justiça, aos pais abandônicos.
A indenização estaria então monetarizando o afeto? De maneira alguma.
O
valor da indenização é simbólico e tem apenas uma função punitiva. Mais que
isso: uma função educativa. Afinal, não há dinheiro no mundo que pague o dano e
a violação dos deveres morais à formação da personalidade de um filho rejeitado
pelo pai.
"A
indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao
cumprimento de seus deveres, mas atende a duas relevantes funções além da compensatória:
a punitiva e a dissuasória." (SANTOS, 2005).
Endossa
o mesmo sentido, Madaleno: “O dano a dignidade do filho em estágio de formação
deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres
parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente,
para que, no futuro, quaisquer inclinações ao irresponsável abandono possam ser
dissuadidas pela firme posição do Judiciário
ao mostrar que o afeto tem um preço muito cara na nova configuração familiar”.
(MADALENO, 2007).
Não se
trata, pois, de `dar preço ao amor`- como defendem os que resistem ao tema em
foco - , tampouco de `compensar a dor' propriamente dita. Talvez o aspecto mais
relevante seja alcançar a função punitiva e dissuassória da reparação de danos,
conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele e, outros, que sua conduta deve ser cessada e
evitada, por ser reprovável e grave.
Entende-se
que Estado quer interferir o mínimo possível nas relações familiares, que
possuem natureza privada, embora o caráter público esteja também presente na
aplicação das normas cogentes de Direito de Família.
Não é
possível estabelecer regras e aplicar o direito segundo o lugar que as pessoas
ocupam na sociedade até porque haveria ofensa ao princípio de igualdade
constitucional.
Não
importa o lugar, mas o ser. Se a família é a base da sociedade e merece
especial proteção do Estado, conforme dispõe o art. 226, caput, da
Constituição Federal, este tem que efetivamente protegê-la quando um de seus
membros estiver ameaçado, seja a ameaça externa ou interna, sejam os violadores
das regras terceiros ou membros da própria família.
A
empresa é digna de tutela judicial reparatória, a escola, as relações de consumo, as relações
trabalhistas, porque não as relações familiares.? Não é relevante o local onde
a violação aconteceu, ou quem a cometeu, mas sim, o que aconteceu, o fato em si, o dano
ocorrido.
O que
deve ser protegido é a pessoa agredida ou que tem o seu direito violado, não
importando o lugar onde ela esteja nem a
pessoa que cometeu a agressão, violação e até mesmo a omissão como neste caso,
o abandono.
Dessa
forma, se o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, negar
acolhida a tais ações, possivelmente o filho (criança ou adolescente)
sentir-se-á triplamente abandonado, pela
família, sociedade e Estado, justamente quem deveria protegê-los segundo o art.
227, caput, da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, no art. 4º., e nada mais poderá fazer a não ser lamentar.
A
recente alteração do Código Civil brasileiro , no que s refere a guarda
compartilhada veio para proporcionar convivência dos filhos com os pais, o que se verifica facilmente na guarda
consensual
Saliente-se,
no entanto, que o Estado também ao dispor sobre a guarda compartilhada na forma
litigiosa está determinando o convívio entre pais e filhos menores, deixando a critério do juiz
e com o auxílio de profissionais de ciências interdisciplinares a possibilidade
de aplicação no caso concreto, conforme
se extrai do art. 1.584, inciso II, parágrafo 1º. e
parágrafo 2º., C.C.:
Art.
1.584. A guarda unilateral ou compartilhada poderá ser:
II -
decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em
razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai ou a mãe.
1º. Na
audiência de conciliação o juiz informará ao pai e à mãe o significado da
guarda compartilhada, sua importância, a
similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.
2º.
Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
A
guarda compartilhada é solução para proporcionar a convivência entre pais e
filhos na forma consensual e, mesmo na forma litigiosa é uma excelente
oportunidade de o Estado através do Poder Judiciário cumprir com o seu dever de
propiciar o dever de convivência familiar, previsto na Constituição Federal no
art. 227, caput, fazendo com que os pais convivam com seus filhos e se
não o fizerem, ou seja, se os abandonarem, o juiz poderá aplicar sanções em
caso de descumprimento, o que já ocorre judicialmente quando os pais não
visitam os filhos e são condenados por exemplo, a pena de multa, embasada no
art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Talvez
essa forma de punição possa evitar os casos de abandono dos pais e
consequentemente evite o ajuizamento de ações de indenização por abandono
afetivo pelos filhos, sendo, portanto, uma possível solução.
