Lineamentos sobre a Filosofia do Direito. Utopia factível

Filosofia do direito é o campo de investigação filosófica que tem por objeto o direito. Com o intuito de obter decisões mais justas, a Filosofia do Direito, por meio de reflexões e questionamentos, busca a verdade real e processual visando aplicá-las no mundo. Na Filosofia do Direito o questionamento e a reflexão são características da Filosofia que estão incorporados ao Direito, contribuindo para um melhor entendimento das perspectivas da prática jurídica.

Fonte: Gisele Leite

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Laborando sobre a distinção entre a ciência e a filosofia. As ciências modernas pressupõem que a natureza não tem intencionalidade.  Os elementos da natureza se relacionam de modo funcional, portanto, são articulados de certo modo, para produzir consequências ou resultados. Além de não serem intencionais, os elementos da natureza seguem certos padrões de interação que são necessários.


As ciências, por seu turno, deveria ser capazes da predição, principalmente quando suas hipóteses fossem confirmadas e transformadas em assertivas de tipo causal (o que se denomina de leis). Em não se confirmando as previsões, a hipótese deveria ser revista e, o conhecimento então fulcrado nessa hipótese deveria ser superado.


A origem da filosofia do direito principiou propriamente com o direito natural moderno, sendo uma reflexão teórico-filosófica que esclarecia a justificativa o próprio direito. Foi em 1670 quando o Rei da Suécia, Carlos Gustavo ofereceu a Samuel Pufendorf uma cadeira na Universidade de Lund, onde ensinaria os princípios[1] teóricos fundamentais do ensino jurídico, profissionalizando a exegese dos textos de direito positivo.


Meio século depois, Immanuel Kant elaborou tal perspectiva e com clareza traçou a distinção do que é direito (quid ius) do estudo do direito aplicável (quid iuris). Pouco mais tarde, Friedrich Carl Von Savigny, um jurista alemão, foi chamado a lecionar direito romano em Berlim, tendo incorporado a perspectiva de teoria o direito acima dos direitos positivos (direito romano, direito alemão e, etc.) e se ocupou de temas epistemológicos e metodológicos em suas obras.


Georg W.F. Hegel[2] foi muito crítico da filosofia tanto de Kant como de Savigny a respeito do direito, e foi nesse sentido que escreveu a obra intitulada Princípios da filosofia do direito, em 1820.


Em Kant, a filosofia do direito começou propriamente ita, já sendo independente do direito natural. Já em seu prefácio da obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, advertia: : toda ciência tem uma parte empírica e uma parte racional. No caso do direito, que  também é uma ciência, ou saber, existem a parte empírica e a parte racional. A primeira responde  à pergunta “qual o direito neste caso?”, “o que é de direito neste caso?” (quid iuris? ), enquanto a  segunda responde à pergunta “o que é o direito?” (quid ius? ).


À primeira responde-se com as  leis de determinado lugar ou tempo; à segunda, “com os princípios da razão somente”. Em


Kant, a filosofia do direito adquire, portanto, um quê de epistemologia, de teoria do  conhecimento (ou concepção) do que é o direito em si, independentemente dos diversos sistemas  jurídicos positivos.


Segundo Kant, temos a faculdade de apreender o mundo pela razão. Apreendemos o mundo pela razão, isto é, conceitualmente (por meio de conceitos) e, por isso, dela passamos a conhecer. Este conhecimento tanto do mundo natural quanto daquele que os seres humanos criam para si por meio de suas ações (mundo da prática, que pode ser técnica[3] quando dirigida a coisas, ou moral, quando for dirigida a si e aos seus semelhantes), é fruto da razão.


Entre esse conhecimento (uso da razão) e os conceitos com que entendemos o mundo, situa-se a filosofia de


Kant[4], a faculdade de julgar, ou faculdade de juízo. A faculdade do juízo é, em geral, é a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este, a regra, o princípio ou a lei, ser dado, a faculdade do juízo é determinante. Porém, se só o particular for dado para qual deve encontrar o universal, então a faculdade de juízo é simplesmente reflexiva.


Foi a ciência moderna que impôs limitação à razão, traduzindo momentos de ruptura. E, assim, transmitiu-nos imagem limitada de racionalidade, não apenas para afastar o direito da seara das ciências modernas, o que se compreende, mas também da seara da racionalidade em geral, o que traduz um equívoco.


O direito não é seguramente uma ciência positiva e empírica como outras e, o sistema jurídico não é um fato da natureza, não é res extensa. Costuma-se afirmar que a disciplina filosofia do direito procede a dois momentos de ruptura, ambos relacionados à mudança, mais geral do quadro dos saberes. Uma das mais relevantes tarefas do saber jurídico é conceituar, que é útil para organizar o mundo e a vida ao nosso redor.


Alguns exemplos podem ajudar a perceber a importância da  conceituação no direito e, por meio dela, a relação intrínseca entre a função da filosofia de esclarecer o  pensamento, e a função do saber jurídico de ordenar o mundo ao nosso redor.


O primeiro exemplo é o  de conceito de consumidor[5]. As relações jurídicas das pessoas no mercado eram suficientemente bem  concebidas sob a forma dos contratos previstos no Código Civil de 1916? Ou no Código Civil brasileiro de 2002? Com a mudança da estrutura  social ocorrida, ficou cada vez mais evidente que não.


As compras e vendas entre indivíduos  privados nem sempre se parecia com a compra e venda do Código Civil, pois de um lado estava um  profissional, de outro um consumidor .


Mas o conceito de consumidor era corrente na economia, não  no direito. Foi preciso conceber de maneira nova as relações de mercado, e os juristas tiveram que  elaborar novos conceitos: consumidor, produtor, relação de consumo e, etc.


De forma similar, a prestação de serviços entre particulares que já não obedecia aos dois maiores modelos herdados no país: a escravidão ou servidão, o trabalho doméstico (fâmulos) ou a prestação de serviços. Tornou-se necessário criar conceitualmente a relação de trabalho, quando se disciplinaram também os contratos de trabalho.


Um exemplo mais vetusto foi a elaboração do conceito de empresa[6] e de estabelecimento. A empresa não é o empresário (o sujeito da atividade), nem o agregado de bens dos quais se tem a  disponibilidade (como proprietário ou de outra forma).


Os juristas tiveram que elaborar um novo  conceito para dar conta de novas relações. Esses conceitos não se encontram no mundo, não são  resultado de achados empíricos.


O direito digital é um ramo do direito que tem como objetivo proporcionar as normatizações e regulamentações do uso dos ambientes digitais pelas pessoas, além de oferecer proteção de informações contidas nesses espaços e em aparelhos eletrônicos. O artigo 5º da Lei nº 13.709 de 14 de Agosto de 2018 que dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). XIX - autoridade nacional: órgão da administração pública indireta responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento desta Lei.


O processo de elaboração dos conceitos não é nada fácil e nada  garantido para o futuro. “Omnis definitio in jure civili periculosa est: parum est enim ut non subverti  possit” [“Toda definição é perigosa em direito civil, pois é rara a que não se pode subverter”], advertia-nos o jurista Javoleno[7] Prisco[8] (D. 50, 17, 202) apud Lopes. Mas o fato de ser difícil, ou perigoso, dar definições não  elimina a necessidade de os juristas determinarem sentidos e dar à luz conceitos


A origem da limitação da razão pode ser encontrada na filosofia de David Hume, e na sua obra intitulada Investigação sobre o entendimento humano, afirmou que existem apenas duas  espécies de uso adequado da razão: aquele em que se dão relações entre ideias e, aquele em que se constatam relações entre fatos. O primeiro é o campo das ciências formais, da lógica e das  matemáticas. E, de certo modo, as relações são causais, ou seja, uma ideia implica a outra: as implicações são uma forma de causalidade.


O segundo campo é o das relações causais que percebemos entre fatos, eventos e coisas. E, para Hume, portanto, chamamos de racional ou a implicação entre termos (lógica), ou a regularidade causal observável. E, tudo o que foge disso, não pode ser adequadamente propriamente  racional. Se existem certezas no campo da lógica e das matemáticas e, no campo da experimentação e da causalidade empírica temos probabilidades. Enfim, a razão diz respeito a tudo isso.


Lembremos que no século XVII, havia novidades intelectuais relevantes e, destacamos em três aspectos, a saber:


Primeiro aspecto onde se desenharam as tidas “novas ciências”, as quais terão no direito equivalente no direito natural racional. Destaca-se os nomes de cientistas e filósofos do tempo: Galileu Galilei, Johannes Kepler, Francis Bacon, René Descartes, Thomas Hobbes, Francisco Suárez, Hugo Grócio, Samuel Pufendorf, Gottfried Wilhelm Leibniz, Isaac Newton, Blaise Pascal[9].


Alguns destes, dedicaram-se expressamente ao estudo da vida política, às ciências morais como se dizia, ao direito propriamente dito, como Francisco Suárez, Hugo Grócio, Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf[10].


O primeiro ponto das “novas ciências”, consiste em novo olhar sobre o mundo. Suspende-se o exame das causas aristotélicas, as famosas quatro causas (material, formal, eficiente e final) e vai-se reduzindo a ciência ao exame da causa eficiente, a relação necessária de antecedente e consequente. Essa causa deve ser submetida à constante matematização.


