Modulação de efeitos das decisões do STF
O instituto da modulação de efeitos surgiu como iniciativa legislativa decorrente da construção jurisprudencial, em que os precedentes formados pelos Tribunais Superiores buscavam alcançar limitações de efeitos para garantir a segurança jurídica ou, ainda, preservar relevantes interesses sociais, num exercício constante de equilíbrio entre a preservação do ordenamento jurídico e a segurança jurídica afetada pelo litígio. A modulação dos efeitos temporais é mecanismo que permite ao tribunal restringir a eficácia da sua decisão de inconstitucionalidade, a qual será eficaz a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado. O instituto da modulação de efeitos, antes aplicável apenas às Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ganhou novas formas e passou a integrar as decisões judiciais com maior amplitude, especialmente, para os processos com formação de precedentes qualificados ou de efeitos vinculantes, nos termos do Código de Processo Civil de 2015
Historicamente, é possível
constatar que mesmo antes da Lei 9.868/99 o STF já elaborava juízo de
ponderação dos seus pronunciamentos, com intenção de relativizar
incidentalmente a nulidade ex tunc. Porém, tais soluções alternativas
foram adotadas pela Suprema Corte não foram suficientes para exercesse na
plenitude sua nobre missão jurisdicional, de forma que a resistência à técnica
de manipulação de efeitos decisórios teve de arrefecer, admitindo-se a
aplicação in abstracto, ou seja, no mesmo momento em que proferida a
declaração de inconstitucionalidade ou a decisão interpretativa de direito[1].
Esse mecanismo é o que permite
ao STF adaptar a eficácia de seus arrestos, e conduz com a função criadora da
norma constitucional exercida pela Suprema Corte; livra a Corte dos freios e
receios que possam fazer com que se abstenha em declarar a
inconstitucionalidade de normas nitidamente inconstitucionais, com temor de
comprometer a ordem a segurança jurídica do país, principalmente, quando
praticar a revisão de seus julgados ou o overruling, e, ao mesmo tempo,
dá ao STF instrumentos jurídicos-institucionais para melhor lidar com os
estados de (in) constitucionalidade, permitindo sua coparticipação com o Poder
Legislativo na tarefa de organizar o ordenamento jurídico do país.
Sublinhe-se que é
constitucional a modulação de decisões judiciais previstas nas Leis 9.868/1999
e 9.882/1999[2]
e a 11.417/2006[3]
conforme vem reafirmando o STF em diversos julgamentos apesar de haver ainda
pendência de outras ADIs.
E, o principal alicerce que
ampara a validade formal e material dessas normas está fulcrado no fato de que
tal instrumento processual decorre do princípio da segurança jurídica,
obrigando a Suprema Corte imponha as limitações à eficácia de seus juízos,
desde que patente a excepcionalidade que assim se justifique em sua fundamentação.
E, o STF reafirmou a tese de
que a modulação de efeitos poderá ser adotada independentemente de autorização
constante de lei ordinária federal, apresentando-a como matéria de política
judiciária, isto é, um direito atribuído à Corte no exercício do controle de
constitucionalidade.
Um dos fundamentos do controle
de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, inclusive e
sobretudo os das minorias, em face das maiorias parlamentares eventuais.
Seu pressuposto é a existência
de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados
das injunções estritamente políticas. A questão da legitimidade democrática do
controle judicial é um dos temas que têm atraído mais intensamente a atenção
dos juristas, cientistas políticos e filósofos da Constituição Federal.
A proteção da segurança
jurídica e o excepcional interesse social são conceitos abertos que oferecem ao
STF vasta margem para aplicação da técnica na lei prescrita, inclusive com a
adoção de viés político inerente à atividade exercidas pelas Cortes
Constitucionais.
Porém, a modulação de efeitos
é absolutamente extraordinária, pois em regra geral a retroação plena do
decisum proferido em juízo de constitucionalidade, se dá em prol do princípio
da supremacia da Constituição.
E, exige-se, portanto, do
Tribunal uma vigorosa fundamentação para provar que a segurança jurídica ou o
interesse social prevalecem sobre a teoria da nulidade, sob a ênfase do
princípio da proporcionalidade, para demonstrar que a modulação adotada é a
melhor que se coaduna com as especificidades do caso concreto.
A modulação, em comento,
apesar de ter sido concebida para ser usada apenas no juízo abstrato de
declaração de inconstitucionalidade, as decisões do STF mantêm acertadamente a
previsão do artigo 27 da Lei 9.868/99[4] realizando exegese
teleológica, para admitir a utilização desse mecanismo em tantos outros
contextos que comportem as referidas flexibilizações.
Assim, por exemplo, admite-se
a relativização de efeitos decisórios igualmente no controle difuso de
constitucionalidade[5]
e, em geral, nos julgamentos nos quais o STF atua na condição de legislativo
positivo ao empreender interpretação adequada ao texto constitucional
brasileiro vigente.
Os métodos utilizados pelo STF
para aplicar a modulação de efeitos de suas decisões judicias são amplos e,
portanto, compete ao Tribunal ciosamente escolher aquele que melhor se adapte à
situação ilustrada no caso concreto, desde que, evidentemente, objetivando a proteção
de princípios constitucionais balizados pela teoria da proporcionalidade.
Nesse sentido, a modulação não
está limitada à prospecção temporal do precedente, podendo a Corte adotar
outras ponderações que se mostrem necessárias para lidar com os impactos da
interpretação constitucional, por exemplo, limitando os sujeitos (os
litigantes) afetados pela decisão judicial (modulação subjetiva).
Ressalte-se que a jurisdição
infraconstitucional não está livre dos mesmos problemas enfrentados pelas
Cortes constitucionais no que se refere aos reflexos decisórios oriundos do
exercício do controle de legalidade de uma norma.
Daí, porque, a exemplo que
ocorre no controle de constitucionalidade, é preciso predispor ou saber se
estão predispostos, aos demais tribunais superiores os instrumentos aptos à
modulação dos efeitos naturalmente retroativos de suas principais decisões ou
precedentes jurisprudenciais, com o fito de salvaguardar a ordem social e a
segurança jurídica.
O tribunal superior poderá se
valer de diversos métodos para equalizar a eficácia dos efeitos de sua decisão
quando houver risco de comprometimento de interesses sociais e da segurança
jurídica, não havendo, aqui, limitações ou regras específicas, diante do fato
de que o ajustamento depende de um indispensável exame casuístico.
A flexibilização dos efeitos
da jurisprudência dos tribunais é imprescindível à solução dos lancinantes
problemas oriundos da declaração judicial do “direito novo”, cuja aplicação
puramente retroativa poderá resvalar na ordem social, na segurança jurídica e, em
outros tantos valores protegidos pelo sistema constitucional vigente.
Os precedentes que se põem um
interpretar o direito processual, inclusive aqueles formados na chamada
jurisdição infraconstitucional, são passíveis desse ajustamento na esfera dos
tribunais superiores, a saber STF, STJ e TSE, tanto nas hipóteses de primeira
decisão, um precedente inédito, no juízo de legalidade ou de interpretação,
como principalmente no caso de mutação do direito ou overruling[6],
com base na aplicação da teoria da ponderação de princípios proporcionalidade,
que, na espécie, irá focar da teoria da ponderação de princípios proporcionalidade,
que, focará na instrumentalidade, a efetividade e a celeridade processual e, em
lato sensu, o devido processo legal e a segurança jurídica dos
litigantes.
Dessa forma, modulação in
abstracto dos efeitos da jurisprudência ou dos precedentes judiciais, a ser
implementada com excepcionalidade a partir do exame casuístico, apresenta-se,
portanto, como técnica processual adicional para a concretização dos escopos do
processo.
Precisamos entender as
principais diretrizes a respeito da modulação de efeitos das decisões do STF e
sua legislação correlata, particularmente, em face da Lei 9.868/1999.
Reconhecemos que a teoria da
nulidade é antiga e clássica. Sendo de origem norte-americana e admitida pelo
nosso ordenamento jurídico e, tem como efeito que todo ato contrário a Constituição
que é nulo.
A declaração judicial em sede
da ADI é de natureza meramente declaratória, opera em face ao ato nulo,
operando efeitos ex tunc, ou seja, atingindo fatos pretéritos ao seu surgimento
e sua invalidade ab initio.