Por
esse ângulo, vê-se esta norma, quanto a possibilidade de aplicação em casos
litigiosos de forma positiva e não negativa, como quase unanimidade dos
doutrinadores. O que se quer é o convívio, pois então o Estado já determina a
convivência com o pai e com a mãe e , se eles não cumprirem e assim abandonarem
afetivamente os filho, já responderão pelos danos que causarão aos mesmos.
Portanto,
de forma positiva analisa-se tal dispositivo entendendo que o legislador quis
privilegiar as relações entre pais e filhos no momento da dissolução da
sociedade conjugal, mesmo que entre o casal não seja mais possível a
convivência, o afeto, não se pode negá-los aos filhos.
Conclui-se
que o Estado procura não intervir nas relações familiares, preferindo que seus
integrantes resolvam seus problemas internamente, sem a sua presença.
No
momento em que isso não é possível interfere para resolver os litígios. Assim
foi com a publicação da Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica nas relações familiares. Também recentemente,
na guarda compartilhada quando atribui ao juiz a possibilidade de aplicação da
mesma em processos litigiosos. Como se vê, o Estado está intervindo nas
relações familiares, mesmo que o legislador não tenha se dado conta disso.
O
afeto é o alicerce das relações familiares, sem ele o edifício da família um
dia ruirá, mais cedo ou mais tarde, acompanhado de outros elementos como o respeito, a consideração, o companheirismo, a
fidelidade em todos os sentidos , não só sexual, o nível econômico, cultural e
emocional dos seus integrantes, daí porque deve ser protegido e valorado
juridicamente.
Sem
afeto a família não resistirá. A propósito Roudinesco, psicanalista francesa,
ao ser entrevistada quando esteve no Brasil, ao responder sobre a família do futuro afirmou : "Não há famílias
ideais . A família do futuro está para ser construída e não
teorizada."(Roudinesco, 2004).
Conforme
dispõe o art. 226, caput, da Constituição Federal vigente a família é a
base da sociedade e merece especial proteção do Estado, assim não há dúvida que
o Estado deve não só estar presente, mas
agir efetivamente nas relações familiares para proteger um membro da mesma
enquanto pessoa . O dano ocorre independentemente
do local da agressão, o que é relevante é que uma pessoa humana foi agredida ou
violada em seus direitos.
Por
isso, se Poder Judiciário, negar acolhida a tais ações, em casos de comprovado
abandono dos filhos menores pelos pais, possivelmente o filho (criança ou adolescente) será triplamente
abandonado pela família, sociedade e Estado, justamente quem deveria
protegê-los, segundo o art. 227, caput, da vigente Constituição Federal
e o Estatuto da Criança e do Adolescente
no art. 4º.
A
família não deixará de existir porque o Estado responsabilizará um de seus
membros por danos cometidos, sejam materiais, morais ou psicológicos no seio da
mesma, pelo contrário, só não sobreviverá se não existir afeto entre seus membros, pois sem afeto não há
fidelidade, vida em comum, interesses comuns, respeito e consideração mútuos.
Sem
afeto todos esses elementos poderão existir separadamente, mas não constituirão
uma família, existirão em outro lugar, que não nesse "ninho", podendo
configurar uma sociedade, uma entidade, uma associação, mas jamais uma família.
É
preciso reconhecer que o afeto deixou de ser um mero coadjuvante nas relações
de família para ser o ator principal da mesma. Daí porque os julgadores devem
dar ao afeto familiar o valor jurídico que ele merece.
Cogitar
em constitucionalização do Direito Civil, notadamente, o brasileiro significa a
priori reconhecer a superação da dicotomia público/privado, visando um sistema
jurídico em que existe uma integração dos dois ramos, sobretudo, quando a Magna
Carta vigente passa a disciplinar emas antes somente tratados apenas em âmbito
privado, como e o caso do Direito de Família, da mesma maneira que as regras de
Direito Privado precisam buscar fundamento na Lei Maior, devendo apresentar
interpretação de seus institutos conforme os ditames constitucionais.
