Mercador de Veneza e seus aspectos jurídicos
A peça teatral, em questão, envolve a autonomia privada, a obrigatoriedade dos contratos, cláusula penal, nulidade contratual, julgamento e, ainda, sobre nota promissória, fiança e, adimplemento contratual. Interessante é observar que ao final, podemos entender o dirigismo contratual do Estado e, a prevalência da função social do contrato como forma de respeito ao princípio da dignidade humana.
Há
forte apelo jurídico na peça teatral de Shakespeare intitulada “O Mercador de
Veneza” ou “The Merchant of Venice”. Shylock era judeu estabelecido que
cobrava como remuneração de empréstimos altos juros. Trata-se, realmente, de
criatura amargurada porque sua filha Jéssica fugiu e se converteu ao
cristianismo. Shylock se acha perseguido e chama os juros cobrados como
legítimos lucros. Sente que o mundo inteiro se voltou contra ele.
Contudo,
há uma questão comercial, pois Shylock odeia o mercador cristão porque “em sua
vil simplicidade”, empresta dinheiro de forma graciosa e, assim, promove a
franca queda da usura[1] em Veneza.
A
respeito de jurisprudência, no ordenamento jurídico brasileiro o Superior
Tribunal de Justiça, na I Jornada sobre o Código Civil de 2002, fixou um
entendimento prévio, in litteris:
"Jornada STJ 20: A taxa de juros
moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1º do Código Tributário
Nacional, ou seja, 1% ao mês. A utilização da taxa SELIC como índice de
apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio
conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre
que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível
com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a
capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da
Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% ao ano."
Portanto, a limitação dos juros deve observar o índice de 1% ao mês, ou seja, 12% ao ano e, através de uma interpretação sistemática deste entendimento com o os dispositivos da Lei de Usura[2], a Professora Doutora Cíntia Rosa Pereira de Lima apud usura (In: Usura - pt.LinkFang.org ) ressalta que deve ser considerado o dobro desta taxa legal, ou seja, 2% ao mês ou 24% ao ano. Afora isso, estaria caracterizada a usura.
A
Súmula Vinculante nº 7, editada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e publicada
no Diário da Justiça Eletrônico nº 112, de 20 de junho de 2008, dita o
seguinte:
"A norma do §3º do artigo 192 da
Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a
taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de
lei complementar".
A
controvérsia que motivou a criação da Súmula Vinculante nº 07 se refere à
discussão sobre a autoaplicabilidade ou não do disposto no artigo 192, §3º, da
CFRB/1988, antes da EC nº 40/2003. Doutrina e jurisprudência, em sentido que
pouco divergia, entendiam que tal norma era autoaplicável, ou seja, não
necessitava da edição de lei, ordinária ou complementar, para que passasse a
produzir efeitos.
Registre-se
que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4, em 07 de março
de 1991, o STF entendeu que o dispositivo não era inconstitucional, mas
aguardava, apenas, a edição de lei complementar que o regulamentasse, sendo que
deveria ser observada a legislação anterior à Constituição brasileira de 1988
naquilo que fosse necessário.
Todavia,
antes da EC nº40/2003, sem que o Congresso Nacional editasse tal lei, os bancos
e demais instituições financeiras ficaram livres para fixar suas taxas de
juros. Foram, então, incontáveis os julgamentos que contrariavam a orientação
do STF, onde eram limitadas as taxas de juros mediante a aplicação da Lei da
Usura (Decreto-Lei nº 22.626/1933) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC);
afinal, sem lei que regulamentasse o artigo 192, §3º, da CF/88, a cobrança de
juros excessivos (usura) começava a surgir, correndo-se o risco de se tornar
uma conduta recorrente.
Assim,
o STF decidiu por editar referida súmula, afirmando que a aplicabilidade de tal
dispositivo, e, consequentemente, da taxa de juros reais fixada, dependia de
edição de lei complementar, que, saliente-se, jamais foi editada.
Apesar de questionada no meio jurídico, tal decisão se baseou no fato prático e cotidiano de que a taxa de juros[3] de uma economia jamais pode ser fixada por lei ou ainda pela própria Constituição. Isso porque tal taxa depende de uma série de indicadores macro e microeconômicos, além de variáveis referentes à economia nacional e também internacional.
Bassânio
era outro personagem, muito inteligente, mas que dissipou toda sua fortuna e,
precisa de dinheiro para viagem a Belmonte[4], onde deseja corteja
Pórcia (Portia), uma abastada órfã.
Com
esse propósito, Bassânio procura o amigo Antônio que é próspero comerciante em
Veneza. Mas, infelizmente, naquele momento não tem dinheiro para emprestar o
amigo porque toda sua fortuna está investida em seus navios mercantis, mas
promete conseguir a referida soma. Acaba recorrendo a Shylock, a quem despreza.
O judeu empresta dinheiro a Bassânio, tendo Antônio como fiador.
Importante
salientar, a fiança é espécie de contrato através do qual uma pessoa, o fiador,
garante com seu patrimônio a satisfação de um credor, caso o devedor principal,
que é quem contraiu dívida, caso não a solva em seu vencimento. A peça retrata
a garantia fidejussória, ou seja, de natureza pessoal baseada pela confiança
existente entre as partes.
Embora
envolva patrimônio de terceiro que garante o pagamento do débito, difere da
garantia real, que é a que vincula determinado bem de propriedade do devedor ao
cumprimento da obrigação.
A fim
de garantir a execução de um contrato principal, como o mútuo[5], a fiança assume natureza
jurídica de contrato acessório e subsidiário, dependente e seguindo a mesma
sorte do contrato principal. Sendo que sua execução, o ficará subordinada ao
não pagamento do contrato principal pelo devedor. Em razão desta
característica, uma vez declarada a nulidade[6] do contrato principal, a
fiança perecerá, a não ser que esta nulidade decorra de incapacidade pessoal do
devedor, salvo nos casos de mútuo feito à menor de idade.
O
menor de 18 (dezoito) anos pode celebrar contrato de mútuo desde que esteja
assistido ou representado, salvo se emancipado. Se não estiver legalmente
autorizado, o negócio jurídico é nulo ou anulável por faltar capacidade de
direito ao menor de 18 anos, não podendo ser cobrado pelo mutuante, nem se
houver celebrado o mútuo com garantia de fiança.
Tal
regra não é absoluta, havendo exceções no artigo 589 do CC, se houver
ratificação do representante legal, se for contraído para os alimentos
habituais ou se reverteu em benefício do menor, se o menor tiver ganhos com o
seu trabalho ou se agir o menor maliciosamente, no caso de omitir que era menor
de 18 anos ao mutuante.
Visa
evitar que o menor contraia empréstimo e depois alegue a incapacidade para se
eximir da obrigação, conduta vedada pela teoria do venire contra factum
proprium[7],
que proíbe comportamento contraditórios.
A
expressão venire contra factum proprium poderia ser vertida para o
vernáculo em tradução que se apresentaria em algo do tipo "vir contra seus
próprios atos" ou "comportar-se contra seus próprios atos", pode
ser apontada, em uma primeira aproximação, como sendo abrangente das hipóteses
nas quais uma mesma pessoa, em momentos distintos, adota dois comportamentos,
sendo que o segundo deles surpreende o outro sujeito, por ser completamente
diferente daquilo que se poderia razoavelmente esperar, em virtude do primeiro.
Em
decorrência de seu caráter acessório, seu valor pode ser inferior e, em
condições menos onerosas às da obrigação assegurada, não podendo, porém, em
hipótese alguma, ultrapassar o valor desta, uma vez que o acessório não pode
superar o principal, sendo que, caso o acessório ultrapasse ao valor do
principal, não se anula toda a fiança, mas somente o excesso, fazendo com que
se reduza ao montante da obrigação afiançada.
Conclui-se
que a fiança se institui como obrigação subsidiária entre as partes (fiador e
afiançado), mas conforme prevê o artigo 828, inciso II do Código Civil
brasileiro, esta responsabilidade pode ser convencionada como sendo solidária.
É um contrato unilateral, pois só gera obrigações ao fiador, desde que intimado
a cumpri-la, e é solene, pois só será considerado se feito nos moldes da lei,
ou seja, na forma escrita, por instrumento público ou particular, no próprio
corpo do contrato principal ou, em apartado.
Em
geral, considera-se contrato gratuito, pois a ajuda prestada pelo fiador ao
afiançado não visa nenhuma contraprestação pecuniária, no entanto, pode ser
oneroso, quando o afiançado remunera o fiador pela fiança prestada, como é no
caso dos bancos, por exemplo.
Ainda,
por ser um contrato benéfico não se pode cogitar de interpretação extensiva,
segundo os artigos 114 e 819 do Código Civil. Trata-se, ainda, de contrato personalíssimo,
contemplado como intuitu personae, porque se firma com fulcro na
confiança que o fiador merece.
Enumeremos as características da fiança, a saber: ser uma garantia fidejussória; caráter acessório e subsidiário, ser contrato unilateral e solene, via de regra, ser gratuito e, por fim, ser contrato benéfico e personalíssimo[8].
