Memória do Golpe militar brasileiro

Por Gisele Leite.

Fonte: Gisele Leite

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Por muito tempo ouvimos muitas histórias contadas sobre o golpe militar e sobre os anos de chumbo da ditadura. Durante o massacre do Araguaia, onde o exército brasileiro dizimou os guerrilheiros e disseminou sofrimento e medo pelas aldeias indígenas.

É muito importante a memória para a identidade e perpetuação de um povo, e para viver na democracia foi preciso que alguns lutassem e muitos sofressem a perda de muitas vidas.

 As narrativas passadas sejam alegres ou tristes traçam nossa identidade, e serve para aviventar a consciência e preparar o futuro. Ao pensar sobre o golpe militar, depois de cinquenta e oito anos, analisando a história dos direitos humanos, trouxe à baila muitos trabalhos acadêmicos, manifestações culturais e ofereceram subsídios e ainda estimularam reflexões sobre a ditadura civil-militar que existiu e seu legado ainda presente na realidade contemporânea.

Milhares de brasileiros e brasileiras foram vítimas da ditadura seja por prisões arbitrárias, torturas, assassinatos, desaparecimentos e exílios. Essa dor contida por muito tempo passou a se expressar publicamente e a dar testemunhos da barbárie e, propiciar a recuperação de um mínimo equilíbrio para prosseguir a vida.

É preciso que a memória garanta que o terrorismo de Estado jamais retorne ao cenário pátrio. As verdades históricas do período da ditadura foi continuamente ocultado na educação das gerações. E, prejudicou a análise conjuntural e estrutural daquele momento histórico.

Precisamos entender que o conhecimento histórico do Golpe de 1964 e da posterior ditadura vá além de toda gama de informações sobre os fatos da época.

Naquela ocasião com a participação popular, o então governo de João Goulart propunha reformas de base na política, tal como acesso à terra, melhoria na educação e em outras áreas, causando incômodo sensível ao contexto político tão dominado pelos partidos conservadores. Há também de se vislumbrar o cenário internacional daquele momento histórico, tão marcado pela Guerra Fria entre EUA e a URSS.

Diante da visão maniqueísta de mundo foi o álibi para o imperialismo econômico das duas grandes potências centrais em relação aos míseros países periféricos.

Na América Latina, exemplificando, os EUA, em nome de combater o comunismo, arvoraram-se no legítimo direito de intervir em políticas nacionais, sustentando golpes de Estado e, ainda, apoiando a implantação de ditaduras em países que buscavam pela democracia as soluções para superar as abismais desigualdades sociais e econômicas.

Convém na análise estrutural perceber a longa duração da história, mais de meio século, com ritmo lento de mudanças em que se formaram as estruturas da vida material e cultural do povo.

E, nesse sentido, o Golpe de 1964 é um dos fatos históricos decorrentes da estrutura conservadora e autoritária das elites nacionais que, aliás, desde o Brasil Colonial são os donos da terra, do trabalho e também do poder político.

Ao longo da história do país foram poucas e breves as experiências de política democrática e, ainda mais raras, ainda, de governos preocupados realmente em promover a emancipação humana do povo que ficou cada vez mais pobre e excluído.

Em cinco séculos de existência, nosso pobre país apresenta estrutura socioeconômica, seja no campo ou na cidade, construída a partir de interesses das elites, que sem pudor, escravizaram índios e negros, exploraram a mão-de-obra dos imigrantes e, hoje, dos nordestinos e negros, exploraram a mão-de-obra de imigrantes e, atualmente, dos nordestinos.

Nem sempre foi possível abafar a ferro e fogo os movimentos sociais, tal como foi na Guerra dos Canudos ou no Golpe de 1964, as elites souberam realizar os bons acordos de cúpula, mantendo-se no poder, mesmo com nova roupagem e maquiagem tal como foi na Proclamação da República, ou ainda, na lenta abertura gradual e segura  depois da ditadura, na década de 1980. Porém, o que predomina na história do país é o perfil estrutural de uma sociedade, marcada por desigualdades sociais e pelo autoritarismo violento e virulento.

Ao longo de toda história do país, vivenciamos nove golpes de Estado, o que nos faz concluir que a normalidade institucional e democrática é exceção à regra.

Aliás, a ditadura civil-militar, de longa duração, não representou regime de exceção, mas, infelizmente, de regra.

Hoje com a preocupação com os direitos humanos, ao cogitar sobre a dignidade humana na sociedade brasileira significa um repensar na definição de cidadania. E, construí-la de forma ativa e vivenciá-la demolindo o pálido conceito de cidadania formal, apesar de muito difundido pela mídia e pela educação.

Basta ser cidadão para possuir legalmente direitos individuais e deveres sociais já estabelecidos. A posse de direitos legais e o cumprimento de deveres sociais, acrescidos ao caráter moral e ético do indivíduo constituem basicamente o tripé sagrado da cidadania passiva.

E, nos retira a dimensão de ser sujeito de transformações sociais. Para nos colocar acesso à possibilidade ao consumo de bens supérfluos, do que propriamente àqueles bens sociais  coletivos que  tornam digna a vida humana tais como: a educação, saúde, trabalho, mobilidade social, moradia, transporte, cultura, lazer e, etc. Tais são conquistas apenas de uma cidadania ativa.

Na cidadania ativa há a luta pelos direitos humanos e, o resgate da memória do passado e compreensão crítica dos seus processos históricos é indispensável, para enfim, caminharmos em direção de uma democracia social e participativa, capaz de transformar as estruturas sociais brasileiras geradoras de miséria, da pobreza e de outras formas de desigualdades e exclusão social. E, de desumanização crescente e avassaladora.

O triste legado social da ditadura brasileira foi marcado por uma cultura de violação contínua de direitos humanos individuais e sociais. E, mesmo pós-ditadura, o Estado brasileiro permaneceu, em grande parte, ainda sob a tutela e rédeas das elites conservadoras. Convivemos ainda com tortura, justiçamentos, ditadura midiática, criminalização dos

movimentos sociais e a exclusão de grande parte da população aos direitos de justiça, salário digno, moradia, alimentação, saúde, educação gratuita e lazer.

Eis, os traços das desigualdades e do autoritarismo em nosso país. Bem exemplificado pelo famoso adágio protagonizado por General Pazuello e Bolsonaro: - “um manda e outro obedece”. Sem olvidar, que ao votar a favor do Impeachment da Presidente Dilma, homenageou Brilhante Ustra, general condenado por tortura e práticas pouco ortodoxas durante a ditadura militar.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Memória Golpe Militar Brasil Ditadura

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