O interrogatório no Processo penal e o direito ao silêncio do acusado no processo penal brasileiro contemporâneo

A natureza jurídica do interrogatório judicial no processo penal brasileiro envolve diversos princípios, como o do contraditório, da ampla defesa e, ainda, a obrigatoriedade de fundamentação de decisões judiciais. Pelo entendimento doutrinário majoritário é meio de defesa, portanto, o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita, por força do direito ao silêncio, não podendo sofrer restrição em sua esfera jurídica em virtude desse exercício.

Fonte: Gisele Leite

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A natureza jurídica do interrogatório e sua finalidade vem corroborar com a condução coercitiva. No fundo, a real utilidade da condução coercitiva[1] vem se revelar como prática ultrapassada uma vez que o interrogatório não funciona mais como meio de prova. Porém, tal prática tem sido justificada em nome do eficienticismo[2] que admite a colisão de direitos fundamentais, para propiciar a preservação da ordem social.

Há uma dicotomia existente entre o garantismo[3] e o eficienticismo introduzindo a necessidade e possibilidade de haver restrição de direitos individuais.

O papel e a missão do Estado de prestar eficiência seu dever penal advém da própria obrigação estatal de proteção dos direitos individuais, uma vez que de nada adianta tal proteção, se não ocorra de forma efetiva, ampla e concreta.

A insuficiência dos meios destinados a proteção penal de bens jurídicos ameaça os direitos fundamentais bem como a proposital violação direta de posições jurídicas das vítimas pelo próprio Estado.

O eficientismo[4] penal busca a verdade real que acaba por justificar as várias das violações dos direitos fundamentais. Lembremos que por longo tempo, em sua evolução, o processo se caracterizou como competição onde quem conseguisse obter a melhor prova, vencia. Aliás, a qualificação probatória abrangia critérios aleatórios, pois o juiz se preocupava em conhecer os fatos, e também, apurar qual parte havia se saído melhor durante o processo.

A vitória processual firmava-se na verdade formal que abriu espaço para a verdade real. A prova, então, passou a ter valor definido em lei, passando a ser mais propriamente um instrumento que colabora na convicção do juiz, ou seja, caso o julgador não se convencesse do seu fundamento esta de nada valia.

A verdade real, essencialmente, é um ideal inatingível pelo conhecimento limitado do homem, o compromisso com a sua ampla busca é o farol que no processo estimula a superação das deficiências do sistema procedimental.

No sentido de servir à causa da verdade, o juiz contemporâneo assumiu o comando oficial do processo integrando-o às garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

O que se discute no processo penal é, no fundo, o direito à liberdade, o que é precioso no Estado Democrático de Direito, portanto, nada mais natural que esperar a conduta coercitiva[5] seja feita de forma a estabelecer com a mais rígida adequação cada objeto probatório do processo.

Para honrar a justiça no processo, o princípio da busca pela verdade real prevê de antemão que nenhum objeto probatório será excluído do processo, isto é, não haverá qualquer limitação ao direito de produzir provas, sem que seja, por norma estabelecida previamente no ordenamento jurídico.

Assim, todas as provas que vierem a ser produzidas no processo penal devem ser admitidas prima facie pelo julgador, o que gera a necessidade de um recrudescimento no seu dever de cautela de indeferir qualquer prova.

A depuração da condução coercitiva tida como medida cautelar é a busca pela máxima eficiência do princípio penal. No entanto, o princípio da verdade real não é absoluto e, nem se choca com os diversos direitos fundamentais dos indivíduos. In casu, há a direta colisão entre o eficientismo penal com o garantismo e, o resultado é o primar pela proporcionalidade, onde não estejamos diante de excessos ou insuficiência.

Em verdade, os princípios da verdade formal e real atuam em campos diferentes, não sendo um o oposto ao outro. A verdade formal delimita a prova a ser usada na racionalização da decisão judicial e, a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade ou iniciativa das partes.

Evidencia-se que os momentos da aplicação de tais princípios, não são os mesmos, também impedindo qualquer colisão entre estes, pois enquanto que a verdade real é usada em momentos instrutórios do processo, a verdade formal é usada em momentos decisórios.

Muitos doutrinadores afirmaram que a verdade real seria peculiar do Direito Processual Penal enquanto a verdade formal, do Processo Civil. Em face do caráter eminentemente publicista dos direitos tratados no ramo penal e da disponibilidade de que gozam boa parte dos direitos dentro da esfera cível.

No entanto, aquela afirmação não mais condiz com a verdade e, dentro os motivos, basta lembrar que a verdade formal, deve indubitavelmente, ser aplicada no Direito Processual Penal. E, ainda, o fato de a verdade real estar invadindo progressivamente o âmbito do Processo Civil, tal fenômeno que se iniciou a partir de direitos civis indisponíveis e que se ampliaram continuamente.

Vide a jurisprudência:

          PROCESSO CIVIL. Agravo no Recurso Especial. Iniciativa probatória do juiz. Perícia determinada de ofício. Possibilidade. Mitigação do princípio da demanda. Precedentes. — Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC. A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. (AgRg no REsp 738.576/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T, j. em 18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 330)

Torna-se possível chegar à conclusão de que o princípio da demanda probatória, derivação do princípio da demanda (dispositivo), seria, ao menos na maioria dos casos, completamente suprimido pelo princípio da livre investigação probatória do magistrado. Somente concebemos como exceção quando, no curso de uma demanda de direitos totalmente disponíveis, as partes transigem, não mais sendo de interesse do (Estado-juiz qualquer busca pelo que efetivamente aconteceu).

De fato, toda verdade é relativa e diante da impossibilidade de se constatar efetivamente o ocorrido, deve o magistrado, utilizando-se da sua liberdade probatória, tentar trazer aos autos, ao menos, algo que conforme a sua noção ideológica obtida com as provas colacionadas (a verdade dos autos) com a realidade (a verdade objetiva), não podendo, obviamente, por conta dos deveres de efetividade e de razoável duração do processo, se estender demasiadamente na tentativa de diligência que sequer tenham indícios de obter um resultado proveitoso.

A condução coercitiva analisada por Ferrajoli busca o equilíbrio ideal entre a limitação estatal frente à liberdade individual, sem que isso, provocasse uma ineficiência, que acaba gerando a impunidade dos delitos.