Sobre a temática, se
manifestou o Ministro do STF, Gilmar Mendes, in litteris: “Assim, nos
Estados Unidos, a não-aplicação da lei declarada inconstitucional depende,
fundamentalmente, do instituto do stare decisis, que assegura, dentro de
certos limites, a observância do precedente. No Direito brasileiro, a eficácia
genérica da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, em caso concreto, depende da suspensão do ato pelo Senado Federal” (CF
1967/1969, art. 42, VII)”.
Lembremos sobre a teoria da
anulabilidade atribuída a Hans Kelsen[7], em sua obra “Jurisdição
constitucional”, na já conhecida visão sistemática e ordenativa, prospecta a ideia
de nulidade relativa no chamado sistema jurídico austríaco.
Para essa teoria, não se
declara a nulidade da norma, mas cassa-se a lei incompatível, com uma decisão
constitutiva, já no plano de eficácia, com efeitos ex nunc e erga
omnes, observando-se que até a decisão judicial, a lei permanece plena e
eficaz.
No controle difuso, não há
previsão legislativa, porém a jurisprudência do STF é firme em admitir a
modulação, valendo-se, por analogia, dos mencionados dispositivos legais. Como
é o exemplo do Recurso Extraordinário nº 197.917, Diário da Justiça 07/05/2004,
do município Mira Estrela.
Novamente, o insigne Ministro
Gilmar Mendes prossegue comentando sobre a possibilidade da aplicação da
analogia para a modulação de efeitos em controle difuso, in verbis:
“Assim, pode-se entender que se o STF
declarar a inconstitucionalidade restrita, sem qualquer ressalva, essa decisão
afeta os demais processos com pedidos idênticos pendentes de decisão nas
diversas instâncias. Os próprios fundamentos constitucionais legitimadores da
restrição embasam a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex nunc
nos casos concretos. A
inconstitucionalidade da lei há de ser reconhecida a partir do trânsito em
julgado. Os casos concretos ainda não transitados em julgado hão de ter o mesmo
tratamento (decisões com eficácia ex nunc) se e quando submetidos ao
STF.”
Cogita-se sobre a aceitação da
constitucionalidade do artigo 27 da Lei 9868/1999, o que não foi pacífico em
doutrina e, mesmo pouco tempo depois da vigência da citada lei, a OAB entrou
com duas ações diretas de inconstitucionalidade e foram propostas perante o
STF, alegando que a indicada lei deveria ter sido proposta por meio de emenda
constitucional e não por lei ordinária conforme fora realizado.
O Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) validou dispositivo da Lei 9.868/1999 (Lei das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
- ADIs) que autoriza a Corte a modular os efeitos da decisão em que for declarada
a inconstitucionalidade de normas. Por maioria, o colegiado julgou improcedente
o pedido formulado nas ADIs 2154 e 2258, apresentadas, respectivamente, pela
Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) e pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Prevaleceu no julgamento o
voto da ministra Cármen Lúcia. Ela explicou que o artigo 27 da Lei 9.868/1999 -
que trata da tramitação das ADIs e das Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (ADCs) - deu ao Supremo a possibilidade de, ao declarar a
inconstitucionalidade de uma norma, restringir os efeitos retroativos da
decisão à data do julgamento ou para o futuro.
Segundo a Ministra, ao modular
os efeitos da decisão, o STF faz uma ponderação entre preceitos
constitucionais, levando em conta os possíveis prejuízos da lacuna normativa
resultante da declaração de nulidade. Para Cármen Lúcia, ao fazer uso desse
procedimento, a Corte visa proteger a segurança jurídica, os direitos
fundamentais ou outros valores constitucionais que devam ser preservados. Ela
lembrou ainda que, na pendência do julgamento dessas duas ADIs, o STF já vem
modulando os efeitos de suas decisões.
Em seu voto, a Ministra também
afastou a alegação da CNPL de inconstitucionalidade por omissão no rito de
processamento das ações declaratórias de constitucionalidade, em razão do veto
do presidente da República a trechos do projeto de lei convertido na Lei
9.868/1999. Para a ministra, não há omissão do Poder Público no caso, e a
intervenção do Supremo poderia conferir ao Tribunal "um verdadeiro poder
de interferência positiva na ordem legislativa", afrontando o princípio da
separação dos poderes.[8]
Ficaram vencidos, quanto ao
artigo 27, os ministros Sepúlveda Pertence (relator) e Marco Aurélio, ambos
aposentados, que votaram pela procedência do pedido.
Frise-se que a sanção de
nulidade[9] requer a presença do
controle por meio incidental, apresentando a decisão judicial onde consta, o
que redunda na negativa de efeitos ab initio ao ato impugnado.
Já a sanção de anulabilidade
aparece, necessariamente, associada ao controle concentrado[10], em que produzam as
decisões anulatórias com eficácia erga omnes e não retroativas ou com
eficácia limitada.
Não ousamos a criticar a
necessidade da modulação de efeitos de nulidade relativa (anulabilidade) e, sim
criticar o âmbito de ativismo judicial incongruente e não eficaz em se tratando
da pronúncia de nulidade absoluta e sua harmonização sistêmica com vistas ao
parâmetro de controle existente nos sistemas jurídicos democráticos sociais.
No Brasil, a modulação dos
efeitos das decisões judiciais historicamente feita através das decisões
realizadas pelo Supremo Tribunal Federal para dar azo para interpretação[11] constitucional a certas
disposições normativas que passavam sobre o seu crivo de competência e
responsabilidade.
A Constituição brasileira de
1988 trouxe em seu artigo 5º, LVI, a regra de que “são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meio ilícito”. A redação dada a este dispositivo parece
indicar uma elevada rigidez do mesmo, havendo inclusive quem defenda a ideia de
que o texto constitucional não dá espaço interpretativo algum para uma eventual
tese da flexibilização da referida garantia.
Daí se afirmar que “a
presunção de inocência e a indisponibilidade do direito fundamental ameaçado, a
liberdade pessoal, acarretam uma proibição absoluta de utilização de provas
ilícitas em favor da acusação”.
A outra advertência refere-se
ao fato de nossa Constituição trazer um número de direitos e garantias tão
amplos que é preciso sempre harmonizar suas regras por via da interpretação, ou
seja, vale a máxima de que não há garantias absolutas na Constituição.
Conclui-se que é preciso
salientar que, após vinte anos da Constituição da República, o legislador ordinário
preferiu inserir tal norma de exclusão, no texto no Código de Processo Penal,
em um de seus projetos de reforma parcial, Lei 11.690 de 2008. Consta,
expressamente, que tal prova deve ser desentranhada dos autos e conceitua prova
obtida por meio ilícito como aquela que fere uma norma constitucional ou legal.
Em suma, a norma
constitucional que veda a utilização no processo de prova obtida por meio ilícito
deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, devendo o juiz, em
cada caso, sopesar se outra norma, também constitucional, de ordem processual
ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada.
Há ainda considerações de ordens
diversas acerca dos efeitos das provas ilícitas no processo, como aponta
Leonardo Greco (2002) quando, ao tratar da imparcialidade do juiz, traz o
aspecto da “contaminação psicológica” do magistrado que teve contato com a
prova posteriormente desentranhada dos autos. Advertência que, a princípio, foi
respaldada pelo projeto da Lei 11/690/2008, mas que foi vetado pelo Presidente
da República.
Em suas razões de veto,
argumentou-se que o objetivo da reforma é tornar o processo penal mais
eficiente, o que não ocorreria se toda vez que o Tribunal se exclui uma prova
sob tal alegação, tivesse que substituir os julgadores.
Com o advento das leis n.ºs
9.868 e 9.881de 1999, que regulam as ações direitas de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de inconstitucionalidade, a tormentosa querela que acabava gerando
uma falta de segurança jurídica nas decisões tomadas pela Suprema Corte teve fim,
pois, como expresso no artigo 27, do dispositivo, foi positivado:
“Ao declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo
Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os
efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
A respeito da interpretação do
artigo 27, que há três formas de declaração de inconstitucionalidade. Uma
primeira forma seria a nulidade parcial do texto normativo, apenas os
dispositivos em desacordo com a Constituição seriam declarados nulos,
subsistindo o restante da proposição normativa.
Uma segunda forma seria a
declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, com o tribunal
declarando uma hipótese de aplicação da lei, sem que haja modificação alguma do
texto normativo.
