Modulação de efeitos das decisões do STF

O instituto da modulação de efeitos surgiu como iniciativa legislativa decorrente da construção jurisprudencial, em que os precedentes formados pelos Tribunais Superiores buscavam alcançar limitações de efeitos para garantir a segurança jurídica ou, ainda, preservar relevantes interesses sociais, num exercício constante de equilíbrio entre a preservação do ordenamento jurídico e a segurança jurídica afetada pelo litígio. A modulação dos efeitos temporais é mecanismo que permite ao tribunal restringir a eficácia da sua decisão de inconstitucionalidade, a qual será eficaz a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado. O instituto da modulação de efeitos, antes aplicável apenas às Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ganhou novas formas e passou a integrar as decisões judiciais com maior amplitude, especialmente, para os processos com formação de precedentes qualificados ou de efeitos vinculantes, nos termos do Código de Processo Civil de 2015

Fonte: Gisele Leite

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Historicamente, é possível constatar que mesmo antes da Lei 9.868/99 o STF já elaborava juízo de ponderação dos seus pronunciamentos, com intenção de relativizar incidentalmente a nulidade ex tunc. Porém, tais soluções alternativas foram adotadas pela Suprema Corte não foram suficientes para exercesse na plenitude sua nobre missão jurisdicional, de forma que a resistência à técnica de manipulação de efeitos decisórios teve de arrefecer, admitindo-se a aplicação in abstracto, ou seja, no mesmo momento em que proferida a declaração de inconstitucionalidade ou a decisão interpretativa de direito[1].

Esse mecanismo é o que permite ao STF adaptar a eficácia de seus arrestos, e conduz com a função criadora da norma constitucional exercida pela Suprema Corte; livra a Corte dos freios e receios que possam fazer com que se abstenha em declarar a inconstitucionalidade de normas nitidamente inconstitucionais, com temor de comprometer a ordem a segurança jurídica do país, principalmente, quando praticar a revisão de seus julgados ou o overruling, e, ao mesmo tempo, dá ao STF instrumentos jurídicos-institucionais para melhor lidar com os estados de (in) constitucionalidade, permitindo sua coparticipação com o Poder Legislativo na tarefa de organizar o ordenamento jurídico do país.

Sublinhe-se que é constitucional a modulação de decisões judiciais previstas nas Leis 9.868/1999 e 9.882/1999[2] e a 11.417/2006[3] conforme vem reafirmando o STF em diversos julgamentos apesar de haver ainda pendência de outras ADIs.

E, o principal alicerce que ampara a validade formal e material dessas normas está fulcrado no fato de que tal instrumento processual decorre do princípio da segurança jurídica, obrigando a Suprema Corte imponha as limitações à eficácia de seus juízos, desde que patente a excepcionalidade que assim se justifique em sua fundamentação.

E, o STF reafirmou a tese de que a modulação de efeitos poderá ser adotada independentemente de autorização constante de lei ordinária federal, apresentando-a como matéria de política judiciária, isto é, um direito atribuído à Corte no exercício do controle de constitucionalidade.

Um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, inclusive e sobretudo os das minorias, em face das maiorias parlamentares eventuais.

Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas. A questão da legitimidade democrática do controle judicial é um dos temas que têm atraído mais intensamente a atenção dos juristas, cientistas políticos e filósofos da Constituição Federal.

A proteção da segurança jurídica e o excepcional interesse social são conceitos abertos que oferecem ao STF vasta margem para aplicação da técnica na lei prescrita, inclusive com a adoção de viés político inerente à atividade exercidas pelas Cortes Constitucionais.

Porém, a modulação de efeitos é absolutamente extraordinária, pois em regra geral a retroação plena do decisum proferido em juízo de constitucionalidade, se dá em prol do princípio da supremacia da Constituição.

E, exige-se, portanto, do Tribunal uma vigorosa fundamentação para provar que a segurança jurídica ou o interesse social prevalecem sobre a teoria da nulidade, sob a ênfase do princípio da proporcionalidade, para demonstrar que a modulação adotada é a melhor que se coaduna com as especificidades do caso concreto.

A modulação, em comento, apesar de ter sido concebida para ser usada apenas no juízo abstrato de declaração de inconstitucionalidade, as decisões do STF mantêm acertadamente a previsão do artigo 27 da Lei 9.868/99[4] realizando exegese teleológica, para admitir a utilização desse mecanismo em tantos outros contextos que comportem as referidas flexibilizações.

Assim, por exemplo, admite-se a relativização de efeitos decisórios igualmente no controle difuso de constitucionalidade[5] e, em geral, nos julgamentos nos quais o STF atua na condição de legislativo positivo ao empreender interpretação adequada ao texto constitucional brasileiro vigente.

Os métodos utilizados pelo STF para aplicar a modulação de efeitos de suas decisões judicias são amplos e, portanto, compete ao Tribunal ciosamente escolher aquele que melhor se adapte à situação ilustrada no caso concreto, desde que, evidentemente, objetivando a proteção de princípios constitucionais balizados pela teoria da proporcionalidade.

Nesse sentido, a modulação não está limitada à prospecção temporal do precedente, podendo a Corte adotar outras ponderações que se mostrem necessárias para lidar com os impactos da interpretação constitucional, por exemplo, limitando os sujeitos (os litigantes) afetados pela decisão judicial (modulação subjetiva).

Ressalte-se que a jurisdição infraconstitucional não está livre dos mesmos problemas enfrentados pelas Cortes constitucionais no que se refere aos reflexos decisórios oriundos do exercício do controle de legalidade de uma norma.

Daí, porque, a exemplo que ocorre no controle de constitucionalidade, é preciso predispor ou saber se estão predispostos, aos demais tribunais superiores os instrumentos aptos à modulação dos efeitos naturalmente retroativos de suas principais decisões ou precedentes jurisprudenciais, com o fito de salvaguardar a ordem social e a segurança jurídica.

O tribunal superior poderá se valer de diversos métodos para equalizar a eficácia dos efeitos de sua decisão quando houver risco de comprometimento de interesses sociais e da segurança jurídica, não havendo, aqui, limitações ou regras específicas, diante do fato de que o ajustamento depende de um indispensável exame casuístico.

A flexibilização dos efeitos da jurisprudência dos tribunais é imprescindível à solução dos lancinantes problemas oriundos da declaração judicial do “direito novo”, cuja aplicação puramente retroativa poderá resvalar na ordem social, na segurança jurídica e, em outros tantos valores protegidos pelo sistema constitucional vigente.

Os precedentes que se põem um interpretar o direito processual, inclusive aqueles formados na chamada jurisdição infraconstitucional, são passíveis desse ajustamento na esfera dos tribunais superiores, a saber STF, STJ e TSE, tanto nas hipóteses de primeira decisão, um precedente inédito, no juízo de legalidade ou de interpretação, como principalmente no caso de mutação do direito ou overruling[6], com base na aplicação da teoria da ponderação de princípios proporcionalidade, que, na espécie, irá focar da teoria da ponderação de princípios proporcionalidade, que, focará na instrumentalidade, a efetividade e a celeridade processual e, em lato sensu, o devido processo legal e a segurança jurídica dos litigantes.

Dessa forma, modulação in abstracto dos efeitos da jurisprudência ou dos precedentes judiciais, a ser implementada com excepcionalidade a partir do exame casuístico, apresenta-se, portanto, como técnica processual adicional para a concretização dos escopos do processo.

Precisamos entender as principais diretrizes a respeito da modulação de efeitos das decisões do STF e sua legislação correlata, particularmente, em face da Lei 9.868/1999.

Reconhecemos que a teoria da nulidade é antiga e clássica. Sendo de origem norte-americana e admitida pelo nosso ordenamento jurídico e, tem como efeito que todo ato contrário a Constituição que é nulo. 

A declaração judicial em sede da ADI é de natureza meramente declaratória, opera em face ao ato nulo, operando efeitos ex tunc, ou seja, atingindo fatos pretéritos ao seu surgimento e sua invalidade ab initio.

Sobre a temática, se manifestou o Ministro do STF, Gilmar Mendes, in litteris: “Assim, nos Estados Unidos, a não-aplicação da lei declarada inconstitucional depende, fundamentalmente, do instituto do stare decisis, que assegura, dentro de certos limites, a observância do precedente. No Direito brasileiro, a eficácia genérica da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em caso concreto, depende da suspensão do ato pelo Senado Federal” (CF 1967/1969, art. 42, VII)”.

Lembremos sobre a teoria da anulabilidade atribuída a Hans Kelsen[7], em sua obra “Jurisdição constitucional”, na já conhecida visão sistemática e ordenativa, prospecta a ideia de nulidade relativa no chamado sistema jurídico austríaco.

Para essa teoria, não se declara a nulidade da norma, mas cassa-se a lei incompatível, com uma decisão constitutiva, já no plano de eficácia, com efeitos ex nunc e erga omnes, observando-se que até a decisão judicial, a lei permanece plena e eficaz.

No controle difuso, não há previsão legislativa, porém a jurisprudência do STF é firme em admitir a modulação, valendo-se, por analogia, dos mencionados dispositivos legais. Como é o exemplo do Recurso Extraordinário nº 197.917, Diário da Justiça 07/05/2004, do município Mira Estrela.

Novamente, o insigne Ministro Gilmar Mendes prossegue comentando sobre a possibilidade da aplicação da analogia para a modulação de efeitos em controle difuso, in verbis:

    “Assim, pode-se entender que se o STF declarar a inconstitucionalidade restrita, sem qualquer ressalva, essa decisão afeta os demais processos com pedidos idênticos pendentes de decisão nas diversas instâncias. Os próprios fundamentos constitucionais legitimadores da restrição embasam a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex nunc nos casos concretos.  A inconstitucionalidade da lei há de ser reconhecida a partir do trânsito em julgado. Os casos concretos ainda não transitados em julgado hão de ter o mesmo tratamento (decisões com eficácia ex nunc) se e quando submetidos ao STF.”

Cogita-se sobre a aceitação da constitucionalidade do artigo 27 da Lei 9868/1999, o que não foi pacífico em doutrina e, mesmo pouco tempo depois da vigência da citada lei, a OAB entrou com duas ações diretas de inconstitucionalidade e foram propostas perante o STF, alegando que a indicada lei deveria ter sido proposta por meio de emenda constitucional e não por lei ordinária conforme fora realizado.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou dispositivo da Lei 9.868/1999 (Lei das Ações Diretas de Inconstitucionalidade - ADIs) que autoriza a Corte a modular os efeitos da decisão em que for declarada a inconstitucionalidade de normas. Por maioria, o colegiado julgou improcedente o pedido formulado nas ADIs 2154 e 2258, apresentadas, respectivamente, pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Prevaleceu no julgamento o voto da ministra Cármen Lúcia. Ela explicou que o artigo 27 da Lei 9.868/1999 - que trata da tramitação das ADIs e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) - deu ao Supremo a possibilidade de, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, restringir os efeitos retroativos da decisão à data do julgamento ou para o futuro.

Segundo a Ministra, ao modular os efeitos da decisão, o STF faz uma ponderação entre preceitos constitucionais, levando em conta os possíveis prejuízos da lacuna normativa resultante da declaração de nulidade. Para Cármen Lúcia, ao fazer uso desse procedimento, a Corte visa proteger a segurança jurídica, os direitos fundamentais ou outros valores constitucionais que devam ser preservados. Ela lembrou ainda que, na pendência do julgamento dessas duas ADIs, o STF já vem modulando os efeitos de suas decisões.

Em seu voto, a Ministra também afastou a alegação da CNPL de inconstitucionalidade por omissão no rito de processamento das ações declaratórias de constitucionalidade, em razão do veto do presidente da República a trechos do projeto de lei convertido na Lei 9.868/1999. Para a ministra, não há omissão do Poder Público no caso, e a intervenção do Supremo poderia conferir ao Tribunal "um verdadeiro poder de interferência positiva na ordem legislativa", afrontando o princípio da separação dos poderes.[8]

Ficaram vencidos, quanto ao artigo 27, os ministros Sepúlveda Pertence (relator) e Marco Aurélio, ambos aposentados, que votaram pela procedência do pedido.

Frise-se que a sanção de nulidade[9] requer a presença do controle por meio incidental, apresentando a decisão judicial onde consta, o que redunda na negativa de efeitos ab initio ao ato impugnado.

Já a sanção de anulabilidade aparece, necessariamente, associada ao controle concentrado[10], em que produzam as decisões anulatórias com eficácia erga omnes e não retroativas ou com eficácia limitada.

Não ousamos a criticar a necessidade da modulação de efeitos de nulidade relativa (anulabilidade) e, sim criticar o âmbito de ativismo judicial incongruente e não eficaz em se tratando da pronúncia de nulidade absoluta e sua harmonização sistêmica com vistas ao parâmetro de controle existente nos sistemas jurídicos democráticos sociais.

No Brasil, a modulação dos efeitos das decisões judiciais historicamente feita através das decisões realizadas pelo Supremo Tribunal Federal para dar azo para interpretação[11] constitucional a certas disposições normativas que passavam sobre o seu crivo de competência e responsabilidade.

A Constituição brasileira de 1988 trouxe em seu artigo 5º, LVI, a regra de que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito”.  A redação dada a este dispositivo parece indicar uma elevada rigidez do mesmo, havendo inclusive quem defenda a ideia de que o texto constitucional não dá espaço interpretativo algum para uma eventual tese da flexibilização da referida garantia.

Daí se afirmar que “a presunção de inocência e a indisponibilidade do direito fundamental ameaçado, a liberdade pessoal, acarretam uma proibição absoluta de utilização de provas ilícitas em favor da acusação”.

A outra advertência refere-se ao fato de nossa Constituição trazer um número de direitos e garantias tão amplos que é preciso sempre harmonizar suas regras por via da interpretação, ou seja, vale a máxima de que não há garantias absolutas na Constituição.

Conclui-se que é preciso salientar que, após vinte anos da Constituição da República, o legislador ordinário preferiu inserir tal norma de exclusão, no texto no Código de Processo Penal, em um de seus projetos de reforma parcial, Lei 11.690 de 2008. Consta, expressamente, que tal prova deve ser desentranhada dos autos e conceitua prova obtida por meio ilícito como aquela que fere uma norma constitucional ou legal.