Existem
três espécies de fiança, a saber; convencional, legal e a judicial. A primeira
decorrente de acordo entre as partes, a segunda é imposta por lei e, a última,
é determinada pelo juiz.
A
fiança poderá ser extinta por todas as causas que extinguem os contratos em
geral, assim como por atos praticados pelo credor, conforme determina o artigo
838, do CC.
A
redação deste artigo institui que "o fiador, ainda que solidário, ficará
desobrigado: I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao
devedor; II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus
direitos e preferências; III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar
amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar,
ainda que depois venha a perdê-lo por evicção". A enumeração legal é
taxativa.
Prevê
o artigo 836, do CC, por sua vez, que "a obrigação do fiador passa aos
herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a
morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança". Dispõe,
ainda, o artigo 839, do CC, que se por negligência do credor, após ter o fiador
requerido o benefício de ordem, o devedor principal tornar-se insolvente, seus
bens não responderão por tal débito, ficando, por consequência, exonerado do
encargo. Para ocorrer tal exoneração, deve-se demonstrar que, ao tempo da
penhora, os bens nomeados eram suficientes para a satisfação da dívida.
Registra
o judeu, Shylock que Bassânio não segue o conselho de Polônio de Hamlet. “Não
peça emprestado nem empreste; pois com frequência quem empresta perde o
emprestado e também perde o amigo”. (HAMLET, Ato I, Cena 3). Então, Shylock
entrega o dinheiro a Antônio e o questiona: Então não sou mais o cão? Antônio,
em resposta: - “Tu serás sempre um cão para mim; empresta esta soma como a um
inimigo”.
O
judeu busca resguardar-se e, procura uma sólida proteção ao empréstimo dado. E,
como garantia, na eventualidade de o dinheiro não ser devolvido no prazo
pactuado, Antônio, como devedor, se compromete em entregar uma libra de sua
carne[9], que poderá ser escolhida
e cortada de não importa qual parte do corpo que for do agrado do credor.
Portanto, Antônio oferece o próprio corpo como garantia da obrigação pactuada (empréstimo). Antônio pretendia pagar a dívida quando seus navios voltassem em breve, mas isso, não ocorre. E, por causa disso, não consegue quitar o empréstimo. E, diante da inadimplência, Shylock leva a demanda ao Doge[10] de Veneza, exigindo o integral cumprimento da cláusula penal que corresponde a efetiva entrega de uma libra de carne do devedor.
A
cláusula penal é instrumento acessório que estabelece pena ou multa utilizada
como elemento que visa punir o inadimplemento das obrigações. Incide de pleno
direito, o devedor em cláusula penal, desde que, culposamente deixe de cumprir
a obrigação, ou ainda, se constitua em mora.
A
cláusula penal é acessória de uma obrigação principal, que sujeitará a vontade
do devedor ao contrato. Nas obrigações decorrentes de ato ilícito, a mora
decorre de determinação legal. Desde o momento em que o ato ilícito é cometido,
os riscos da coisa devida correm por conta do devedor. A esse respeito, a
propósito, informa o artigo 398, do Código Civil/2002.
Em
síntese, sabe-se que a culpa é uma das integrantes da mora ou um dos seus
pressupostos (art. 248, do Código Civil/2002). A mora é o retardamento na
execução, de onde resulta a necessidade de presumir ainda a sua possibilidade.
O
efeito da distinção entre cláusula penal compensatória e moratória vai
encontrar no Código Civil/2002, nos artigos 410 e 411. A respeito da disposição
contida no artigo 410, do Código Civil/2002, que trata do total inadimplemento
da obrigação, aduz Maria Helena Diniz (2007), que o credor poderá, ao recorrer
às vias judiciais, optar livremente entre a exigência da pena convencional e o
adimplemento da obrigação. A cláusula penal é alternativa a favor do credor.
Escolhida
a pena, desaparece a obrigação originária e, com esta, o direito de pedir
perdas e danos, que já se acham prefixados na pena. Escolhendo o credor o
cumprimento da obrigação, e não podendo obtê-la, a pena funcionará como
compensatória das perdas e danos.
O
artigo 411, do Código Civil/2002, que trata da mora ou em segurança especial de outra cláusula determinada,
apresenta duas vertentes: a) se a cláusula penal for convencionada para o caso
de mora, assistirá ao credor o direito de demandar cumulativamente a pena
convencional e a prestação principal; b)
se a cláusula penal visar à garantia da execução de alguma cláusula especial, terá o credor a faculdade de
reclamar a satisfação da pena ou multa cominada
juntamente com o desempenho da obrigação principal.
Trava-se
interessante diálogo no qual Shylock toma ciência que nem o devedor, Antônio,
nem o fiador, Bassânio, pagarão a dívida conforme estipulado. De forma, que o
judeu pode cobrar a caução, ou seja, uma libra de carne do garantidor.
Mas,
um outro comerciante questiona Shylock qual proveito teria com uma libra de
carne? O que respondeu: - “Para cervar os peixes, se não vai servir para nada,
saciará minha vingança”.
Evidentemente,
o Direito não legitima tal propósito. Outro judeu[11], Tubal que é amigo de
Shylock aparece para confirmar a falência de Antônio que em razão disso, não
poderá pagar a dívida. E, ainda conta que a filha foragida, Jéssica, está
desmedidamente gastando a fortuna de Shylock, que se apoderou ao fugir com o
cristão.
Então,
Shylock se desespera e Tubal ainda lhe conta que Jéssica trocara um precioso
anel de turquesa por macaco. Jéssica levou parte da fortuna do pai para viver
com o cristão e, ambos dilapidaram o dinheiro.
Na
peça teatral, existe uma trama distinta, porém, convergente, como quem precisa
do dinheiro é Bassânio para cortejar Pórcia (Portia), a rica jovem de Belmonte.
Bassânio
é perdulário, pois para sustentar seu estilo custoso de vida, gastou suas
fracas rendas. E, para casar-se com Pórcia (Portia), Bassânio precisa
passar num teste que fora imposto em testamento do falecido pai da noiva.
A
prova consiste que o pretendente é colocado diante três urnas, uma de ouro,
outra de prata e, a última de chumbo[12]. Cabe ao candidato
escolher uma única urna que, no seu interior tem uma pintura de Pórcia. Se o
pretendente apontar para a urna errada, dever ir embora imediatamente. O que
aflige muito Pórcia que está interessada em Bassânio.
Tentando
burlar o teste imposto, Pórcia[13] pede a Bassânio que
espera um dia ou dois, antes de proferir a escolha. Pois, se escolher
erroneamente, ela perderá a companhia do pretenso noivo.
Bassânio
enquanto escolhe uma das urnas, afirma in litteris: “As mais brilhantes
aparências podem encobrir a mais vulgares das realidades. O mundo vive sempre
enganado pelos ornamentos.”
“Em
justiça, qual é a causa impura e corrupta a que uma voz persuasiva não possa
apresentando-a com habilidade, dissimular o odioso aspecto?”
“Em
religião, qual erro detestável que não possa, sacrificado por uma fronte
austera e apoiado nos textos adequados, esconder grosserias debaixo de belos
ornamentos? O mais simples dos vícios sempre se apresenta sob os aspectos da
virtude”. (Ato III, Cena 2).
É o
clássico paradoxo existente entre a forma e conteúdo. Mesmo a justiça fica
refém da voz persuasiva. Bassânio, finalmente, escolhe a urna de chumbo. E, fez
a opção correta.
Eis a
tradução literal da mensagem contida na urna: “Quem o aspecto não tentou.
Escolheu bem, na verdade; se a fortuna te tocou. Não busques mais novidade. Se
alegria ela te dá. E riquezas benfazejas. Beija a noiva que aqui está. Se é ela
que desejas. É promissória[14] para dar e pagar”. (Ato
III, Cena 2).
Inicialmente,
Bassânio sela sua relação amorosa com Pórcia (Portia). Curiosamente, o bardo
compara a noiva a uma nota promissória de fácil resgate. O que faz adequado
sentido, pois é inserida num mundo comercial.
É
necessário, entretanto, que apontemos as características próprias da nota
promissória, que a diferenciam das demais espécies de títulos de crédito.
Gladston Mamede (2003) ensina que a nota
promissória é um título de crédito que documenta a existência de um crédito
líquido e certo, que se torna exigível a partir de seu vencimento, quando não
emitida à vista, sendo um instrumento autônomo e abstrato de confissão de
dívida, emitido pelo devedor que, unilateral e desmotivadamente, promete o
pagamento de quantia em dinheiro que especifica, no temo assinado na cártula.
Segundo
Fábio Ulhôa Coelho (2004), a nota promissória é uma promessa de pagamento, cujo
saque gera, em decorrência, 2(duas) situações jurídicas distintas: a de quem,
ao praticar o saque, promete pagar; e a do beneficiário da promessa.
O
primeiro é referido, na Lei Uniforme, por subscritor (embora não esteja
incorreto chama-lo sacador, emitente ou promitente), e o segundo é o tomador
(por vezes também chamado de sacado). Pela nota promissória, o subscritor
assume o dever de pagar quantia determinada ao tomador, ou a quem esse ordenar.