E, por último, a interpretação
conforme a Constituição, deverá haver uma preferência do tribunal ou juiz para
determinar uma interpretação que siga o prisma valorativo e positivo da Constituição.
À luz do artigo 27 da Lei
9.868/1999 (Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI) que devendo
estar presentes: I) Razões de segurança jurídica ou de II) excepcional
interesse social o Supremo Tribunal Federal poderá, pelo voto de 2/3 dos seus
ministros dar à decisão efeito ex nunc (com efeitos a partir deste
momento) ou ex nunc (com efeitos retroativos).
A modulação deve ser realizada
apenas em hipóteses extremas, nas quais o risco à segurança jurídica seja
efetivamente elevado, sob pena de enfraquecer a Constituição e, de se fomentar
a convalidação de inconstitucionalidades.
Assim, tal dispositivo, fixou
como competência exclusiva do STF, a restringir os efeitos ou decidir a eficácia
das decisões judiciais em controle de constitucionalidade.
A respeito da segurança
jurídica que deve buscar a efetivação de atos jurídicos já realizados, situações
jurídicas consolidadas e direitos já integrados ao patrimônio do cidadão.
No atual contexto
contemporâneo, o Legislativo perdeu seu protagonismo, a sua característica decisória
quando da eleição das questões que devem ser o objeto da lei, bem como em relação
à interpretação dessas questões.
Apesar de ser conferido, certo
poder interpretativo ao Judiciário, o que ocorre cada vez mais com a utilização
de conceitos abertos pela lei, mas tal poder não deve ser ilimitado, de forma a
ultrapassar as próprias decisões que são lastreadas na própria lei.
O mecanismo usado pelo STF
para que o consequencialismo judicial seja sério é a modulação temporal dos
efeitos das ações declaratórias de inconstitucionalidade, positivado no art. 27
da Lei 9.656/1999.
Nesse sentido, a lição de
Canotilho, in litteris:
“Os princípios da proteção da
confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder
confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus
direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as
normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos
ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam
basicamente para: (1) a proibição de leis retroativas; (2) a inalterabilidade
do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de atos administrativos constitutivos
de direitos’’.
Sem dúvida, a segurança
jurídica[12]
representa um dos pilares do Estado Democrático de Direito e que por meio desta
que os cidadãos colocados sob sua jurisdição deverão exteriorizar condutas e
assumir consequências advindas de seus atos.
Afinal, o interesse social
intimamente relacionado com a máxima prestação do Estado em face do cidadão e
da forma que este poderá maximizá-lo.
Nesse sentido, é conveniente
relembrar sobre o princípio da proporcionalidade que, a grosso modo, envolve a
adequação (relação causalista em uma relação de meio-fim em adoção de
determinada medida). E, o princípio da necessidade que prevê a utilização do
meio menos gravoso que possível. E, ainda a proporcionalidade em sentido
estrito que se refere a escolha da melhor norma que possível em aplicação ao
caso concreto.
O princípio da
proporcionalidade que vem sendo utilizado com um eficiente instrumento de solução
de conflitos, especialmente, em relação aos princípios, quando funciona como
uma diretriz a ser observada pelo intérprete, quando se está a ponderar sobre
conflitos constitucionais.
No entanto, recebe duras
críticas em decorrência da liberdade que concede aos magistrados para decidirem
conflitos. doutrina brasileira é uníssona ao atribuir ao princípio da
proporcionalidade três elementos essenciais, quais sejam: a adequação, a necessidade
e a proporcionalidade stricto sensu, destacando que não basta o atendimento
de um elemento apenas, mas tão-somente a conjugação de todos.
O princípio da
proporcionalidade, que vem sendo utilizado com um eficiente instrumento de solução
de conflitos, especialmente em relação aos princípios, quando funciona como uma
diretriz a ser observada pelo intérprete, quando se está a ponderar sobre
conflitos constitucionais[13].
Garcia de Enterría pontificou
como um aviso no sentido que as sentenças anulatórias de uma lei podem causar
catástrofes, não somente para o caso concreto, como também quando são
politicamente equivocadas podendo alcançar toda a comunidade.
Desta forma, não é possível
voltar a uma situação pretérita de inexistência da ordem municipal que produziu
efeitos e, ainda produz. Tendo portando efeitos irreparáveis a população do
município se decretada sua extinção.
Gilmar Mendes continua em seu
voto a explicitar que se deve buscar uma solução alternativa em sede de
controle de constitucionalidade a declaração de nulidade absoluta e a mitigação
de efeitos decorrentes. Citou o leading case Linkletter versus
Walker como exemplo de resolução de efeitos retroativos ou prospectivos são de
âmbito de cada caso concreto e questão de entendimento de política judiciária.
O Ministro após analisar uma série
de comparações no âmbito internacional conclui que há são aceitas diversas
formulas alternativas mitigadas para questões controversas e complexas do ponto
de vista da decisão e que a não observação disto poderia acarretar o caos
jurídico.
Concluiu, finalmente, seu voto
declarando inconstitucionalidade sem a pronuncia de nulidade de lei impugnada
mantendo a vigência pelo prazo de 24(vinte e quatro) meses, para posterior
apreciação do legislador estadual no que tange a matéria.
Cumpre esclarecer que a
expressão Common Law tem três sentidos, a primeira acepção consiste na
ideia de ‘Direito Comum’’, e sua incidência deriva das sentenças judiciais dos
tribunais de Westminster, na qual o rei unificou e subordinou os direitos das
antigas tribos inglesas.
Em oposição, vê-se o equity,
direito aplicado aos tribunais de Chanceler do rei e incumbido de zelar por
questões de âmbito da soberania e modelado pelo princípio da equidade.
Em um segundo sentido, se
refere a dualidade e ambivalência existentes entre o Common Law, como o
direito criado pelo juiz (Judge made Law) — como o case sendo seu
desmembramento, e de outro o direito criado pelo legislador postado fora do
Poder Judiciário (Statue Law).
Em um terceiro e derradeiro, Common
Law vem no sentido amplo de família de direito anglo-saxônicos com
demasiada influência do direito inglês e seus institutos (Equity Law versus
Common Law versus Statue Law) e em comparação com o Civil Law,
a aplicação de um direito da família romano-germânica. O Brasil se filia ao
Civil Law, não obstante venha sofrendo constantes “commonilização”.
Dessa forma, o doutrinador
traça um panorama de acepções equivocadas do Common Law: a) o Common
Law não é um direito anglo-saxônico — pois estes eram os direitos
costumeiros das tribos e inglesas e da corte no século X; também não se trata
de um direito inglês, visto que, outros países o adotam a exemplo dos EUA e da
Nova Zelândia.
Outra incorreção, seria pensar
o Common Law como um direito costumeiro, pois o sistema trabalha com um
elevado grau de preponderância da jurisprudência e respeito aos precedentes[14].
Segundo William Blackstone[15], jurista inglês, não
havia nenhuma autoridade para a proposição de que as decisões judiciais
julgadas tivessem validade para o futuro.
Ele declarou o entendimento de
que o dever do tribunal não era para “pronunciar uma nova lei, mas para manter
e expor o antigo entendimento’’. Não se confere direitos, que não impõe deveres,
não se proporciona nenhuma proteção; é, na contemplação jurídica, tão
inoperante como se nunca tivesse sido aprovada.
René Davi pontificou:
“Nos países de direito escrito em
que o direito se apresenta sob a forma de um direito legislativo, as regras de
direito são formuladas de uma generalidade, que o apelo a razão se processa,
normalmente, no quadro de formulas gerais, sob a forma de aplicação e
interpretação dessas regras; a existência de lacunas na ordem legislativa é
dificilmente reconhecida; mais do que para completar a ordem jurídica, a razão
desempenha uma função na interpretação da lei”.
No sistema jurisprudencial,
como é o direito inglês, a situação se apresenta muito diferente. O aspecto
casuístico que então reveste o direito deixa subsistir, de forma intencional,
muitas lacunas; e a razão é francamente reconhecida como uma fonte subsidiária
do direito, substituiu-se uma técnica de distinções, visando-a a estabelecer
regras novas, cada vez mais precisas, em vez de aplicar uma regra preexistente.
Os sistemas de direito de
família romana como a germânica são sistemas fechados, a Common Law é um
sistema aberto, onde novas regras são continuamente reveladas, estas regras,
fundam-se na razão’.