Para Lenza (2015), tendo em vista essa superação dicotômica, notadamente com vistas ao princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui um fundamento da República Federativa do Brasil, além de constituir um princípio nuclear frente a todo o ordenamento jurídico brasileiro, parece mais adequado, então, falar em um “direito civil-constitucional”, de forma a proporcionar u entendimento do Direito Privado à luz das regras constitucionais e podendo, em diversas oportunidades, reconhecer a imediata aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, como é o caso da eficácia horizontal desses direitos.
Acredita-se
que a descodificação do Direito Civil e a consequente criação de vários
microssistemas como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, a Lei de Alimentos e outros tenham contribuído para o efetivo
reconhecimento d a constitucionalização do Direito Civil, cujo parâmetro
central de interpretação deverá ser o Texto Fundamental.
O
Ministro Barroso (2015) entende que a
constitucionalização do direito no Brasil fora possibilitada, dentre outros
motivos, pelo fato de que todos os principais ramos do direito
infraconstitucional tiveram aspectos, seja de maior ou de menor relevância,
tratados na Constituição, pelo que concluiu o autor no seguinte sentido:“... à medida que
princípios e regras específicos de uma disciplina ascendem à Constituição, sua
interação com as demais normas daquele
subsistema muda de qualidade e passa a ter um caráter subordinante.” Daí
decorre o entendimento deque as demais normas e princípios precisam,
essencialmente, ser interpretadas de acordo com a norma superior.
O
princípio da dignidade da pessoa humana, estatuído no inciso III, do artigo1.º
da Constituição Federal como fundamento da República, traduz a máxima segundo a
qual a pessoa passa a ser concebida como fundamento e fim da sociedade e do
Estado.
Esse
princípio tem como essência a proteção
do mínimo existencial a cada pessoa, ou seja, o direito à vida já não é o
suficiente, não basta apenas existir: essa
existência deve se dar de forma digna, de forma que sejam asseguradas as
mínimas condições vitais com dignidade. Cabendo ao Estado realizar ações
afirmativas para efetivar tal princípio.
A
dignidade humana é uma condição intrínseca do indivíduo, e ao titular desse
valor jurídico não cabe renúncia ou qualquer transação.
Já a
solidariedade é apresentada no ordenamento jurídico como um objetivo da
República Federativa do Brasil, nos termos do inciso I, do artigo 3.º do Texto Fundamental.
Esse valor,
bem como vários outros inseridos na Magna Carta, representa uma nova fase do
constitucionalismo contemporâneo, no sentido da consolidação de um Estado
fraterno e solidário, pautado em ideais de igualdade e da dignidade humana,
pilares do sistema jurídico. Isso posto, emerge a ideia de que o Direito Civil
como um todo assumiu uma nova roupagem, transição esta denominada
“personalização do Direito Civil”[6], face à mudança
constitucional premente, determinado o ser humano como fundamento.
No que
tange ao princípio da afetividade, acredita-se que tenha sido um dos marcos
representativos dessa mudança de paradigmas representada pela humanização do
direito. Isso porque é assente na doutrina que o sistema pretérito se
preocupava muito mais com a tutela patrimonial do que com a essência da relação
familiar, mais que isso, com cada integrante da família como um indivíduo que
merece a proteção em sua individualidade.
Não se
pode pensar apenas nos interesses do pater famílias (ou seja, no modelo de
família totalmente patriarcal e hierarquizado).Para doutrinadores como João
Baptista Villela, Maria Berenice Dias, Tartuce, Rosenvald e Farias, Calderón,
Paulo Lôbo, dentre outros, é firme o reconhecimento do valor jurídico da
afetividade.
O
precursor dessa tese no Brasil foi João Baptista Villela que, em 1979, já defendia
a desbiologização da paternidade, quando defendia que o vínculo familiar era
melhor representado ou constituído pelo afeto do que pela verdade genética.
Na
atualidade, consolidou-se entendimento no sentido de que a afetividade é o
verdadeiro fundamento do Direito de Família.
Para
Nelson Rosenvald e Cristiano Farias (2015), “a entidade familiar deve ser
entendida, hoje, como um grupo social fundado, essencialmente, em laços de
afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto
constitucional.”