A nota promissória é a espécie de título de crédito que se
consubstancia numa declaração unilateral de promessa de pagamento de determinada
quantia líquida, independente de condição
(evento futuro incerto), e que gera 2(duas) situações jurídicas, a do emitente (também denominado “subscritor”,
“sacador” ou “promitente”) – que é o
emitente da nota promissória, aquele que se compromete a pagar a quantia fixada no título na data avençada – e
a do beneficiário (também denominado
“tomador” ou “sacado”), a quem cabe receber o valor do título na data avençada (caso não o transfira a outra
pessoa.
Em
verdade, Pórcia (Portia) paga com a mesma moeda, depois de entregar um
valioso anel a Bassânio, registra que “amar-te-ei muito”. Trata-se de um amor
mercantil.
Porém,
antes de casar, Bassânio toma ciência de que Shylock cobra a libra de carne de
Antônio por uma dívida onde ele é o devedor principal. Em razão disso, Bassânio
corre para Veneza para socorrer o amigo.
Diante
o julgamento, perante o Doge, para afastar o dever do Antônio em dar a própria
carne, Bassânio oferece ao judeu o dobro do valor devido. Mas, Shylock recusa a
oferta e insiste o cumprimento do contrato.
O Doge
roga a Shylock por alguma misericórdia. E, Shylock afirma que não comete erros.
A resposta do judeu nos conduz a uma reflexão. Estaria Shylock correto? Podemos
exigir nossos direitos acima de qualquer valor? Será certo afirmar que quem não
respeita os direitos alheios, também não poderá reclamar quando seu direito for
violado?
Os
deveres jurídicos que correspondem ao viver honestamente e, não prejudicar a
ninguém (neminem laedere), e o de dar a cada um, o que é seu (suum
cuique tribuere). Ao exigir o seu direito, o seu crédito, deve-se atuar com
base nessas máximas de Ulpiano. Se o direito é exigido com excesso, com
prejuízo desnecessário há abuso de direito.
Entre os
civilistas brasileiros mais modernos, afora Caio Mario da Silva
Pereira, inexiste controvérsia sobre o fato de o Código Civil brasileiro
ter consagrado a doutrina do abuso do direito. Há aqueles que sustentam expressamente
o critério finalista ou o objetivista.
Exceção
feita a Everardo da Cunha Luna, não se logrou encontrar uma defesa explícita do
critério subjetivista, que em alguns casos apenas transparece. Singular é,
ainda, a posição de Serpa Lopes que, sem negar a importância da vertente
objetivista, afirmou que o legislador pátrio, ao traçar as regras dos artigos
100 e 160, I, do Código Civil de 1916, apenas fixou um critério geral; caberá à
jurisprudência dele extrair o sentido mais apropriado à espécie sob
julgamento.
Mas, a inserção do
abuso do direito nos limites da teoria geral dos atos ilícitos também é objeto
de muita controvérsia. Há aqueles que
consideram o ato abusivo um simples ilícito, categoria não autônoma, com
repercussões no campo da responsabilidade civil. Outros tantos consideram-no,
ainda que sob denominações diversas, uma ilicitude in lato sensu,
que implica inclusive o dever de abstenção.
Há duas posições
jurídicas sedimentadas quanto a natureza jurídica do abuso de direito. Uma corrente
doutrinária enquadra o abuso de direito como uma categoria autônoma, com
características próprias, não pertencendo a nenhuma categoria jurídica
existente. Já para uma outra corrente, o abuso de direito trata-se de
modalidade de ato ilícito.
O ato ilícito,
cujos contornos estão no artigo 186 do Código Civil, tem concepção
subjetivista, tendo a culpa como um dos requisitos para a sua configuração. Já
em relação ao abuso de direito, muito embora o legislador o tenha qualificado
como ato ilícito, importante seguimento doutrinário e jurisprudencial, como
visto ao longo do presente artigo, entendem que na verdade, trata-se de um
instituto de caráter objetivo e, portanto, dispensável o elemento culpa.
A questão que se
coloca é saber se em razão de se adotar uma ou outra corrente, no que se refere
à natureza jurídica do abuso de direito, há alteração nas consequências
jurídicas daí decorrentes.
Entre os
defensores do entendimento que o abuso de direito se trata de categoria
autônoma, cita-se (NERY JUNIOR e NERY, 2003), para os quais o abuso de direito.
No mesmo sentido, Heloísa Carpena (2002) apud Farias e Rosenvald (2012)
afirma que “o ato abusivo está situado no plano da ilicitude, porém, não pode
ser considerado como um ato ilícito, devendo ser classificada como uma forma
autônoma de antijuridicidade.”
Em sentido
contrário, Paulo Nader entende que o abuso de direito, in verbis:
“É espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante
conduta intencional que exorbita o regular exercício de direito subjetivo. É
equivocado pretender-se situar o abuso de direito entre o ato lícito e o
ilícito.
Ou o ato é permitido
no iuspositum e nos pactos, quando é ato lícito ou a sua prática é
vedada, quando então se reveste de ilicitude. Na dinâmica do abuso de direito,
tem-se, no ponto inercial, aquele que imediatamente antecede a conduta e até
quando esta não se complete, a esfera do direito, mas à medida em que a ação se
desenrola, no iter, a conduta desdobra-se no âmbito da licitude para
transformar-se em ato ilícito” (NADER, 2004).[15]
Deverá haver o
enquadramento da pretensão do credor no que se admite como normal e razoável,
no uso regular do direito, com fins justos e consequências adequadas. (In:
CASTRO NEVES, J.R. Uma Introdução ao Direito Civil. 3ª edição. Rio de Janeiro:
GZ Editora, 2012, p. 178).
Shylock exige o
cumprimento da prestação conforme convencionado. A negação de seu direito
significa a negação das leis. Jhering
registra que é a própria lei de Veneza que reclama a sua libra de carne, porque
o direito de Shylock é, o mesmo direito de Veneza.
Então, o Duque
consente que Shylock cumpra o acordo, autorizando-se a retirar uma libra de
carne do devedor inadimplente. Nesse momento, entra em cena Pórcia (Portia), a
noiva de Bassânio entra travestida de advogado. Na ocasião, o Doge
representando o Estado de Veneza, chamara um jurista de Pádua para determinar o
caso.
Pórcia entrega uma
carta ao Doge, supostamente do jurista de Pádua e, apresenta-se como sendo seu
representante apto a solucionar a querela.
Pórcia desempenha
um papel-chave na trama, mas precisa se passar por homem. E hoje? Qual o papel
da mulher na sociedade? As conquistas femininas são iguais em toda parte? Sabemos
que não, ainda no século XXI.
Outros amigos de
Antonio tentam convencer Shylock de não cobrar a dívida em contrato, uma vez
que Antonio não conseguiu cumprir sua parte e, em um momento de cólera, Shylock
professa o célebre discurso “Hath not a jew eyes? “, que a seguir temos
um trecho:
[…] “Ele
desgraçou-me, e fez-me perder meio milhão, riu-se das minhas perdas, troçou dos
meus ganhos, zombou da minha nação, destroçou as minhas barganhas, arrefeceu-me
os amigos, aqueceu-me os inimigos. Qual o motivo? Porque sou judeu. Será que um
judeu não tem olhos? Um judeu não tem mãos, órgãos, dimensões, sentidos,
afetos, paixões? Não é alimentado com a mesma comida, ferido com as mesmas armas,
sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos meios, aquecido e arrefecido
pelo mesmo Inverno e Verão, como um cristão? Se nos picarem, não sangramos? Se
nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam não morremos? E se nos fizerem
mal, não nos deveremos vingar?” […].
Curiosamente, a
maneira como os judeus foram descritos na literatura inglesa ao longo dos
séculos, e essa literatura influenciando outras literaturas e mídias, carrega
forte influência de Shakespeare e a interpretação de seu Shylock.
Com poucas
variações, a maior parte das obras literárias do país anteriores ao século XX
mostram um judeu excessivamente caricato, descrito quase sempre como um
indivíduo rico e avarento, lascivo e somente tolerado pela riqueza e influência
que possui. Esse tema é bastante explorado no livro “The Fictive Jew
in the Literature of England”, de David Mirsky.
Shylock, acuado,
revê sua posição e afirma aceitar o dinheiro oferecido, mas o juiz lhe nega,
por este já ter recusado esse acordo. Nesse momento, por ter conspirado contra
a vida de um veneziano, é definido que Shylock terá que entregar metade de seus
bens a Antonio e a outra metade ao Estado. Antonio, por fim, nega sua parte,
afirmando como condição a conversão de Shylock ao cristianismo, forçando-o,
assim, além de praticamente perder todos os seus bens, também abdicar de sua
fé.
Há na teoria dos contratos
muitos conceitos menos abstratos e mais aplicáveis. É utilizada em seus estudos
o famoso Teorema da Utilidade de Neumann-Morgenstern, por exemplo, que é a base
para a Teoria da Utilidade Esperada.
Consequentemente,
a Teoria dos Contratos é profusamente analisada e aplicada em outra área
importantíssima para Economia, e tão interessante quanto, a Teoria dos Jogos[16]. O Equilíbrio de Nash é
um bom modelo para essa aplicabilidade, e todos os estudos acerca da Teoria da
Decisão[17].