Enquanto o Civil Law enxerga
o direito como um edifício lógico-sistemático. O Common Law configura-se como um
sistema para a resolução de casos práticos se preocupando com os remédios reles
e remodelados.
Em segundo lugar, observa-se o
papel secundário da doutrina jurídica nos comentários aos casos e leis. Em
terceiro lugar, a própria simbologia adotada para representar cada sistema.
No sistema anglo-americano o
símbolo representativo seria uma “colcha de retalhos” buscando a solução para
os casos concretos e, o no sistema romano-germânico, a pirâmide kelseniana e
sua hierarquização normativo-sistemática.
Uma outra diferença nos dois
sistemas, atualmente ao que se refere ao controle de constitucionalidade está relacionado
na dicção de Keith S. Rosen apud Mauro Capelletti que chama de sistema
de concentração e sistemas de desconcentração.
Os concentrados restringem o
poder de decisão à corte constitucional ou Suprema Corte (Alemanha). Enquanto
os desconcentrados ou difusos permitem apreciação de todo o judiciário no que
tange a analise constitucional (EUA[16]). Novamente, outra diferença seria a diferença
de apreciação da matéria constitucional nos tribunais.
Enquanto no sistema difuso, as
partes remetem ações aos tribunais por via ordinária. Uma terceira e última
diferença tange a declaração de inconstitucionalidade.
No sistema concentrado, uma
decisão sobre inconstitucionalidade tem efeitos erga omnes. No sistema
difuso, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são interpartes.
Os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade nos EUA segundo Keith Rosenn em artigo publicado na
Revista de Direito Administrativo fazem completo resumo do parâmetro de
controle nos EUA.
Segundo a doutrinadora, o
modelo clássico de controle judicial difuso é o dos Estados Unidos. Qualquer
tribunal federal ou estadual tem o poder de decidir sobre a constitucionalidade
de qualquer lei ou decreto federal, estadual ou municipal.
Enquanto a Suprema Corte
americana é o último árbitro do significado da Constituição e do Direito
Federal, os Supremos Tribunais dos Estados são os últimos árbitros do
significado das Constituições e Leis estaduais.
No modelo dos EUA[17], o controle de constitucionalidade
são incidentais à função dos tribunais no decidir casos concretos. De acordo
com o artigo III da Constituição, os tribunais federais podem decidir apenas
casos reais e concretos entre partes adversas. Estes não podem declarar uma lei
ou outra norma inconstitucional em um processo abstrato.
A Suprema Corte recusa-se a
conferir legitimidade as pessoas para ajuizar reclamações de interesses gerais,
insistindo que apenas pessoas com uma “Lesão de fato” (injury fact)
podem ter legitimidade para promover ação nos tribunais federais.
O caso original de Marbury versus
Madison em 1803[18],
os tribunais dos EUA têm assumido que uma lei inconstitucional é nula ab
initio. Nas palavras do Justice Field: “Um ato inconstitucional não
é uma lei: não confere direitos: não
impõe obrigações; não proporciona proteção; não cria funções; é, na
contemplação legal, tão inoperante como se nunca tivesse sido aprovado”.
Desde então, as decisões de
constitucionalidade dos tribunais norte-americanos têm sido inteiramente
retroativas, aplicando-se ex tunc e a todos os casos não decididos.
Em 1965, entretanto, no
processo revolucionário do procedimento criminal estatal fazendo a maior parte
da Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights)[19] inteiramente aplicável
aos estados. a Suprema Corte assentou em
Linkletter versus Walker que
determinadas de suas decisões inovadoras não necessitavam ser aplicadas
retrospectivamente às condenações criminais estaduais que tivessem sido
firmadas antes destas.
O precedente Mapp versus
Ohio, 367 US 643 (1961), foi um caso marco no processo penal, no qual a Suprema
Corte dos Estados Unidos decidiu que as provas obtidas em violação da Quarta
Emenda, que protege contra “buscas e apreensões,” não pode ser utilizado em
processos criminais conforme a lei do Estado em tribunais estaduais, bem, como
tinha sido anteriormente a lei, como em processos federais de direito penal nos
tribunais federais.
O Supremo Tribunal realizou
este através da utilização de um princípio conhecido como incorporação
seletiva; em Mapp isto envolveu a incorporação das disposições, tal como
interpretado pelo Tribunal de Justiça, da Quarta Emenda, que são aplicáveis
apenas às ações do governo federal para a cláusula do devido processo Décima
Quarta Emenda[20],
que é aplicável a ações do Estado,
Verificando o caso Linkletter versus
Walker. Victor Linkletter foi
condenado pela corte do Estado de Louisiana (EUA), com provas coletadas
ilegalmente pela polícia antes da decisão da Suprema Corte norte americana,
sobre a quarta emenda no caso Mapp versus Ohio na qual ficou
expressa a ilegalidade de provas obtidas de forma ilícita no âmbito do
julgamento. Dessa forma, Linkletter
pleiteou a modulação de efeitos retroativos para o âmbito de esfera do seu caso
(questiona-se: seria prova ilícita?)
Na decisão final 7 a 2, a
Suprema Corte decidiu que a Constituição nem proibia nem exigia “uma regra
absoluta de retroação”. Só uma análise caso a caso das regras em questão era
necessário.
O Tribunal concluiu que a má conduta
policial antes de Mapp já havia ocorrido e, que não seria corrigido pela liberação
dos prisioneiros envolvidos.
O Tribunal de Justiça também
argumentou que a aplicação da decisão Mapp retroativamente a todos os casos
ameaçaria a “relação Estado-federação” e seria “taxar a administração da
justiça ao máximo.” Apenas os casos em
avaliação direta no momento da Mapp dominantes ou, casos mais tarde viriam a
ser objeto de consideração retroativa.
Decisão: A regra de exclusão
anunciado em Mapp não se aplica a condenações judiciais do Estado que se
tornaram final antes de sua capitulação. P. 381 U. S. 622-640.
O entendimento da Suprema Corte,
no final do julgamento, foi no sentido de que a Constituição norte-americana,
principalmente no que tange a quarta emenda, não proíbe nem impõe a
retroatividade e, em sede de análise de caso concreto, a Corte determinará se a
aplicação de efeitos retroativos ou prospectivos é adequada e proporcional.
O cerne principal de
argumentação jurídica do julgado foi a aplicação da Quarta Emenda, com a análise
da regra de exclusão, dentro dos seus direitos, sendo aplicada a retroatividade
dos efeitos. A aplicação de efeitos fica concernente no julgamento para aquela
situação irregular e da aplicação da quarta emenda como fica claro na análise
do processo.
O caso Mapp versus Ohio[21] também merece
consideração, em como a data de sua aplicação. Segundo o entendimento do justice
Clark, foi feito um resumo do caso, que se segue:
O peticionário foi condenado
em um Tribunal do Distrito de Louisiana em 28 de maio de 1959, de “roubo
simples.” No momento de sua prisão, ele tinha estado sob vigilância durante
dois dias como um suspeito em conexão com outro roubo. Ele foi levado para a delegacia de polícia,
procurou, e as chaves foram retiradas de sua pessoa. Depois que ele foi
reservado e colocado na cadeia, outros oficiais tomou as chaves, entrou e
procurou em sua casa, e apreenderam certos bens e documentos. Mais tarde, seu
local de trabalho foi vasculhado e procurou, e as apreensões foram efetuadas.
Essas invasões foram feitas
sem um mandado judicial. O Tribunal Distrital de Estado considerou que quem o
prendeu tinha motivos razoáveis para a prisão sob a lei Louisiana, e encontrar
a causa provável para pesquisa como um incidente para prendê-lo realizadas as apreensões
válidas. O Supremo Tribunal de Louisiana afirmou em fevereiro de 1960.
Em 19 de junho de 1961, foi
anunciado a sentença de Mapp versus Ohio. Imediatamente depois, o
peticionário apresentou um pedido de habeas corpus no tribunal estadual
com base em Mapp. O mandado foi negado nos tribunais da Louisiana, ele então
entrou com um pedido como no Tribunal Distrital dos Estados Unidos.
Depois da negação nesse
tribunal, o peticionário apelou ao Tribunal de Apelações e este confirmou a sentença.
Ele encontrou junto a provas da prisão, o uso de meios ilícitos para obtenção
da prova, portanto, ilegal, mas considerou que a exigência constitucional de
exclusão das provas sob Mapp não foi retrospectivo.