Apesar
de algumas mudanças terem sido observadas com o CC/2002, não foram suficientes
para afastar essa preocupação cega no aspecto patrimonial, conforme facilmente se percebe na análise de institutos
como o casamento, em que as causas suspensivas, por exemplo, são quase todas
voltadas aos interesses patrimoniais, conforme elucida Lôbo (2011).
No
entanto, nos termos do que se defende, o indivíduo figura atualmente como centro das preocupações do Estado. Não se
quer, com isso, afastar toda a visão patrimonial, mas sim proporcionar um
equilíbrio.
O
afeto, define Lôbo (2011), é um fato social e psicológico ou anímico. Trata-se,
pois, de um valor subjetivo, de um sentimento que possui várias facetas, ao
contrário da afetividade que é dotada de caráter normativo.
Segundo
Lôbo (2011), “a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
Mesmo
quem entende a afirmação da existência da afetividade como valor jurídico a ser
tutelado pelo Estado, destaca que algum limite há de ser imposto, como é o caso da juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga
(2008, apud Tartuce, 2015): O papel dado à subjetividade e à afetividade
tem sido crescente no Direito de
Família, que não mais pode excluir de suas considerações as qualidades dos
vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar
a necessária objetividade na
subjetividade inerente às relações.
Cada
vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás
um outro princípio do Direito de Família
é o da afetividade.
Rosenvald
e Farias (2015) lecionam que o afeto é, sem dúvidas, fundamento para o Direito
das famílias, no entanto, acreditam que é desprovido de exigibilidade jurídica nas relações em que se apresente
voluntariamente, tendo em vista seu imprescindível caráter de sentimento humano
espontâneo. Desta feita, como sentimento espontâneo que é, tentar inferir nas
relações humanas, exigindo juridicamente o afeto, seria desvirtuá-lo, já que -
uma vez imposto - não seria sincero e assim, não congregaria as qualidades que
lhe são próprias.
Verifica-se
que, ao longo da história, a afetividade nem sempre fora considerada como
parâmetro para a definição do núcleo familiar. Dos estudos realizados por Calderón (2013), depreende-se que, nas
sociedades antigas, nem mesmo o critério biológico era o utilizado para definir
a família, tendo em vista que os elos familiares envolviam, por vezes, escravos
e pessoas que não possuíam qualquer vínculo consanguíneo.
O
critério era o da religião, que ditava as regras dos vínculos entre as pessoas, como no
caso da realidade romana, o pater famílias, que detinha hierarquia e autoridade
perante os demais integrantes.
Após a
Segunda Guerra Mundial, essa subjetividade caminhou a passos largos tendo em
vista a percepção do indivíduo particularmente considerado, dotado de uma
dignidade que lhe é inerente, sendo plenamente capaz de deliberar sobre seus
relacionamentos, podendo optar pelo modo de viver em família que melhor lhe
agradasse.
Assim,
não são consideradas apenas as “famílias legítimas”, comodantes. A partir desse
marco histórico, tornaram-se possíveis as famílias consubstanciadas por
vínculos afetivos.
Entender
a família constitucional consolidada pelo Texto Fundamental de 1988, e que
superou a percepção de família como “unidade produtiva reprodutiva”, como denominam Rosenvald e Farias (2015) o
molde familiar presentado no CC/1916, é preciso relembrar as bases e os valores
sociais apresentados pela vigente Constituição, quais sejam: a dignidade
humana, a solidariedade social e a igualdade substancial.
Entender
a família constitucional consolidada pelo Texto Fundamental brasileiro de 1988,
e que superou a percepção de família como “unidade produtiva e reprodutiva”, como denominam Rosenvald e Farias (2015) o
molde familiar apresentado no CC/1916, é preciso relembrar as bases e os
valores sociais apresentados pela novel
Constituição, quais sejam: a dignidade humana, a solidariedade social e a
igualdade substancial[7].
Calderón
(2013, p. 261), na defesa do reconhecimento do princípio da afetividade,
destaca que tanto a atual Lei da adoção como a lei da guarda compartilhada
estão há alguns anos em vigor e não foi percebido qualquer espécie de caos
jurisdicional, nem mesmo críticas contundentes contra seu uso.
O
outro exemplo citado pelo pesquisador foi o da Lei da Alienação Parental, Lei nº.
12.318/2010, cujo objetivo consiste em reprimir condutas prejudiciais à relação
pai e filho. Visa claramente salvaguardar a relação de afeto nas relações
familiares.
Concluiu
que os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do artigo 226,
da CF, são meramente exemplificativos As demais entidades familiares são tipos
implícitos, incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e
indeterminado de família.
Rosenvald
e Farias (2015) adotam o mesmo
entendimento e assim o fazem na justificativa de que, desde o preâmbulo do
Texto Fundamental, é instituído o Estado Democrático de Direito, cuja destinação visa a assegurar a
todos o pleno exercício dos direitos individuais e sociais, e ainda a
construção de uma sociedade fraterna e solidária, despida de preconceitos;
sendo assim, concluem os autores que a interpretação de todo o texto
constitucional deve ser fincada nos princípios da liberdade e da igualdade, tendo como pano de
fundo o macroprincípio da dignidade da pessoa humana.
A recente
Lei de Adoção (Lei nº. 12.010/2009)
também apresenta a afetividade como fundamental para constituição da família.
No parágrafo único do artigo 25, determina que a família extensa ou ampliada se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, sendo
formada por parentes próximos com os quais
a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade,
tendo estabelecido esta?
Como
critério balizador do julgador para definir o destino do adotando. Ademais, no
§3º, do artigo 28, do mesmo diploma, o legislador ratificou a afetividade como
critério decisório a ser utilizado na apreciação do pedido de adoção
Calderón
(2013), na defesa do reconhecimento do princípio da afetividade, destaca que
tanto a atual Lei da adoção como a lei da guarda compartilhada estão há alguns
anos em vigor e não foi percebido qualquer espécie de caos jurisdicional, nem
mesmo críticas contundentes contra seu uso.
O
outro exemplo citado pelo pesquisador foi o da Lei da Alienação Parental, Lei
n. 12.318/2010, cujo objetivo consiste em reprimir condutas prejudiciais à
relação pai e filho. Visa claramente salvaguardar a relação de afeto nas
relações familiares.
A
jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ – também tem se
consolidado no sentido de valorizar a socioafetividade. Exemplo disso é ocaso
do pai biológico que após anos de ausência resolveu voltar e ajuizou ação visando
alterar o registro de nascimento de filha, na tentativa de retirar o nome dopai
socioafetivo, que sabendo não ser genitor, acolheu a menor e lhe deu todo o apoio
necessário.
No
entanto, em sede recursal o pai socioafetivo obteve êxito, com o indeferimento
do pedido de retificação do registro. Isso porque restou entendido no RECURSO
ESPECIAL Nº 1.087.163 - RJ (2008/0189743-0), que a paternidade biológica não
tem o condão de vincular, inevitavelmente, a filiação, é necessário aferir a
existência de elementos imateriais que demonstrem a vontade de tomar posse da
condição de pai ou mãe.
Conforme
o que se pode verificar do julgado, a afetividade tida como princípio é sim
vinculante, tendo em vista que por este princípio a verdade biológica, dantes
irrefutável, perde espaço para a verdade socioafetiva, sobretudo, para efetivar
princípios constitucionais como a dignidade,
tanto do pai afetivo quanto da filha – o princípio da busca da
felicidade, do melhor interesse do menor, assim como da boa-fé objetiva, a
contribuírem pela manutenção da justiça nas relações familiares.
E, acerca
disso, insta elencar a continuação de trecho da decisão emblemática do STF
supramencionada: "Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão,
não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade,
por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de
direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a
mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art.
226, § 7º).
Recurso
Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica
para aplicação a casos semelhantes: “A
paternidade socioafetiva[8], declarada ou não em
registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com
todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.
“Em se
tratando de questões de filiação, não reina apenas o critério biológico, sendo
pacífico na jurisprudência do STJ que “pai também é quem cria” assim, o pai que
efetua o registro pode não ser pai biológico, no entanto, apenas este critério
não ensejará a negativa de paternidade já que, no momento do registro, apesar
da verdade científica, desejou sê-lo.