Dentro da tradição de Aristóteles, as causas dos seres não se reduziam a essa causa eficiente. Tratava-se antes das dimensões e da essência dos seres (ou de sua natureza). As causas na filosofia aristotélica respondia à questão: o que é isto?


Tudo o que existe, na perspectiva das causas aristotélicas, pode ser compreendido e explicado por sua matéria (causa material), por sua estrutura (causa formal), por sua origem (causa eficiente) e por sua finalidade (causa final). Essas são as causas dos seres, estas dão, em conjunto, a "razão de ser" de alguma coisa.


Por exemplo:  um objeto como um automóvel tem certa matéria, mas só é aquele automóvel porque o material  foi disposto de certo modo, tem uma estrutura, um desenho, digamos. Tem, portanto, matéria e  forma. O que põe a matéria e a forma do automóvel juntas é seu fabricante (causa eficiente).


 Mas  a matéria e a forma do automóvel se unificam para que ele realize algum fim ou função (causa  final). Um gato também: tem sua matéria (orgânica) e se distingue de outros animais pela sua  estrutura ou forma (um gato é diferente de um papagaio).


O que mantém suas partes juntas,  porém, é diferente do que mantém juntas as partes de um automóvel: é a vida, ou, como diziam  os antigos, sua alma (anima, em latim). Um gato ou um cão é uma unidade orgânica, não mecânica.


Da  mesma maneira uma instituição, como um tribunal, pode ser abordada pelas suas causas:  compõe-se de recursos humanos e materiais (causa material), organiza-se de certo modo (causa  formal), é criado por seres humanos em unidades políticas (causa eficiente) e se entende por que  tem uma finalidade (causa final).


Um tribunal não é uma unidade orgânica, como um gato,  nem uma unidade mecânica, como um automóvel, mas uma unidade institucional, cuja natureza  será explicada nos capítulos seguintes.


Foi o olhar da ciência moderna que alterou essa perspectiva. A ciência exclui a intencionalidade e passou a ver o mundo suspendendo a causa final. Afinal, não devo procurar a finalidade externa para a luz ou para os astros. É suficiente conhecer sua matéria e sua forma intrínseca.


Apesar que é explicável suas relações com os outros corpos e seu espaço por meio de fórmulas matematizadas e mecânicas. O sucesso da ciência moderna deve-se à explicação dos fenômenos naturais permitindo previsões cada vez mais extadas, experimentações que reproduzem os fenômenos e uma forma de domínio sobre a natureza de modo mais eficaz e eficiente para os seres humanos.


A explicação das ciências é o melhor exemplo de como conhecer o mundo e, para muitos, tornou-se o único exemplo de conhecimento e de racionalidade[11].


O segundo ponto a destacar do século XVII foi a necessidade de um ceticismo metódico e metodológico Colocando tudo em dúvida, de forma radical, a partir da própria existência e de minha própria consciência de que existo.


A máxima Cogito, ergo sum: Penso, logo existo: para mim mesmo tenho certeza de que não sou uma ilusão. Sou eu mesmo. E, a dúvida radical é respondida pelo radical subjetivismo. O sujeito só pode ter certeza de suas ideias. E, essas ideias são inatas.


O terceiro ponto foi o abandono progressivo da reflexão sobre a ação humana e sua transformação em movimento. O que transformou o estudo da sociedade, da política e do direito. O representante mais significativo foi Thomas Hobbes[12].


A metáfora que usou na introdução do Leviatã é bem sugestiva: examine-se o ser humano e a sociedade como um artefato mecânico. Cada parte desempenha um papel dentro de um mecanismo: sua imagem da sociedade é mecânica.


Logo, aquilo que antes eram as ações e as interações agora, para fins de análise e conhecimento, converte-se em movimentos. Trata-se da adoção do modelo mecânico ou mecanicista, aplicando à vida institucional e moral.


Esses pontos afetam o direito e como eles estão na base da filosofia do direito? Primeiro, é  a suspensão de uma forma de ver a finalidade da vida social chamada bem. O bem eo bom são colocados em dúvidas, como vimos, antes em Pascal.


Algo é bom, passa-se a cogitar, enquanto a lei determina que seja assim, mas a lei determina uma coisa na França (aquém dos Pirineus) e outra na Espanha (além dos Pirineus). Suspende-se então o exame das causas finais da sociedade e se reduz o exame dos fins da vida política ao exame do indivíduo, do interesse individual.


Sobre os bens da vida social não se pode ter certeza. Pode-se ter certeza apenas daquilo que  serve para a manutenção da vida orgânica de cada indivíduo.


O esforço de imaginar um bem que  não seja discutível é semelhante ao esforço de pensar sobre uma verdade da qual não se pode  duvidar. O bem que não se pode discutir se encontra na vida de cada ser humano, um  individualismo de partida, ou, como se diz hoje, um individualismo metodológico.


Os  jusnaturalistas vão assumir a seguinte perspectiva: os seres humanos individuais têm, cada um  deles, seu próprio bem, consistente em viver e sobreviver. Isso é evidente . A partir daí podemos  tratar cada ser humano como uma peça autônoma.


O indivíduo humano é logicamente anterior , o ponto de partida, ele é a unidade básica e elementar. A sociedade propriamente dita é logicamente posterior aos seres humanos: é uma construção, como um mecanismo, máquina ou  artefato, um contrato, e nesses termos tem algo de artificial.


“Os pactos e a aliança pelos quais as  partes do corpo político foram primeiramente feitas, montadas e unidas assemelham-se àquele  Fiat ou façamos o homem , pronunciado por Deus na criação” (Hobbes, 1985, p. 81-82). Os  pactos e contratos são o meio mecânico pelo qual se fazem as relações sociais.


Natural mesmo é o indivíduo humano. A sociedade começa a parecer-se com um acréscimo ao ser humano  individual. Esse passo essencial é dado pelo jusnaturalismo moderno.


E, o jusnaturalismo vai  tornar-se a filosofia de base, o fundamento teórico para o direito. Grandes juristas do século  XVII passam a ver o mundo desta maneira.


Analisemos do iluminismo para o positivismo. A grande consequência é o século XVIII, especialmente, o fim deste e início do século XIX. A bem dizer, esse é o momento em que nasceu o direito moderno, sintetizado no movimento da codificação e, a ciência moderna do direito, ou dogmática jurídica, exemplificada na teoria geral proposta por Savigny, bem como a filosofia do direito propriamente dita, expressa na obra de Kant quanto na de Hegel.


Dá-se na França dos códigos, mas também na Inglaterra de Jeremy Bentham[13] e John Stuart Mill, onde John Austin começou a ensinar direito e a teoria do direito, sendo disciplina recém-criada na Universidade de Londres.


Analisando a longa história do estudo superior do direito, a autonomia e o surgimento da filosofia do direito como disciplina parecem ter acontecido recentemente. No tardio império romano e durante o principado de Justiniano havia escolas de direito, em cidades importantes como Constantinopla, Bolonha na Itália, contava com estudos de direito desde o século XI e a institucionalização da escola de jurisprudência pode ser traçada desde o século XII.


A filosofia do direito, contudo, surge com tal nomen apenas no século XIX, quando estava em tramite a mudança generalizada dentro da matriz europeia ocidental. Veio substituir o direito natural[14] como uma disciplina de base.


De certo, a mudança é oriunda da revolução científica experimentada em séculos anteriores e, naquela altura, atingia a própria instituição universitária. E, nas três derradeiras décadas do século XVIII, identificava-se em toda parte o movimento de reforma das universidades no qual convergiam vários movimentos.


A priori, a secularização crescente é o afastamento do modelo de escola confessional vigente desde o século XVI, quando as guerras de religião, a inquisição e a Reforma Protestante[15] haviam dado às universidades importante papel de órgão de Estado hábil a garantir alguma unidade ideológico-cultural.


Em seguida, as reformas pretendiam incorporar finalmente a nova ciência, cujo desenvolvimento  havia ocorrido fora dos currículos tradicionais. E, nesse embate, o papel do Direito como disciplina superior estava igualmente em jogo.


Atualmente já temos relevante historiografia sobre as reformas universitárias do século XVIII.  Por outro lado, a Revolução Francesa levara de roldão juristas e faculdades de direito. Por alguns anos, até que Napoleão as restaurasse em 1804, as faculdades de direito  ficaram fechadas. Quando reabertas, apresentaram nova face e seu currículo havia sido  transformado.


O direito pátrio positivo transformara-se em centro de gravitação do novo curso. Nesse ambiente de reviravolta cultural, a filosofia do direito faz sua entrada e sintetiza grandes  tradições que a precederam: a grande escola do direito natural moderno, chamado de  jusracionalista e a filosofia crítico-transcendental kantiana.


Talvez pudéssemos acrescentar a  filosofia do direito de Hegel, uma espécie de resposta a ambas as tradições que dominavam o  cenário intelectual da Alemanha.


A filosofia do direito, portanto, é forjada entre os séculos XVII, XVIII e XIX, quando o  direito toma a forma que hoje adotamos: legislado mais do que costumeiro, regulando campos  antes deixados aos particulares, como o direito comercial, ou à Igreja, como a família.


Antes  disso, claro, reconhecia-se também um nível positivo do direito ao lado de seu nível ideal e  crítico, chamado direito natural. Essa distinção era bem mais antiga do que a nomenclatura  filosofia do direito: encontrava-se nas reflexões da filosofia grega clássica, passou para os  pensadores e juristas romanos influenciados pelas escolas filosóficas gregas, reapareceu na  universidade medieval e nos juristas a ela ligados.