Peticionário tem dois pontos:
(1) que o Tribunal de Apelações considerou erradamente que Mapp não foi retrospectivo;
e (2) que, apesar de Mapp ser realizada a não operar de forma retrospectiva, a
busca no seu caso era subsequente àquele em Mapp, e enquanto sua condenação
final foi longa antes da nossa disposição dele, seu caso deve, contudo, ser
governado por Mapp[22].
No Brasil, vige a regra ainda
é o princípio da nulidade, não obstante, tendo em vista situações excepcionais,
admite-se a modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidades tanto
no controle difuso quanto no controle concentrado.
O artigo 27 da Lei 9.868/1999
tentou trazer regulamentação para a espécie, entretanto, tal artigo padece de
inconstitucionalidade.
A despeito da
inconstitucionalidade do art. 27 da lei 9.868/1999[23], o Poder Judiciário pode
realizar a modulação de efeitos com base nos princípios da segurança jurídica e
da proporcionalidade, mediante um criterioso processo de ponderação de
interessem em conflito, permitindo-se, excepcionalmente, que a norma
inconstitucional produza efeitos como se constitucional fosse.
Percebeu-se, claramente, na análise do julgado
da ADI 2240 uma concretização dessa posição adotada pelo Supremo ainda que em
tese o âmbito de discricionariedade das decisões do Supremo deviria ter
‘’freios’’ em sede de controle concentrado e não em sede de controle
concreto-incidental como ocorreu no julgamento da constitucionalidade do
Município de Luis Eduardo Magalhães[24].
Nos EUA, a não-aplicação da
lei declarada inconstitucional depende, fundamentalmente, do instituto do stare
decisis, que assegura, dentro de certos limites, a observância do
precedente.
E, desde o precedente
Linkletter versus Walker que foi um leading case que marcou o
entendimento na modulação de efeitos em sede de controle de constitucionalidade
em que a inconstitucionalidade de um ato terá seus efeitos (retroativos ou
prospectivos) julgados ad causum, ou seja, de acordo com cada caso e o
consequente entendimento do tribunal.
Exige-se, in casu, da
Suprema Corte a apresentação de rigorosa motivação, fundamentação reconstrutiva
na dicção do Professor Carlos Blanco de Morais, pois se é certo que o Tribunal
resta vinculado aos princípios constitucionais na conferência da necessidade de
delimitação temporal da sua jurisprudência, seja em face da segurança jurídica,
ou de excepcional interesse social, por outro lado, a adoção de tais princípios
confere maior grau de criatividade persuasiva e propriamente criativa no balanceamento
político e valorativo que lhe assiste realizar, isto é, mais um balanço de
interesses, do que uma interpretação jurídica propriamente dita que pressupõe é
inegável, uma maior margem de discricionariedade, na dedução das situações
propícias a permitir a modulação da jurisprudência.
O que permite concluir que a
função do tribunal será convencer a opinião pública, os operadores do direito
e, enfim, os destinatários da norma de que a suavização dos efeitos da sentença
está baseada em valores legítimos, de fundamental importância, e não em meros interesses
incidentais iluminados por ocasionais pressões políticas ou populares.[25]
Em 1972, no auge da Guerra
Fria, ficou confirmado de forma unânime pela Suprema Corte, no caso United
States versus U.S. District Court, que as atividades de inteligência
que incluíssem vigilância eletrônica de suspeitos dentro do território
norte-americano são consideradas buscas, e, por conseguinte, deveriam ser
autorizadas por um juiz. Ressalte-se que não haveria a aludida necessidade caso
a ação tivesse enfoque internacional.
Com o passar do tempo, várias
linhas tênues relacionadas sobretudo ao avanço tecnológico começaram a servir
de pano de fundo para os casos atinentes à Quarta Emenda julgados pela Suprema
Corte, sempre com o escopo de buscar a adequação da atuação estatal à moldura
constitucional.
Além disso, em 2001, logo após
os atentados do 11 de setembro, foi promulgado o controverso Patriot Act,
lei que concedeu maiores poderes para a polícia e as agências de inteligência
norte-americanas para investigar suspeitos de terrorismo.
Ainda, em 2012, no caso United
States versus Jones, o qual tinha como pano de fundo uma investigação
baseada no Patriot Act, a Suprema Corte decidiu que a instalação de
localizadores GPS em automóveis, constitui uma busca, de modo que se faz
necessário um mandado judicial para tanto. Ademais, o equipamento só poderia
permanecer instalado durante o tempo constante do mandado judicial. Assim, se o
tempo fosse excedido, a ação passaria a ser ilegal e qualquer prova advinda
dela não seria admitida.
Em 2014, no importante caso Riley
versus California, a Suprema Corte, de forma unânime, decidiu no sentido de
que para a polícia acessar o conteúdo do telefone celular de alguém, mesmo que
a pessoa esteja sendo presa, faz-se necessário um mandado judicial.
A justificativa da Corte foi
de que o conteúdo digital de um celular não pode ser usado como uma arma para
atingir um policial, por exemplo, em caso de uma tentativa de fuga do preso.
Assim, os policiais podem examinar materialmente o aparelho para ver se há algo
escondido ou oculto, mas para acessar os arquivos pessoais nele existentes,
precisam de autorização judicial.
Demonstra-se em linhas gerais
que a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos possui um louvável
viés garantista no tocante à aplicação da proibição das buscas e apreensões
irrazoáveis ou sem autorização.
Amplia-se, portanto, a
proteção dos indivíduos e adequa-se a atividade investigativa estatal aos
ditames democráticos erigidos na Constituição Norte-Americana e compartilhados
com, por exemplo, a Constituição Federal do Brasil de 1988.
O STF modula efeitos de
decisão que afastou a incidência de IR e CSLL sobre a Selic na devolução de
tributos pagos indevidamente. A decisão
deve produzir efeitos desde 30/9/21, data da publicação da ata de julgamento do
mérito do recurso extraordinário.
Vide a jurisprudência abaixo as ementas:
Em setembro de 2021, o
plenário do STF decidiu que é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL
sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição
de indébito tributário. RE 1.063.187.
STF modula efeitos de IR e
CSLL sobre Selic na repetição de indébito Plenário seguiu por unanimidade o
entendimento proposto por Dias Toffoli, relator do caso.
Repetição de indébito
tributário
O colegiado, acompanhando o
voto do ministro Dias Toffoli (relator), esclareceu que a decisão se aplica
apenas nas hipóteses em que há acréscimo de juros moratórios, mediante a taxa Selic
em questão, na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por
meio de compensação) tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Segundo
o ministro, a questão acerca da necessidade de existência de juros moratórios e
de repetição de indébito tributário foi evidenciada no julgamento do RE,
inclusive nos demais votos. A definição da natureza jurídica dos juros
relativos aos depósitos judiciais ou avençados em contratos entre particulares
foge do tema discutido.
Novo entendimento do STJ sobre
prazo prescricional de tributo não tem efeitos retroativos. Segundo o Ministro
Ricardo Lewandowski, o processo de evolução jurisprudencial deve assegurar
direitos e resguardar comportamentos que até então estavam em conformidade com
o entendimento anterior.
Nos casos em que o tributo era
declarado inconstitucional, o STJ entendia que o prazo prescricional para
ajuizar a ação de repetição do indébito se iniciava com o trânsito em julgado
da ADI no STF ou da resolução do Senado Federal que suspendia a lei.
Porém, em junho de 2007, o STJ
alterou sua jurisprudência, passando a adotar, também para essas hipóteses, a
tese dos “cinco mais cinco” no cômputo da prescrição tributária. Com isso, o
início do prazo não mais se relaciona à declaração de inconstitucionalidade
pelo STF, mas à data da homologação tácita, depois de decorridos cinco anos do
fato gerador. A ADPF 248 foi ajuizada no STF pela Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
O CPC/2015, por seu turno, por
meio do art. 927, § 3º, introduziu norma – sem correspondente no CPC/1973,
prevendo que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos,
pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da
segurança jurídica.
Ainda, a Lei n. 13.655/2018
inseriu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o art.
24, com o seguinte teor:
“A revisão, nas esferas administrativa,
controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo
ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta
as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior
de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo
único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações
contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência”.
