Instrumento pacificação social
Por Gisele Leite.
É muito difícil enxergar o
Direito Penal como instrumento eficaz de pacificação social. Considerado em si
mesmo, não resolve o problema da criminalidade. Ainda com a existência e
funcionamento do Direito Penal, os alarmantes índices da criminalidade
brasileira[1] só vem aumentando.
A regulação comportamental
evoluiu lentamente no Direito Penal. Antigamente, o revide à uma agressão não
guardava proporção com a ofensa sofrida, ocorriam embates, batalhas e guerras
entre grupos humanos chegando até a total extinção.
A primeira conquista do
Direito Penal, pasmem, foi a Lei do Talião[2], quando se delimitava o
castigo e a vingança e, já traça um rascunho de proporcionalidade.
Incrivelmente, olho por olho, dente por dente projeta uma correspondência
delimitadora do revide, antes pleno em absoluto.
A partir do Código de Hamurabi[3], do século 23 antes de
Cristo delimitou o castigo e, havia a proporção entre o mal retribuído com o
mal semelhante. Caso alguém tivesse a mandíbula quebrada com o soco, teria
igualmente sua mandíbula quebra.
Antes disso, havia outras
pessoas que apesar de não envolvida na agressão poderiam ser atingidas.
Existem pessoas que se situam
no limite exato entre o cometimento do delito e a busca pelo trabalho honesto,
da sobrevivência digna, muitas vezes mal remunerado e, por isso, e de repente,
a prática delitiva, por uma vã vida melhor, parece ser sedutora, pouco se
importando com as consequências de sua conduta.
Enfim, a missão do Direito
Penal moderno é a aplicação de sanção que não existe por si mesma, pois tem a finalidade
sem o que é ineficiente e despropositada. E, entre essas suas finalidades,
destaca-se a ressocialização. Afinal, a execução da pena deve proporcionar
condições suficientes para uma harmônica integração social do condenado.
Infelizmente, nem todos
praticantes de infração penal, seja crime ou contravenção, necessitam de
ressocialização. É o caso do crime cometido pela força do ímpeto, sem
premeditação, conforme ocorre em homicídio mediante violenta emoção, logo em
seguida de injusta provocação da vítima. Seja em um crime culposo, onde nem há intenção
de causar o resultado, que se revela apesar de involuntário, bastante eficaz.
A identificação do criminoso
contumaz requer atenção de diversas ciências, bem como a aplicação de
terapêutica penal capaz de propiciar o retorno à sociedade. Já o crime
esporádico, onde não havia intenção de cometer crime, agido tão-somente por
imprudência, negligência ou imperícia[4], na clássica síntese da
culpa, a desnecessidade de ressocialização do infrator, passa pelo menos, por
sua conscientização do erro cometido e, das razões que o fizeram
inadvertidamente delinquir.
Com o criminoso profissional,
ainda que privado de liberdade, continua a cometer crimes, e invariavelmente
nem deseja ser ressocializado e, possui na genética moral a grande
possibilidade de reincidir, nem a aplicação da pena foi capaz de intimar o
condenado, tornando-se a ressocialização quase impraticável ou apenas uma
retórica legislativa.
Ainda que não seja possível a
ressocialização do apenado, não se pode admitir que o criminoso deixe de ser
adequadamente sancionado, pois a pena possui outras finalidades, além da
ressocialização. É, por soi-même, retributiva, vez que impõe uma
expiação para quem a cumpre, sempre dentro das balizas da legalidade.
E, a busca da justiça com
aplicação da devida reprimenda, informa a sociedade, sobre a correta aplicação
da lei e se transforma como meio mais simbólico do que efetivo, mas, poderá
trazer pacificação e, obstar a vingança privada.
A fora isto, há a prevenção
geral, pois acena-se para a sociedade com a mensagem de que o crime não
compensa. Já a prevenção especial traz outra finalidade da pena, onde se insere
a missão ressocializante da pena, correspondente ao principal objetivo da Lei
de Execução Penal[5].
Já quanto aos criminosos contumazes, prevalece a prevenção especial com o fito
de impedir a reiteração criminosa e, ainda, preservar a segurança da
coletividade. É um pacificar da sociedade, com a retirada de seu meio, de quem
cometeu a infração penal[6].