Procura encontrar
soluções para o clássico e comum Problema da Seleção Adversa, problema qual
ocorre quando uma das partes envolvidas numa transação sabe coisas relevantes à
essa transação, mas que são desconhecidas para a outra parte interessada.
Age com cuidado o
Doge e, solicita ao jurista que ocupe seu lugar e lhe indaga se conhece os
fatos da demanda. Aliás, são garantias fundamentais para julgamento justo é a
adequada ciência dos fatos e a legitimidade do julgador.
Aliás, a respeito
das garantias fundamentais é importante salientar a importância do juiz das
garantias. O “juiz das garantias” não é uma cogitação de agora, pois já estava contemplado
no Projeto de Lei nº 156/2009 do Senado Federal, que trata da instituição do
novo Código de Processo Penal, tendo-se submetido a amplo debate pela
comunidade jurídica desde então.
O juiz das
garantias é o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal
e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada
à autorização prévia do Poder Judiciário (art. 3º-B)”.
Clama, o advogado
que Shylock deva se mostrar misericordioso. E, o judeu questiona onde está escrito
que devemos ser misericordiosos.
Os principais
Princípios Implícitos de Administração Pública são: Princípio da Supremacia do
Interesse Público, Presunção de Legitimidade ou Presunção de Legalidade, Princípio
da Continuidade do Serviço Público, Princípio da Isonomia ou Princípio da Igualdade,
Princípio da Igualdade ou Princípio da Razoabilidade.
No plano
processual, o julgamento também deve ser razoável e proporcional. Nesse ponto,
no que se refere aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade dentro do
contexto processual, observamos que também decorrem do devido processo legal.
Conforme leciona,
a cláusula geral do devido processo legal trata-se do conjunto das garantias
processuais mínimas (contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação,
publicidade, tempestividade, etc.), explícitas e implícitas, que são
asseguradas aos litigantes.
Contudo, todas
essas garantias compõem o devido processo legal na sua dimensão processual.
Estamos falando, nesse prisma, do devido processo legal na sua acepção formal,
processual ou procedimental.
Mas a doutrina
contemporânea vem inserindo o princípio do devido processo legal não apenas no
contexto meramente processual, mas também substancial. É que a arbitrariedade
pode ser cometida com violência processual formal (prova ilícita, inexistência
de motivação, ausência de contraditório, etc.), mas também no conteúdo das
decisões. É preciso impedir decisões desproporcionais, arbitrárias, irrazoáveis.
Porque é possível que a decisão tenha respeitado todas as garantias processuais
e seja absurda. Logo, o devido processo legal também adentra no conteúdo. É
preciso que as decisões judiciais também sejam devidas no que se refere à sua
substância. Estamos cogitando agora do devido processo legal na sua acepção
material, substancial, ou substantiva, que é exatamente a aplicação dos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
A doutrina costuma dividir o devido processo
legal em formal e substancial. O devido processo legal formal (processual) é o
conjunto das garantias processuais a assegurar um processo justo em
conformidade com o direito, acepção já muito difundida.
Já o devido
processo legal material (substancial) é a exigência de justiça no conteúdo da
decisão, isto é, no aspecto substantivo, um processo que seja justo não só nas
garantias formais, mas também no plano material. Não basta a obediência às
formas prescritas (garantias processuais formais), é necessário que isto
reflita em uma decisão justa.
E no Brasil,
entende-se o devido processo legal substancial como uma aplicação dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Em outros termos, o princípio
do devido processo legal substancial é a fonte dos deveres de proporcionalidade
e razoabilidade.
Grande parte da doutrina e da jurisprudência tratam tais princípios como sinônimos, principalmente por transmitirem a mesma noção de adequação. Porém, existem doutrinadores que traçam as diferenças técnicas entre a proporcionalidade e razoabilidade. É adotada também por parte da jurisprudência. E, segundo ela, enquanto a proporcionalidade consiste na graduação da medida (proibição do excesso[18]), a razoabilidade considera a análise de: adequação (que a compatibilidade entre a medida adotada e o caso concreto), necessidade (exigibilidade da medida em face da situação).
A diferença mais
evidente entre tais princípios é quanto a origem. Pois a proporcionalidade
nasceu no direito alemão, enquanto a razoabilidade[19] no direito
anglo-saxônico. É bem verdade que por vezes um buscou a inspiração do outro,
porém, cada qual resguardou aspectos culturais próprios.
A razoabilidade
teria como objetivo impedir a prática de atos que fogem a razão e ao equilíbrio
do "pensamento comum". Já a proporcionalidade teria um campo de
atuação maior: seria um verdadeiro parâmetro para se aferir à adequação e a
necessidade de um determinado comando normativo no ordenamento jurídico.
Desta forma, a proporcionalidade
seria uma espécie de "teste de fogo" para todas as normas que limitam
direitos fundamentais. No entanto, esclarecemos que há doutrinadores que usam o
termo "razoabilidade" de forma bem abrangente, incluindo aí aspectos
relacionados à proporcionalidade.
A crueldade do
contrato está em prever a violenta cláusula penal. Realmente, quando a
clemência tempera a justiça, o poder do homem fica mais próximo do poder
divino. Curiosamente, na Inglaterra havia regras que impediam o juiz de
perdoar.
A remissão tida
como perdão foi tema examinado detidamente pelo filósofo Hobbes em 1666. O
texto era "Diálogos entre um Filósofo e um jurista". O debate incide
em saber se o Estado pode intervir para perdoar se o Estado pode ser clemente.
Questiona-se: se haveria espaço para o árbitro? Apesar de bela a ponderação de
Pórcia (Portia), não sensibiliza Shylock.
Bassânio oferece o
dobro da soma dando como garantias suas mãos, cabeça e o coração. E, sustenta
que diante da iniquidade, a lei deve ser esquecida e renegada. Traz a questão,
um típico exemplo de abuso de direito onde a "maldade impõe sobre a
inocência". Há o duelo entre o pacta sunt servanda e summum jus
summa injuria, o primeiro, na visão de Pórcia leva melhor. Cumpra-se o
contrato[20].
O Estado de
Direito preocupa-se com a coerência e razoabilidade. Segue o julgamento e
Pórcia lê o contrato e prevê que o credor deve tirar uma libra de carne, sem
tirar qualquer gota de sangue, devendo o credor, retirá-la sem tirar qualquer
gota de sangue.
E, o jurista não
admite, portanto, que o credor sangre o devedor, pois não fora pactuado. Com a
impossibilidade, não é possível a entrega de uma libra de carne.
Aplicou-se ao
extremo, o conceito de identidade da prestação, admitindo-se a interpretação
literal, retirando-lhe qualquer efeito prático. O jurista (travestida de Pórcia) acusa
Shylock: a cláusula penal atenta contra a vida do devedor. É nítido o abuso de
direito.
O julgador inova o
tema em debate, criando uma acusação sem oportunidade de defesa. Segundo as
leis de Veneza, se ficar provado que um estrangeiro, através de manobras
diretas ou indiretas, atentar contra a vida de um cidadão, a pessoa ameaçada
ficará com a metade dos bens do culpado e a outra metade, vai para caixa
privada do Estado e a vida do ofensor ficará entregue à mercê do exige que terá
voz soberana.
Por uma
generosidade de Antônio Shylock pode manter metade dos bens, desde que se
converta ao cristianismo e faça uma doação futura, quando morrer, a fim de que
seus bens sejam integralmente herdados por sua filha Jéssica que fugira com um
cristão.
A outra metade dos
bens de Shylock vai para o Estado de Veneza. A propriedade do judeu é mutilada;
metade diretamente ao Estado, enquanto a outa só será mantida se cumprir dois
requisitos, um é extremamente cruel, que é o obrigar renunciar à sua religião.
De fato, privar
uma pessoa de todos os seus bens, retira-se, dela, também, a possibilidade de
viver com dignidade. Há regras no ordenamento jurídico com o propósito de não
permitir que alguém fique sem o mínimo necessário à sua subsistência.
Em termos
literários, a peça em comento, é uma tragicomédia[21] tanto que finda com três
casamentos. Pórcia e Bassânio, Nerissa (amiga de Pórcia) e Graciano (amigo de
Bassânio) e, Lorenzo com Jéssica (filha de Shylock).
Shylock é uma
figura complexa e enigmática[22], que, inclusive, porém, é
coadjuvante pois quem dá o nome a peça é o Antônio que o Mercador de Veneza,
mas que é uma figura triste, capaz de dar em garantia o próprio corpo.
O julgamento
presente na peça teatral nos incita à inúmeras reflexões. E, resta maculado de
suspeição do julgador cuja real identidade é ocultada por Pórcia que tem
interesse em ajudar Antônio, amigo de seu futuro marido. Todo o dinheiro do
judeu que é retirado em favor dos protegidos de Pórcia, o que é feito com
cinismo.
A julgadora não é
imparcial, e a justiça mostra-se travestida. Literalmente.
Ao tempo das peças
de Shakespeare foram pela primeira vez representadas, só se permitia que atores
do gênero masculino atuassem. Assim, mesmo os papéis femininos eram
desempenhados por homens. Apenas em 1660 que se permitiu que as mulheres
atuassem nas representações teatrais.