O Supremo Tribunal Federal
proferiu, em várias oportunidades, decisões com modulações de seus efeitos com o
intuito de dar interpretação conforme a Constituição a certos dispositivos
normativos.
É possível perceber, então,
que o legislador brasileiro optou por um modelo diferenciado, em que é possível,
a depender do caso, a adoção de outras medidas que não somente a declaração de
nulidade total da norma.
Nosso ordenamento jurídico
permite[26], por exemplo, a
declaração de nulidade parcial, hipótese em que somente os dispositivos
inconstitucionais serão declarados nulos e não a totalidade da lei.
No entanto, caso as normas subsistentes
não possam existir de forma autônoma, ou caso elas não correspondam à vontade
do legislador, não será possível a manutenção dessa lei no ordenamento.
Na Interpretação conforme a Constituição,
por sua vez, o juiz ou Tribunal, no caso de haver duas interpretações possíveis
de uma lei, deverá optar por aquela que se mostre compatível com a
constituição. Portanto, o Tribunal declarará a legitimidade do ato questionado
desde que interpretado em conformidade com o texto constitucional.
Cabe ressaltar que o
afastamento do princípio da nulidade só ocorrerá quando demonstrado que a
declaração de inconstitucionalidade traria danos à segurança jurídica ou a
algum outro valor constitucional diretamente vinculado ao interesse social.
Assim sendo, o procedimento adotado de um quórum especial, de dois terços dos votos,
garante uma maior restrição na utilização da modulação dos efeitos da decisão.
O Supremo Tribunal Federal
poderá, também, declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, permitindo
que se operem a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que
o legislador, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar sobre a situação
inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da
nulidade/restrição de efeitos).
Quanto à existência de
suspensão dos efeitos da lei antes da decisão definitiva da Corte, persistem no
ordenamento jurídico brasileiro as medidas cautelares, que são cabíveis na ação
direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade.
Assim sendo, na hipótese da
ação direta de inconstitucionalidade, o Tribunal, por decisão da maioria
absoluta de seus membros, concederá liminar para suspender a vigência da norma
impugnada até a decisão final, em caráter excepcional de urgência.
Suprema Corte definiu que "(para) a
modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários
repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de
inconstitucionalidade de ato normativo, é suficiente o quórum de maioria
absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal”.[27]
Em resumo, no sistema jurídico brasileiro tem-se desenvolvido técnicas de interpretação constitucional que permitem a suspensão dos efeitos da lei em caráter excepcional, até que a decisão definitiva seja prolatada, além de possibilitar que o STF module os efeitos de suas decisões, por meio de técnicas de declarações parciais ou totais de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, efeitos ex tunc, ex nunc, pro futuro e interpretação conforme a Constituição.[28]
Referências
ABBOUD, Georges. Jurisdição
Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: RT, 2011.
ABRAHAM, Marcus. Modulação
dos Efeitos em Caso de Alteração da Jurisprudência Tributária Dominante. In:
Revista Dialética de Direito Tributário, n.193/80.
AGAMBEN, Giorgio. Homo
Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua. v. I. 2ª. ed. Tradução de.
Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002 (Homo Sacer – Il Potere
Sovrano e la nuda vita).
______. Estado de Exceção.
Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004 (Stato di Eccezione).
ALVIM, Teresa Arruda. Modulação
na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São
Paulo: RT, 2020.
ÁVILA, Humberto. Segurança
Jurídica - entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário.
São Paulo: Malheiros, 2011.
BLACKSTONE, William. Commentaries
on the Laws of England in Four Books. v. 1 [1753].
BARROS, Flaviane de Magalhães;
TEIXEIRA, Ricardo Augusto de Araújo. A Fundamentação do Princípio da
Exclusão: Análise hermenêutica da vedação das provas ilícitas no Processo
Penal. Revista NEJ, volume 13, n.1, p.107-118. /janeiro-junho de 2008.
BARROSO, Luís Roberto. Em
algum lugar do passado: Segurança Jurídica, Direito Intertemporal e o Novo
Código Civil. In: Constituição e Segurança Jurídica - direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, estudos em homenagem a José
Paulo Sepúlveda Pertence. 2ª.ed. Coordenação de Cármen Lúcia Antunes Rocha.
Belo Horizonte: Fórum, 2009.
BOBBIO, Norberto. O Positivismo
Jurídico - lições de filosofia do direito, compiladas por Nello Morra.
Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bisi, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone,
2006.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª.ed. Coimbra:
Almedina, 2003.
___________. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1996.
_______________. MOREIRA,
Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3ª.ed. Coimbra:
Coimbra, 1993.
CHAGAS, Vitória Medeiros de
Melo Caballero; DE TOLEDO, Maria Danielle Rezende. O Consequencialismo na
Modulação de Efeitos das Decisões Judiciais e sua Aplicação em Matéria
Tributária. Revista da Defensoria Pública. RS. Porto Alegre. Ano 14. n.33, p.
89-116, 2023.
CAPELLETI, Mauro. Judicial
Review in the Contemporary World. Indianapolis: Bobas Merrill Company,
1971.
CARRAZA, Roque; FERRAZ, Tercio
Sampaio Ferraz; NERY JUNIOR, Nelson. Efeito ex nunc e as decisões do
STJ. 2.ed. Barueri, SP: Manole, 2009.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Parâmetros
de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial. In:
Direito Jurisprudencial. Coordenação de Tereza Arruda Alvim Wambier. São Paulo:
RT, 2012.
CUNHA JR., Dirley. Curso de
Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2014.
DAVID, René. Os grandes
sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações
da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Instrumentalidade do Processo. 11ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003.
DRESSLER, Joshua. Understand
Criminal Procedure. 2ª. ed. San Francisco, CA: Matthew Bender, 1997.
GOUVEIRA, Carlos Eduardo. A
proibição das buscas e apreensões irrazoáveis na jurisprudência da Suprema
Corte dos EUA. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/6719/
Acesso em 10.12.2023.
GRECO, Leonardo. Garantias
Fundamentais do Processo: o processo justo. Disponível em:
GÜNTHER, Klaus. Teoria da
Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. Tradução de Cláudio
Molz. São Paulo: Landy Editora, 2004.
______. Un concepto
normativo de coherencia para uma teoria de la argumentación jurídica.
Tradução de Juan Carlos Velosco Arroyo. DOXA, V17 -18, PP 271-302, 1995.
HABERMAS, Jürgen. Três
Modelos Normativos de Democracia. Tradução de. Anderson Fortes de Almeida;
Acir Pimenta Madeira. Cadernos da Escola do Legislativo. Belo Horizonte, 3 (3).
105-122. jan./ jun.1995.
______. A Constelação
Pós-Nacional. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera
Mundi, 2001.
______. Direito e
Democracia: entre faticidade e validade. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. I.
HESSE, Konrad. Elementos de
Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1998.
KELSEN, Hans. Jurisdição
Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
LEITE, Gisele. Breve
histórico da cultura jurídica brasileira. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/breve-historico-da-cultura-juridica-brasileira/437359784
Acesso em 11.12.2023.
MENDES, Gilmar Ferreira;
COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional 3ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008;
______. Controle de
constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva,
1990.
MENDES, Gilmar Ferreira;
COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.
RAMOS, Elival da Silva. A
inconstitucionalidade das Leis: Vícios e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994.
______. Ativismo Judicial:
Parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2015.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 4ª.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
ROSENN, Keith S. Os Efeitos
do Controle Judicial de Constitucional nos Estados Unidos, Canadá e América
Latina numa Perspectiva Comparada. Revista de Direito Administrativo, Rio
de Janeiro, n. 235, p. 159-185, jan./mar. 2004.
__________. O Jeito da
cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
SARMENTO, Daniel. Eficácia Temporal
do Controle de Constitucionalidade das Leis. Revista de Direito
Administrativo, n. 212, 1998.
SCHUELLER, Larissa Pinheiro. Controle
Difuso de Constitucionalidade. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/2/Controle_de_Constitucionalidade_140.pdf
Acesso em 10.12.2023.
Notas:
[1]
O entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle
de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da
norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de
outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo
grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos. Contudo,
se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a
técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do
STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário,
passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Com efeito, no caso das decisões do STJ,
embora no passado houvesse intenso debate sobre a possibilidade de as Cortes
Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas decisões,
tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior, pelo advento
do Código de Processo Civil de 2015.