A realidade contemporânea nos
aponta para um sistema prisional colapsado onde as unidades penais em que a
permanência é simplesmente desumana, não se pune adequadamente, apenas de
desumaniza lentamente o criminoso, sobrando-lhe a porção animal eivada de
instintos e selvageria.
Enfim, é indispensável para o
adequado objetivo do Direito Penal que o sistema prisional funcione bem,
independentemente de classe social ou função exercida. Quando o Direito penal
teatral assume publicamente que não pune, não previne a nova prática de outros delitos,
há o sub-reptício estímulo da justiça pelas próprias mãos, já uma política
armamentista[7]
que quer disputar a segurança à bala, e basta haver injustiçado para que o
sistema seja acionado à revelia do Judiciário e do Legislativo.
A lenta evolução do Direito Penal precisa acelerar o aperfeiçoamento dos métodos de execução penal e do sistema prisional, sob pena, de ser apenas uma vitória de Pirro[8].
Notas:
[1]
Diversos Estados brasileiros registram queda no número de crimes violentos em
2021, na comparação com 2020. Com dados do primeiro semestre de 2021, Mato
Grosso do Sul apresentou redução de 60% no latrocínio - que é o roubo seguido
de morte - e de 87% nos feminicídios. A secretaria de segurança pública
sul-mato-grossense ressalta que o estado está entre os que mais apreendem
drogas no país, e que tem atualmente um dos maiores índices de esclarecimentos
de homicídios.
[2] Apesar de terem sido substituída por novos modos de teoria jurídica, os sistemas da lei de talião serviram a um propósito crítico no desenvolvimento dos sistemas sociais - o estabelecimento de um instituto cujo propósito era decretar a retaliação e garantir que essa fosse a única punição. Em verdade, ainda antes do surgimento do Livro dos Hebreus, os Códigos de Hamurabi e de Manu já haviam trazido normas de sancionamento pessoal pela transgressão de regras sociais, utilizando-se, como modelo de punição, o princípio de talião, comumente representado pela frase “olho por olho, dente por dente”, em límpida demonstração da forma vingativa e, para a época, proporcionalmente retributiva com que eram aplicadas as penalidades então existentes.
[3]
O Código de Hamurabi foi o primeiro código de leis da história e vigorou na
Mesopotâmia, quando Hamurabi governou o primeiro império babilônico, entre 1792
e 1750 a.C. Esse código se baseava na Lei do Talião, que punia um criminoso de
forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.
[4]
A negligência é uma falta de cuidado ou desleixo relacionado a uma situação. A
imprudência consiste em uma ação que não foi pensada, feita sem precauções. Já
a imperícia é a falta de habilidade específica para o desenvolvimento de uma
atividade técnica ou científica. Apesar de terem significados bem diferentes,
há quem confunda negligência, imprudência e imperícia. As palavras induzem a
uma ideia de falta de cuidado, mas há detalhes significativos distintos sobre
cada uma delas.
[5]
O Pacote Anticrime alterou a Lei de Execução Penal nos seguintes termos:
Inclusão de parágrafos do art. 9º-A sobre Identificação de Perfil Genético para
Crimes Hediondos. Em caso de crime hediondo com resultado de morte.
[6]
Na LEP que se encontram, por exemplo, as regras para progressão de regime (isto
é, as circunstâncias em que alguém poderá sair de um regime fechado para o
semiaberto, e assim por diante). Esse assunto, contudo, mereceria um texto
exclusivamente para ele. A LEP ainda
dispõe sobre diversas outras situações que serão discutidas e resolvidas no
processo de execução. É o caso da unificação das penas (procedimento que
precisará ser feito pelo juiz quando o preso tiver mais de uma condenação, para
que se possa avaliar adequadamente os benefícios, o regime de cumprimento de
pena e outros).
[7]
Em 2020, alta na posse de armamentos foi de 97,1% após flexibilização de regras
promovidas por Bolsonaro, segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Homicídios voltaram a crescer após dois anos de retração.
[8]
Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão utilizada para se referir a
uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos
irreparáveis A expressão recebeu o nome do rei Pirro do Epiro, cujo exército
havia sofrido perdas irreparáveis após derrotar os romanos na Batalha de
Heracleia, em 280 a.C., e na Batalha de Ásculo, em 279 a.C., durante a Guerra
Pírrica. Após a segunda batalha, Plutarco apresenta um relato feito por Dioniso
de Helicarnasso.