Em suma, a norma constitucional que veda a utilização no processo de prova obtida por meio ilícito deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, devendo o juiz, em cada caso, sopesar se outra norma, também constitucional, de ordem processual ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada.

Há ainda considerações de ordens diversas acerca dos efeitos das provas ilícitas no processo, como aponta Leonardo Greco (2002) quando, ao tratar da imparcialidade do juiz, traz o aspecto da “contaminação psicológica” do magistrado que teve contato com a prova posteriormente desentranhada dos autos. Advertência que, a princípio, foi respaldada pelo projeto da Lei 11/690/2008, mas que foi vetado pelo Presidente da República.

Em suas razões de veto, argumentou-se que o objetivo da reforma é tornar o processo penal mais eficiente, o que não ocorreria se toda vez que o Tribunal se exclui uma prova sob tal alegação, tivesse que substituir os julgadores.

Com o advento das leis n.ºs 9.868 e 9.881de 1999, que regulam as ações direitas de inconstitucionalidade e da ação declaratória de inconstitucionalidade, a tormentosa querela que acabava gerando uma falta de segurança jurídica nas decisões tomadas pela Suprema Corte teve fim, pois, como expresso no artigo 27, do dispositivo, foi positivado:  

              “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

A respeito da interpretação do artigo 27, que há três formas de declaração de inconstitucionalidade. Uma primeira forma seria a nulidade parcial do texto normativo, apenas os dispositivos em desacordo com a Constituição seriam declarados nulos, subsistindo o restante da proposição normativa.

Uma segunda forma seria a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, com o tribunal declarando uma hipótese de aplicação da lei, sem que haja modificação alguma do texto normativo.

E, por último, a interpretação conforme a Constituição, deverá haver uma preferência do tribunal ou juiz para determinar uma interpretação que siga o prisma valorativo e positivo da Constituição.

À luz do artigo 27 da Lei 9.868/1999 (Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI) que devendo estar presentes: I) Razões de segurança jurídica ou de II) excepcional interesse social o Supremo Tribunal Federal poderá, pelo voto de 2/3 dos seus ministros dar à decisão efeito ex nunc (com efeitos a partir deste momento) ou ex nunc (com efeitos retroativos).

A modulação deve ser realizada apenas em hipóteses extremas, nas quais o risco à segurança jurídica seja efetivamente elevado, sob pena de enfraquecer a Constituição e, de se fomentar a convalidação de inconstitucionalidades.

Assim, tal dispositivo, fixou como competência exclusiva do STF, a restringir os efeitos ou decidir a eficácia das decisões judiciais em controle de constitucionalidade.

A respeito da segurança jurídica que deve buscar a efetivação de atos jurídicos já realizados, situações jurídicas consolidadas e direitos já integrados ao patrimônio do cidadão.

No atual contexto contemporâneo, o Legislativo perdeu seu protagonismo, a sua característica decisória quando da eleição das questões que devem ser o objeto da lei, bem como em relação à interpretação dessas questões.

Apesar de ser conferido, certo poder interpretativo ao Judiciário, o que ocorre cada vez mais com a utilização de conceitos abertos pela lei, mas tal poder não deve ser ilimitado, de forma a ultrapassar as próprias decisões que são lastreadas na própria lei.

O mecanismo usado pelo STF para que o consequencialismo judicial seja sério é a modulação temporal dos efeitos das ações declaratórias de inconstitucionalidade, positivado no art. 27 da Lei 9.656/1999.

Nesse sentido, a lição de Canotilho, in litteris:

            “Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroativas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de atos administrativos constitutivos de direitos’’.

Sem dúvida, a segurança jurídica[12] representa um dos pilares do Estado Democrático de Direito e que por meio desta que os cidadãos colocados sob sua jurisdição deverão exteriorizar condutas e assumir consequências advindas de seus atos.

Afinal, o interesse social intimamente relacionado com a máxima prestação do Estado em face do cidadão e da forma que este poderá maximizá-lo.

Nesse sentido, é conveniente relembrar sobre o princípio da proporcionalidade que, a grosso modo, envolve a adequação (relação causalista em uma relação de meio-fim em adoção de determinada medida). E, o princípio da necessidade que prevê a utilização do meio menos gravoso que possível. E, ainda a proporcionalidade em sentido estrito que se refere a escolha da melhor norma que possível em aplicação ao caso concreto.

O princípio da proporcionalidade que vem sendo utilizado com um eficiente instrumento de solução de conflitos, especialmente, em relação aos princípios, quando funciona como uma diretriz a ser observada pelo intérprete, quando se está a ponderar sobre conflitos constitucionais.

No entanto, recebe duras críticas em decorrência da liberdade que concede aos magistrados para decidirem conflitos. doutrina brasileira é uníssona ao atribuir ao princípio da proporcionalidade três elementos essenciais, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade stricto sensu, destacando que não basta o atendimento de um elemento apenas, mas tão-somente a conjugação de todos.

O princípio da proporcionalidade, que vem sendo utilizado com um eficiente instrumento de solução de conflitos, especialmente em relação aos princípios, quando funciona como uma diretriz a ser observada pelo intérprete, quando se está a ponderar sobre conflitos constitucionais[13].

Garcia de Enterría pontificou como um aviso no sentido que as sentenças anulatórias de uma lei podem causar catástrofes, não somente para o caso concreto, como também quando são politicamente equivocadas podendo alcançar toda a comunidade.

Desta forma, não é possível voltar a uma situação pretérita de inexistência da ordem municipal que produziu efeitos e, ainda produz. Tendo portando efeitos irreparáveis a população do município se decretada sua extinção.

Gilmar Mendes continua em seu voto a explicitar que se deve buscar uma solução alternativa em sede de controle de constitucionalidade a declaração de nulidade absoluta e a mitigação de efeitos decorrentes. Citou o leading case Linkletter versus Walker como exemplo de resolução de efeitos retroativos ou prospectivos são de âmbito de cada caso concreto e questão de entendimento de política judiciária.

O Ministro após analisar uma série de comparações no âmbito internacional conclui que há são aceitas diversas formulas alternativas mitigadas para questões controversas e complexas do ponto de vista da decisão e que a não observação disto poderia acarretar o caos jurídico.

Concluiu, finalmente, seu voto declarando inconstitucionalidade sem a pronuncia de nulidade de lei impugnada mantendo a vigência pelo prazo de 24(vinte e quatro) meses, para posterior apreciação do legislador estadual no que tange a matéria.

Cumpre esclarecer que a expressão Common Law tem três sentidos, a primeira acepção consiste na ideia de ‘Direito Comum’’, e sua incidência deriva das sentenças judiciais dos tribunais de Westminster, na qual o rei unificou e subordinou os direitos das antigas tribos inglesas.

Em oposição, vê-se o equity, direito aplicado aos tribunais de Chanceler do rei e incumbido de zelar por questões de âmbito da soberania e modelado pelo princípio da equidade.