[2]
Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito
fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal.
[3] Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências.
[4]
Dispõe sobre o processo e
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
[5]
O controle difuso de constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos da América
em 1803, quando do célebre julgamento do caso William Marbury versus James
Madison, no qual o Juiz John Marshall afirmou a supremacia das normas constitucionais
no ordenamento jurídico, fixando-se pioneiramente a tese fundamental de que os
atos normativos em geral não podem ser editados em desconformidade com o
disposto na lei magna. Assentou-se,
naquele caso, que cabe ao Poder Judiciário decidir quando e em que medida
determinada ato viola a Constituição.
O sistema do controle
difuso de constitucionalidade, também denominado controle concreto ou
incidental de constitucionalidade, permite ao magistrado ou órgão colegiado
analisar, no caso concreto, a compatibilidade de uma lei ou ato normativo
perante a Constituição. Trata-se de modalidade de controle repressivo de
constitucionalidade, sendo a outra modalidade pela via concentrada.
[6]
JULGADOS DO TJDFT "II - Não se considera falta de fundamentação a ausência
de distinção (distinguishing) ou a superação (overruling) de
entendimento quanto à precedentes não vinculativos suscitados pelas partes,
mesmo porque vigora em nosso sistema o princípio do livre convencimento
motivado.” (Acórdão 1157581, 07258496520178070001, Relator Designado: JOSÉ
DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 14/3/2019, publicado no DJE:
22/3/2019.)
3. Os precedentes a que o art. 489, §1º, inciso VI do CPC/2015 se refere são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332 do CPC/2015. 3.1. O citado dispositivo não se aplica, assim, a precedentes persuasivos. Neste caso, o julgador pode deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique sua decisão. (...). (Acórdão 1148444, 07058472320178070018, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de Julgamento: 6/2/2019, publicado no PJe: 11/2/2019.)
[7]
Também surge na Áustria, com a Constituição de 1920, sob a influência de Hans
Kelsen, o controle de constitucionalidade concentrado, em que cabia somente à
Corte Constitucional daquele país o controle de constitucionalidade das normas.
Ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, segundo o controle de
constitucionalidade austríaco, a norma não era inconstitucional desde sua
origem, como era e é no controle de constitucionalidade norte-americano, mas os
efeitos passariam a valer a partir da fixação de inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo. Ou seja, os efeitos passariam a ser ex nunc ou a partir de
outro momento em que os efeitos, segundo a Corte, haveriam de prevalecer.
[8]
No Brasil, há construção jurisprudencial de tal garantia já antes da atual
Constituição, notadamente no HC 63.834 de 18/12/1986, de relatoria do Ministro
Célio Borja. Já sob o atual regime constitucional,
o leading case na matéria é o HC 69.912, de relatoria do Ministro
Sepúlveda Pertence, no qual, todavia, a discussão é mais focada na questão da
prova ilícita por derivação, vez que se assume que, em razão da regra explícita
da inadmissibilidade trazida no corpo da Constituição, não há de se discutir a
regra objeto deste estudo. Desta feita, a base teórica desta garantia
processual nos ordenamentos jurídicos ocidentais remonta, invariavelmente, à
elaboração da Suprema Corte dos Estados Unidos acerca da regra prevista na
Quarta Emenda.
[9]
Em 8 de fevereiro de 2023, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), no
julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 955.227/BA (Tema nº 885 da
Repercussão Geral) e 949.297/CE (Tema nº 881 da Repercussão Geral), anunciou
surpreendentes novidades sobre a relação entre os efeitos temporais da coisa
julgada em matéria tributária e o seu papel no controle de constitucionalidade
das leis. Em paralelo, ainda no ano de 1992, o Plenário do STF se manifestou em
dois casos (Recursos Extraordinários nºs 138.284/CE e 146.733/SP), em controle
difuso de constitucionalidade — muito antes da instituição e da regulamentação
do regime da repercussão geral, por meio da Lei nº 11.418/2006 e da Emenda
Regimental nº 21/2007 —, confirmando a constitucionalidade da Lei nº 7.689/1988
e da cobrança da CSLL. Passo seguinte,
em 2007, o tribunal declarou a constitucionalidade da mesma lei, no julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 15-2.
[10]
É um mecanismo pelo qual a Corte poderá declara a inconstitucionalidade ou
constitucionalidade de normas. É limitado ao STF quando a norma-paradigma é a
Constituição Federal brasileira vigente e aos Tribunais de Justiça Estaduais,
quando a norma-paradigma seja a Constituição Estadual. No controle concentrado,
tem-se um legitimado que irá ingressar com a ação para clamar ao Poder
Judiciário que reconheça a inconstitucionalidade da norma. Assim, as ações
ajuizadas nessa sede dão ensejo a um processo objetivo. São alvos passíveis de
controle de constitucionalidade pelo STF as espécies normativas elencadas no
artigo 59 da CF/1988.
[11] A interpretação do grego épunveía, do latim interpretatio em geral, significa a possibilidade de referência de um signo ao que ela designa, ou também a operação através da qual um sujeito, chamado de intérprete estabelece a referência de um signo de seu objeto (designado) Aristóteles denominou a interpretação, o livro em que estudou a relação entre os signos linguísticos e os pensamentos e entre os pensamentos e as coisas. Ele de fato considerava as palavras como sinais das afeições da alma, que são as mesmas para todos e constituem as imagens dos objetos que são idênticos para todos, considerando ademais como sujeito ativo dessa referência a alma ou o intelecto.
[12]
No entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle
de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da
norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de
outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo
grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos. Contudo,
se no campo do controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a
técnica da modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do
STF, ela, embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário,
passou a ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) Com efeito,
no caso das decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre
possibilidade de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e
prospectivos de suas decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido
em coluna anterior, pelo advento do Código de Processo Civil de 2015.
[13]
No entendimento do STF, a modulação dos efeitos da decisão em sede de controle
de constitucionalidade requer uma ponderação entre o princípio da nulidade da
norma inconstitucional e a segurança jurídica e/ou o interesse social, além de
outros princípios e direitos fundamentais afetados direta e indiretamente pelo
grande impacto econômico de eventual decisão com efeitos retroativos.
Contudo, se no campo do
controle da constitucionalidade de leis e atos normativos a técnica da
modulação já encontrou ampla receptividade na prática decisória do STF, ela,
embora mais recentemente e de modo ainda relativamente embrionário, passou a
ser também manejada no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Com efeito, no caso das
decisões do STJ, embora no passado houvesse intenso debate sobre a possibilidade
de as Cortes Superiores modularem os efeitos retroativos e prospectivos de suas
decisões, tal celeuma foi superada, como já desenvolvido em coluna anterior,
pelo advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC). Nesse sentido,
relembre-se que o artigo 927, CPC, em especial no § 3º e no § 4º, traz de forma
contundente a necessidade de prestígio da segurança jurídica também no agir do
Estado-Juiz
[14]
Ademais, apresentam-se aportes teóricos à compreensão dos precedentes,
apontando-se à presença da integridade e da coerência, bem como do
constitucionalmente estabelecido, como forma de entrega de respostas adequadas.
Ainda, visando compreender criticamente o processo decisório e os precedentes,
direciona-se o escrito à teoria da resposta constitucionalmente adequada de
Streck e a ocorrência de overruling.
[15]
William Blackstone (Cidade de Londres, 10 de julho 1723 – Wallingford, 14 de
fevereiro 1780) foi um jurista britânico conhecido por ter escrito os
“Comentários sobre as Leis de Inglaterra”, 1765-1769, a primeira grande obra da
jurisprudência inglesa desde “Institutes”, 1628-1644, de Sir Edward
Coke. William Blackstone, entretanto, mudou tudo isso com os seus “Commentaries
on the Law of England”. Desse livro clássico, possuo, orgulhoso, uma edição
fac-símile da 1ª edição de 1765-1769, publicada pela The University of
Chicago Press em 1979.