De fato, na tradição a que nos filiamos  historicamente, talvez se possa mesmo dizer que o direito e a filosofia vão nascendo juntos. Sem  essa ligação, o direito não teria sobrevivido como disciplina superior, universitária.


Diante de um direito legislado, direito posto, direito positivo e abrangente, e no ambiente de renovação da  própria ideia de ciência e razão, apareceu uma reflexão não apenas geral (como dogmática geral),  mas filosófica.


Um dos elementos mais característicos dessa reflexão é o papel enorme que o  problema da legitimidade representa: por que obedecer? Essa pergunta não pode ser respondida  de dentro da dogmática geral do direito[16].


A filosofia do direito  precede logicamente, não cronologicamente, a ciência do direito, ou seja, para fazer ciência do  direito deve-se ter uma ideia do que seja o direito mesmo e essa ideia é propriamente filosófica.


Mesmo que raramente se cogite de filosofia do direito, ou que os juristas façam filosofia do direito  sem o saber  como Monsieur Jourdain, o burguês da peça de Molière , O burguês fidalgo , que  falava em prosa sem saber, os juristas fazem sua ciência do direito.


Se acreditamos que a filosofia é esclarecimento, enquanto a ciência propriamente dita é conhecimento, pode-se dizer que a ciência do direito nos fazer conhecer o direito, a prática jurídica e seus componentes normativos próprios. Ferraz Jr., costuma-se (...) entender a Ciência do Direito como um sistema de conhecimentos sobre a realidade jurídica.


Assim, como o direito-objeto, mudou ao longo da história, igualmente o conhecimento, o direito-ciência, mudou. Uma das teses é que no caso do direito, por sua natureza que será explorada mais adiante, a maneira de conceber o objeto determina o próprio objeto.


Vivenciamos no universo das instituições que não existem senão pela ação humana. E, o método que se julgar o mais adequado para o conhecimento do direito também influirá na configuração do direito mesmo, no seu ensino, sua transmissão e sua prática.


No caso do direito, o cientista e o agente (o operador do direito positivo) se confundem, na medida em que para agir como jurista (agente) é preciso ter uma ideia do direito (ciência).


O jurista é, simultaneamente, quem produz conhecimento sobre o direito e quem o opera e atualiza. O que se pensa do direito, o que se produz como ciência do direito, contribui para a existência mesma do direito e de seu modo de ser.


No caso do direito, o cientista (quem o conhece) e o agente (o operador do direito positivo) se confundem, na medida em que para agir como jurista (agente) é preciso ter uma ideia do direito (ciência). O jurista é simultaneamente quem produz o conhecimento sobre o direito e quem o opera e atualiza.


O que se pensa do direito, o que se produz como ciência do direito, contribui para a existência mesma do direito e de seu modo de ser. Afirmou Ascarelli  com  elegância: “A história do direito e a história do pensamento jurídico terminam por convergir, porque do desenvolvimento do segundo depende a própria dimensão do primeiro”. (ASCARELLI, 1959, p. 12).


A ciência do direito, ou dogmática jurídica vem a desempenhar algumas tarefas, conforme informa Christian Courtis.  Primeiramente, (a) uma tarefa expositiva ou sistematizadora , que descreve um conjunto de normas do direito positivo, como ao comentar um código, arranja a  matéria sob certa classificação e expõe as relações entre suas partes.


Trata-se de uma tarefa de  lege lata , pois a solução se encontra na lei. Depois, (b) uma tarefa de orientação , ao explicar e  justificar certas possibilidades de decisão. Segundo Courtis , essa tarefa tem um lado descritivo,  pois se refere a possibilidades reconhecidas como existentes no ordenamento positivo, mas  também tem um lado prescritivo, pois recomenda certas soluções como melhores que outras.


A  ciência do direito também desempenha (c) uma função crítico-prescritiva , conhecida como de  lege ferenda , pois nesse caso o jurista reconhece que a solução que propõe não está atualmente  contemplada pelo direito positivo.


Em todos os casos, a ciência do direito depende de seu caráter discursivo, pois deve determinar sentidos e interpretações possíveis para os casos.


Como afirma Courtis , tal ciência lida com problemas de indeterminação linguística, questões lógicas (incompletudes, lacunas, antinomias, contradições, inconsistências, redundâncias), determinação de finalidades, funções e bens, problemas relacionados à estrutura escalonada e hierárquica dos ordenamentos e de relações entre ordenamentos (conflitos de leis, conflitos de sistemas jurídicos). Em muitos casos, contudo, depende de conhecimentos vindos de outras áreas do saber.


Quando defendia o projeto de Código Civil francês[17] diante do Corpo Legislativo em 1804, Jean-Étienne-Marie Portalis[18] alertava para essa mescla de conhecimento por evidência lógica interna ao direito com conhecimentos vindos de outras áreas. Por exemplo, afirmava ele, não preciso de nenhum conhecimento de agricultura para saber que uma sociedade na qual um dos sócios é totalmente excluído dos lucros é inaceitável.


Mas, para determinar a abusividade do preço de um produto não me bastam conceitos jurídicos. O que pode ocorrer com a ciência do direito, e que de fato ocorreu ao longo dos últimos 150 (cem e cinquenta) anos, é a perda da consciência de seu caráter singular e prático.


O resultado foi o progressivo afastamento entre teoria e prática. A teoria pretendeu-se científica e com isso desconheceu o caráter prático de seu campo.


A esse método de abordagem pode-se chamar de positivismo , nos dois sentidos que a palavra indica: o positivismo da ciência , pois o tratamento dado ao objeto (o conjunto de normas ou ordenamento jurídico) era semelhante ao das ciências “naturais” e “positivas”; e o positivismo do direito , pois o objeto de estudo deveria ser um direito posto por alguma autoridade (legislador e tribunais). Essa espécie de ensino levou, especialmente, nos direitos de tradição romano-canônica  ao famoso distanciamento da “prática”.


Embora com a cabeça cheia de conceitos e com uma enorme e sofisticada gramática, os alunos muitas vezes saíam incapazes de elaborar de forma autônoma as “decisões” jurídicas.


Dominavam a “gramática do direito”, se é que a dominavam, mas não dominavam a fala jurídica, o discurso. O resultado disto teve pelo menos três lados a considerar: uma queixa generalizada da  ineficácia do estudo, muito distante da “prática”; a reprodução em todos os trabalhos jurídicos do  mesmo estilo de “manuais”, discursivos, mas inconcludentes; o sentimento de que afinal de contas pode-se dizer qualquer coisa e que qualquer coisa pode finalmente valer no direito.


Hans Kelsen, filósofo do direito[19], nascido na Áustria corresponde a um dos principais doutrinadores responsáveis pela construção da ciência jurídica do século XX e sua atuação como magistrado, professor e redator da Constituição austríaca, dentre várias outras atividades, lhe rendeu uma notoriedade mundial como jurista, especialmente porque durante o período de guerras que assolou a Europa viria a se exilar nos EUA.


A sua obra "Teoria Pura do Direito” foi lançada pela primeira vez em 1934 sendo revista em 1960 na sua segunda edição. E, procurou purificar a teoria do direito eliminando de sua análise as ideologias políticas ou elementos de ciência natural, conforme acentuou em seu Prefácio.


Enfim, a sua teoria é pura porque objetiva e neutra, ainda que o direito, o objeto dessa teoria, não possa sê-lo igualmente. Lançadas estavam as bases de concepção científica do direito que deve ser entendido positivamente, a partir de uma concepção normativista positivista.


A insatisfação com a perspectiva da ciência moderna[20] conduziu a uma série de controvérsias dentro da teoria geral do direito ao longo do século  XX[21]. A primeira mudança dá-se na obra de Herbert Hart , O conceito de direito , na qual ele se refere  ao direito como prática social .


Publicado em 1960, o livro teve enorme repercussão, que se pode encontrar na obra de Ronald Dworkin[22], em Neil Mac Cormick , Klaus Günther e Robert Alexy[23] , para ficar nos mais populares.


Ronald Dworkin é autor de um dos mais citados artigos de teoria do direito da segunda metade do século XX: “O modelo de regras I”.


Neste livro, Dworkin apresenta a primeira versão de sua vigorosa crítica aos fundamentos do positivismo jurídico em geral, tomando por base o livro "Conceito de direito",  de H.L.A. Hart (1962). Nesse artigo, Dworkin aponta três linhas de argumentação contra Hart, escolhido pelo primeiro como o seu principal  interlocutor.


A primeira crítica se refere à tese das fontes sociais do direito (source thesis), denominada por Dworkin de “tese do pedigree[24]”. Segundo ela, o fundamento de validade das normas reporta-se, ao menos em última instância, a uma questão de fato.


 A validade de uma regra é estabelecida por sua relação com outra norma, independentemente de seu conteúdo ou de seu mérito. Dworkin enfatiza a afirmação hartiana de que a regra de reconhecimento, que funciona como um padrão unificador e garantidor da identidade jurídica, não é ela mesma validada, mas antes aceita como um fato social.


Segundo Hart, a aceitação da regra de reconhecimento e das instituições que constituem o direito independe dos méritos morais e avaliativos delas. O direito de uma comunidade é constituído por um conjunto de standards reconhecidos como válidos exclusivamente em função de sua origem numa autoridade (o seu caráter autoritativo, i.e., dotado de autoridade). Em outras palavras, as normas jurídicas têm sua validade e sua juridicidade garantidas exclusivamente em razão de seu pedigree.