Já, em um sistema garantista, a legitimidade da função punitiva do Estado advém da necessidade de se propiciar uma vida em liberdade e com dignidade.

Faz-se necessário haver atuação positiva do Estado, de forma que a garantir uma proteção dos bens jurídicos contra a intervenção de terceiros e, uma atuação negativa, como fruto do direito de defesa.

Nessa derradeira esfera, estamos diante os direitos fundamentais que se expressam numa não-atuação estatal, isto é, num direito de defesa do indivíduo contra medida que invalidam sua esfera jurídica protegida, particularmente, presente no direito de ir e vir.

Há, em tese, três esferas ou etapas, na primeira há a função incriminadora do Estado e do direito fundamental a uma proibição prima facie de incriminação, ou seja, de tipificar crimes. Em grande medida, observa-se o direito à liberdade de expressão[6] e a proibição ao Estado de incriminar certas atividades que se enquadrem protegidas por esse direito.

No entanto, o direito não é absoluto para ser restringido o Estado deve buscar uma validação normativa, caso contrário este se tornará uma proibição definitiva.

A segunda etapa se refere ao modo como se desenvolve a persecução penal. Nesse caso, o Estado estaria proibido de se utilizar de alguns meios investigatórios, sendo freado, principalmente pelo direito à intimidade. Ou seja, não seria qualquer atividade estatal que estaria autorizada como forma de se galgar a verdade real no processo.

A doutrina clássica se refere a verdade real como autêntico desígnio do processo penal. A verdade real busca a profunda apuração de fatos que muito se correlacionem com um delito. E, para a devida aplicação desse princípio é preciso que se utilize de todos os mecanismos de provas para a compilação fiel aos fatos ocorridos.

Funciona o mencionado princípio como norte aos juristas, especialmente, quanto à aplicação da pena e da apuração de fatos, isto é, deve existir o sentimento de busca da parte do juiz e, cabe a este, buscar outras fontes de provas, para finalmente, a essência da verdade real seja obtida.

De acordo com Fernando Tourinho, para que o juiz possa melhor formar suas convicções a respeito da matéria do processo, deverá produzir por meio de provas, os fatos que mais se aproximem com a realidade, isto é, deverá saber quem cometeu a infração penal, onde cometeu, quem foi a vítima, porque cometeu, de que forma cometeu, podendo assim, quem sabe, possa descrever minuciosamente o ocorrido, garantindo um julgamento justo para as partes.

Curial sublinhar que as diretrizes processuais penais se conciliam com as máximas constitucionais. E, os princípios como disposições fundamentais, definem a lógica e o senso do sistema normativo, ambiente em que tanto a norma como o princípio dialogam harmonicamente.

Apesar da divergência entre os doutrinadores, não como negar que o princípio da busca da verdade real tem natureza eminentemente constitucional. E, se for verdade que se pode entender que tal princípio está inserido no artigo 130 do Código de Processo Civil de 1973, equivalente ao artigo 370 do CPC/2015, muito maiores motivos se têm para defender que a busca da verdade real é princípio de ordem constitucional, implícito na Constituição Federal brasileira de 1988.

A busca da verdade real, como princípio, antes de estar implícita na lei infraconstitucional, seja o CPC ou CPP[7], está inegavelmente implícita no texto constitucional vigente, e, mais especificamente no inciso LIV, do artigo 5º, da CFRB, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

É preciso o senso de justiça, e que se busque provas contundentes que incriminarão de forma justa, tal autor de delito. E, a verdade real é extremamente fundamental no processo, pois por meio desta que se pode chegar ao justo julgamento.

O processo penal brasileiro é regido pela Lei 3.689/1941 e traz todo o rito processual a ser minunciosamente seguido. E, o processo, em foco, discorre sobre a investigação criminal, em base de inquérito policial, o envio de denúncia pelo Ministério Público[8], recebimento pelo magistrado e oportunidade de defesa pelo acusado. O princípio da verdade se mostra como primordial no âmbito do processo penal, conforme expressa o artigo 156 CPP.

É fundamental que o poder de punir do Estado, quando em sua função jus puniendi o exerça de forma ponderada, objetiva e minuciosa.

E, por ser a ultima ratio nos ramos do Direito, não pode admitir os erros dentro do processo penal. Embora existam algumas exceções que admitem a não aplicabilidade da verdade real, mas sim, a da formal no processo penal. Pois, relativizam os meios de prova e impedem o juiz de promover a desenfreada busca pela verdade real, resguardando tais proibições de outros princípios constitucionalmente garantidos, tal como prevê o artigo 206 CPP[9].

        Art. 206 - A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Conclui-se que a verdade real estará a disposição das pessoas, cabendo a estas a devida consciência de retratá-la na íntegra para que se tenha justiça. E, objetivando a relevância da aplicação desse princípio, seja em qualquer esfera processual.

É essencial que esse princípio tenha sua inclusão no âmbito do processo penal, já que o Estado tem como função punir de forma justa e ponderada, em sua perspectiva de jus puniendi.

O princípio da verdade real informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos. E, diferentemente do que poderá acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes, sendo que o andamento processual penal, orientado pelo princípio da intervenção mínima, cuidando de bens jurídicos mais relevantes, o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deverá buscar que o jus puniendi seja concretizado com a maior eficácia que possível.

Aliás, a ideia de prova a ser obtida de forma ilegal impacta a segurança jurídica em todas as situações uma vez que no cenário jurídico nacional é vedado tal uso de provas por força constitucional de cláusula pétrea como observada no artigo 5º, inciso LVI, como também as derivadas de tal meio, conforme prevê o artigo 157 CPP.

O maior foco do processo penal é que se chegue ao mais próximo da realidade dos fatos (a verdade real), por que a relativização do uso de provas obtidas por meio ilícito não deve ser aceita para condenar o réu? Evidentemente que as provas são meios para que o julgador baseie sua decisão, diante de tal relevância todo o tipo de prova deverá ser considerado para que se possa atingir a justiça.

No processo penal há o meio com o qual o Estado-juiz que pune um crime. E, no Brasil o juiz está limitado ao que as leis estabelecem como um parâmetro para uma punição justa para cada crime cometido.