Pórcia era um
homem fantasiado de mulher, fingindo ser um homem. O que consubstancia avesso
do avesso. Configura-se extrema hipocrisia.
Shylock tem sido
citado, desde a sua criação por Shakespeare, como a encarnação da usura, a
cobrança de juros por empréstimo superiores aos limites admitidos pelo
ordenamento jurídico.
Há a exposição de
abuso de direito. É evidente que Shylock move a demanda por vingança. O
julgador testa a aplicação reta e cega, do princípio da obrigatoriedade do
contrato, a força do cumprimento das obrigações, impondo a execução do
contrato, apesar do evidente abuso de direito, ao sugerir que Shylock tem
direito a receber a sua garantia.
Depois, contudo,
faz valer a ferro e fogo, o princípio da identidade das prestações contratuais,
proibindo ao credor da garantia retirar uma só gota de sangue de Antônio.
Com esse litígio
muito restritiva de objeto da prestação, acaba-se por frustrar a garantia, que
se impossibilitou, pois seria materialmente impraticável pegar a libra de carne
sem que, ao mesmo tempo, fosse retirado sangue.
Qual seria a
utilidade e razão de ser da referida garantia do mútuo praticado? Lembremos da
clássica regra da interpretação de Pothier: Quando uma cláusula admitir dois
sentidos, deve ser interpretada de modo e que produza algum efeito, zelando-se
pela interpretação funcional do contrato.
Foi a regra de
Pothier que serviu da interpretação para o artigo 1.157 do Código Civil francês
e, depois replicado nos Códigos civis italiano e espanhol (artigo 1.367 e
artigo 1.284).
Outro
funcionamento não usado, porém, seguramente, a mais forte, que se relaciona ao
fato de que, no caso concreto, a entrega de garantia contratada por Antônio
acarretaria a sua morte. O objeto da garantia era ilícito e, o possível adimplemento
acarretaria a morte de Antônio.
Evidentemente, não
se poderia exigir o cumprimento da prestação se isso fosse implicar na morte do
devedor. Segundo o artigo 1.135 do Código Civil francês que informa que os
contratos obrigam não somente que neles está expresso, mas ainda todas as suas
consequências que a equidade, os usos ou a lei dão a obrigação seguindo a sua
natureza.
O vínculo do
contrato extrapola o que foi redigido e pactuado, para alcançar e respeitar
outros limites. O contrato deve ser lido e interpretado harmoniosamente com
todo o ordenamento jurídico.
Shylock e Antônio
pactuaram uma garantia, cuja execução acarretaria a perda de sangue e, em
decorrência da ameaça à vida do devedor, não é exequível. Afinal, o
adimplemento provocaria um assassinato do devedor, o que não é permitido pelo
ordenamento jurídico.
O Mercado de
Veneza retrata um lugar onde vige a plena liberdade de contratar. E, a
autonomia privada não encontra balizas, como convém o universo mercantil de uma
burguesia em ascensão, que cultua o império da livre vontade[23].
A autonomia
privada é o princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato
jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Já a autonomia
privada é o poder que o particular tem de criar, nos limites legais, normas
jurídicas.
A autonomia da
vontade vai sendo moldada e relativizada, à medida que a sociedade vai
evoluindo, particularmente, após a Primeira Grande Guerra Mundial, quando o
Estado assume uma posição mais intervencionista, passando a regular com mais
rigor as relações privadas.
Nesse cenário,
surgiu dirigismo contratual que foi caracterizado pela crescente intervenção
estatal onde as relações privadas começam a se pautar, cada vez mais, no
interesse da coletividade em detrimento do interesse particular. O que também
foi denominado de publicização do Direito Privado, ou ainda, a
constitucionalização do Direito Civil.
Conclui César
Fiuza, a contratualidade teria evoluído da autonomia da vontade para a
autonomia privada, tendo em vista que o contrato deixou de ser acordo livre de
vontade entre as partes, sendo possível contratar qualquer coisa que seja do
desejo e da necessidade humana, para representar um valor de utilidade social,
passando, a ter a combinação de três elementos a saber: ordem, justiça e
liberdade[24].
Cabe ao intérprete
aferir se o objeto do negócio jurídico em sintonia com os valores sociais e,
logo, se é digno receber a tutela do Estado. Evidentemente, a garantia dada por
Antônio a Shylock, no ordenamento jurídico vigente, seria considerada nula por
violar o respeito à integridade física do ser humano e, ipso facto, sua
dignidade humana.
Outro tema, se
refere ao julgamento de Shylock. Teria sido injustiçado por sua religião? Houve
um julgamento isento? Então, um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões,
sentidos, afeições e paixões?
Curiosamente,
cumpre ainda assinalar que praticamente não havia judeus na Inglaterra, na
época de Shakespeare, pois, oficialmente todos os judeus foram expulsos em 1290
pelo Rei Eduardo I.
Além disso, o pai
do dramaturgo fora acusado de praticar agiotagem, e a peça poderia ser uma
tentativa de humanizar tal atividade empresarial de mútuo, recebendo como
contraprestação a quantia somada aos juros cobrados.
Em 1590, deu-se um
ruidoso caso que influenciou o bardo, entre os poucos judeus que viviam em
Londres, encontrava-se médico nascido em Portugal, chamado Roderigo Lopes[25], e chegou até servir a
Rainha Elizabeth I. O médico judeu, se envolveu em intriga e, acabou sendo
acusado por tentar envenenar a Rainha Virgem. O processo de julgamento do
médico judeu, ocorreu em 1594, foi um simulacro, pois tudo já estava
organizá-lo para culpa-lo.
Foi condenado e
esquartejado em praça pública. E, o bardo, provavelmente, presenciou toda a
referida cena macabra. E, então criou Shylock que é o personagem complexo e não
maniqueísta e sofre tanto a dor da rejeição da filha, Jéssica como também de
toda a sociedade.
Neste enredo,
William Shakespeare constrói imagem estereotipada e preconceituosa acerca do
judeu e suas crenças, o que valeu a pecha de "antissemita", mas que
revela as visões históricas sobre o pensamento inglês da época. Harold Bloom
(2000) afirmou que: "Somente um cego, surdo e mudo não constataria que a
grandiosa e ambígua comédia que é "O Mercador de Veneza" é obra
profundamente antissemita.
No mundo medieval
britânico, o judeu tinha papel relevante, sendo a única figura a prestar-se a
função de prestamista. Afinal, a Igreja aceitava a proibição bíblica acerca da
usura, vedando-a entre seus fiéis e atribuindo à prática a condição de pecado[26].
Afinal, sempre
havia a necessidade de socorrer os cofres públicos e privados, todos se valiam
dos judeus prestamistas, pois estes não eram sujeitos às leis da Igreja e
raramente o eram às do Estado. Paradiso e Barzotto (2008) concluíram que a peça
teatral é de cunho antissemita, mas não poderiam provar que o autor usou e
abusou de adjetivos depreciativos, não devendo ser perseguido nem humilhado por
sua arte literária.
A peça encerra[27] um sincero convite à
reflexão para que os direitos mínimos sejam respeitados para proteger a
dignidade da pessoa humana, mesmo na seara do Direito Privado, particularmente,
nos contratos.
Referências
ATTALI,
J. O judeu, o dinheiro e o mundo. 3. ed. São Paulo: Futura, 2003.
ALGAZI,
I.S. Breve história do povo judeu. Tradução de Ruth Iusim. Disponível
em: http://colecao.judaismo.tryte.com.br/livro2.htm Acesso
em 09.12.2021.
BLOOM,
H. Shakespeare: A Invenção do Humano. Tradução de José Roberto O’Shea.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
COELHO,
Fabio Ulhôa. Curso de Direito comercial. Volume 1. 8ª edição revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 429.
DA
SILVA, Virgílio Afonso. O proporcional e o razoável. Disponível em: https://constituicao.direito.usp.br/wp-content/uploads/2002-RT798-Proporcionalidade.pdf
Acesso em 08.12.2021.
DE OLIVEIRA,
Dinalva Souza. Natureza Jurídica do Abuso de direito à luz do Código Civil
de 2002. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/natureza-juridica-do-abuso-de-direito-a-luz-do-codigo-civil-de-2-002/
Acesso em 08.12.2021.
DINIZ,
Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 2. Teoria Geral das
Obrigações. 22. ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
______.
Código Civil Anotado. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
DOS
SANTOS, Celi Barbosa; PARADISO, Silvio Ruiz. A Imagem do Judeu na Literatura
Britânica: Shylock, Barrabás e Fagin. Revista Diálogos & Saberes,
Mandaguari. v.8. p.213-231, 2012. Disponível em:http://www.fafiman.br/seer/index.php/dialogosesaberes/article/download/277/269
. Acesso em 09.12.2021.
ESPINOLA,
Eduardo. Garantia e extinção das obrigações. Campinas (SP): Bookseller,
2005.
ENZ,
Maycon César Moraes. Pacta sunt servanda X Função Social do Contrato.
Disponível em: https://facnopar.com.br/conteudo-arquivos/arquivo-2017-06-14-1497468371112.pdf Acesso
em 08.12.2021.