A segunda linha refere-se à tese da convencionalidade, segundo a qual, o critério de validade das normas jurídicas repousa, em última análise, numa “regra de reconhecimento” que é aceita convencionalmente, ainda que por meio de uma trama complexa de práticas realizadas por tribunais, seus funcionários e agentes públicos.


Em terceiro lugar, o positivismo metodológico estabelece que a tarefa da teoria do direito é descrever o direito independentemente de qualquer tipo de consideração valorativa ou moral. Poderíamos denominá-lo de tese do caráter descritivo da teoria do direito.


Dworkin caracteriza o positivismo de Hart com base em outras duas postulações básicas apresentadas em “O Conceito de direito”. A primeira delas é a tese da obrigação, que afirma que temos uma obrigação de fazer algo quando existe uma regra jurídica que assim o determine.


Em razão disso, juízes têm a obrigação de aplicar uma regra sempre que dela se possa extrair de forma clara uma obrigação. Quando, pelo contrário, houver vagueza ou indeterminação, os juízes deverão agir discricionariamente. Essa segunda observação constitui a tese da discricionariedade, que afirma que, ao menos nos casos difíceis, os juízes agem discricionariamente, não seguindo uma regra jurídica, mas sim criando uma nova regra jurídica e, assim, legislando intersticialmente.


Nesse caso, a sua decisão, por não ter o seu conteúdo determinado por uma regra, não será certa ou errada, do ponto de vista jurídico. Essas teses constituem o positivismo como uma teoria que pode ser definida como um sistema de regras. De acordo com Dworkin, as tais teses, “[o] positivismo (...) é um modelo de e para um sistema de regras, e a sua noção central é a de que um teste fundamental único para o direito nos leva (force) a esquecer importantes papéis dos standards que não são regras”.


O livro de Hart[25] reflete um movimento que já se dava na filosofia inglesa e do qual se deve destacar tanto Peter Winch (1926-1997), autor de The idea of a social science and its relation to philosophy (2ª. ed., London: Routledge, 2008 [1958]), quanto Elizabeth Anscombe (1919-2001) e seu Intention (2ª. ed., Cambridge: Harvard University Press, 2000 [1957]), não esquecendo de Richard Hare (1919-2002) e seu “A linguagem da moral” (São Paulo: Martins Fontes, 1996 [1956]).


Hart reconhece a semelhança existente entre as regras de obrigação jurídica e as regras de obrigação moral, considerando que em qualquer comunidade há sobreposição parcial de conteúdo entre a obrigação moral e a obrigação jurídica. Hart nos apresenta os seguintes traços de semelhança entre ambos os tipos de obrigações, são semelhantes na medida em que são concebidas como vinculativas,  independentemente do consentimento do indivíduo e são sustentadas por uma pressão social séria para a sua observância e cumprimento das obrigações, sejam jurídicas, sejam morais, não é encarado como motivo de elogio, mas como contributo mínimo para a vida social que é tomado como coisa corrente. Enfim, em Hart, a noção de obrigação resta vinculada à pauta de avaliação de compromissos e resultados.


Na visão hartiana, estas distinções podem ser estabelecidas a partir de quatro pontos fundamentais: a) importância; b) imunidade à alteração deliberada; c) caráter voluntário dos delitos morais; d) a forma de pressão moral.


Hart identifica na estrutura do sistema jurídico duas classes de normas, as quais denomina normas primárias e secundárias. Nesta abordagem, a união dessas duas classes normativas representa a chave paia a elucidação do conceito de direito.


Entretanto, Hart somente identifica a existência de normas secundárias em um sistema jurídico desenvolvido. Nos sistemas primitivos não existiriam tais normas, e estas estruturas sociais estariam integradas por regras primárias de obrigação.


Nestas estruturas não haveria legislativo, tribunais ou funcionários de qualquer espécie. Por sua vez, a distinção entre normas primárias e secundárias revela outro traço característico da concepção do direito em Hart, qual seja, o problema da obrigatoriedade jurídica. Isto porque Hart vincula a existência do direito à existência de condutas obrigatórias, não facultativas.


Às regras primárias poderíamos chamar " regras de obrigação ", uma vez que impõem condutas ou a abstenção de certos atos, independentemente da vontade do sujeito a quem se destinam. Estas regras envolvem ações que dizem respeito a movimentos ou mudanças no mundo físico.


O primeiro defeito na estrutura social simples das regras primárias é a incerteza. O grupo, nesta situação, somente tem regras de obrigação. Daí que, quando ocorrem dúvidas acerca de qual a regra a ser aplicada ao caso concreto, ou quanto ao âmbito de uma regra, não exista um processo para dirimir estas dúvidas.


Um segundo defeito é o caráter estático das regras. O único processo de alteração das regras primárias nesta sociedade será o desenvolvimento da mesma, o qual é lento e impreciso. Não existem aqui autoridades capazes de alterar, extinguir ou acrescentar novas regras primárias ao sistema.


Num sistema jurídico complexo são várias as fontes do direito, desde o direito consuetudinário até decisões judiciais. O que confere o estatuto de direito ao produto destas diversas fontes é justamente a regra de reconhecimento.


Para Hart, quotidianamente o sistema jurídico convive com dita regra, ainda que somente em raras circunstâncias o direito atribua de forma expressa a uma regra a condição de ser ela a indicativa de critérios de validade.


É bastante trivial a identificação, errônea, entre a regra de reconhecimento de Hart e a norma fundamental de Kelsen. Isto porque, também para Kelsen, e aí há coincidência entre ambos, é a norma fundamental a fonte comum de validade de todo sistema normativo: "A norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. "


Neste ponto, não podemos deixar de mencionar as três designações da norma fundamental na Teoria Pura do Direito: "a) como primeira constituição histórica; b) como fundamento de validade do sistema normativo e c) como pressuposição lógico transcendental.


"E, conforme acentua Leonel Rocha: "A norma fundamental como fundamento de validade é a norma onde as demais da pirâmide jurídica vão encontrar seu fundamento último" . Disto não resulta, porém, terem a norma de reconhecimento de Hart e a norma fundamental o mesmo significado.


No âmbito da filosofia, há muitos outros doutrinadores, destacando-se, segundo José Reinaldo de Lima Lopes , Karl-Otto Apel (ética do discurso), Ernst Tugendhat (retomada da teoria das virtudes), Charles Taylor (a ação humana, human Agency), e herdeiros da filosofia analítica, como Bernard Williams . A reflexão sobre a razão prática inclui hoje uma legião de pensadores.


O direito é uma disciplina prática no sentido de que seu domínio é “demonstrado” na ação, não na  repetição de palavras ou frases feitas, como alguns psitacídeos fazem. O domínio de uma língua  é demonstrado quando o sujeito “elabora” as frases de maneira correta, compreensível, aceitável para  a comunidade dos falantes, segundo as regras da comunidade dos falantes.


Em que consiste  aprender a falar. isto é, em que consiste aprender a usar uma língua (o português, o espanhol, o  árabe, o híndi)  e, qual a diferença entre aprender a falar e aprender gramática? Será que  aprender a falar e aprender gramática, ou decorar palavras de um dicionário, são a mesma coisa?


Esta analogia entre língua, gramática e linguística pode bem servir ao que nos interessa. Pois,  alguns confundem aprender direito com aprender definições, como quem confunde aprender uma  língua com decorar um dicionário; outros confundem aprender direito com saber de cor as regras  de uma gramática; outros acreditam ainda que aprender direito é aprender uma teoria geral ou  uma “linguística” do direito.


Não há dúvida de que tudo isto importa. Um falante de uma língua que, além de praticá-la  cotidianamente, conhece muitas palavras, mesmo as de uso menos frequente,  sabe mais,  domina melhor a língua.


Da mesma forma, se conhece as regras da gramática e se tem uma ideia  mais geral das funções da linguagem, será provavelmente mais capaz de entender estilos,  gêneros, discursos diferentes, de perceber as diferenças entre estes e pelo menos tentar elaborar  coisas criativas. Logo, há níveis de menor ou maior “competência linguística”, como há níveis de  maior ou menor domínio de um sistema jurídico.


Aprende-se a falar de maneira “natural”: o uso da língua, como uma necessidade básica de  inserção social, é aprendido em casa e na infância. Trata-se da aprendizagem de um artefato  profundamente sofisticado este da língua, mas as crianças o aprendem relativamente cedo.


Quando aprendem uma língua, aprendem a fazer discursos : assim, aprender uma língua e  aprender a fazer discursos são a mesma coisa. Não se pode afirmar que alguém aprendeu uma  língua se esta pessoa não é capaz de “falar” (fazer discurso, discorrer) naquela língua.


Depois de aprender a língua, as crianças vão à escola e ali são instruídas em gramática. A  gramática “aperfeiçoa” a língua que as crianças já falam. Quando elas passam a dominar a  gramática, elas mesmas “se corrigem” e usam a chamada “norma culta”: são capazes de  conversar tanto em nível coloquial, íntimo, usando expressões típicas de sua história familiar, de  sua vizinhança, de seus pares e seus amigos, quanto de falar com a correção que as torna  compreendidas por outros grupos, mais distantes de sua história pessoal, de seu local de  nascimento ou convivência.