E, sendo assim, há o princípio do livre convencimento motivado, pautado no artigo 155 CPP, que afirma que o julgador formará sua convicção pela livre apreciação de prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão apenas em elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas, entendendo-se assim, que o que não constar dos autos, não poderá servir de base para uma decisão judicial.

No processo penal bem diferente do que ocorre no processo civil, a existência do princípio da verdade real é o que busca a elucidação completa dos fatos, tendo em vista a maior gravidade de fatos nesse ramo jurídico.

Lembremos que no sistema penal brasileiro existe também o princípio da presunção da inocência[10] ou não culpabilidade do réu assim, todo acusado é presumivelmente inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória com trânsito em julgado.

Eis que são excepcionais as medidas cautelares[11], posto que toda prisão deverá estar fundada em dois requisitos gerais, a saber: o periculum libertatis e o fumus commissi delicti.[12] O que significa que para que seja decretada a prisão do réu, na fase processual, ou seja, antes da sentença final, é necessário que seja demonstrado que o réu causa um perigo real, seja ao andamento ao processo ou a evidência de que o caso seja mantido em liberdade praticará outro crime, e cumulativamente com a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.

Só depois de demonstrado cabalmente e fundamentadamente esses pressupostos que o réu terá seu direito constitucional liberdade restringido.

Para que seja alcançada a verdade no processo, é preciso que as alegações sejam materializadas por meio de provas, onde passada ao julgador cabe o seu livre convencimento a respeito de tais, o princípio do livre convencimento motivado (CFRB, art. 93, IX) garante ao processo que não haverá prova de maior valoração uma vez que existindo a prova o juiz pode se motivar nela sua decisão independentemente se há ou não outras provas em contrário, sendo assim as provas apresentadas fundamentarão a decisão do juiz de acordo com sua apreciação.

O interrogatório previsto nos artigos 185 ao 196 do CPP é momento da persecução penal cujo imputado poderá, se assim desejar, dar sua versão dos fatos. É o momento de expressão concreta de seu exercício de autodefesa[13] que juntamente com a defesa técnica são naturais corolários do princípio da ampla defesa. Aliás, note-se, que é o próprio acusado que se defende da imputação de fato penal narrado na peça inicial acusatória (denúncia), é o chamado direito de audiência.

Nesse diapasão, o interrogatório é ato personalíssimo porque somente o acusado poderá ser interrogado, influindo diretamente e pessoalmente no convencimento do juiz. Sendo direito do acusado que lhe seja oportunizado, ainda que não seja obrigatória sua realização, pois é uma exigência do Pacto de San José da Costa Rica[14], cujo Brasil é signatário e segundo o STF, possui nítido status de supralegalidade.

O cerne da natureza jurídica do interrogatório do acusado gera diversos desdobramentos que transbordam da discussão, pois dependendo do enfoque voltado para ato processual, mister será uma releitura da Audiência da Instrução Debates e Julgamento e de toda a principiologia que a cerca.

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira (2014) continua a ser uma espécie de prova, até porque, as demais espécies defensivas são também consideradas provas. Mas, o fundamental, em uma concepção de processo, via da qual o acusado seja um sujeito de direitos e, no contexto de modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional de garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se basicamente inserido no princípio da ampla defesa.

E, sobre o tema existem quatro posições doutrinárias a respeito de sua natureza jurídica, a saber:

A primeira, que aponta ser meio de prova, basta analisar topograficamente do Código de Processo Penal brasileiro, pois o interrogatório fora alocado no Título VII - Da Prova e, em capítulo específico, III- Do interrogatório do acusado.

Para tal posição, em face de sua localização[15] no CPP, há clara intenção de considerá-lo como meio de prova, ou seja, um elemento para formação de convicção do juiz, já que antes da reforma pontual feito ao Código em 2008, o interrogatório era o primeiro ato de instrução, dentro do rito comum e no rito especial do Tribunal do Júri[16].

Recordemos que o posicionamento mais ideológico do CPP dos anos de 1940, cujo texto original do artigo 186 mencionava que o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. O que seria um descompasso ao caráter democrático que deve ser dado atualmente ao CPP para que este seja adequado e harmônico com o texto constitucional vigente.

Cumpre destacar que é interessante que apesar do choque direto com o direito ao silêncio previsto no artigo 5, inciso LXIII da CFRB/1988 que alude: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado e, ademais, a doutrina em sua maioria pregasse a não recepção de tal trecho em face do texto constitucional brasileiro, o artigo 186 do CPP só veio a ser modificado pela Lei 10.792/2003 que vedou a utilização do direito ao silêncio do réu e, isso incluiu, por exemplo, o direito de não comparecimento à instrução em seu desfavor. O que contraria o adágio popular que afirma que “quem cala, consente”.

Anteriormente a 2008[17], o interrogatório do acusado ocorria como primeiro ato da instrução criminal, o que se verificava em desvantagem e, em prejuízo ao seu direito de defesa (o que ainda persiste, na Lei de Drogas, a Lei 11.343/2006[18]).

O segundo posicionamento segundo o qual o interrogatório do acusado é mero objeto de prova, ultrapassado em face do prisma constitucional pós-1988[19]. Como meio de prova e de defesa, de forma indistinta. porém, há ressalvas, em razão da vigência do princípio do nemo tenetur se detegere, não produzir prova contra si próprio, garantido pelo artigo 5º, inciso LXIII da CFRB/1988 cujo o silêncio seria forma de seu exercício.

A respeito do direito ao silêncio é curial observar a lição de Guilherme Nucci, in litteris:

           “É preciso abstrair, por completo, o silêncio do réu, caso o exerça, porque o processo penal deve ter instrumentos suficientes para comprovar a culpa do acusado, sem a menor necessidade de se valer do próprio interessado para compor o quadro probatório da acusação.”

Desde que o réu invoque o direito de permanecer calado, não haverá qualquer prova a ser produzida em favor da acusação, em tal grau que não se pode cogitar, portanto, que o interrogatório é meio de prova e de defesa.

O terceiro posicionamento doutrinário enxerga o interrogatório judicial do réu como precipuamente um meio de defesa e subsidiariamente como meio de prova. Apresentando, portanto, natureza híbrida ou mista (ou seja, meio de prova e de defesa).

Ratifica Nucci que o interrogatório é, fundamentalmente, meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Daí, não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Mas, caso optar por falar ou depor, abrindo mão de direito ao silêncio, seja o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o juiz poderá levar em consideração suas declarações para condená0lo ou absolvê-lo.

A corrente em comento busca amparo no princípio do contraditório, também presente no interrogatório bem como em todo processo penal brasileiro, pois as partes podem intervir no ato fazendo perguntas diretamente ao acusado.

E, o fato de se permitir tanto o Ministério Público quanto ao juiz e, obviamente, também à defesa técnica de fazerem perguntas, demonstra que o contraditório fora trazido para dentro do interrogatório, sem que haja alteração da natureza jurídica, como meio de defesa.

A quarta linha doutrinária enxerga o interrogatório como meio de defesa e, é seguida por Fernando da Costa Tourinho Filho, Eugênio Pacelli e Paulo Rangel. E, com a nova sistemática vigente com a Lei de 2008, o interrogatório passou a ser o derradeiro ato de instrução, após a oitiva das testemunhas de acusação e defesa, esclarecimento de peritos, acareações e demais diligências em busca da verdade real.

Nesse momento, as partes indagadas pelo juiz, se restou algum fato a ser esclarecido no interrogatório, passando-se, com isso, a ser um verdadeiro meio de defesa, que pode se manifestar duas formas: por meio de autodefesa e pela defesa técnica promovida por advogado ou defensor público.

Para Paulo Rangel (2012), ao conceituar a natureza jurídica do interrogatório, nos adianta o seguinte posicionamento:

    “Tem natureza jurídica de um meio de defesa, pois é dado ao acusado o direito constitucional de permanecer calado, sem que o silêncio lhe acarrete prejuízos, pois o parágrafo único do art. 186 do CPP[20] veda expressamente aquilo que a CRFB já fazia, mas precisava de uma lei para dar efetividade à Constituição, o que, por si só, caracteriza um absurdo incomensurável. Ademais, o interrogatório é realizado depois da oitiva das testemunhas, isto é, como instrumento de defesa.”

Numa breve digressão histórica, ainda na Idade Média, no direito medieval e eclesiástico, caso o acusado não respondesse ao interrogatório do juízo inquisidor, não raras vezes, era torturado para que se manifestasse. Sendo lícita a tortura mesmo para obtenção de confissão, a regina probatorum[21].

Foi a Corte de Nuremberg que representou a origem da discussão dos princípios constitucionais que atualmente se fazem presente nos sistemas jurídicos de vários países e, também, estão presentes em Constituições como a pátria. O interrogatório judicial já representou ato meramente restrito ao julgador e acusado. E, nesse modelo inquisitorial, era dado o direito de formalizar perguntas e buscar informações acerca do fato apenas ao juiz. Ao réu, cabia apenas contemplar a face do magistrado sem poder recorrer ao auxílio de uma defesa técnica ativa.

De sorte que tanto advogados como o Ministério Público atuavam apenas como fiscais da lei para que abusos não ocorrem e para empreender as devidas formalidades legais.

Assim, o silêncio[22] lhe pesava no julgamento da mesma maneira que uma pura confissão[23]. E, Zaffaroni salientou que qualquer ação praticada pelo réu dentro do processo inquisitório do Direito medievo era tida como suspeito e era capaz de autoincriminação, incluindo-se, o ato de silenciar-se.

O que corrobora Paulo Rangel que afirma que a possibilidade de as partes intervirem no interrogatório não elimina sua natureza jurídica de meio de defesa, isto é, o continua o réu podendo se reservar ao direito de não responder, não apenas a todas perguntas que forem formuladas, mas a apenas algumas, especialmente, quando formuladas pela acusação. E, os efeitos de sua negativa, perante o Conselho de Sentença por exemplo, é ônus seu, já que lamentavelmente, júri brasileiro ainda trabalha com a íntima convicção[24].

Por essa razão, reconhece-se que o interrogatório do réu não se trata somente de defesa técnica, é ato, ainda que necessário e prescindível, diferentemente da defesa técnica, que é indisponível, pois ao ser citado regularmente, é lhe dada a possibilidade de não comparecer.

A respeito da eventual revelia decretada pelo juízo caso o acusado não compareça ao interrogatório, há a concepção de que o interrogatório seja essencialmente um meio de defesa, como reconhecimento do direito ao silêncio, tem ipso facto o sentido de que o não comparecimento do acusado ao referido ato não poderá implicar a aplicação de quaisquer sanções processuais, daí por que inaplicável o agravamento de eventual medida cautelar imposta, a menos que possa justificar a ausência no interrogatório como indício evidente de risco à aplicação da lei penal.

Por essa razão, o doutrinador Paulo Rangel defende que, ao se tratar de um direito, a ele não se poderá impor nem à revelia, nem restauração de prisão ao preso provisório, já que o direito à defesa não pode ser sancionado.

Ademais, em se tratando de interrogatório, oportuniza-se ao réu de apresentar sua defesa, sem qualquer obrigação de fazê-lo. E, sobre a sua obrigatoriedade de realização do ato, Nucci entende ainda que é possível haver a condução coercitiva para interrogatório, porém, apenas ao que diz respeito à qualificação do acusado, caso não tenha sido anteriormente qualificado nos autos.

O artigo 260 CPP mereceu por meio das ADPFs 395 e 444[25] que o STF fornecesse nova interpretação do dispositivo legal à luz do Estado Democrático de Direito, não mais de admitindo tentativas foçadas a obrigar que acusado venha produzir prova contra a si mesmo.

Segundo o STF, ao julgar as ADPFs[26] declarou a não recepção da condução coercitiva pela CFRB/88, sendo inconstitucional o uso de condução coercitiva[27] de investigados ou réus para fins de interrogatório. Posição que já defendíamos em 2015, na edição original deste artigo.

Ora, se o interrogatório fosse meio de prova como quer o CPP ou parte da doutrina quando o trata como via de mão dupla (prova e defesa), haveria obrigatoriedade do depoimento do acusado para se efetivamente produzir alguma e qualquer prova que auxiliasse o juiz em seu convencimento ou garantisse o contraditório.