FARIAS,
Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil.
Parte Geral, 10ª ed. revista, ampliada e atualizada, 2012, Editora Juspodivm,
p. 681.
FIUZA,
César., SÁ, Maria de Fátima Freide de. E NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito
Civil. Da Autonomia Privada nas Situações Jurídicas Patrimoniais e Existenciais.
Belo Horizonte/MG: Editora Del Rey. 2007, p. 57.
FULGÊNCIO,
Tito. Do direito das obrigações. Das modalidades das obrigações. (Arts.
863-927). 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1958.
GALERY,
Maria Clara Versiani. "I will love you dear": Usura e
Desejo em O Mercador de Veneza. Revista de Letras. N.28. Vol. 1/2 jan./dez.
2006. Disponível em: http://www.revistadeletras.ufc.br/rl28Art27.pdf .
Acesso em 09.12.2021.
GALVÃO,
Camila. Qual a diferença entre autonomia privada e autonomia da vontade?
Disponível em: https://galvaocamilla.jusbrasil.com.br/artigos/186333535/qual-e-a-diferenca-entre-autonomia-privada-e-autonomia-da-vontade
Acesso em 08.12.2021.
GODOY,
Arnaldo Sampaio de Moraes. O Mercador de Veneza, de William Shakespeare. Disponível
em: https://www.conjur.com.br/2011-ago-21/embargos-culturais-mercador-veneza-william-shakespeare Acesso
em 09.12.2021.
GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Hermenêutica constitucional: direitos fundamentais e
princípio da proporcionalidade.
______________.
"Princípio da proporcionalidade e teoria do direito", In:
Grau, Eros Roberto / Guerra Filho, Willis Santiago (org.), Direito
constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros,
2001: 268-283.
HELIODORA,
B. Reflexões Shakesperianas. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2004.
LUNA,
Everardo da Cunha. Abuso de direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998.
MAMEDE,
Gladston. Títulos de crédito: de acordo com o novo código civil, Lei 10.406,
de 10-01- 2002. São Paulo: Atlas, 2003, p. 218.
MARLOWE,
C. The Jew of Malta. In: BEVINGTON, David (ed) Revles Student
Editions. New York: Manchester University Press, 1997.
MONTEIRO,
Claudia. Fundamentos da Decisão Judicial. Congresso de Direito
Constitucional. Manaus, 2012, p. 149.
NADER,
Paulo. Curso de Direito Civil. Parte Geral – vol. 1. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 552.
NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e
Legislação Extravagante: atualizado até 2 de maio de 2003/ 2. ed. rev. e
ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 256.
PARADISO,
Silvio Ruiz; BARZOTTO, Leoné Astride. Shakespeare: Anti-semita? A Imagem do
Judeu em "O Mercador de Veneza". Revista Cesumar. Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas jan./jun., 2008, v.13.n.1. p. 111-124. Disponível
em: https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revcesumar/article/view/685 Acesso em 09.12.2021.
PEREIRA,
Caio Mario da Silva. Condomínio e incorporações. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1988.
_______________.
Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
Volume I.
_______________.
Pedido abusivo de falência (parecer). Revista Forense, ano 52, vol. 159,
fascs. 623-624, Rio de Janeiro: maio/jun. 1955.
PERELMAN,
Chaïm. Le champ de l'argumentation. Bruxelles: Pressesou lê
cultedesvertusmoyennes. Paris: L.G.D.J., 2003, p. 175.
POTHIER,
Robert Joseph. Tratado das Obrigações. São Paulo: Editora Sevanda, 2002.
RODRIGUES,
Sílvio. Direito Civil. v.4 – Responsabilidade Civil. 20.ed.rev. e atual.
de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002) São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 45.
SERPA
LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Volume I. Rio de
Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1960.
SHAKESPEARE,
W. O mercador de Veneza. São Paulo: Abril, 1981.
Shakespeare,
William, O Mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto
Alegre: L & PM, 2007.
SILVA,
Theófilo. O Enigma e os Três Candidatos. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-moreno/post/o-enigma-os-tres-candidatos-224443.html
Acesso em 08.12.2021.
SOUZA,
Luiz Sérgio Fernandes. Abuso do direito. Enciclopédia jurídica da
PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz
Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes
Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1.
ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/167/edicao-1/abuso-do-direito Acesso em 08.12.2021.
TARTUCE,
Flávio. A função social dos contratos. 2 ed. São Paulo: Método, 2007.
VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral
dos contratos. São Paulo: Atlas, 2006.
Notas:
[1]
Etimologicamente, a usura provém de duas palavras latinas, usus e rei,
com sentido de cobrança pelo uso das coisas. Num conceito mais moderno, a usura
resume pela cobrança de remuneração abusiva pelo uso do capital, na cobrança de
empréstimo pecuniário. É prática socialmente repudiada, sendo considerada uma
conduta criminosa em diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil, vide
o Decreto 22.626. Importante diferenciar a usura real da usura pecuniária. Porque o artigo 4 da Lei 1.521/51 que prevê
crimes contra a economia popular insere a prática das usuras pecuniária e real
no rol de delitos contra a economia popular. Usura pecuniária “é aquela em que
ocorre cobrança de juros excessiva, que ultrapassa os limites legais; já a usura
real é aquela em que ocorre estipulação contratual de vantagem desproporcional,
que ultrapasse um quinto do valor da prestação feita ou prometida, abusando de
necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte.” Portanto que a usura
pecuniária é o empréstimo de pecúnia (dinheiro) com fixação de taxa de juros
superior àquela estipulada em lei, o que resulta em lucro excessivo por parte
do credor e prejuízo por parte do devedor. Considera-se também a cobrança
excessiva de ágio, ou seja, superior à taxa oficial de câmbio sobre quantia
permutada em moeda estrangeira. Ainda, o
empréstimo sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito
também pode ser considerado como usura pecuniária, bem como o anatocismo, que é
a cobrança de juros sobre juros, acrescidos ao saldo devedor, em razão de não
terem sido quitados os mesmos quando do vencimento da dívida. A usura real
seria, portanto, a obtenção de lucro mediante contrato patrimonial que exceda o
quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida, abusando o
credor da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte.
Como visto, tais condutas são criminalizadas pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
[2]
Há debate sobre se a lei de usura recepcionada como lei pela CFRB/88 sequer
poderia ter sido extinta pela via do decreto executivo em 1º lugar, mas o
resultado é o mesmo. A LEI DE USURA NÃO FOI REVOGADA. Outrossim, não se pode
concordar com a argumentação no sentido de que a Lei de Usura teria sido
revogada pela Lei 4594/64, tampouco com afirmação de que o aludido diploma
estaria a disciplinar o sistema financeiro em atendimento à parte final do
caput do art. 192, da Constituição de 1988. Não bastasse o disposto no art. 11
do Decreto nº 22.626/33, suficiente para a nulidade de pleno direito da
cláusula que estipula os juros acima do permissivo legal, incidem os artigos
6º, V, 39, V e XI, e 51, IV e 1º, do CDC, geradores de idêntica consequência.
[3]
No mútuo feneratício, presumem-se devidos os juros, ainda que não estipulados
no contrato, os quais não poderão exceder a taxa a que se refere o artigo 406
do C.C. Se as partes não tiverem estipulado expressamente o prazo do mútuo este
será de 30 dias se for o empréstimo de dinheiro. A Fazenda Nacional adota a
Taxa SELIC, que é variável e disponibilizada pelo Banco Central, faz controle
de inflação e deflação e decorre de política macroeconômica. O limite previsto
no artigo 406 do CC não se aplica as instituições financeiras, porque a
jurisprudência entende que se aplica a Lei 4.595/64 que é norma especial.
[4]
Em Belmonte, Pórcia está sendo visitada por diversos pretendentes a casamento.
Por um ardil do pai, para se casar com Pórcia, os pretendentes devem escolher
entre um dos três cofres: o de ouro, o de prata ou o de chumbo, cada qual com
uma inscrição. Aquele que escolhesse corretamente seria o vencedor.
[5]
O contrato de mútuo está disciplinado no art. 586 do Código Civil e consiste no
empréstimo de coisa fungível e consumível ao mutuário, que por sua vez deverá
restituir à mutuante coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Por meio do
contrato de mútuo se transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, o
qual fica responsável por todos os riscos desde a tradição.
Quando o empréstimo de
dinheiro é feito por uma instituição financeira, certamente, será na modalidade
de mútuo oneroso, o qual implica na cobrança de juros (remuneração devida pela
utilização de capital alheio) e também na exigência de garantia (real ou
fidejussória) da devolução desse dinheiro, o que por sua vez ocorrerá nos
termos do art. 590 do CC: "O mutuante pode exigir garantia da restituição,
se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação
econômica".