Pode ser que estas parem por aí, mas pode ser que estas avancem no  estudo da gramática depois, tomam o caminho da gramática comparada e da gramática histórica.


Aprendem e pesquisam como o português, o castelhano, o catalão, o sardo, o italiano podem ser  comparados (suas gramáticas, por exemplo) entre si, ou com outras línguas que têm menos em  comum: o alemão, o holandês, o inglês, ou quiçá o japonês, o árabe, o chinês.


Depois de tanto comparar, pode perceber que há alguma coisa que caracteriza todas  as línguas humanas e passa então da gramática à linguística.


Percebe que não importa a língua ou  família de línguas, todas elas valem-se de sons e a relação dos sons com os objetos que designam  (coisas ou ideias) é arbitrária.


Percebe também que o repertório de sons de uma língua é diferente  daquele de outra e que em cada uma delas os contrastes entre sons podem ser significativos  apenas dentro de um repertório de oposições muito limitadas.


Por exemplo, no português pode-se  pronunciar o som representado pela letra “e” de duas maneiras: aberto (representado  graficamente por “é”) ou fechado (representado graficamente por “ê”). A oposição “é”-“ê” é  significativa e uma das maneiras mais fáceis de reconhecer um estrangeiro (sobretudo os de  língua castelhana) é sua incapacidade de fazer esta distinção, pois em espanhol esta distinção não  é significativa.


Saussure sugere que há uma tensão entre o sistema da língua e a realização concreta dos  discursos ou da fala. A tensão significa que o sistema (língua) é, por definição, abstrato e  normativo, enquanto a fala (discurso) é, por definição, concreta, empírica e contingente. Um e  outra, porém, estão em dependência recíproca.


Nenhuma língua se mantém como sistema vivo se  não for realizada na prática por discursos concretos de falantes, e nenhum discurso concreto é  compreensível sem a referência a um padrão ou norma.


Para melhor esclarecer, cabe recorda as distinções feitas por Paul Ricoeur[26] entre  língua e discurso.  Em síntese, Ricoeur nos alerta para o seguinte: a língua é atemporal; não tem  sujeito; nela os signos se definem por sua relação recíproca, quer dizer, ela “não tem mundo”.


Tudo isto se inverte no caso dos discursos: todo discurso é pronunciado em um momento; todo  discurso é pronunciado por um sujeito; nos discursos, os signos têm um mundo ao qual se  referem, conhecido, real ou potencialmente, pelo falante e seu auditório, ou interlocutor. E, justamente isto está em jogo também no caso do direito: pode-se cogitar do “direito” como um  sistema, isto é, como uma língua.


Pode-se cogitar no “direito brasileiro”, ou “direito argentino”, ou “direito chinês”; pode-se da mesma forma falar de “direito civil”, “direito administrativo”, “direito do consumidor”.


De sorte que reconheço alguém que “conhece” uma língua (sistema) não quando ele descreve aquela língua, mas quando a fala (pronuncia discursos), assim também reconheço quem sabe direito não quando “descreve” ou “reproduz palavras e conceitos”, mas quando aplica (usa) o direito (sistema).


Naturalmente,  alguém é capaz de pronunciar o discurso (falar) em uma língua, sob a condição de dominar o sistema e ter o que dizer . Utilizando a analogia, alguém sabe direito quando, dominando o sistema, decide alguma coisa em um sentido ou outro.


Para decidir, precisa dominar o sistema em termos de justificação e aplicação, claro está, mas isto já nos levaria muito longe,  para a atual teoria da decisão jurídica[27], o que não vem a calhar para os modestos propósitos deste curso.


Acredita-se que é um começo para entender o direito, já que, assim como a língua, o direito é ao mesmo tempo um sistema de regras que permite discursos (o direito como objeto de uma teoria geral ou de uma dogmática jurídica) e a realização dos discursos mesmos (o direito como prática ou aplicação das regras aos casos concretos, por decisão dos tribunais, respostas a consultas, e assim por diante).


Conhecer o direito é saber tomar decisões jurídicas, isto é, um saber agir segundo o direito. Não se afirma que seja um know-how ou savoir faire, para não cair no risco de equipará-lo ao saber tecnológico. Este difere do saber prático de caráter moral, político ou jurídico quanto ao seguinte: no saber tecnológico, o produto (resultado) é externo à própria ação, digamos que é algo (uma coisa, por assim dizer). Neste o que está em jogo não são os fins, mas os meios.


Como exemplo corriqueiro temos a técnica que organiza sistematicamente meios para atingir certos fins, e tais fins são predeterminados. Fazer uma mesa, fazer uma cirurgia, fazer uma ponte, organizar uma atividade empresarial são todos “fins” ou produtos.


Se queremos fazer qualquer dessas coisas, devemos dispor dos meios adequados. Essa operação de dispor dos meios adequados é relativamente fechada, embora nela também haja alguma coisa a decidir. No direito não se dá exatamente a mesma coisa.


Se nos voltarmos para a atividade de decidir segundo regras, não estamos apenas avaliando meios para certo fim. O fim não está necessariamente dado. O direito, assim como a moral e a política, é uma disciplina que organiza, ordena,  sistematiza a tomada de decisões também com relação aos fins[28].


De qual maneira quero viver  a vida? De qual maneira, como sociedade, desejamos viver coletivamente? O que é justo  fazer nestas circunstâncias? Estas não são perguntas pelos meios, mas, de certa forma, são  perguntas pelo fim, ou pelo sentido a ser dado a uma ação que ainda não se realizou.


Essa a questão. O que fazer? Nestes termos, conhecer direito ou saber direito é, como diz mesmo Wittgenstein, um saber fazer, um poder, um dominar uma prática, mas diferente do  puro saber instrumental ou tecnológico.


O direito só é tecnológico em certa dimensão metafórica pois,  se é assim que desejamos viver, devemos proceder assim. Por isso mesmo, saber aplicar uma regra e saber interpretar uma regra são espécies muito determinadas de saber.


Quando a ciência do direito esquece que sua missão se torna mais semelhante ao da gramática de uma língua, do que ao da análise estrutural e descritiva de certo objeto, dá-se o lamentado distanciamento da prática. Por essa razão, abre-se o duelo entre a doutrina e a jurisprudência[29].


Questiona-se, afinal, por quais caminhos a  aproximação da teoria jurídica do direito vivo, o que se observar sucessivamente em três âmbitos: o da consideração da natureza do direito , o dos problemas de aplicação, uso e interpretação do  direito , e, finalmente, o do sentido da prática jurídica.


O direito é, basicamente, uma gramática dotada de regras, normas, princípios e, principalmente, valores para que se possa haver o convívio social e civilizado e, só assim, a sociedade, o Estado[30], a Nação possam existir e prosperar.


Na construção de uma teoria crítica do direito, o que mais interessa é estudar a especificidade da teoria do direito para Pashukanis ou a característica histórica da considerável vitória que obteve o normativismo positivista de Kelsen, é ao comparar as duas tradições críticas do pensamento ocidental que muito contribuíram para a crítica jurídica hodierna, seja afirmativamente, seja negativamente.


Tornou-se evidente a reascensão das concepções críticas do Direito a partir da década de 1970, com importante participação de juristas soviéticos. Daí, a especial menção de que Pashukanis, não somente ele, mas igualmente Stucka, foram proscritos em sua terra natal, por força de endurecimento e burocratismo do regime soviético. As teorias críticas do Direito[31] que reaparecem especialmente com vigor na Europa, o descontentamento com o ocidente capitalista, o que fez resgatar velhos teóricos do direito soviético.


Em primeiros momentos de crítica, tanto Kelsen como Pachukanis enfatizaram o problema da normatividade[32], acentuando que aquele se convencera de que a jurisprudência é o que com precisão se pode chamar de ciência essencialmente normativa, por se manter dentro dos estreitos limites do sentido formal e lógico do dever-ser.


Afinal, em Kelsen, a lei estatal seria a norma jurídica por excelência e nesta, o princípio do Imperativo aparece sob forma inegavelmente heterônoma, tendo rompido definitivamente com a faticidade daquilo que existe.


Somente Kelsen transpôs a função legislativa para o domínio metajurídico e, isso é o que faz efetivamente para então restar à jurisprudência[33] a pura esfera da normatividade.


Foi graças à lógica de Kelsen que levou até ao extremo a metodologia do neokantismo[34], com as suas duas espécies de categorias científicas[35].


E, com efeito, torna-se evidente que a categoria científica pura do dever-ser, liberta de todas as aluviões do Ente, da faticidade, e de todas as escórias psicológicas e sociológicas, não tem e não pode ter nenhuma determinação de natureza racional. A própria finalidade da norma é, em si mesma, secundária e indiferente.


Importante é o debate sobre a universalidade ou historicidade do direito a partir da polêmica entre Pachukanis[36] e Kelsen ganha novos tons perante o desenvolvimento da crítica jurídica. A crítica pioneira de Pashukanis foi dirigida à especificidade do direito e permite que estranhemos a reflexão e ação e, ainda permite a pujança da herança da filosofia política marxista[37].


Nem mesmo as teorias contemporâneas dignificaram o debate, seja pelo enfrentamento interno que tiveram os marxistas, seja em razão das polêmicas externas, tal como a possibilidade de teoria do direito a partir do conflito entre perspectivas que universalizam ou historicizam o fenômeno do direito.[38]


 A própria discussão sobre os direitos humanos é epistemologicamente resistente e continua a ser um problema a ser resolvido, apontando para o fato de que o direito não possa ser imposto às realidades estranhas à sociedade que o engendrou, nem mesmo, como conceito. Afinal, o direito não pode ser apenas mais uma utopia factível.


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Notas:


[1][1] Para Alexy, a proporcionalidade não se enquadra na categoria de princípios; para ele, a proporcionalidade é uma regra.  Alexy subdivide a proporcionalidade em três subelementos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.  Tais regras se relacionam exatamente nesta ordem.


[2] O conceito de justiça está diretamente relacionado à ligado à efetivação dos direitos fundamentais previstos no direito abstrato. Como concretização da liberdade, devem eles ser protegidos e assegurados, enquanto expressão da capacidade jurídica da pessoa de direito. A Filosofia do Direito pode ser considerada como uma teoria da justiça. O que demonstra que o processo de superação e conservação dos direitos individuais nesse movimento dialético de realização. A autodeterminação e o reconhecimento recíproco perpassam essas mediações. A suspeita de que a Filosofia do Direito traz consigo consequências antidemocráticas, no sentido e que os direitos de liberdade individual estariam subordinados à autoridade ética do Estado, está definitivamente enfraquecida.


[3] O direito é a mais eficaz técnica de organização social e de planificação de comportamentos humanos. Sua importância histórica é inelutável. A axiologia, cada vez mais, do passado evanescente até os nossos dias e rumando para o porvir, amolda o direito à justiça.


[4] Para Kant, Direito é o que regula as relações entre indivíduos e moral é o conjunto de preceitos internos de cada indivíduo. “O direito é o conjunto de condições por meio das quais o arbítrio de um pode estar em acordo com o arbítrio de um outro, segundo um a lei universal da liberdade”


[5] A legislação criada para proteger o consumidor completou 32 anos no último dia 11 de setembro. Desde sua promulgação, a Lei n. 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, ganhou espaço no dia a dia dos brasileiros, gerando disputas judiciais sobre o tema. Estas incluem a controvérsia a respeito da aplicação do CDC quando o consumo se dá no desenrolar de uma cadeia produtiva. Discussão essa que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem enfrentado. O artigo 2º do CDC explica o conceito de consumidor: "É toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". No entanto, o STJ tem admitido, em precedentes julgados nas turmas da Seção de Direito Privado (Terceira e Quarta Turmas), não ser o critério do destinatário final econômico o determinante para a caracterização de relação de consumo ou do conceito de consumidor.


Muito tem sido discutido, no âmbito do STJ, a respeito da amplitude do conceito de consumidor. A ministra do STJ Nancy Andrighi ressalta que “a aplicação do CDC municia o consumidor de mecanismos que conferem equilíbrio e transparência às relações de consumo, notadamente em face de sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor”. Este aspecto (vulnerabilidade ou hipossuficiência) deve ser considerado para decidir sobre a abrangência do conceito de consumidor estabelecido no CDC para as relações que se dão em uma cadeia produtiva.


[6] Conforme o jurista Fábio Ulhôa Coelho, a empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.  Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o  empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa). Há de ser ressaltada a Lei nº 10.409/02, instituída no novo Código Civil que inseriu um capítulo único referente ao assunto (Art. 1.142   1.149, CC).O art. 1.142 do CC de 2002 define estabelecimento como: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.


[7] Lucio Iavolenus Priscus (60-120, sabiniano) foi um senador e advogado romano, autor de quatorze livros de Epístula e Epítome da obra póstuma de SoBe Labeón e comentário de quinze livros Libri ex Cassio sobre a obra de direito civil Cassius Longinus.


[8] Assim, após a ascensão de Augusto, e para dar maior força a alguns jurisprudentes do que a outros, o imperador passou a conceder pessoalmente o direito, ius respondendi , de falar em nome do imperador ao responder ─ ex auctoritas principis ─, o que também deu prestígio ao próprio imperador. Assim, as questões em que os jurisconsultos intervieram tornaram-se cada vez maiores, uma vez que consultá-los decidia tudo devido a essa nova força vinculante, que por sua vez aumentava o trabalho e o desenvolvimento jurídico.


[9] A justiça está sujeita a discussão. A força é bem reconhecível e sem discussão. Assim, não foi possível dar força à justiça, porque a força contradisse a justiça e disse que ela era injusta; e disse que era ela, a força, que era justa. E assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo. Não podendo fazer com que fosse forçoso obedecer à justiça, fez-se como que fosse justo obedecer à força. Não se podendo fortificar a justiça, justificou-se a força. Blaise Pascal Pensamentos 66 (326); 103 (298); 81(299).


[10] "Pufendorf observou que, mesmo que a lei natural não fosse incompatível com a razão, o seu estado (de natureza) não propiciava o usufruto das comodidades adquiridas por cada um, o que só uma sociedade civil organizada poderia garantir. Isso porque, sendo universal e conveniente, permitiria ao homem contar com os outros homens para se defender e se preservar (e preservar o que é seu também, isto é, seus bens), já que as paixões que predominam no homem no estado de natureza levam aos vícios e às guerras, enquanto, por outro lado, a sociedade civil pode promover a paz, a riqueza e as comodidades convenientes a todos (e que também são buscadas no estado natural)."


[11] A disciplina Introdução ao Estudo do Direito visa a fornecer ao iniciante uma visão global do Direito, que não pode ser obtida através do estudo isolado dos diferentes ramos da árvore jurídica. As indagações de caráter geral, comuns às diversas áreas, são abordadas e analisadas nesta disciplina. O retorno a Kant parecia então o único modo possível de pensar a ciência e o lugar da razão. Assim, a maioria dos pensadores do fim do século XIX e do início  do século XX é, em alguma medida, neokantiana. Michel Foucault, autor de uma tradução da Antropologia do ponto de vista pragmático de Kant, em uma ocasião  declarou “Somos todos neokantianos”. Os aspectos éticos do neokantismo frequentemente o levaram para a órbita do socialismo. Os neokantianos tiveram grande influência sobre o marxismo austríaco  (Max Adler) e sobre a social-democracia alemã, através do revisionismo de Eduard Bernstein.


[12] Na definição de Thomas Hobbes, temos a seguinte constatação: “Uma Lei de Natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão,  mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa para destruir a sua própria vida ou privá-lo dos meios necessários para a preservar,  ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a preservar. ” E complementa o mesmo filósofo ao tratar da lei natural e da lei positiva,  em importante assertiva: “Outra maneira de dividir as leis é em naturais e positivas. As [leis] naturais são as que têm sido desde a eternidade,  e não são apenas chamadas naturais, mas também leis morais. Consistem nas virtudes morais, como a justiça, a equidade, e todos os hábitos de  espírito propícios à paz e à caridade. As positivas são as que não existem desde toda a eternidade, e foram tornadas leis pela vontade daqueles  que tiveram o poder soberano sobre os outros. Podem ser escritas, ou então dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade do legislador.  ” De acordo com Leo Strauss e Laurence Bernes,21 Thomas Hobbes busca refutar as Teorias Clássicas, alegando que fracassaram na busca pela paz, justamente  por admitir que o homem fosse um animal naturalmente político e social.


[13] Essa concepção é usada para determinar o que é Direito. Bentham propõe o princípio da utilidade ou da maior felicidade. Esse é o princípio que 'aprova ou não toda ação' de acordo com sua tendência de 'aumentar ou diminuir' a felicidade. Aplica-se a toda ação, apenas às dos indivíduos, mas também as do governo."


[14] Para uma definição de Direito Natural, de acordo com José Pedro Galvão de Souza,  pode-se dizer que a expressão Direito comporta diversas acepções.  Dentre estas, Direito corresponde ao latim jus, usada pelos romanos para designar o justum, ou seja, o justo objetivo; também quer significar a  expressão lex, ou norma de direito, determinando o que medida do justo e também significando licitum e potestas, o direito subjetivo; ao fim,  Direito também quer significar jurisprudentia, a atual Ciência Jurídica. Ora, sendo a lei que determina o justo bem como os direitos subjetivos,  não se pode admitir que ela seja elaborada de forma arbitrária, ao sabor das paixões do legislador. Desse modo, é necessário que ela se reporte  a uma justiça anterior e superior às leis positivadas. Aquelas estabelecem os direitos que não dependem de prescrições legais pois fundamentam-se na lei natural. O Jusnaturalismo, por sua vez, é uma doutrina segundo a qual existe – e pode ser conhecido – um “direito natural” (ius naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta intersubjetivas  diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo).  Tem validade em si, é anterior e superior ao Direito Positivo e, em caso de conflito, é ele que deve prevalecer. Note-se a primeira e fundamental diferença: Direito Natural não quer dizer Jusnaturalismo e vice-versa. Este se refere às escolas de Direito Natural que se desenvolveram e  tiveram concepções distintas do Direito Natural a depender do momento histórico em que se fundaram.


[15] Na concepção luterana, o direito é essencialmente uma ferramenta repressiva, com sanções. Vale o ideal de poder coercitivo, de estimular e inibir  comportamentos por meio das leis.  As leis estatais devem ser obedecidas, pois o príncipe é o "ministro de Deus" na Terra.


[16] A Dogmática jurídica consiste na descrição das regras jurídicas em vigor. Seu objeto é a regra positiva considerada como um dado real. Veiculada pelo ensino jurídico, a dogmática dificulta assim, a apreensão da dimensão histórico-crítica, afastando as demais dimensões do direito. A dogmática compreende um meio e não um fim, como habitualmente têm sugerido os procedimentalistas, que se creem processualistas. Verdade é que quanto mais processo, menos justiça se faz. O culto exagerado ao processo distanciado do real municia os inimigos do Judiciário e da Democracia que não se efetiva, sem a existência de um Judiciário independente.


[17] A principal função do Código Civil Napoleônico foi criar um Direto comum adequado aos ideais da Revolução Francesa e às modificações que ela provocou na sociedade. Inspirando-se no direito revolucionário e no direito romano, o Código Napoleônico consagrou os grandes princípios da Revolução: liberdade da pessoa; liberdade e  segurança da propriedade; abolição do feudalismo, laicismo etc. No entanto, as mulheres não se beneficiariam dos mesmos direitos que os homens.


[18] Foi um jurista e político francês durante a Revolução Francesa e o Primeiro Império de Napoleão. Foi um dos redatores do Código Civil Francês. Foi nomeado Conselheiro do Estado por Napoleão em 1800, quem o encarregou, junto com François Denis Tronchet, Bigot de Préamneneu e Maleviile de redigir o Código Civil.


[19] O jurista Miguel Reale dizia que o Direito poderia ser considerado em três dimensões, que seriam eles: Fato, Valor e a Norma. Primeiro, ocorre-se: O FATO Social, ou seja, um acontecimento. Depois, se dá um VALOR a este fato, que significa que este episódio será analisado (se é bom ou ruim)


[20] A Ciência Moderna, isto é, a ciência que conseguiu articular o método de observação e experimentação com o uso de instrumentos técnicos  (sobretudo o telescópio e o microscópio), começou a se desenvolver, propriamente, na Europa do século XVI. O nascimento dessa ciência nova  é tido por muitos historiadores como uma revolução, haja vista que no mundo antigo e no mundo medieval as investigações sobre fenômenos  naturais (terrestres e celestes), organismos vivos, dentre outras coisas, não se valiam do uso da técnica e não concebiam o universo  como algo composto de uma mesma matéria uniforme, suscetível à corrosão e à finitude.


[21] Responder o que é direito? é fundamental para toda a teoria do direito do século XX e afligiu a muitos teóricos. Assim como o direito não pode se confundir mais com a religião, com a moral, com os costumes sociais e se os ocidentais passaram a unificar sua organização política no Estado, o questionamento não deixa de fazer sentido. Enfrentar o problema do significado do direito é uma proposta crítica. No Brasil, cabe lembrar Roberto Lyra Filho cuja preocupação fora a de conceituar o direito para além dos jusnaturalismos e juspositivismos. No início do século XX a principal polêmica foi o normativismo positivista e os juristas revolucionários soviéticos.


[22]Ronald Myles Dworkin (Worcester, Massachusetts, 11 de dezembro de 1931 – Londres, 14 de fevereiro de 2013) foi um dos mais importantes filósofos do direito de língua inglesa da segunda metade do século XX até os dias de hoje. Ainda que a sua contribuição mais original e importante seja no campo da teoria do direito, sua obra tem também significativa relevância no campo da Filosofia Política, Filosofia Moral, Epistemologia Moral e Direito Constitucional, domínios do conhecimento que ele reconhecia como conceitualmente interligados. A atividade como intelectual público estendeu o impacto de suas ideias para além do mundo puramente acadêmico, influenciando profundamente uma geração de juristas e marcando o debate de ideias sobre grandes temas contemporâneos como Aborto, Eutanásia, Liberdade de Expressão, Democracia, Eleições, Ação Afirmativa, Desobediência Civil, Feminismo, Pornografia, etc., em especial em artigos publicados no The New York Review of Books.


[23] A princípio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de direito é resultado da relação de três elementos: legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material. Sem esses três elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista ou jusnaturalista


[24] A chamada tese do pedigree, que corresponde mais ou menos ao que os positivistas se referem como “Tese do Fato Social”, segundo Dworkin, expressa que a validade de certas regras utilizadas pela comunidade apenas são válidas se passarem em um “teste” de adequação que lhes confere um pedigree institucional.


[25] Herbert Lionel Adolphus Hart (Harrogate, 18 de julho de 1907 – Oxford, 19 de dezembro de 1992), referido como H. L. A. Hart foi professor de Teoria do Direito (Jurisprudence) da Universidade de Oxford, de 1952 a 1968. Sua obra O Conceito de Direito é um marco do pensamento jurídico do século XX. Hart foi um dos responsáveis pela aproximação da filosofia da linguagem com o Direito, sendo também um dos principais nomes vinculados ao positivismo jurídico. Tamanha foi a contribuição e a relevância de sua obra que grande parte da produção científica da Teoria do Direito, após a publicação da primeira edição do Conceito de Direito, acolhia ou rejeitava suas premissas, sem deixar de considerá-las. Assim, Hart influenciou toda uma geração de juristas, tais como Ronald Dworkin, Joseph Raz e Neil MacCormick. Seu trabalho ainda é discutido em escolas de Direito de todo o mundo.


[26] Ricoeur desenvolve sua teoria do texto ao redor de quatro categorias: 1) a efetuação da linguagem como discurso; 2) a explicitação do discurso como obra; 3) a projeção pela obra de um mundo, o “mundo do texto”; 4) a mediação deste mundo na compreensão do si.


[27] A primazia da Constituição (garantismo), bem como a atuação judicial jurisprudencializada (ativismo) colocam a interpretação do direito em um falso paradigma de certeza do sentido da lei, que acaba ensejando a imposição das normas criadas pelos juízes quando da aplicação do Direito. No paradigma do Estado Democrático de Direito, o juiz não é árbitro, mediador ou Estado, para individualmente dizer o que é o direito legislado, mas mero operador, como as demais partes e interessados do sistema jurídico criado e estabilizado por direitos fundamentais líquidos e certos do processo (não por cláusulas pétreas do discurso prático-moral) desde seus âmbitos instituinte e constituinte.


[28] É no meio social, como alude Hermes Lima, que “o direito surge e desenvolve-se” para consecução dos objetivos buscados pela sociedade, como, por exemplo, a manutenção da paz, a ordem, a segurança e o bem-estar comum; de modo, a tornar possível a convivência e o progresso social. Assim, o direito é fruto de uma realidade social. O direito, decorrente da criação humana, é direcionado de acordo com os interesses impostos pela sociedade. Tal fato torna-o dinâmico, exigindo que ele, à cada época, acompanhe os anseios e interesses da sociedade para qual foi criado.


[29] Quando a jurisprudência se torna a única fonte de elaboração do direito, pode-se afirmar que o direito está destruído. Nem é empirismo, conforme a concepção de Alf Ross, trata-se de mero casuísmo. A doutrina é a produção acadêmica de textos que enriqueçam a realidade jurídica. Os chamados “doutrinadores” são os especialistas em ciências e filosofia do Direito que se encarregam de analisar suas mais diversas vertentes e criar formas de pensamento dentro das universidades, além de buscar melhor compreender o funcionamento das normas já impostas, a quem se aplica e se existe alguma brecha para que ela seja modificada de alguma forma. Nada impede o doutrinador de produzir conhecimento sobre temas que não são legalizados ou reconhecidos perante a lei em seu país, uma vez que ele é apenas um pesquisador.  O que é jurisprudência? Com origens na época do direito romano, a palavra é derivada do latim e significa “justiça e prudência”. Desta forma, agir com jurisprudência é respeitar o histórico de postura jurídica já usado em casos semelhantes. Ela serve, então, como uma espécie de guia para decisões jurídicas. Afinal, quando acontecem vários cenários parecidos em diferentes espaços e tempos e, mesmo assim, a maioria têm sentenças semelhantes, é porque existe um certo consenso sobre a percepção dos juízes a respeito de como aplicar a legislação vigente.


[30] Assim sendo, a soberania territorial é exercida pelo Estado brasileiro. Perceba que esse termo, com “E” maiúsculo, difere-se do estado (com “e” minúsculo), que é apenas uma unidade federativa ou uma província do país. O Estado é, portanto, um conjunto de instituições públicas que administra um território, procurando atender os anseios e interesses de sua população. Dentre essas instituições, podemos citar as escolas, os hospitais públicos, os departamentos de política, o governo e muitas outras.


O conceito de Nação, por sua vez, também possui suas diferenças e particularidades em relação aos demais termos supracitados. Nação significa uma união entre um mesmo povo com um sentimento de pertencimento e de união entre si, compartilhando, muitas vezes, um conjunto mais ou menos definido de culturas, práticas sociais, idiomas, entre outros. Assim sendo, nem sempre uma nação equivale a um Estado, ou a um país ou, até mesmo, a um território, havendo, dessa forma, muitas nações sem território e sem uma soberania territorial constituída.


[31] A expressão Teoria Crítica do Direito surge com a Escola de Frankfurt, rompendo com as formas de racionalidade que une a ciência e a tecnologia  em novas formas de dominação. A crítica para eles significa a aceitação da contradição,  a qual está presente em qualquer processo de conhecimento.