O interrogatório é, totalmente, uma estratégia e meio de defesa, amparado em juízo de conveniência ou oportunidade, de não comparecer, silenciar completamente ou parcialmente. E, nesse sentido, Tourinho Filho nos ensinou que:

              “Embora o Juiz possa formular ao acusado as perguntas que lhe parecerem apropriadas e úteis, transformando o ato numa oportunidade para a obtenção da prova, o certo é que a Constituição consagrou o direito ao silêncio. Em face ao texto constitucional, (art. 5º, LXIII), o réu responderá às perguntas a ele dirigidas se quiser.”

Interessante é analisar o interrogatório ora analisado como meio de conservação, e ora como meio de avaliação e, assim podendo ser meio de prova e de defesa. Sendo que a posição doutrinária mais aceita tanto pela doutrina como pela jurisprudência, ser o interrogatório meio de prova e defesa. Assim o interrogatório pode ser momento ímpar, principalmente se o réu ou a vítima se tratar de deficiente auditivo.

É quando este pode se declarar de modo a promover sua autodefesa, apresentando sua versão sobre os fatos.  Mas, o interrogatório pode ser comprometido, por exemplo, caso não haja a presença de um competente intérprete em LIBRAS, visto que a pessoa deficiente auditiva, não tem em princípio, as condições de entender a ritualística instituída.

Tendo em vista o direito de ficar calado e não gerar provas contra a si mesmo, pode ser mal entendido.

Tornaghi, aliás, salientou que o réu poderá até mesmo mentir, mas não se trata de um direito de mentir, nem há de se cogitar em direito subjetivo, neste caso. A mentira do réu não constitui crime, nem é ilícito. Assim, o tradutor e intérprete de língua de sinais é quem traduz e interpreta a língua de sinais para a língua falada e vice=versa, em quaisquer modalidades seja na forma oral ou escrita.

Maior complexidade e controvérsia existirá, no entanto, caso o réu deficiente auditivo e, mudo não sendo conhecedor de LIBRAS e, ainda sendo portador de deficiência cognitiva, quando estará impedido de apresentar sua versão dos fatos, e até mesmo de exercer voluntariamente o direito ao silêncio.

Dessa forma, não se pode afirmar, portanto, ser o interrogatório meio de prova, pois diante do direito ao silêncio e da eventual ausência do réu em audiência, assinalou Eugênio Pacelli de Oliveira, in litteris:

    “Com a Lei nº 11.689/2008, e mais, desde a Lei nº 10.792/03, o que já se continha de modo implícito no ordenamento jurídico brasileiro, por força do texto constitucional, ocupa definitivamente seu espaço no Direito Processual Penal:

  a) em primeiro lugar, a exigência de se esclarecer o acusado de seu direito a permanecer calado e a não responder perguntas, nos exatos termos do disposto no art. 186, caput, do CPP, cuja redação anterior encontrava-se já revogada;

  b) em segundo lugar, a vedação de valoração do silêncio em prejuízo da defesa, conforme se acha também expresso no parágrafo único do mesmo artigo 186 do CPP. Nada mais evidente: se é de direito que estamos cogitando, como poderia ser sancionado seu exercício?”.

Frise-se, ainda que o interrogatório do acusado deverá ser realizado caso ele compareça para ser ouvido, sob pena de nulidade, ainda que decida ficar completamente silente.

No entanto, ao oportunizar o direito ao interrogatório e o réu, uma vez intimado regularmente para tanto, esse resolve não exercer seu direito, não comparecendo à audiência, não há que se falar em direito à repetição do ato (não confundir a diferença da oportunidade ao interrogatório e a sua realização obrigatória).

A prática do interrogatório não se restringe às épocas medievais, nos temidos tribunais eclesiásticos, mas foi corriqueira a prática em vários países da América Latina se viu governados por governos ditatoriais, que manejavam o processo penal como meio violento de repressão aos inimigos do regime.

Noutra época mais progressista, surgira a vertente doutrinária que pugnava o interrogatório como exclusivo meio de defesa. E, com o advento de regimes políticos mais liberais, em que a atuação policial é mais arejada e controlada e a magistratura se fortalece, parece ser escorreito o entendimento de que o interrogatório seria exclusivo meio de defesa.

Segundo José Frederico Marques para quem os interesses da defesa são sagrados e inatingíveis, não, porém, os da impunidade dos infratores da lei penal.

Conclui-se que o interrogatório é momento importante, pois, a um só tempo, harmoniza a oportunidade de o acusado apresentar a sua autodefesa como o princípio da livre persuasão racional do juiz, princípio que guia do magistrado na apreciação dos diversos meios de prova disponibilizados pelo codex, entre os quais o interrogatório do acusado.

Enfim, o interrogatório[28] do acusado é o derradeiro ato[29] da audiência de instrução e julgamento, sendo imediatamente anterior à apresentação das alegações finais pelas partes, conforme o artigo 402 CPP, sendo mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado para expor sua versão dos fatos e tudo que lhe entender pertinente, cabendo a este e ao seu defensor, em juízo de valor (conveniência e oportunidade) determinar se responderá as perguntas somente da defesa ou também da acusação, da forma que quiser.

Em síntese, será o interrogatório se quiser e por que este quiser, e responderá as perguntas que melhor se adequarem a sua estratégia de defesa que é garantida pelo princípio da ampla defesa.

Referências:

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BORGES, Thaísa da Silva. A utilização da condução coercitiva para interrogatório do réu: posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento das arguições de descumprimento de preceito fundamental 395 e 444.  Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70378/a-utilizacao-da-conducao-coercitiva-para-interrogatorio-do-reu-posicionamento-do-supremo-tribunal-federal-no-julgamento-das-arguicoes-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-395-e-444/2 Acesso em 17.4.2022.

BOTTINO, Thiago. A doutrina brasileira do direito ao silêncio: o STF e a conformação do sistema processual penal constitucional. In: Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. Geraldo Prado e Diogo Malan (Coordenadores).

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Notas:

[1] É importante ressaltar que para haver a condução coercitiva é necessário que a pessoa seja intimada primeiro. Caso não haja uma intimação prévia e a condução coercitiva seja decretada, é considerado um meio abusivo do Poder Judiciário. E ainda configura violação ao direito de liberdade.