Assim,
quando da ação de reconhecimento da paternidade/maternidade, será aferida a
existência de ambos os critérios, tanto prova científica, quanto da existência
da posse do estado de filiação
Verificou-se ainda que a afetividade dotada de valor jurídico de princípio não é reconhecida apenas na seara doutrinária ou jurisprudencial, já que algumas leis como a Lei Maria da Penha (Lei. nº. 11.340/2006), Lei da Guarda Compartilhada (Lei n. 11.698/2008), a nova Lei de Adoção (Lei nº. 12.010/2009), e a Lei da Alienação Parental (Lei nº. 12.318/2010) já invocam o princípio, nos termos doque se analisou. Além do projeto do Estatuto das famílias que, se aprovado, trá-lo-á expressamente como princípio fundamental, em seu artigo 5º do texto constitucional brasileiro vigente.
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Notas:
[1] Miguel Reale (1986), afirma que os princípios são “verdades ou juízos fundamentais”, servindo como uma base para as regras. Seriam compostas por um valor, o que muitas vezes é importante para a tomada de decisões. Já Luís Roberto Barroso diz que os princípios seriam a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. (1999, p. 198). Para ele, não cabe mais uma visão hermenêutica objetiva do texto normativo, como quer o Positivismo Jurídico. Isso, segundo ele, não resolve problemas jurídicos. É preciso que o intérprete verifique que a solução dos problemas jurídicos concretos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo.
[2]
No caso brasileiro, o Código Civil de 1916 foi inspirado no Código de Napoleão,
alicerçado nos paradigmas do individualismo e do voluntarismo que marcaram a
história contemporânea. Naquela época, a tônica jusprivatista do Estado liberal
era o indivíduo como núcleo do qual irradiavam as relações jurídicas. O pleno
gozo da liberdade de contratar, de ser proprietário, de fazer circular as
riquezas e de adquirir bens retratam o pano de fundo do momento histórico ao
qual o Código Civil de 1916 não se furtou de abraçar, traduzindo os valores
consagrados no final do século XIX e início do século XX.
[3]
Já para Gustavo Tepedino, (2004, p. 4), a afetividade tem um valor relevante
nas relações familiares, porém não a vê como princípio jurídico, tendo em vista
que família constrói uma relação de afeto entre seus membros, como por exemplo,
relações entre pais e filhos, irmãos ou até mesmo uniões homoafetivas, ou seja,
que não pode ser confundido com o amor, mas estaria ligado a um sentimento e
não algo a ser seguido, como um princípio.
[4]
A convivência afetiva dos filhos e pais é fundamental. A proteção ao direito à
convivência familiar está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, com
especial proteção a Constituição Federal. Desse modo, a lei diz que é dever da
família, da comunidade e do Poder Público assegurar os direitos fundamentais
das crianças e adolescentes, o direito à dignidade, educação, entre outros.
[5]
Apesar de alguns doutrinadores contemporâneos dizerem que o princípio da
afetividade tem valor jurídico e que preponderam em relação aos demais
princípios no direito de família, para outros, contudo, o afeto tem outro
conceito no mundo jurídico, como por exemplo, Humberto Ávila (2015, p. 43) que
diz que o afeto não pode ser visto como um princípio exigível, mas como um
postulado normativo, ou seja, norma de segundo grau.
[6]
Significa o ingresso da dignidade da pessoa humana como noção nuclear, tanto do
ponto de vista hermenêutico-axiológico, quanto do ponto de vista normativo. É a
especialização por excelência da constitucionalização.
[7]
Uma pessoa pode levar anos a sentir afeto por alguém, como outras podem em
apenas algumas horas já considerar a pessoa de sua família. Isto é, a
afetividade além de não ter característica de obrigação legal, não se aplica de
forma generalizada. Por isso, alguns julgados têm decidido que o abandono
afetivo, não se dá em razão do afeto, ou da falta deste, mas sim da falta de
cuidado e responsabilidade daquele pai com o filho, que muitas vezes pode
acarretar problemas psicológicos.
[8]
A tese estabelecida na repercussão geral admitida no Recurso Extraordinário n°
898.060-SC, reconheceu que a existência de uma paternidade socioafetiva não
exime da responsabilidade o pai biológico. “A paternidade socioafetiva
declarada ou não em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de
filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos
próprios”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 898.060/SC. Segunda Turma.
Recorrente: A N; Recorrido: F G. Relator Min. Luiz Fux. Plenário. Brasília, 21
de setembro de 2016. Disponível no endereço eletrônico http://stf.jus.br/portal/autenticacao/sobonumero11936696
. Acesso em: 05.11.2022).