[32] Segundo Pachukanis, não era possível se obter uma teoria materialista do Estado e do Direito inserindo simplesmente na reflexão político-jurídica o  conceito de “luta de classes”, pois, tal inserção não era suficiente para explicar porque o modo de produção capitalista funciona necessariamente por meio da forma jurídica, mediada pelo Estado (núcleo de poder público e impessoal), e não sob outra forma qualquer (por exemplo, coerção física imposta  diretamente por uma classe sobre a outra, existente na sociedade escravagista). Essa pergunta ficou expressa em uma de suas mais célebres passagens: “Porque que é que o domínio da classe não se mantém naquilo que é, a saber, a subordinação de uma parte da população a outra? Porque é que ele reveste  a forma de um domínio estatal oficial, ou, o que significa o mesmo, por que é que o aparelho de coação estatal não se impõe como aparelho privado da classe dominante, por que é que ele separa desta última e reveste a forma de um aparelho de poder público impessoal, deslocado da sociedade?”


[33] Vale registrar que assim têm se posicionado algumas vozes nos tribunais superiores de nosso país, in verbis “...a melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o rigorosismo na exegese dos textos legais levará injustiças.” “...Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formalizá-la”. “O direito, como fato cultural, é fenômeno social histórico. As normas jurídicas devem ser interpretadas consoante o significado dos acontecimentos, que, por sua vez, constituem a causa da relação jurídica. O código de processo penal data do início de 1940. O país mudou sensivelmente. A complexidade da conclusão dos inquéritos policiais e da dificuldade da instrução criminal são cada vez maiores...”.


[34]O neokantismo ou neocriticismo é uma corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha, que sobreviveu com maior vitalidade de 1860 a 1914.  Apoiando o retorno aos princípios de Immanuel Kant, e opondo-se ao idealismo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, então predominante, e a todo tipo de metafísica. Segundo a doutrina neokantista, o legislador, em primeira mão, percebe a necessidade de proibição para certa conduta, para depois estabelecer  o fato como crime. Assim, ele “enxerga” primeiro a antijuridicidade, e depois, a tipicidade. No início do século XX, o neokantismo atingiu seu ápice com a escola de Marburg, que incluía Hermann Cohen e Paul Natorp. Esses filósofos rejeitaram o  naturalismo de Helmholtz e de outros e reafirmaram a importância do método transcendental. Cohen defendeu uma doutrina neokantiana que pode chamar-se de idealismo objetivo, segundo a qual o pensamento é idêntico ao ser e todo real é absolutamente racional. Entre os adeptos da escola destacaram-se ainda  Rudolf Stammler, adepto de uma doutrina formalista do direito, e Franz Staudinger e Karl Vorländer, que tentaram aproximar o neokantismo do marxismo.


[35] Sob este prisma, o direito é utilizado como instrumento de dominação da sociedade, pois esta submete-se, em grau de obediência, às regras de controle instituídas para organizar a sua convivência. Nesse processo de dominação, os que detêm o poder político em suas mãos controlam a organização social, porque impõem a sua vontade. Isso pode-se verificar com facilidade nos processos legislativos, como manifesta Eduardo Novoa Monreal, in verbis: “outro aspecto que se deve levar em conta é que a lei, a que se torna como uma da vontade geral de um povo que, fazendo uso de seu poder soberano, impõe, por meio de seus representantes, as regras de vida social que devem imperar em uma sociedade, geralmente que se limita a expressar os interesses e aspirações do grupo social que, de fato, exerce o domínio sobre ela...”.


[36] Evgeni Bronislávovich Pachukanis (1891-1937) foi um jurista soviético que revolucionou a teoria geral do direito a partir da perspectiva metodológica marxista, tornando-se um autor incontornável no debate jurídico contemporâneo. Diferenciando-se radicalmente de outros marxistas, Pachukanis demonstrou em seus escritos os vínculos indissociáveis entre a forma mercadoria – existente no capitalismo – e a forma jurídica. A incompatibilidade de suas ideias com o pensamento político-jurídico stalinista resultou em perseguição, prisão e morte precoce.  Sua obra mais importante é intitulada Teoria geral do direito e marxismo (1924). As críticas pachukanianas às teorias juspositivistas e jusnaturalistas renderam-lhe diversos embates teóricos, inclusive com Hans Kelsen. Reabilitado publicamente em 1956, após a autocrítica soviética ao período stalinista, sua teoria provocou enorme impacto, especialmente na Europa, a partir da década de 1960, inclusive no denominado “debate da derivação do Estado” desenvolvido, sobretudo, na Alemanha e Reino Unido. No Brasil, Pachukanis ganhou notoriedade a partir das pesquisas do professor Márcio Bilharinho Naves e de seu livro Marxismo e Direito: um estudo sobre Pachukanis, influenciando juristas como Alysson Leandro Mascaro – com destaque para sua obra Estado e Forma Política –, Celso Naoto Kashiura Jr. e Silvio Luiz de Almeida dentre outros que se agruparam em tais conjuntos de pesquisas a partir dos anos 2000.


[37] A principal característica do marxismo é a busca da revolução do proletariado, já que essa classe social era explorada pela burguesia dominante.  Nesse contexto, os sindicatos de trabalhadores foram muito fortalecidos, porque empenharam mudanças e melhorias no cotidiano fabril. A análise marxista tem sido aplicada a diversos temas e tem sido mal interpretada e modificada durante o curso de seu desenvolvimento,  resultando em numerosas e às vezes contraditórias teorias que caem sob a rubrica de "marxismo" ou "análise marxista".  O marxismo baseia-se em um entendimento materialista do desenvolvimento da sociedade, tendo como ponto de partida as atividades  econômicas necessárias para satisfazer as necessidades materiais da sociedade humana. A forma de organização econômica ou modo de  produção é compreendida como a origem, ou pelo menos uma influência direta, da maioria dos outros fenômenos sociais - incluindo as  relações sociais, sistemas políticos e jurídicos, moralidade e ideologia. Assim, o sistema econômico e as relações sociais são  chamadas de infraestrutura e superestrutura. À medida que as forças produtivas (principalmente a tecnologia) melhoraram, as formas  existentes de organização social tornam-se ineficientes e asfixiam o progresso. Estas ineficiências se manifestam como contradições sociais na forma da luta de classes.


[38] A questão da discricionariedade do juiz é um ponto central tanto na teoria positivista de H. L. A. Hart, quanto na teoria construtivista de direitos de Ronald Dworkin, por se basear nas ideias de completude, de princípios e regras e de testes últimos para a identificação da lei. Tratar-se-á aqui, inicialmente, das acepções da discricionariedade, propostas por Dworkin, como ramificações no diálogo feito entre esse filósofo e Hart, no tocante às suas concepções de completude ou incompletude da lei, ao grau de distinção entre princípios e regras, à existência de uma regra social ou de uma regra normativa de reconhecimento. A cada passo, voltaremos à seguinte questão: teria o juiz o dever legal de decidir de uma determinada forma, em caso de lacuna da lei, para usar o termo empregado por Hart, ou em casos difíceis, para utilizar o termo adotado por Dworkin? De modo geral, a questão da incompletude ou completude da lei indica os pontos de partida de Dworkin e Hart. Esse último busca traçar uma teoria puramente descritiva de lei, capaz de identificar critérios que digam quais regras e, segundo Hart, quais princípios12, são lei. Sua preocupação em identificar a lei tem como fundamento a busca pela segurança jurídica,13 pela eficiência da pressão social e pela possibilidade de alterações deliberadas da lei.14 Para essa busca, pondera, a justificação é irrelevante. Já Dworkin procura traçar uma teoria normativa de lei apta não apenas a identificar a lei, mas também a justificá-la moralmente do melhor modo possível.16 Para esse filósofo, contudo, tanto a justificação quanto a identificação da lei só podem ser feitas com o auxílio, dentre outros, da moral. A principal preocupação de Dworkin é afastar a possibilidade da edição, por parte do juiz, de leis novas, ex post facto, desconsiderando, desse modo, direitos individuais pré-existentes.18 Vale frisar que dentro da teoria de Hart, contudo, não haveria essa preocupação de desconsideração de direitos, simplesmente porque tais direitos não existiriam onde houvesse lacuna legal, ou, nos termos de Dworkin, em casos difíceis. Nessa linha, se Dworkin critica o conceito de lei de seu interlocutor, apontando-o como insuficiente para identificar a complexidade do sistema legal20, Hart posiciona sua doutrina em um ponto intermediário entre conceitos formalistas e céticos21, ou, mais propriamente para esta discussão, entre conceitos de que a lei existente abrange todos os casos e conceitos de que não há regras em absoluto22, acusando Dworkin de se enquadrar no primeiro caso. (A diferença entre o positivismo formal ou legalista e a teoria do direito de Dworkin será apontada ao tratarmos especificamente da regra de reconhecimento.) Hart desenvolve sua teoria do direito analisando-o pelo aspecto geral e pelo aspecto descritivo. Dworkin compreende o direito enquanto prática interpretativa e também avaliativa, já que consiste na identificação dos princípios que melhor se adequam ao direito estabelecido e oferecem a melhor justificativa moral. Destaca-se, nesse sentido, a maior tendência da teoria de Dworkin a abarcar princípios morais legalmente vinculantes que impossibilitarão a existência de lacunas e, portanto, a existência de discricionariedade judicial em sentido forte.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Filosofia do Direito Juspositivismo Normativismo Jusnaturalismo Hermenêutica

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