[2] O eficientismo constitui uma forma de direito penal de emergência. A polarização social, a competição entre grupos de poder e a impotência do Estado frente à estes fenômenos, fazem necessária a invenção de novas formas de disciplinamento e de legitimação dos equilíbrios de poder.

[3] O garantismo designa um modelo normativo de direito que se refere ao direito penal, o modelo de estrita legalidade, próprio do Estado Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É, consequentemente garantista todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.

[4] O eficienticismo penal quer tornar mais eficaz e célere a resposta punitiva, de forma simbólica, suprimindo as garantias e direitos materiais e formais que foram conquistados pelo direito penal e positivado nas constituições e convenções internacionais. Enfim, tal movimento identifica que o Estado seria incapaz de combater a criminalidade por meio de políticas criminais lato sensu, que são as políticas sociais, as quais teriam como foco verdadeiros problemas criminógenos, e, desse modo, lança mão de políticas criminais estritas, se contentando apenas com o punitivismo simbólico.

[5] Trata-se de um método impositivo aplicado pelas autoridades policiais por ordem do Poder Judiciário para garantir que as pessoas intimadas prestem depoimentos para a investigação em andamento.  Este recurso está previsto no artigo 218 do Código de Processo Penal, veja: Art. 218 – Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. Na prática, se uma testemunha, acusado, vítima, ou outro sujeito do processo ser convidado para prestar depoimento e não comparecer em audiência ou não justificar sua ausência, caso a autoridade judiciária que está no comando da investigação considerar que a pessoa faltante é importante para produzir provas para o inquérito, existe a possibilidade do indivíduo, independentemente de suas vontades, comparecer na presença das autoridades judiciárias e fornecer depoimento.

[6] Trata-se de verdadeira a assertiva que aponta que não há nenhum direito absoluto, por mais fundamental que seja, já que todo direito tem como correspondente um dever. Nem o direito à vida se coloca como absoluto, já que este direito é relativizado diante da admissão da pena de morte em casos de guerra declarada. Neste mesmo sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

"Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica." STF - HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-03, DJ de 19-3-2004.

[7] O CPP divide o interrogatório em duas partes, uma sobre a pessoa do acusado, e outra sobre o fato, e o artigo 185, que garante o direito ao silêncio, não faz distinção alguma acerca do alcance de tal direito, se amplo ou restrito à segunda parte do interrogatório.

[8] Vem de longe o entendimento doutrinário que defendia o cabimento da intervenção do Ministério Público no interrogatório do réu à luz da CFRB/1988. E, o professor Walberto+ Fernandes de Lima salientava que o ato inquisitorial do acusado sem a intervenção do Parquet, seria um ato inquisitorial, já que presentes somente juiz e réu, pelo que se tornava incabível, diante do atual contexto constitucional, que assegurou a aplicação do contraditório em todos os níveis.

[9] Dispõe, como regra, que a testemunha não pode se eximir da obrigação de depor, mas podem recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge e o irmão do acusado, a não ser que seja impossível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. Podem recusar-se a depor como testemunhas, os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido e quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em  condições análogas às dos cônjuges, companheiros e, etc.

[10]Portanto, o princípio da presunção de inocência tem origem mais restrita na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos do que na abrangente previsão estampada na Constituição Federal.

[11] Em que pese não esteja elencada no rol das medidas cautelares diversas da prisão constantes dos artigos 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva também configura medida cautelar de coação pessoal, sendo proveniente do poder geral de cautela dos magistrados. Nesse diapasão, preleciona-se que: A condução coercitiva autônoma – que não depende de prévia intimação da pessoa conduzida – pode ser decretada pelo juiz criminal competente, quando não cabível a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP), ou quando desnecessária ou excessiva a prisão temporária, sempre que for indispensável reter por algumas horas o suspeito, a vítima ou uma testemunha, para obter elementos probatórios fundamentais para a elucidação da autoria e/ou da materialidade do fato tido como ilícito.

[12] O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou em 23.02.2017 relatório sobre o levantamento de presos provisórios no Brasil e, foi constatado, que, o país contava com 654.372 (seiscentos e cinquenta e quatro mil trezentos e setenta e dois) presos, sendo que 221.054(duzentos e vinte e um mil e cinquenta e quatro) são presos provisórios, ou seja, que não possuem sentença penal transitada em julgado. Conclui-se que 34% dos presos no Brasil são provisórios. Trata-se de número alarmante se comparado com o percentual por Estados da federação brasileira, onde o Sergipe desponta com 82,34%.

[13] O entendimento da natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa é reforçado pelos seguintes elementos: 1caráter facultativo do comparecimento do acusado perante o Juiz; 2obrigatoriedade da presença do defensor técnico no interrogatório; 3direito à entrevista reservada do interrogando com seu defensor técnico antes da realização desse ato; 4proibição do uso do direito ao silêncio como argumento de prova contra o acusado; 5colocação do interrogatório ao final da instrução probatória, possibilitando que o acusado seja ouvido após a colheita de toda a prova oral.

[14] É importante recordar, em consonância com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.343/SP, que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos possuem status de norma supralegal, porquanto foram aprovados pelo procedimento ordinário previsto no art. 47 da Constituição, encontrando-se abaixo do ordenamento constitucional e acima do ordenamento legal, paralisando este no tocante às disposições que lhe sejam contrárias. Consoante lição doutrinária de Queijo (2012), o nemo tenetur se detegere está inserido na categoria dos princípios-garantia, que, segundo Canotilho, tem como objetivo “instruir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa”, de modo que, por ser princípio constitucional, possui eficácia imediata.

Para o Supremo Tribunal Federal, a vedação a não autoincriminação se trata de direito público subjetivo do indivíduo de estatura constitucional e de aplicabilidade imediata, pelo que é plenamente oponível ao Estado e constitui uma das mais expressivas consequências derivadas da cláusula do devido processo legal.

[15] José Frederico Marques, considerando a localização do interrogatório no Código de Processo Penal, era categórico ao afirmar que: “O interrogatório é, atualmente, meio probatório, pois que, entre as provas, o arrolou o Código de Processo Penal” (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. v. 02. 2ª ed., Campinas: Millennium, 2000, p. 386). Entendendo tratar-se de meio de prova, que pode eventualmente servir à defesa: TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. v. 01. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, pp. 359-360.

[16] No processo comum, ao contrário do que se dá com os depoimentos de testemunhas e do ofendido, em relação aos quais vigora o sistema do exame direto e cruzado do artigo 212 do CPP, prevalece, para o interrogatório do acusado, o sistema presidencialista, devendo o juiz formular as perguntas antes das partes, sendo seguido pela acusação e depois pela defesa, que farão suas perguntas por meio do juiz.  Já no Tribunal do Júri, embora a ordem de perguntas seja a mesma (1º o juiz; 2º a acusação; 3º a defesa), as perguntas da acusação e da defesa são direcionadas ao próprio réu. Existe ainda a possibilidade de os jurados elaborarem perguntas, nesse caso, sob o controle do juiz, ou seja, as perguntas serão direcionadas ao juiz, que faz sua intermediação.

[17] Em franco avanço político-criminal, a recente reforma do Código de Processo Penal estatuiu, como padrão procedimental, a alocação do interrogatório no final da audiência de instrução e julgamento. Tanto a Lei 11.689/2008, reformadora do procedimento especial do Tribunal do Júri, quanto a Lei 11.719/2008, que, dentre outros assuntos, trata da reforma dos procedimentos, densificaram no CPP a marca defensiva do interrogatório, como verdadeiro instrumento de autodefesa do acusado. Como observa Eugênio Pacelli de Oliveira: “Como ele, agora, será o último a ser ouvido, poderá, livremente, escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte aos seus interesses”.

[18] A Lei 11.343/2006, que define os crimes relacionados à prática do tráfico ilícito de drogas, em seu artigo 33, prevê que dentre as diversas condutas que caracterizam o crime de tráfico está o ato de entregar a consumo ou fornecer drogas, mesmo que seja de graça. O crime de tráfico de drogas está previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, que descreve diversas condutas que caracterizam o ilícito, proibindo qualquer tipo de venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento, mesmo que gratuito, de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação.

[19] Antes da Constituição de 1988 o princípio nemo tenetur se detegere, sobretudo na vertente do direito ao silêncio, não era respaldado no direito brasileiro. Em razão disso, o Código de Processo Penal dispunha, no artigo 186 (antiga redação), que embora o acusado não estivesse obrigado a responder a todas as indagações, o seu silêncio poderia ser interpretado em prejuízo à sua própria defesa. No mesmo sentido, a antiga redação do artigo 191 do CPP estabelecia que “consignar-se-ão as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo”, o que demonstra, mais uma vez, que ainda que o acusado exercesse o seu direito ao silêncio visando a não se autoincriminar, as perguntas de caráter incriminatório seriam anotadas nos autos, a fim de militar contra a sua defesa.

[20] É conveniente salientar que o CPP vigente em nosso país já atravessou por diversas mudanças e, sua atualização e adequação vivenciaram momentos históricos diferentes. Em momento de forte opressão como aqueles vistos como revolucionários e amantes da liberdade de expressão, a ditadura militar dominante a época, utilizou de meios autoritários para processar e julgar réus com base em procedimentos acusatórios, afastando uma defesa técnica ampla e contraditória embasada em provas materiais convincentes. Assim, o depoimento do réu era um meio comprobatório cabal que era utilizado para subjugar os demais meios de prova. O sistema acusatório que vigeu durante a ditadura militar brasileira cerceava a defesa do acusado que, muitas vezes, não tinha acesso ao defensor constituído. O país inteiro sofria as privações advindas do regime que cerceava as liberdades individuais e coletivas, bem como foi aprovado os Atos Institucionais que acrescentava muitos poderes ao governo militar. Nesse momento, a confissão era exímia prova que imperava em um sistema de supressão das garantias fundamentais e, a tortura era largamente usada como meio de alcançar, a resolução de crimes e chegar à conclusão de investigações político-ideológicas desencadeada pelo governo. Foram registrados casos em que acusados (as) foram levadas apenas para prestar depoimentos e jamais retornaram aos seus lares. E, outras ainda sofreram mutilações e danos físicos e psicológicos que eram meios habituais usados nos interrogatórios.

[21] A confissão é ato voluntário de feitos necessário, ex in legi, é um ato jurídico de sentido estrito. Na confissão o relevante é a exata convicção dos fatos confessados, e não a vontade do confitente de produzir os efeitos jurídicos destas decorrentes, é, enfim um meio de prova. A confissão tem, essencialmente, duas características, a saber: a) retratabilidade: o acusado pode, no decorrer do processo, se retratar da confissão anteriormente realizada. Por óbvio, a simples negação do réu aos fatos a este imputados não constitui espécie de retratação, já que esta pressupõe uma confissão anterior. Consta a confissão espontânea como uma das atenuantes genéricas previstas no Código Penal brasileiro. A Súmula 545 do STJ pacifica a questão, no sentido de admitir a possibilidade, desde que o magistrado tenha usado a confissão, mesmo que retratada, como elemento de convencimento.

[22] Por se tratar de direito fundamental de primeira geração, oponível pelo cidadão contra o Estado, a redução da abrangência do direito ao silêncio somente pode ser realizada por meio de lei, pelo que é permitido ao acusado, na ocasião do interrogatório, optar por responder uma, nenhuma, ou algumas perguntas, bem como responder a quem irá responder, de modo que esta conduta não viola a lei, tampouco o exercício do contraditório pelo órgão acusador;

[23] Em tempo, a Lei 13.964/2019, o chamado Pacote Anticrime trouxe importantes elementos institucionais para arejar o processo penal brasileiro. Ex vi o artigo 28 A do CPP prescrevendo que para o caso de não arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de delito sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos, poderá o Ministério Público propor Acordo de Não Persecução Penal mediante condições. Inaugura-se, então, nova figura jurídica, qual seja a confissão formal e circunstancial, como pressuposto para o acordo de não processamento, com particularidades específicas e consequências totalmente distintas daquelas atinentes à tradicional confissão totalmente ligada ao contexto de simples mitigação da pena.