[6]
A nulidade prevista no CDC em seu art. 51 é uma consequência jurídica que ocorre
em decorrência de uma cláusula iníqua constatada em um contrato de consumo que
leva o consumidor a uma forte desvantagem frente ao fornecedor. A nulidade nada
mais é que uma sanção aplicada quando verificada uma cláusula abusiva. O artigo
51 do Código de Defesa do Consumidor - CDC é claro e prevê que as cláusulas
contratuais referentes a fornecimento de produtos ou serviços que sejam
abusivas ao consumidor são nulas de pleno direito. As cláusulas abusivas são
determinações contratuais que dão vantagens exageradas aos fornecedores em
desrespeito às proteções e garantias previstas no CDC. Por exemplo, cláusulas
que ofendam princípios fundamentais das relações de consumo, como a proteção do
consumidor diante de sua vulnerabilidade; restrinjam direitos ou obrigações ou
impliquem em ônus excessivo ao consumidor. O artigo 51 do CDC traz em seu texto
a descrição de abusos que podem ser cometidos nos contratos que envolvam
relações de consumo, entre eles estão cláusulas que: - Excluam ou diminuam a
responsabilidade dos fornecedores; - extingam algum tipo de direito do
consumidor; - transfiram a responsabilidade a terceiros; - coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada; - invertam o ônus da prova, ou seja,
passem para o consumidor o dever de provar suas alegações em eventual processo
judicial, ferindo a proteção dada no artigo 6o do CDC, que prevê a facilitação
da defesa de seus direitos. - Permitam
ao fornecedor alterar o preço, cláusulas ou cancelar o contrato sem anuência do
consumidor.
[7] O princípio do Venire Contra Factum Proprium veda o comportamento contraditório, inesperado, que causa surpresa na outra parte. Embora não tenha previsão expressa no CDC, sua aplicação decorre da boa-fé objetiva e da lealdade contratual, exigíveis de todos os contratantes. Existem, portanto quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório. Nos dizeres de Anderson Schreiber, a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva.
[8]
Um dos principais efeitos decorrentes do contrato de fiança é o benefício de
ordem ou benefício de excussão. Este benefício configura a possibilidade de o
fiador, quando demandado, indicar os bens livres e desembaraçados do devedor.
No entanto, só poderá requerer tal benefício quanto aos bens existentes antes
da contestação e desde que estes sejam suficientes para saldar a dívida. A
finalidade de tal benefício é permitir que o fiador evite que seus bens sofram
a excussão, posto que sua obrigação é acessória e subsidiária. Em outras
palavras, o benefício de ordem configura-se no direito de requerer que
primeiramente sejam alcançados os bens do devedor para, posteriormente,
alcançar os do fiador. O artigo 828, do Código Civil, por sua vez, estabelece
que "não aproveita este benefício ao fiador: I - se ele o renunciou
expressamente; II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III - se o devedor for insolvente, ou falido".
[9]
A libra de carne (the pound of flesh) pode significar a desumanidade do
mercador (Shylock), sua natureza predatória, seu desejo de vingança; ou mesmo
sua confiança na referência da literalidade da lei, o que mais tarde se voltará
contra ele. A tática virou-se contra o tático.
[10]
Durante mais de mil anos a cidade de Veneza e mais tarde a Sereníssima
República de Veneza era denominado Doge, um título raro, mas não único na
Itália, proveniente do termo latino dux. Os Doges de Veneza eram eleitos
até ao fim da vida pela aristocracia da cidade-estado e eram normalmente
escolhidos entre os mais velhos nobres da cidade. Do século IX ao século XII,
os doges juntaram ao título os de dux Croatorum ("chefe dos
Croatas"), dux Dalmatinorum (chefes dos Dálmatas), totius Istriæ
dominator (" soberano de toda a Ístria"), dominator Marchiæ
("soberano das Marcas"), traduzindo assim o domínio veneziano no mar
Adriático. Em 1095, o epitáfio do doge Vitale Faliero de' Doni proclamava-o
mesmo rex et corrector legum ("rei e promulgador das leis").
Enrico Dandolo, no fim do século XII, intitulava-se dominator quarte et
dimidie partis totius Imperii Romanie ("soberano de um quarto e meio
de todo o Império Romano"). O título prolongou-se até 1356 e foi
abandonado por Giovanni Delfino.
[11] Christopher Marlowe inspirado nas peças teatrais de vingança, na época elizabetana, cria em "O judeu de Malta" escrita entre 1589 e 1590, o personagem Barrabás, um judeu de caráter vingativo e cruel. Paradiso (2008) referindo-se ao personagem criador, afirma que Marlowe gerou uma criatura grotesca, um ser demoníaco e perverso, que, ao mesmo tempo dedica a sua vida à acumulação material do ouro, ao roubo, a prática de fornicação, etc. Em "O Mercador de Veneza" inspirado na peça de Marlowe, o bardo usa principalmente o discurso entre os personagens para julgar, condenar os valores da cultura judaica e impor regras inglesas e religiosas para o judeu, um desenfreado abuso de poder. Ele constrói estereótipos negativos sobre o povo judeu quando narra as ações de um agiota por nome Shylock.
[12]
Antes de escolher a arca de chumbo (desprezando o ouro e a prata que contém em
seus bojos uma pilhéria e uma réplica de um bobo) Bassânio justifica sua
escolha: “Bastantes vezes a aparência externa carece de valor. Sempre enganado
tem sido o mundo pelos ornamentos. Em direito, que causa tão corrupta e
estragada, não fica apresentável por uma voz graciosa, que a aparência malévola
disfarça? Praia traiçoeira é o ornato, por tudo isso, de um mar mui perigoso,
linda charpa que esconde o rosto de uma bela indiana; em resumo: aparência da
verdade, de que se vale o tempo experto, para colher até os mais sábios. Assim
sendo, brilhante ouro, de Midas duro cibo, nada quero de ti, como não quero
também de ti, intermediário pálido e vulgar entre os homens. Minha escolha
recai em ti, em ti, modesto chumbo, que mais ameaças do que prêmio inculcas.
Tua lhaneza é a máxima eloquência. Seja, pois, alegria a consequência.”
[13]
Pórcia é a heroína. Rica, é titular de uma grande herança. Bonita, despertou a
paixão de muitos homens. Além de Bassânio, tentaram o casamento com Pórcia os
príncipes do Marrocos e de Aragão. Este último, um arrogante nobre espanhol.
Pórcia é inteligente, domina a retórica e a boa argumentação. No fecho da peça,
e travestida de homem, destruirá os argumentos de Shylock. Pórcia é a musa do
positivismo de combate e do antifetichismo jurídico. Mostrou-se uma tremenda
advogada. Nerissa é sua dama de companhia, sempre solícita, apaixonada por
Bassânio.
[14]
Art. 54 - A nota promissória é uma promessa de pagamento e deve conter estes
requisitos essenciais, lançados, por extenso, no contexto: I - a denominação de
"nota promissória" ou termo correspondente, na língua em que for
emitida; II - a soma de dinheiro a pagar; III - o nome da pessoa a quem deve
ser paga; IV - a assinatura do próprio punho do emitente ou do mandatário
especial. Vale apena destacar algumas divergências em relação a doutrina e a
pratica, quando se analisa a indicação da data e do lugar onde a nota
promissória é emitida que em certas ocasiões se mostram essenciais e em outras
se mostram secundarias. Portanto tais requisitos podem acarretar a nulidade da
execução assumindo, portanto, as custas processuais e honorários advocatícios e
outras cominações legais, portanto isso sempre pesa para o lado do credor que
investe em uma execução possuindo uma nota promissória desvestidas dos
requisitos presentes na nota promissória.
[15] Um dos mais famosos casos julgados na França e que estabeleceu as bases para a teoria do abuso de direito, trata-se do caso Clement Bayard, no qual o vizinho de um construtor de dirigíveis que, para força-lo a adquirir seu terreno, nele ergueu grandes pilastras de madeira armadas com agudas pontas de ferro com o intuito de dificultar a aterrissagem de aeronaves. (RODRIGUES, 2003, p. 45)
[16] É um ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno. Inicialmente desenvolvida como ferramenta para compreender comportamento econômico e depois usada pela Corporação RAND para definir estratégias nucleares, a teoria dos jogos é hoje usada em diversos campos acadêmicos. A partir de 1970 a teoria dos jogos passou a ser aplicada ao estudo do comportamento animal, incluindo evolução das espécies por seleção natural. Devido a interesse em jogos como o dilema do prisioneiro iterado, no qual é mostrada a impotência de dois jogadores racionais escolherem algo que beneficie a ambos sem combinado prévio, a teoria dos jogos vem sendo aplicada nas ciências políticas, ciências militares, ética, economia, filosofia e, recentemente, no jornalismo, área que apresenta inúmeros e diversos jogos, tanto competitivos como cooperativos. Finalmente, a teoria dos jogos despertou a atenção da ciência da computação que a vem utilizando em avanços na inteligência artificial e cibernética. A teoria dos jogos tornou-se um ramo proeminente da matemática nos anos 30 do século XX, especialmente depois da publicação em 1944 de The Theory of Games and Economic Behavior de John von Neumann e Oskar Morgenstern. A teoria dos jogos distingue-se na economia na medida em que procura encontrar estratégias racionais em situações em que o resultado depende não só da estratégia própria de um agente e das condições de mercado, mas também das estratégias escolhidas por outros agentes que possivelmente têm estratégias diferentes, mas objetivos comuns. Os resultados da teoria dos jogos tanto podem ser aplicados a simples jogos de entretenimento como a aspectos significativos da vida em sociedade. Um exemplo deste último tipo de aplicações é o Dilema do prisioneiro (esse jogo teve sua primeira análise no ano de 1953) popularizado pelo matemático Albert W. Tucker, e que tem muitas implicações no estudo da cooperação entre indivíduos. Os biólogos utilizam a teoria dos jogos para compreender e prever o desfecho da evolução de certas espécies. Esta aplicação da teoria dos jogos à teoria da evolução produziu conceitos tão importantes como o conceito de Estratégia Evolucionariamente Estável, introduzida pelo biólogo John Maynard Smith no seu ensaio Game Theory and the Evolution of Fighting.