Em um segundo sentido, se refere a dualidade e ambivalência existentes entre o Common Law, como o direito criado pelo juiz (Judge made Law) — como o case sendo seu desmembramento, e de outro o direito criado pelo legislador postado fora do Poder Judiciário (Statue Law).

Em um terceiro e derradeiro, Common Law vem no sentido amplo de família de direito anglo-saxônicos com demasiada influência do direito inglês e seus institutos (Equity Law versus Common Law versus Statue Law) e em comparação com o Civil Law, a aplicação de um direito da família romano-germânica. O Brasil se filia ao Civil Law, não obstante venha sofrendo constantes “commonilização”.

Dessa forma, o doutrinador traça um panorama de acepções equivocadas do Common Law: a) o Common Law não é um direito anglo-saxônico — pois estes eram os direitos costumeiros das tribos e inglesas e da corte no século X; também não se trata de um direito inglês, visto que, outros países o adotam a exemplo dos EUA e da Nova Zelândia.

Outra incorreção, seria pensar o Common Law como um direito costumeiro, pois o sistema trabalha com um elevado grau de preponderância da jurisprudência e respeito aos precedentes[14].

Segundo William Blackstone[15], jurista inglês, não havia nenhuma autoridade para a proposição de que as decisões judiciais julgadas tivessem validade para o futuro.

Ele declarou o entendimento de que o dever do tribunal não era para “pronunciar uma nova lei, mas para manter e expor o antigo entendimento’’. Não se confere direitos, que não impõe deveres, não se proporciona nenhuma proteção; é, na contemplação jurídica, tão inoperante como se nunca tivesse sido aprovada.

René Davi pontificou:

           “Nos países de direito escrito em que o direito se apresenta sob a forma de um direito legislativo, as regras de direito são formuladas de uma generalidade, que o apelo a razão se processa, normalmente, no quadro de formulas gerais, sob a forma de aplicação e interpretação dessas regras; a existência de lacunas na ordem legislativa é dificilmente reconhecida; mais do que para completar a ordem jurídica, a razão desempenha uma função na interpretação da lei”.

No sistema jurisprudencial, como é o direito inglês, a situação se apresenta muito diferente. O aspecto casuístico que então reveste o direito deixa subsistir, de forma intencional, muitas lacunas; e a razão é francamente reconhecida como uma fonte subsidiária do direito, substituiu-se uma técnica de distinções, visando-a a estabelecer regras novas, cada vez mais precisas, em vez de aplicar uma regra preexistente.

Os sistemas de direito de família romana como a germânica são sistemas fechados, a Common Law é um sistema aberto, onde novas regras são continuamente reveladas, estas regras, fundam-se na razão’.

Enquanto o Civil Law enxerga o direito como um edifício lógico-sistemático.  O Common Law configura-se como um sistema para a resolução de casos práticos se preocupando com os remédios reles e remodelados.

Em segundo lugar, observa-se o papel secundário da doutrina jurídica nos comentários aos casos e leis. Em terceiro lugar, a própria simbologia adotada para representar cada sistema.

No sistema anglo-americano o símbolo representativo seria uma “colcha de retalhos” buscando a solução para os casos concretos e, o no sistema romano-germânico, a pirâmide kelseniana e sua hierarquização normativo-sistemática.

Uma outra diferença nos dois sistemas, atualmente ao que se refere ao controle de constitucionalidade está relacionado na dicção de Keith S. Rosen apud Mauro Capelletti que chama de sistema de concentração e sistemas de desconcentração.

Os concentrados restringem o poder de decisão à corte constitucional ou Suprema Corte (Alemanha). Enquanto os desconcentrados ou difusos permitem apreciação de todo o judiciário no que tange a analise constitucional (EUA[16]).  Novamente, outra diferença seria a diferença de apreciação da matéria constitucional nos tribunais.

Enquanto no sistema difuso, as partes remetem ações aos tribunais por via ordinária. Uma terceira e última diferença tange a declaração de inconstitucionalidade.

No sistema concentrado, uma decisão sobre inconstitucionalidade tem efeitos erga omnes. No sistema difuso, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são interpartes.

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos EUA segundo Keith Rosenn em artigo publicado na Revista de Direito Administrativo fazem completo resumo do parâmetro de controle nos EUA.

Segundo a doutrinadora, o modelo clássico de controle judicial difuso é o dos Estados Unidos. Qualquer tribunal federal ou estadual tem o poder de decidir sobre a constitucionalidade de qualquer lei ou decreto federal, estadual ou municipal.

Enquanto a Suprema Corte americana é o último árbitro do significado da Constituição e do Direito Federal, os Supremos Tribunais dos Estados são os últimos árbitros do significado das Constituições e Leis estaduais.

No modelo dos EUA[17], o controle de constitucionalidade são incidentais à função dos tribunais no decidir casos concretos. De acordo com o artigo III da Constituição, os tribunais federais podem decidir apenas casos reais e concretos entre partes adversas. Estes não podem declarar uma lei ou outra norma inconstitucional em um processo abstrato.

A Suprema Corte recusa-se a conferir legitimidade as pessoas para ajuizar reclamações de interesses gerais, insistindo que apenas pessoas com uma “Lesão de fato” (injury fact) podem ter legitimidade para promover ação nos tribunais federais.

O caso original de Marbury versus Madison em 1803[18], os tribunais dos EUA têm assumido que uma lei inconstitucional é nula ab initio. Nas palavras do Justice Field: “Um ato inconstitucional não é uma lei: não confere direitos:  não impõe obrigações; não proporciona proteção; não cria funções; é, na contemplação legal, tão inoperante como se nunca tivesse sido aprovado”.

Desde então, as decisões de constitucionalidade dos tribunais norte-americanos têm sido inteiramente retroativas, aplicando-se ex tunc e a todos os casos não decididos.

Em 1965, entretanto, no processo revolucionário do procedimento criminal estatal fazendo a maior parte da Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights)[19] inteiramente aplicável aos estados. a Suprema Corte assentou em

Linkletter versus Walker que determinadas de suas decisões inovadoras não necessitavam ser aplicadas retrospectivamente às condenações criminais estaduais que tivessem sido firmadas antes destas.

O precedente Mapp versus Ohio, 367 US 643 (1961), foi um caso marco no processo penal, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as provas obtidas em violação da Quarta Emenda, que protege contra “buscas e apreensões,” não pode ser utilizado em processos criminais conforme a lei do Estado em tribunais estaduais, bem, como tinha sido anteriormente a lei, como em processos federais de direito penal nos tribunais federais.

O Supremo Tribunal realizou este através da utilização de um princípio conhecido como incorporação seletiva; em Mapp isto envolveu a incorporação das disposições, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, da Quarta Emenda, que são aplicáveis apenas às ações do governo federal para a cláusula do devido processo Décima Quarta Emenda[20], que é aplicável a ações do Estado,

Verificando o caso Linkletter versus Walker.  Victor Linkletter foi condenado pela corte do Estado de Louisiana (EUA), com provas coletadas ilegalmente pela polícia antes da decisão da Suprema Corte norte americana, sobre a quarta emenda no caso Mapp versus Ohio na qual ficou expressa a ilegalidade de provas obtidas de forma ilícita no âmbito do julgamento.  Dessa forma, Linkletter pleiteou a modulação de efeitos retroativos para o âmbito de esfera do seu caso (questiona-se: seria prova ilícita?)

Na decisão final 7 a 2, a Suprema Corte decidiu que a Constituição nem proibia nem exigia “uma regra absoluta de retroação”. Só uma análise caso a caso das regras em questão era necessário.

O Tribunal concluiu que a má conduta policial antes de Mapp já havia ocorrido e, que não seria corrigido pela liberação dos prisioneiros envolvidos.

O Tribunal de Justiça também argumentou que a aplicação da decisão Mapp retroativamente a todos os casos ameaçaria a “relação Estado-federação” e seria “taxar a administração da justiça ao máximo.”  Apenas os casos em avaliação direta no momento da Mapp dominantes ou, casos mais tarde viriam a ser objeto de consideração retroativa.

Decisão: A regra de exclusão anunciado em Mapp não se aplica a condenações judiciais do Estado que se tornaram final antes de sua capitulação. P. 381 U. S. 622-640.

O entendimento da Suprema Corte, no final do julgamento, foi no sentido de que a Constituição norte-americana, principalmente no que tange a quarta emenda, não proíbe nem impõe a retroatividade e, em sede de análise de caso concreto, a Corte determinará se a aplicação de efeitos retroativos ou prospectivos é adequada e proporcional.

O cerne principal de argumentação jurídica do julgado foi a aplicação da Quarta Emenda, com a análise da regra de exclusão, dentro dos seus direitos, sendo aplicada a retroatividade dos efeitos. A aplicação de efeitos fica concernente no julgamento para aquela situação irregular e da aplicação da quarta emenda como fica claro na análise do processo.

O caso Mapp versus Ohio[21] também merece consideração, em como a data de sua aplicação. Segundo o entendimento do justice Clark, foi feito um resumo do caso, que se segue:

O peticionário foi condenado em um Tribunal do Distrito de Louisiana em 28 de maio de 1959, de “roubo simples.” No momento de sua prisão, ele tinha estado sob vigilância durante dois dias como um suspeito em conexão com outro roubo.  Ele foi levado para a delegacia de polícia, procurou, e as chaves foram retiradas de sua pessoa. Depois que ele foi reservado e colocado na cadeia, outros oficiais tomou as chaves, entrou e procurou em sua casa, e apreenderam certos bens e documentos. Mais tarde, seu local de trabalho foi vasculhado e procurou, e as apreensões foram efetuadas.

Essas invasões foram feitas sem um mandado judicial. O Tribunal Distrital de Estado considerou que quem o prendeu tinha motivos razoáveis para a prisão sob a lei Louisiana, e encontrar a causa provável para pesquisa como um incidente para prendê-lo realizadas as apreensões válidas. O Supremo Tribunal de Louisiana afirmou em fevereiro de 1960.

Em 19 de junho de 1961, foi anunciado a sentença de Mapp versus Ohio. Imediatamente depois, o peticionário apresentou um pedido de habeas corpus no tribunal estadual com base em Mapp. O mandado foi negado nos tribunais da Louisiana, ele então entrou com um pedido como no Tribunal Distrital dos Estados Unidos.

Depois da negação nesse tribunal, o peticionário apelou ao Tribunal de Apelações e este confirmou a sentença. Ele encontrou junto a provas da prisão, o uso de meios ilícitos para obtenção da prova, portanto, ilegal, mas considerou que a exigência constitucional de exclusão das provas sob Mapp não foi retrospectivo.

Peticionário tem dois pontos: (1) que o Tribunal de Apelações considerou erradamente que Mapp não foi retrospectivo; e (2) que, apesar de Mapp ser realizada a não operar de forma retrospectiva, a busca no seu caso era subsequente àquele em Mapp, e enquanto sua condenação final foi longa antes da nossa disposição dele, seu caso deve, contudo, ser governado por Mapp[22].

No Brasil, vige a regra ainda é o princípio da nulidade, não obstante, tendo em vista situações excepcionais, admite-se a modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidades tanto no controle difuso quanto no controle concentrado.

O artigo 27 da Lei 9.868/1999 tentou trazer regulamentação para a espécie, entretanto, tal artigo padece de inconstitucionalidade.

A despeito da inconstitucionalidade do art. 27 da lei 9.868/1999[23], o Poder Judiciário pode realizar a modulação de efeitos com base nos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, mediante um criterioso processo de ponderação de interessem em conflito, permitindo-se, excepcionalmente, que a norma inconstitucional produza efeitos como se constitucional fosse.

Percebeu-se, claramente, na análise do julgado da ADI 2240 uma concretização dessa posição adotada pelo Supremo ainda que em tese o âmbito de discricionariedade das decisões do Supremo deviria ter ‘’freios’’ em sede de controle concentrado e não em sede de controle concreto-incidental como ocorreu no julgamento da constitucionalidade do Município de Luis Eduardo Magalhães[24].

Nos EUA, a não-aplicação da lei declarada inconstitucional depende, fundamentalmente, do instituto do stare decisis, que assegura, dentro de certos limites, a observância do precedente.

E, desde o precedente Linkletter versus Walker que foi um leading case que marcou o entendimento na modulação de efeitos em sede de controle de constitucionalidade em que a inconstitucionalidade de um ato terá seus efeitos (retroativos ou prospectivos) julgados ad causum, ou seja, de acordo com cada caso e o consequente entendimento do tribunal.

Exige-se, in casu, da Suprema Corte a apresentação de rigorosa motivação, fundamentação reconstrutiva na dicção do Professor Carlos Blanco de Morais, pois se é certo que o Tribunal resta vinculado aos princípios constitucionais na conferência da necessidade de delimitação temporal da sua jurisprudência, seja em face da segurança jurídica, ou de excepcional interesse social, por outro lado, a adoção de tais princípios confere maior grau de criatividade persuasiva e propriamente criativa no balanceamento político e valorativo que lhe assiste realizar, isto é, mais um balanço de interesses, do que uma interpretação jurídica propriamente dita que pressupõe é inegável, uma maior margem de discricionariedade, na dedução das situações propícias a permitir a modulação da jurisprudência.

O que permite concluir que a função do tribunal será convencer a opinião pública, os operadores do direito e, enfim, os destinatários da norma de que a suavização dos efeitos da sentença está baseada em valores legítimos, de fundamental importância, e não em meros interesses incidentais iluminados por ocasionais pressões políticas ou populares.[25]

Em 1972, no auge da Guerra Fria, ficou confirmado de forma unânime pela Suprema Corte, no caso United States versus U.S. District Court, que as atividades de inteligência que incluíssem vigilância eletrônica de suspeitos dentro do território norte-americano são consideradas buscas, e, por conseguinte, deveriam ser autorizadas por um juiz. Ressalte-se que não haveria a aludida necessidade caso a ação tivesse enfoque internacional.

Com o passar do tempo, várias linhas tênues relacionadas sobretudo ao avanço tecnológico começaram a servir de pano de fundo para os casos atinentes à Quarta Emenda julgados pela Suprema Corte, sempre com o escopo de buscar a adequação da atuação estatal à moldura constitucional.

Além disso, em 2001, logo após os atentados do 11 de setembro, foi promulgado o controverso Patriot Act, lei que concedeu maiores poderes para a polícia e as agências de inteligência norte-americanas para investigar suspeitos de terrorismo.

Ainda, em 2012, no caso United States versus Jones, o qual tinha como pano de fundo uma investigação baseada no Patriot Act, a Suprema Corte decidiu que a instalação de localizadores GPS em automóveis, constitui uma busca, de modo que se faz necessário um mandado judicial para tanto. Ademais, o equipamento só poderia permanecer instalado durante o tempo constante do mandado judicial. Assim, se o tempo fosse excedido, a ação passaria a ser ilegal e qualquer prova advinda dela não seria admitida.

Em 2014, no importante caso Riley versus California, a Suprema Corte, de forma unânime, decidiu no sentido de que para a polícia acessar o conteúdo do telefone celular de alguém, mesmo que a pessoa esteja sendo presa, faz-se necessário um mandado judicial.

A justificativa da Corte foi de que o conteúdo digital de um celular não pode ser usado como uma arma para atingir um policial, por exemplo, em caso de uma tentativa de fuga do preso. Assim, os policiais podem examinar materialmente o aparelho para ver se há algo escondido ou oculto, mas para acessar os arquivos pessoais nele existentes, precisam de autorização judicial.

Demonstra-se em linhas gerais que a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos possui um louvável viés garantista no tocante à aplicação da proibição das buscas e apreensões irrazoáveis ou sem autorização.

Amplia-se, portanto, a proteção dos indivíduos e adequa-se a atividade investigativa estatal aos ditames democráticos erigidos na Constituição Norte-Americana e compartilhados com, por exemplo, a Constituição Federal do Brasil de 1988.

O STF modula efeitos de decisão que afastou a incidência de IR e CSLL sobre a Selic na devolução de tributos pagos indevidamente.  A decisão deve produzir efeitos desde 30/9/21, data da publicação da ata de julgamento do mérito do recurso extraordinário.

 Vide a jurisprudência abaixo as ementas:

Em setembro de 2021, o plenário do STF decidiu que é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário. RE 1.063.187.

STF modula efeitos de IR e CSLL sobre Selic na repetição de indébito Plenário seguiu por unanimidade o entendimento proposto por Dias Toffoli, relator do caso.

Repetição de indébito tributário

O colegiado, acompanhando o voto do ministro Dias Toffoli (relator), esclareceu que a decisão se aplica apenas nas hipóteses em que há acréscimo de juros moratórios, mediante a taxa Selic em questão, na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação) tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Segundo o ministro, a questão acerca da necessidade de existência de juros moratórios e de repetição de indébito tributário foi evidenciada no julgamento do RE, inclusive nos demais votos. A definição da natureza jurídica dos juros relativos aos depósitos judiciais ou avençados em contratos entre particulares foge do tema discutido.

Novo entendimento do STJ sobre prazo prescricional de tributo não tem efeitos retroativos. Segundo o Ministro Ricardo Lewandowski, o processo de evolução jurisprudencial deve assegurar direitos e resguardar comportamentos que até então estavam em conformidade com o entendimento anterior.

Nos casos em que o tributo era declarado inconstitucional, o STJ entendia que o prazo prescricional para ajuizar a ação de repetição do indébito se iniciava com o trânsito em julgado da ADI no STF ou da resolução do Senado Federal que suspendia a lei.

Porém, em junho de 2007, o STJ alterou sua jurisprudência, passando a adotar, também para essas hipóteses, a tese dos “cinco mais cinco” no cômputo da prescrição tributária. Com isso, o início do prazo não mais se relaciona à declaração de inconstitucionalidade pelo STF, mas à data da homologação tácita, depois de decorridos cinco anos do fato gerador. A ADPF 248 foi ajuizada no STF pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O CPC/2015, por seu turno, por meio do art. 927, § 3º, introduziu norma – sem correspondente no CPC/1973, prevendo que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Ainda, a Lei n. 13.655/2018 inseriu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o art. 24, com o seguinte teor:

              “A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência”.

O Supremo Tribunal Federal proferiu, em várias oportunidades, decisões com modulações de seus efeitos com o intuito de dar interpretação conforme a Constituição a certos dispositivos normativos.

É possível perceber, então, que o legislador brasileiro optou por um modelo diferenciado, em que é possível, a depender do caso, a adoção de outras medidas que não somente a declaração de nulidade total da norma.  

Nosso ordenamento jurídico permite[26], por exemplo, a declaração de nulidade parcial, hipótese em que somente os dispositivos inconstitucionais serão declarados nulos e não a totalidade da lei.

No entanto, caso as normas subsistentes não possam existir de forma autônoma, ou caso elas não correspondam à vontade do legislador, não será possível a manutenção dessa lei no ordenamento.

Na Interpretação conforme a Constituição, por sua vez, o juiz ou Tribunal, no caso de haver duas interpretações possíveis de uma lei, deverá optar por aquela que se mostre compatível com a constituição. Portanto, o Tribunal declarará a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com o texto constitucional. 

Cabe ressaltar que o afastamento do princípio da nulidade só ocorrerá quando demonstrado que a declaração de inconstitucionalidade traria danos à segurança jurídica ou a algum outro valor constitucional diretamente vinculado ao interesse social. Assim sendo, o procedimento adotado de um quórum especial, de dois terços dos votos, garante uma maior restrição na utilização da modulação dos efeitos da decisão.

O Supremo Tribunal Federal poderá, também, declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, permitindo que se operem a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar sobre a situação inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade/restrição de efeitos). 

Quanto à existência de suspensão dos efeitos da lei antes da decisão definitiva da Corte, persistem no ordenamento jurídico brasileiro as medidas cautelares, que são cabíveis na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade.

Assim sendo, na hipótese da ação direta de inconstitucionalidade, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, concederá liminar para suspender a vigência da norma impugnada até a decisão final, em caráter excepcional de urgência.

Suprema Corte definiu que "(para) a modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, é suficiente o quórum de maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal”.[27]

Em resumo, no sistema jurídico brasileiro tem-se desenvolvido técnicas de interpretação constitucional que permitem a suspensão dos efeitos da lei em caráter excepcional, até que a decisão definitiva seja prolatada, além de possibilitar que o STF module os efeitos de suas decisões, por meio de técnicas de declarações parciais ou totais de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, efeitos ex tunc, ex nunc, pro futuro e interpretação conforme a Constituição.[28] 

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Notas:

[1] O entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos. Contudo, se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário, passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ),  Com efeito, no caso das decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre a possibilidade de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior, pelo advento do Código de Processo Civil de 2015.

[2] Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal.

[3] Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências.

[4] Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

[5] O controle difuso de constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos da América em 1803, quando do célebre julgamento do caso William Marbury versus James Madison, no qual o Juiz John Marshall afirmou a supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico, fixando-se pioneiramente a tese fundamental de que os atos normativos em geral não podem ser editados em desconformidade com o disposto na lei magna.  Assentou-se, naquele caso, que cabe ao Poder Judiciário decidir quando e em que medida determinada ato viola a Constituição.

O sistema do controle difuso de constitucionalidade, também denominado controle concreto ou incidental de constitucionalidade, permite ao magistrado ou órgão colegiado analisar, no caso concreto, a compatibilidade de uma lei ou ato normativo perante a Constituição. Trata-se de modalidade de controle repressivo de constitucionalidade, sendo a outra modalidade pela via concentrada.

[6] JULGADOS DO TJDFT "II - Não se considera falta de fundamentação a ausência de distinção (distinguishing) ou a superação (overruling) de entendimento quanto à precedentes não vinculativos suscitados pelas partes, mesmo porque vigora em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado.” (Acórdão 1157581, 07258496520178070001, Relator Designado: JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 14/3/2019, publicado no DJE: 22/3/2019.)

3. Os precedentes a que o art. 489, §1º, inciso VI do CPC/2015 se refere são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332 do CPC/2015. 3.1. O citado dispositivo não se aplica, assim, a precedentes persuasivos. Neste caso, o julgador pode deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique sua decisão. (...). (Acórdão 1148444, 07058472320178070018, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de Julgamento: 6/2/2019, publicado no PJe: 11/2/2019.)

[7] Também surge na Áustria, com a Constituição de 1920, sob a influência de Hans Kelsen, o controle de constitucionalidade concentrado, em que cabia somente à Corte Constitucional daquele país o controle de constitucionalidade das normas. Ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, segundo o controle de constitucionalidade austríaco, a norma não era inconstitucional desde sua origem, como era e é no controle de constitucionalidade norte-americano, mas os efeitos passariam a valer a partir da fixação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Ou seja, os efeitos passariam a ser ex nunc ou a partir de outro momento em que os efeitos, segundo a Corte, haveriam de prevalecer.

[8] No Brasil, há construção jurisprudencial de tal garantia já antes da atual Constituição, notadamente no HC 63.834 de 18/12/1986, de relatoria do Ministro Célio Borja.  Já sob o atual regime constitucional, o leading case na matéria é o HC 69.912, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual, todavia, a discussão é mais focada na questão da prova ilícita por derivação, vez que se assume que, em razão da regra explícita da inadmissibilidade trazida no corpo da Constituição, não há de se discutir a regra objeto deste estudo. Desta feita, a base teórica desta garantia processual nos ordenamentos jurídicos ocidentais remonta, invariavelmente, à elaboração da Suprema Corte dos Estados Unidos acerca da regra prevista na Quarta Emenda.

[9] Em 8 de fevereiro de 2023, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 955.227/BA (Tema nº 885 da Repercussão Geral) e 949.297/CE (Tema nº 881 da Repercussão Geral), anunciou surpreendentes novidades sobre a relação entre os efeitos temporais da coisa julgada em matéria tributária e o seu papel no controle de constitucionalidade das leis. Em paralelo, ainda no ano de 1992, o Plenário do STF se manifestou em dois casos (Recursos Extraordinários nºs 138.284/CE e 146.733/SP), em controle difuso de constitucionalidade — muito antes da instituição e da regulamentação do regime da repercussão geral, por meio da Lei nº 11.418/2006 e da Emenda Regimental nº 21/2007 —, confirmando a constitucionalidade da Lei nº 7.689/1988 e da cobrança da CSLL.  Passo seguinte, em 2007, o tribunal declarou a constitucionalidade da mesma lei, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 15-2.

[10] É um mecanismo pelo qual a Corte poderá declara a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de normas. É limitado ao STF quando a norma-paradigma é a Constituição Federal brasileira vigente e aos Tribunais de Justiça Estaduais, quando a norma-paradigma seja a Constituição Estadual. No controle concentrado, tem-se um legitimado que irá ingressar com a ação para clamar ao Poder Judiciário que reconheça a inconstitucionalidade da norma. Assim, as ações ajuizadas nessa sede dão ensejo a um processo objetivo. São alvos passíveis de controle de constitucionalidade pelo STF as espécies normativas elencadas no artigo 59 da CF/1988.

[11] A interpretação do grego épunveía, do latim interpretatio em geral, significa a possibilidade de referência de um signo ao que ela designa, ou também a operação através da qual um sujeito, chamado de intérprete estabelece a referência de um signo de seu objeto (designado) Aristóteles denominou a interpretação, o livro em que estudou a relação entre os signos linguísticos e os pensamentos e entre os pensamentos e as coisas. Ele de fato considerava as palavras como sinais das afeições da alma, que são as mesmas para todos e constituem as imagens dos objetos que são idênticos para todos, considerando ademais como sujeito ativo dessa referência a alma ou o intelecto.

[12] No entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos. Contudo, se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário, passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) Com efeito, no caso das decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre possibilidade de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior, pelo advento do Código de Processo Civil de 2015.

[13] No entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos.

Contudo, se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário, passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Com efeito, no caso das decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre a possibilidade de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior, pelo advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC). Nesse sentido, relembre-se que o artigo 927, CPC, em especial no § 3º e no § 4º, traz de forma contundente a necessidade de prestígio da segurança jurídica também no agir do Estado-Juiz

[14] Ademais, apresentam-se aportes teóricos à compreensão dos precedentes, apontando-se à presença da integridade e da coerência, bem como do constitucionalmente estabelecido, como forma de entrega de respostas adequadas. Ainda, visando compreender criticamente o processo decisório e os precedentes, direciona-se o escrito à teoria da resposta constitucionalmente adequada de Streck e a ocorrência de overruling.

[15] William Blackstone (Cidade de Londres, 10 de julho 1723 – Wallingford, 14 de fevereiro 1780) foi um jurista britânico conhecido por ter escrito os “Comentários sobre as Leis de Inglaterra”, 1765-1769, a primeira grande obra da jurisprudência inglesa desde “Institutes”, 1628-1644, de Sir Edward Coke. William Blackstone, entretanto, mudou tudo isso com os seus “Commentaries on the Law of England”. Desse livro clássico, possuo, orgulhoso, uma edição fac-símile da 1ª edição de 1765-1769, publicada pela The University of Chicago Press em 1979.

[16] A evolução do sistema de controle de constitucionalidade nos Estados Unidos tem por consequência a adoção da ação declaratória como técnica basilar, vale dizer, o Judiciário apenas aclara o vício de inconstitucionalidade previamente existente. Tal posicionamento já era defendido por Alexandre Hamilton em sua obra “O Federalista”, quinze anos antes da referida decisão de John Marshall,

[17] É perceptível a diferença entre o tratamento dos precedentes do direito norte-americano,  que são exaustivamente trabalhados e revisitados, sendo possível inclusive uma reconstrução da  argumentação feita desde a primeira decisão submetida à Suprema Corte, da prática da análise dos  julgados brasileira, principalmente do papel do Supremo Tribunal Federal, que excluiu quase que  por completo a compreensão do fato e, principalmente, a argumentação das partes, para centrar-se  na tese jurídica sustentada pelos julgadores.

[18] Nesse julgamento, John Marshall, então juiz da Suprema Corte americana, enunciou três grandes fundamentos que embasaram a teoria do controle de constitucionalidade, a saber: i) a supremacia da Constituição; ii) a nulidade da lei que contrarie a Constituição e; iii) competência do Poder Judiciário para dar interpretação final à Constituição.

[19] O Bill of Rights contém uma série de dispositivos que dizem respeito ao sistema criminal, notadamente na quarta, quinta e sexta emendas. Apesar da clareza que tais textos têm para nós atualmente, eles permaneceram em grande parte inexplorados até o início do século XX. Daí alguns autores falarem em criminal justice Revolution, quando se referem ao desenvolvimento proporcionado pela Suprema Corte nesta seara a partir, notadamente, de 1914. Por se tratar da formação de um país a partir da transformação de uma confederação numa federação, havia – e ainda há - sérias preocupações referentes à excessiva centralização de poder no ente federal.  Em razão destas preocupações, foi criado o Bill of Rights, que trazia regras “projetadas como limitações ao poder do governo federal, e que não foram planejadas para restringir as ações dos governos dos Estados”. (DRESSLER, 1997). 

[20] A Décima Quarta Emenda à Constituição norte-americana, especialmente sua Seção n. 1, em que estabeleceu a cidadania nacional para todos os nascidos e naturalizados nos Estados Unidos, é vista pela doutrina como clara correção legislativa da decisão adotada em Dred Scott. A "Cláusula do Devido Processo" proíbe os governos estaduais e locais de privar pessoas da vida, liberdade ou propriedade sem um procedimento justo.

[21] Foi uma decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos, na qual a corte decidiu que a regra de exclusão, que impede os promotores de usar em tribunal provas obtidas pela violação da Quarta Emenda da Constituição, aplica-se não apenas ao governo federal, mas também ao os governos estaduais.

[22] Positivada na 4ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, tal garantia trata-se, na verdade, de uma conquista dos cidadãos, encontrando-se presente nos mais diversos ordenamentos jurídicos democráticos, como o brasileiro. Ao analisar casos concretos relacionados à proibição de buscas e apreensões irrazoáveis ou sem autorização, a Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual possui papel de pedra angular no estabelecimento de precedentes vinculantes, começou a desenhar a moldura de aplicação da garantia em comento, com as suas principais nuances. Esse caso teve forte influência na mudança da cultura de investigação policial, delimitando mais firmemente as balizas constitucionais dos direitos dos investigados. Ainda na década de 60, outro caso emblemático foi o de Katz v. United States, no qual Charles Katz foi condenado por participar de um esquema de apostas ilegais com base em provas obtidas através de uma escuta realizada pela polícia – sem autorização judicial – em uma cabine telefônica pública. A Suprema Corte então decidiu que, independentemente do local, as conversas são protegidas de interceptações policiais sem mandado judicial, justamente por uma razoável expectativa de privacidade – a Corte entendeu que escutas telefônicas contam como busca -. Assim, seja em sua residência ou em uma cabine telefônica, todos devem ter seu direito constitucional à privacidade respeitado.

[23] O artigo 27 da Lei 9.868/1999 - que trata da tramitação das ADIs e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) - deu ao Supremo a possibilidade de, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, restringir os efeitos retroativos da decisão à data do julgamento ou para o futuro. Para amenizar a declaração de nulidade absoluta com efeitos retroativos, surge, então, o artigo 27 da Lei n. 9.868/99 como técnica de decisão alternativa, que veio a permitir que o Supremo Tribunal Federal limite os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por maioria de dois terços dos ministros.

[24] Luís Eduardo Magalhães é um Município do Oeste da Bahia, que foi emancipado de Barreiras em 30 de março de 2000, através do projeto de Lei nº 395/1997. O nome foi uma homenagem ao filho do ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, escolhido após referendo.

[25]   Gilmar Mendes afirma que as formas pelas quais pode ocorrer a modulação dos efeitos são três: a) declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado da decisão de inconstitucionalidade (declaração de inconstitucionalidade ex nunc); b) declarar a inconstitucionalidade, com suspensão dos efeitos por algum tempo a ser fixado na sentença (declaração de inconstitucionalidade pro futuro); e, eventualmente, c) declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, permitindo que se operem a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar sobre a situação inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade = restrição de efeitos.

Há três possibilidades de modulação dos efeitos da declaração em relação ao tempo: a) Em relação ao futuro (efeitos pro futuro), em data posterior ao trânsito em julgado; b) Quando da formação da coisa julgada (ex nunc); c) Retroatividade diferida (nem ex nunc¸ nem ex tunc, nem pro futuro), o que seria um efeito intermediário entre o ex tunc de nulidade (que se quer evitar, nos casos autorizados pelo artigo 27) e o ex nunc. ´

[26] Modular a Modulação? Derrotados saem-se vencedores, vencedores são excluídos da vitória e terceiros acabam levando o prêmio. O instituto da modulação afastou-se de seu propósito inicial — regulamentar os efeitos retroativos e repristinatórios da decisão de inconstitucionalidade — e passou a impactar na própria normatividade do direito constitucional. Quando o mérito de uma decisão tida como correta é modulado com base em juízos teleológicos de oportunidade e conveniência desnatura-se a própria função jurisdicional. A banalização da modulação exige, pois, uma profunda reflexão por parte dos membros da comunidade jurídica.

[27] Em relação ao marco temporal, prevaleceu o entendimento do ministro Barroso de que, a partir da fixação da posição do STF em ação direta de inconstitucionalidade ou em recurso extraordinário com repercussão geral, cessam os efeitos da decisão anterior. Seguiram essa corrente os ministros Gilmar Mendes, André Mendonça, Alexandre de Moraes, e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (presidente). O ministro Edson Fachin, que defendia a cessação dos efeitos a partir da publicação da ata desse julgamento, ficou vencido, juntamente com os ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Luiz Fux e Dias Toffoli, que retificou o seu voto quanto ao marco temporal. 

Tese: Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: 1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo; 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

[28] É relevante o debate do Direito contemporâneo e que se refere à legitimidade das normas e das decisões que se referem ao sistema jurídico. O problema da legitimidade do Direito se impõe em face deste reivindicar não somente a aceitação dos envolvidos, ou um reconhecimento fático, mas antes afirmar Habermas, reivindica merecer o reconhecimento. Um dos modos de abordar o problema tem sido trabalhar com a ideia da distinção entre discurso de justificação e discurso de aplicação (GUNTHER, 1995), no intuito de se desenvolver as peculiaridades de cada um, possibilitando que a questão da legitimidade seja trabalhada a partir de novos pontos de vista.  A ideia de uma teoria discursiva é que a legitimidade do sistema jurídico será tanto maior quanto maior for a possibilidade de todos os afetados – categoria que se refere aos cidadãos –, para que participem da construção do sistema, de modo a se reconhecerem como seus coautores, o que, em princípio, resultaria em uma solução satisfatória do problema da legitimidade do sistema jurídico. Daí a afirmação de Habermas (2003) no sentido de que: [...] se discursos (e, como veremos, negociações, cujos procedimentos são fundamentados  discursivamente) constituem o lugar no qual se pode formar uma vontade racional, a legitimidade  do direito apóia-se, em última instância, num arranjo comunicativo: enquanto participantes de  discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida  encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Constitucional Modulação Efeitos Decisórios STF CPC/2015 Direito Tributário

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