[24] Merece especial cuidado a chamada citação por requisição do réu preso (art. 360 do CPP). A regra do art. 360 do CPP deve ser interpretada da forma que se segue: a requisição deve ser dirigida ao Diretor do estabelecimento prisional para que apresente o preso em Juízo na data aprazada. A providência, no caso, resulta óbvia, pois o preso não dispõe de liberdade de locomoção.  Porém, esta não exime o Juízo de mandar citar o réu por mandado de maneira que ele, como de resto qualquer réu, tome ciência da acusação com a necessária antecedência, podendo, dessa forma, preparar sua defesa, tal como exige a Lei Maior (art.  5º, LV).  No Rio de Janeiro, há Defensores Públicos designados para dar assistência aos presos na penitenciária e que bem poderão orientar sua clientela, nada impedindo que o próprio preso, em tempo hábil, possa aconselhar-se com advogado de sua confiança.

[25] O Supremo Tribunal Federal decidiu, em junho do 2018, no bojo das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 395/DF e 444/MG, pela não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do Código de Processo Penal e, por conseguinte, pela declaração de incompatibilidade da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório com a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Nesse ínterim, o presente trabalho busca analisar os argumentos utilizados pela Suprema Corte para embasar tal decisão. Para chegar a uma conclusão, perpassa-se pelo estudo dos institutos relativos ao leading case em comento. Assim, direciona-se a presente pesquisa à análise do interrogatório e suas várias nuances, incluindo a discussão sobre a sua natureza jurídica. Em seguida, perfilha-se acerca da condução coercitiva e da sua admissibilidade no ordenamento jurídico pátrio como medida cautelar autônoma. Destarte, visando entender a complexidade do tema exposto, realiza-se uma análise qualitativa dos institutos apresentados, através de uma pesquisa bibliográfica, com o fito de abalizar, de forma crítica, através do posicionamento da doutrina, o presente trabalho. Para finalizar, faz-se um estudo da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, expondo, principalmente, a invocação do direito à liberdade de locomoção e o princípio da presunção de não culpabilidade, apresentados pela Corte com intuito de vedar o emprego da condução coercitiva do imputado para fins de interrogatório. Então, como resultados da pesquisa, verifica-se que foram devidamente utilizados os princípios atinentes ao direito de ir e vir do indivíduo.

[26] Em 22/05/2019, o STF publicou o acórdão da decisão proferida nas ADPF 395 e 444, nas quais se questionava a constitucionalidade da condução coercitiva para interrogatório. Em síntese, a ADPF 395 impugnava a condução coercitiva para interrogatório na investigação e também na instrução criminal, razão por que seu pedido consistia na declaração da inconstitucionalidade da medida determinada como cautelar autônoma para a inquirição de suspeitos, indiciados ou acusados. A ADPF 444, por sua vez, questionava a constitucionalidade apenas da condução coercitiva para interrogatório em fase de investigação policial. Havia também pedido subsidiário para que se declarasse inconstitucional a interpretação extensiva para a aplicação da condução coercitiva em situações que extrapolassem os estritos termos do art. 260 do CPP.

[27] No dia 17 de junho de 2021, estava marcado o depoimento pessoal do empresário Carlos Wizard à CPI. Entretanto, a defesa de Carlos alegou que ele estava nos Estados Unidos desde o final de março para acompanhar o tratamento de saúde de um familiar. Diante do não comparecimento à cúpula da investigação, o presidente da Comissão Omar Aziz pediu ao Poder Judiciário a condução coercitiva do empresário. Perante toda esta situação, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso não apenas autorizou o depoimento coativo de Carlos Wizard no dia 18 de junho, mas também permitiu a apreensão de seu passaporte. Por fim, a condução coercitiva do empresário não foi colocada em prática ainda. Mas é importante acompanhar o caso pois assim é possível compreender melhor a aplicação da condução coercitiva e quais vão ser seus impactos para a investigação.

[28] Pela Lei 11.909/2009 é possível a realização do interrogatório por videoconferência em função de caloroso debate. Diante disso, a lei 11.900/09 alterou o CPP, disciplinando a possibilidade de realização de interrogatório por videoconferência de réu preso em determinadas situações (art. 185, § 2º1). Contudo, a oitiva de réu solto pelo meio tecnológico não está contemplada pela norma, que é explícita quanto ao seu cabimento apenas nos casos em que o indivíduo está preso. O legislador não teve dúvidas sobre o escopo da referida lei, que, conforme se observa do parecer da CCJ no PLS 679/07 (que culminou na lei 11.900/09), se resumiu a reafirmar que o interrogatório pessoal é a "regra geral" e que, "em se tratando de réu preso", o juiz deve comparecer ao presídio ou, excepcionalmente, ouvi-lo por videoconferência. Leia-se: Assim, a regra geral é o interrogatório na sede do juízo; em se tratando de réu preso, a regra é a presença do juiz no estabelecimento penal, como é hoje, salvo se não houver segurança adequada; ainda em relação ao réu preso, e aqui está a novidade, o juiz poderá, excepcionalmente, realizar o interrogatório por sistema de videoconferência, desde que a decisão esteja fundamentada sob certos parâmetros. Como se vê, não há previsão de interrogatório por videoconferência no caso de réu solto. Ademais, a ausência de tal previsão não pode ser suprida por leis estaduais, por normas do CNJ ou dos tribunais, conforme já decidido pelo STF, como visto, por força da competência privativa da União para legislar sobre direito processual penal. Ainda assim, poderiam surgir as seguintes questões: seria possível a aplicação analógica do art. 185, § 2º, do CPP, aos casos de réus soltos? Mais: isso não seria justificado em virtude da pandemia e da necessidade de se evitar a prática de atos físicos? Quanto ao primeiro questionamento, os Tribunais Superiores entendem que não é possível a aplicação analógica do § 2º do art. 185 do CPP a casos que não estejam explicitamente previstos na lei, sendo nulo o ato se existir prejuízo.

[29] Em regra, deve-se observar a publicidade do ato processual, em obediência ao disposto no art. 5º, inciso LX e art. 93, inciso IX da CFRB/88. No entanto, o interrogatório poderá ser realizado de forma sigilosa nos seguintes casos: defesa da intimidade, interesse social no sigilo e imprescindibilidade à segurança (art. 5º, incisos XXXIII e LX, art. 93, XI, CFRB/88) ou, ainda, quando puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (art. 792, § 1º, CPP).


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Interrogatório Judicial Condução Coercitiva Meio de Defesa Meio de Prova Processo Penal Brasileiro

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