[17]
A Teoria da Decisão procura responder a essa dupla necessidade de racionalizar
os processos de tomada de decisão – explicando a forma pela qual se tomam
decisões - e de fundamentar as escolhas realizadas. Entretanto, aquele que
decide racionalmente não sente somente a dificuldade de justificar as suas
escolhas. A teoria explica a forma que foi tomada a decisão e o fundamento das
escolhas, conjunto de teorias que se ocupam no campo das decisões. Organiza a
quantidade de métodos e de resolução de problemas. Existem vários modelos de
exemplo de decisão judicial que servem como exemplo bom, será que se tem a
faculdade de interferir qual é o melhor modelo para a decisão de um magistrado,
a liberdade do juiz pode trazer o melhor modelo. A decisão judicial é um objeto
complexo, o que significa dizer que são vários os componentes a serem
verificados do direito.
[18]
Outra questão terminológica a ser resolvida refere-se ao uso do conceito de
proibição de excesso, visto que muitos autores tratam a regra da
proporcionalidade como sinônimo de proibição de excesso. Ainda que,
inicialmente, ambos os conceitos estivessem imprescindivelmente ligados,
principalmente na construção jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão,
há razões para que essa identificação seja abandonada. Conquanto a regra da
proporcionalidade ainda seja predominantemente entendida como instrumento de
controle contra excesso dos poderes estatais, cada vez mais vem ganhando
importância a discussão sobre a sua utilização para finalidade oposta, isto é,
como instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente dos poderes
estatais.
[19]
Salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra cogita-se em princípio da
irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do
princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se
encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo
posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948.23 E esse teste da
irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão somente
rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da
decisão Wednesbury: "se uma decisão [...] é de tal forma irrazoável, que
nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir".
Percebe-se, portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso
do que os testes que a regra da proporcionalidade exige, destinando-se
meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis.
[20]
Cumpre apontar a Súmula 308 e 302 do STJ que prevê que é abusiva a cláusula
contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do
segurado. A mencionada súmula apresenta a aplicação do princípio da função
social dos contratos, relativizando a força obrigatória dos contratos, como
efeito inter partes. O mesmo acontece a renegociação de contrato bancário ou a
confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre as eventuais
ilegalidades dos contratos anteriores. A finalidade da súmula é impedir que
haja enriquecimento sem causa, o locupletamento sem razão, a lesão subjetiva e
a desproporção negocial.
[21]
Essa tragicomédia foi escrita entre 1596 e 1598 e tem como temas a amizade, a
ganância e a vingança, também trata sobre preconceito e hipocrisia. A peça
serviu de inspiração para o autor brasileiro Ariano Suassuna, na obra "O
Auto da Compadecida". Em Ariano, no seu Auto, a personagem Chicó - graças
às “maravilhosas ideias” de João Grilo- fica obrigado ante o Cel. - que é pai
da donzela Rosinha - a lhe permitir a retirada de “uma tira de carne”, caso não
tenha como pagar um empréstimo que lhe tomou. Tudo materializado num contrato
celebrado entre ambos e tudo com vistas a que Chicó - que “não tem onde cair
morto” ... - se case com Rosinha. Ora, com o Cel. ocorre o mesmo que com
Shylock: ao exigir, de Chicó, o dinheiro e ante a negativa/impossibilidade
deste, exige-lhe a satisfação do contrato, ao que se vê diante da argumentação
de que o contrato fala apenas em carne, não em sangue... O Cel. deserda a filha
Rosinha, que, então, se casa com Chicó. As ideias são as mesmas e propositais.
Claro que um escritor da envergadura de Suassuna serviu-se do antigo inglês,
conscientemente
[22]
Sua posição como um judeu é muito valorizada na peça e na Grã-Bretanha de
Shakespeare alguns podem argumentar que isso o posicionaria como um vilão, no
entanto, os personagens cristãos na peça também estão abertos à crítica e, como
tal, Shakespeare não é necessariamente julgando-o por sua crença religiosa, mas
demonstrando intolerância em ambas as religiões. Shylock está cumprindo seu compromisso com
sua palavra. Ele é fiel ao seu próprio código de conduta. Antonio assinou a
fiança e prometeu esse dinheiro, Shylock foi prejudicado; ele teve seu dinheiro
roubado por sua filha e Lorenzo. No entanto, Shylock é oferecido três vezes seu
dinheiro de volta e ele ainda exige sua libra de carne; isso o move para o
reino da vilania. Depende de seu retrato, de quanto o público simpatiza com sua
posição e personagem, e de quanto ele é julgado no final da peça.
[23]
Apesar do estabelecido na ideia do princípio da autonomia da vontade e definido
pela CFRB/88 (art. 5º, II) são necessárias restrições impostas ao mesmo, por
não ser absoluto, pois: a) não se pode contratar o que for contrário à lei, à
ordem pública e aos bons costumes; b) em determinadas situações – monopólios
estatais, por exemplo – não se pode escolher o outro contratante; e c) nos
contratos de adesão não é possível exigir alterações específicas. Parte-se da
premissa que o tal princípio nasce de ideais iluministas liberais, onde reside
uma redução (ou quase inexistência) de intervenção, e do equilíbrio entre os
sujeitos envolvidos no ato jurídico e na negociação entre as partes. Este, em
conjunto com o princípio da força obrigatória, foi a base indispensável para a
segurança dos contratos e, a partir deles, da enorme geração de riqueza
ocorrida a partir do século XIX.
[24]
Cumpre salientar que no Brasil a autonomia da vontade estava no código Civil de
1916 e em todas as Constituições anteriores à Carta Magna de 1988, enquanto que
a autonomia privada está presente no Código Civil de 2002 e na Constituição de
1988. Autonomia da vontade e autonomia privada são lados opostos da mesma
moeda, tendo em vista que a primeira é a vontade humana elevada à condição de
base do liberalismo e a segunda representa a vontade humana adapta às
necessidades e expectativas da sociedade em geral.
[25]
Foi filho de um médico real português de parte judia e, foi criado como católico
e educado na Universidade de Coimbra. Durante a Inquisição Portuguesa, fora
acusado de praticar secretamente o judaísmo, e obrigado a deixar o país.
Estabeleceu-se em Londres, em 1559, filiou-se à Igreja da Inglaterra, e
tornou-se médico domiciliar no Hospital St. Bartholomew. Ganhou boa reputação
de médico, sendo considerado habilidoso, e conquistou muitos clientes
poderosos, incluindo o Conde de Leicester e Sir Francis Waksinghham e,
eventualmente, a própria Rainha Elizabeth I. O Conde de Essex acusou Lopes de
conspirar para envenenar a Rainha em janeiro de 1594. Insistindo em sua
inocência, o médico foi condenado por alta traição em fevereiro e, foi
condenado e esquartejado em junho, após afirmar do cadafalso que amava a Rainha
assim como amava a Jesus Cristo. Declaração que provocou a zombaria na
multidão. O atraso de três meses, da Rainha em assinar a sentença de morte de
Lopes foi interpretado como prova que duvidava sobre a acusação contra ele.
Tanto que devolveu quase todos os seus bens à viúva e aos filhos.
[26]
De acordo com o socialista francês Jacques Attali (2003) a base ideológica
sobre o dinheiro no judaísmo é totalmente oposta ao ideal cristão. No judaísmo
ser abençoado é ser rico, ao contrário do cristianismo. Assim, a questão
principal, na visão do bardo, não é religiosa, mas sim, monetária. Nas palavras de Attali (2003, p. 242):
Paralelamente aprofundam-se as diferenças entre as duas doutrinas econômicas.
Quer no Judaísmo como no Cristianismo acredita-se nas virtudes da caridade, da
justiça e das ofertas. Mas para os Judeus, é desejável ser rico, enquanto que
para os Cristãos é recomendado ser-se pobre. Para uns, (os Judeus) a riqueza é
um meio para melhor servir Deus; para os outros, (os Cristãos) ele
impossibilita a salvação. Para uns, o dinheiro pode ser um instrumento do bem;
para os outros os seus efeitos são sempre desastrosos. Para uns, qualquer
pessoa pode gozar do dinheiro bem ganho; para os outros ele queima-lhe os
dedos. Para uns, morrer rico é uma bênção, desde que o dinheiro tenha sido
adquirido moralmente e que se tenha cumprido com todos os deveres para com os
pobres da comunidade; para os outros, morrer pobre é uma condição necessária da
salvação