[16]
A evolução do sistema de controle de constitucionalidade nos Estados Unidos tem
por consequência a adoção da ação declaratória como técnica basilar, vale
dizer, o Judiciário apenas aclara o vício de inconstitucionalidade previamente
existente. Tal posicionamento já era defendido por Alexandre Hamilton em sua
obra “O Federalista”, quinze anos antes da referida decisão de John Marshall,
[17]
É perceptível a diferença entre o tratamento dos precedentes do direito
norte-americano, que são exaustivamente
trabalhados e revisitados, sendo possível inclusive uma reconstrução da argumentação feita desde a primeira decisão
submetida à Suprema Corte, da prática da análise dos julgados brasileira, principalmente do papel
do Supremo Tribunal Federal, que excluiu quase que por completo a compreensão do fato e,
principalmente, a argumentação das partes, para centrar-se na tese jurídica sustentada pelos julgadores.
[18]
Nesse julgamento, John Marshall, então juiz da Suprema Corte americana,
enunciou três grandes fundamentos que embasaram a teoria do controle de
constitucionalidade, a saber: i) a supremacia da Constituição; ii) a nulidade
da lei que contrarie a Constituição e; iii) competência do Poder Judiciário
para dar interpretação final à Constituição.
[19]
O Bill of Rights contém uma série de dispositivos que dizem respeito ao
sistema criminal, notadamente na quarta, quinta e sexta emendas. Apesar da
clareza que tais textos têm para nós atualmente, eles permaneceram em grande
parte inexplorados até o início do século XX. Daí alguns autores falarem em criminal
justice Revolution, quando se referem ao desenvolvimento proporcionado pela
Suprema Corte nesta seara a partir, notadamente, de 1914. Por se tratar da
formação de um país a partir da transformação de uma confederação numa
federação, havia – e ainda há - sérias preocupações referentes à excessiva
centralização de poder no ente federal.
Em razão destas preocupações, foi criado o Bill of Rights, que
trazia regras “projetadas como limitações ao poder do governo federal, e que
não foram planejadas para restringir as ações dos governos dos Estados”.
(DRESSLER, 1997).
[20]
A Décima Quarta Emenda à Constituição norte-americana, especialmente sua Seção
n. 1, em que estabeleceu a cidadania nacional para todos os nascidos e
naturalizados nos Estados Unidos, é vista pela doutrina como clara correção
legislativa da decisão adotada em Dred Scott. A "Cláusula do Devido
Processo" proíbe os governos estaduais e locais de privar pessoas da vida,
liberdade ou propriedade sem um procedimento justo.
[21]
Foi uma decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos, na qual a corte
decidiu que a regra de exclusão, que impede os promotores de usar em tribunal
provas obtidas pela violação da Quarta Emenda da Constituição, aplica-se não
apenas ao governo federal, mas também ao os governos estaduais.
[22]
Positivada na 4ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, tal garantia
trata-se, na verdade, de uma conquista dos cidadãos, encontrando-se presente
nos mais diversos ordenamentos jurídicos democráticos, como o brasileiro. Ao
analisar casos concretos relacionados à proibição de buscas e apreensões
irrazoáveis ou sem autorização, a Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual
possui papel de pedra angular no estabelecimento de precedentes vinculantes,
começou a desenhar a moldura de aplicação da garantia em comento, com as suas
principais nuances. Esse caso teve forte influência na mudança da cultura de
investigação policial, delimitando mais firmemente as balizas constitucionais
dos direitos dos investigados. Ainda na década de 60, outro caso emblemático
foi o de Katz v. United States, no qual Charles Katz foi condenado por participar
de um esquema de apostas ilegais com base em provas obtidas através de uma
escuta realizada pela polícia – sem autorização judicial – em uma cabine
telefônica pública. A Suprema Corte então decidiu que, independentemente do
local, as conversas são protegidas de interceptações policiais sem mandado
judicial, justamente por uma razoável expectativa de privacidade – a Corte
entendeu que escutas telefônicas contam como busca -. Assim, seja em sua
residência ou em uma cabine telefônica, todos devem ter seu direito
constitucional à privacidade respeitado.
[23]
O artigo 27 da Lei 9.868/1999 - que trata da tramitação das ADIs e das Ações
Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) - deu ao Supremo a possibilidade
de, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, restringir os efeitos
retroativos da decisão à data do julgamento ou para o futuro. Para amenizar a
declaração de nulidade absoluta com efeitos retroativos, surge, então, o artigo
27 da Lei n. 9.868/99 como técnica de decisão alternativa, que veio a permitir
que o Supremo Tribunal Federal limite os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, por maioria de dois terços dos ministros.
[24]
Luís Eduardo Magalhães é um Município do Oeste da Bahia, que foi emancipado de
Barreiras em 30 de março de 2000, através do projeto de Lei nº 395/1997. O nome
foi uma homenagem ao filho do ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães,
escolhido após referendo.
[25] Gilmar Mendes afirma que as formas pelas
quais pode ocorrer a modulação dos efeitos são três: a) declarar a
inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado da decisão de
inconstitucionalidade (declaração de inconstitucionalidade ex nunc); b)
declarar a inconstitucionalidade, com suspensão dos efeitos por algum tempo a
ser fixado na sentença (declaração de inconstitucionalidade pro futuro); e,
eventualmente, c) declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade,
permitindo que se operem a suspensão de aplicação da lei e dos processos em
curso até que o legislador, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar
sobre a situação inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade = restrição de efeitos.
Há três possibilidades de modulação dos efeitos da declaração em relação ao tempo: a) Em relação ao futuro (efeitos pro futuro), em data posterior ao trânsito em julgado; b) Quando da formação da coisa julgada (ex nunc); c) Retroatividade diferida (nem ex nunc¸ nem ex tunc, nem pro futuro), o que seria um efeito intermediário entre o ex tunc de nulidade (que se quer evitar, nos casos autorizados pelo artigo 27) e o ex nunc. ´
[26]
Modular a Modulação? Derrotados saem-se vencedores, vencedores são excluídos da
vitória e terceiros acabam levando o prêmio. O instituto da modulação
afastou-se de seu propósito inicial — regulamentar os efeitos retroativos e
repristinatórios da decisão de inconstitucionalidade — e passou a impactar na
própria normatividade do direito constitucional. Quando o mérito de uma decisão
tida como correta é modulado com base em juízos teleológicos de oportunidade e
conveniência desnatura-se a própria função jurisdicional. A banalização da
modulação exige, pois, uma profunda reflexão por parte dos membros da
comunidade jurídica.
[27]
Em relação ao marco temporal, prevaleceu o entendimento do ministro Barroso de
que, a partir da fixação da posição do STF em ação direta de
inconstitucionalidade ou em recurso extraordinário com repercussão geral,
cessam os efeitos da decisão anterior. Seguiram essa corrente os ministros
Gilmar Mendes, André Mendonça, Alexandre de Moraes, e as ministras Cármen Lúcia
e Rosa Weber (presidente). O ministro Edson Fachin, que defendia a cessação dos
efeitos a partir da publicação da ata desse julgamento, ficou vencido,
juntamente com os ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Luiz Fux e Dias
Toffoli, que retificou o seu voto quanto ao marco temporal.
Tese: Foi fixada a seguinte
tese de repercussão geral: 1. As decisões do STF em controle incidental de
constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral,
não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas
relações jurídicas tributárias de trato sucessivo; 2. Já as decisões proferidas
em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os
efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações,
respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a
anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.
[28] É relevante o debate do Direito contemporâneo e que se refere à legitimidade das normas e das decisões que se referem ao sistema jurídico. O problema da legitimidade do Direito se impõe em face deste reivindicar não somente a aceitação dos envolvidos, ou um reconhecimento fático, mas antes afirmar Habermas, reivindica merecer o reconhecimento. Um dos modos de abordar o problema tem sido trabalhar com a ideia da distinção entre discurso de justificação e discurso de aplicação (GUNTHER, 1995), no intuito de se desenvolver as peculiaridades de cada um, possibilitando que a questão da legitimidade seja trabalhada a partir de novos pontos de vista. A ideia de uma teoria discursiva é que a legitimidade do sistema jurídico será tanto maior quanto maior for a possibilidade de todos os afetados – categoria que se refere aos cidadãos –, para que participem da construção do sistema, de modo a se reconhecerem como seus coautores, o que, em princípio, resultaria em uma solução satisfatória do problema da legitimidade do sistema jurídico. Daí a afirmação de Habermas (2003) no sentido de que: [...] se discursos (e, como veremos, negociações, cujos procedimentos são fundamentados discursivamente) constituem o lugar no qual se pode formar uma vontade racional, a legitimidade do direito apóia-se, em última instância, num arranjo comunicativo: enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos.