Histórico da Maconha[1]

Atualmente, a Lei Antidrogas proíbe em todo o território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.

Fonte: Gisele Leite

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O histórico da maconha em nosso país teve seu início com a Descoberta do Brasil. Ratifique-se que a maconha é planta exótica, isto é, não é natural do Brasil e, há relatos que fora trazida por escravos negros daí sua denominação de fumo-de-Angola. Atribui-se a demonização da maconha ainda na década de 1920 na Segunda Conferência Internacional de Ópio (1924) quando o delegado brasileiro Dr. Pernambuco vociferou que a maconha era mais perigosa que o ópio.

Atualmente, a jurisprudência pátria tem admitido o uso terapêutico da cannabis sativa tendo em vista a confirmação científica de seus bons e exitosos resultados em diversas enfermidades. Há quem tema que a permissão para o uso medicinal seria um futuro caminho para a liberação para o uso recreativo. Trata-se de um temos injustificado.

Frise-se que o uso medicinal da maconha só permanece proibido no país devido à falta de regulamentação, apesar da lei 11.343/2006, em seu artigo 28 que permite o uso pessoal terapêutico. No entanto, quem plantar ou comercializar a maconha no Brasil sem a prévia autorização da Justiça poderá ser punido com prisão e processado criminalmente.

A autoridade sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou produtos oriundos da Cannabis sativa.  No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não classifica esses itens como medicamentos, mas autoriza a importação com receita médica e poderá avaliar a fabricação no País.

Segundo estudos, a Cannabis apresenta resultados no tratamento de epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas e câncer, entre outras situações.

Há familiares relatam que os medicamentos reduzem a frequência de convulsões em crianças de dezenas de eventos por dia para um ou dois por semana.

Como a Cannabis sativa chegou ao Brasil? Foi trazida para o Brasil pelos escravos negros, daí a sua denominação de fumo-de-Angola. O seu uso disseminou-se rapidamente entre os negros escravos e nossos índios, que passaram a cultivá-la.  A maconha é uma planta exótica, ou seja, não é natural do Brasil.

 Séculos mais tarde, com a popularização da planta entre intelectuais franceses e médicos ingleses do exército imperial na Índia, ela passou a ser considerada em nosso meio um excelente medicamento indicado para muitos males.

Existem divergências acerca da origem da cannabis, a qual possui como variante a cannabis sativa (maconha), no mundo, há algumas teses que estudam qual o ponto inicial da Terra em que a planta foi encontrada, alguns estudiosos afirmam que foi na China, outros estudos indicam que foi na Índia há cerca de 2500 d.C. ou então que a sua origem foi na região da Pérsia, onde atualmente estão localizados o Paquistão e Irã. (grifo meu)

Foi durante as Cruzadas, iniciadas por volta do ano 1095 que a maconha se disseminou pela Europa. Durante a renascença (XIV – XVII), ela era um dos principais produtos agrícolas do continente e além das páginas de papel de cânhamo[2] dos primeiros livros impressos, artistas pintavam em telas feitas com fibras da planta.

Uma curiosidade interessante acerca da sua utilização nessa área, é que palavra “Canvas”, usada em várias línguas para designar “tela”, é uma deformação da palavra holandesa do latim “cannabis”: daí dizer-se “ovil on Canvas” (óleo sobre tela).

Outra curiosidade interessante que se pode suscitar é que o alemão Johannes Gutenberg utilizou papel de cânhamo para produzir as 135 primeiras Bíblias impressas, a famosa Bíblia de Gutemberg, que continham a tradução dos dizeres bíblicos para o latim. Durante o século XVIII a utilização do cânhamo como matéria-prima para fabricar cordas era bem presente, assim como óleo para pintar e como alucinógeno.

No continente africano, a história afirma que a maconha chegou por lá por meio das invasões árabes, a planta teria chegado pelo Egito, por volta do século X, sendo levada pelos árabes vindos das regiões da Índia[3], Pérsia e Arábia Saudita.

Também teria chegado por meio da costa de outras áreas do continente, sendo negociada com aqueles que vinham de fora.

A planta, diferente da realidade europeia como já foi dito, nunca foi parte significativa da economia do local, apesar de já ter sido utilizada como moeda de transação para ovelhas e vacas por exemplo.

O continente africano possui uma cultura canábica que vem sendo cultivada há séculos, sendo parte importante de cerimônias religiosas, e fazendo parte do dia a dia dos nativos. Provavelmente, é no continente africano que possui a área onde o uso cultural da planta é o mais extenso.

A planta teve seu uso disseminado nos Estados Unidos após as grandes navegações, por volta de 1720, e era muito utilizada como matéria-prima para fabricação de papel. A planta em seu tipo fibra era cultivada na região litorânea, tendo como destino o uso para confeccionar velas, tapetes, cintos e barbantes.

Inclusive os Estados Unidos possuem “Weed Day” (Dia da Erva), que foi criado pelos estudantes da San Rafael High School em 1971, comemorado dia 20 de abril, havendo manifestações e eventos que são favoráveis à legalização.

Por volta da década de 20, tem seu uso disseminado pela América Central, mais recentemente, em 1960, surgem os Beatnicks, um movimento estabelecido no pós-guerra, por pessoas que buscavam paz e um ambiente mais harmonioso.

A demonização da maconha no Brasil iniciou-se na década de 1920 e, na II Conferência Internacional do Ópio[4], em 1924, em Genebra, o delegado brasileiro Dr. Pernambuco afirmou para as delegações de 45 outros países: "a maconha é mais perigosa que o ópio".

Apesar das tentativas anteriores, no século XIX e princípio do século XX, a perseguição policial aos usuários de maconha somente se fez constante e enérgica a partir da década de 1930, possivelmente como resultante da decisão da II Conferência Internacional do Ópio.

O primeiro levantamento domiciliar brasileiro sobre consumo de psicotrópicos, realizado em 2001, mostrou que 6,7% da população consultada já havia experimentado maconha pelo menos uma vez na vida (lifetime use), o que significa dizer que alguns milhões de brasileiros poderiam ser acusados e condenados à prisão por tal ofensa à presente lei.

Há outra hipótese acerca da origem da maconha que advoga sobre a existência em populações indígenas na Amazônia, e que estes já utilizavam na forma medicinal, no preparo de chás e pós pelos pajés, como também nas cerimônias religiosas com o intuito de manter contatos com as divindades.

Os senhores-de-engenho, donos das fazendas de cana-de-açúcar, o principal agronegócio da economia brasileira do séc. XVI ao séc. XVIII toleravam a utilização do fumo de cannabis e tabaco.

Os nomes utilizados para denominar a planta, tais como liamba¸ diamba, riamba, cangonha, pango, gongo, fumo-de-angola, entre tantos também ajudam a visualizar o hábito das etnias de matrizes africanas que aqui chegaram ao Brasil de plantar e usar a planta.

O uso da canabis entre as classes altas e da nobreza no Brasil, é sempre relembrado quando se trata da princesa Carlota Joaquina[5] de Bourbon, esposa de D.  João VI, que teria o hábito de tomar chá de maconha. Afirma-se que seu escravo, Felisbino, seria seu principal fornecedor e teria sido companheiro da princesa até a morte desta.

Comenta-se que ao morrer intoxicada pelo arsênico, esta dizia: “traga-me um chá com as fibras de diamba do Amazonas, com que despedimos para o inferno tantos inimigos”.

Em sua análise sobre os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, Gilberto Freyre diz que não encontrou “referências diretas à maconha ou diamba”, mas era provável que os viciados em fumar ou mascar tabaco o misturasse com “uma folhinha ou duas de maconha ou diamba para aumentar o gosto do pecado”. Freyre dizia que “os negros trouxeram a maconha para o Brasil e aqui cultivaram como planta meio mística, para ser fumada em candomblés e xangôs, pelos babalorixás e pelos seus filhos”.

A história do Brasil e sua relação com a cannabis sativa é extensa, datando desde seu descobrimento, o processo de repressão e proibição ao consumo não se deu de forma imediata, tendo sido construída ao longo do tempo, pelo que indicam as fontes, com base em argumentos pouco sólidos, a influência médica, o conservadorismo e o pânico induzido na sociedade abriram espaço para dar os passos seguintes na criminalização[6] da planta e daqueles que a utilizavam.

Apesar da falta de regulamentação para facilitar o uso terapêutico da cannabis sativa, há farta jurisprudência brasileira sobre o tema.

Vide Jurisprudência:

        EMENTA: AgRg no RHC: 153768 MG 2021/0292676-0 - Plantio de maconha para fins medicinais: autorização concedida pela Anvisa e prescrição médica asseguram salvo-conduto.

       AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO CONCEDIDA PELA ANVISA E PRESCRIÇÃO MÉDICA RELATANDO A NECESSIDADE DO USO. AGRAVO PROVIDO.

1. Hipótese em que o Agravante busca a permissão para importar sementes, transportar e plantar Cannabis para fins medicinais, sob a afirmação de ser indispensável para o controle de sua enfermidade.

2. Considerando que o art. 2.º, parágrafo único, da Lei 11.343/06, expressamente autoriza o plantio, a cultura e a colheita de vegetais dos quais possam ser extraídas substâncias psicotrópicas, exclusivamente para fins medicinais, bem como que a omissão estatal em regulamentar tal cultivo tem deixado pacientes sob o risco de rigorosa reprimenda penal, não há como deixar de reconhecer a adequação procedimental do salvo-conduto. (grifo meu)

3. À luz dos princípios da legalidade e da intervenção mínima, não cabe ao Direito Penal reprimir condutas sem a rigorosa adequação típico-normativa, o que não há em tais casos, já que o cultivo em questão não se destina à produção de substância entorpecente.

Notadamente, o afastamento da intervenção penal configura meramente o reconhecimento de que a extração do óleo da cannabis sativa, mediante cultivo artesanal e lastreado em prescrição médica, não atenta contra a bem jurídica saúde pública, o que não conflita, de forma alguma, com a possibilidade de fiscalização ou de regulamentação administrativa pelas autoridades sanitárias competentes.

4.  Comprovado nos autos que o Impetrante obteve autorização da Anvisa para importação do medicamento canábico (fl. 99), e juntada documentação médica que demonstra a necessidade do uso do óleo extraído da Cannabis para o tratamento do quadro depressivo do Recorrente, há de ser concedida a medida pretendida.  (grifo meu)

5. Agravo regimental provido para restabelecer a decisão de primeiro grau que concedeu o salvo conduto ao ora Agravante. (STJ - AgRg no RHC: 153768 MG 2021/0292676-0, Data de Julgamento: 28/06/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2022).

RELATÓRIO SOBRE A DECISÃO:

Decisão muito favorável a respeito do cultivo doméstico de maconha para uso medicinal e a concessão de uma autorização especial para evitar ações criminais.

Na página 15, é mencionada a concessão de uma permissão para uma pessoa plantar e cultivar até dez plantas de maconha em casa, com o objetivo de extrair óleo para uso medicinal.

Essa autorização é válida enquanto a permissão de importação da ANVISA estiver em vigor. (grifo meu)

Na página 16, discute-se a possibilidade de a ANVISA autorizar o cultivo e a colheita de plantas que contenham as substâncias necessárias para a produção artesanal de medicamentos.

Na página 17, é mencionado que a maconha está classificada na "Lista E" da Portaria nº 344/1998, do Ministério da Saúde, como uma planta capaz de originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas.

Na página 21, é discutida a importância de evitar a repressão criminal contra pacientes que cultivam maconha exclusivamente para fins medicinais.

Outra Jurisprudência:

           EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 123.402 - RS (20200023400-5) - Salvo-conduto para cultivo e uso medicinal de maconha: decisão do STJ recomenda análise da ANVISA.

           RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO PARA PLANTIO, CULTIVO, USO E POSSE DE CANNABIS SATIVA L. PARA TRATAMENTO INDIVIDUAL. INDICAÇÃO MÉDICA PARA O USO DA SUBSTÂNCIA. AUTORIZAÇÃO PARA IMPORTAÇÃO DO PRODUTO POR PARTE DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES AUTORIZADA PELA CORTE A QUO. AUTORIZAÇÃO PARA O CULTIVO E EXTRAÇÃO DE ÓLEO MEDICINAL. ANÁLISE TÉCNICA A CARGO DA AGÊNCIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. RECURSO NÃO PROVIDO. RECOMENDAÇÃO PARA QUE A ANVISA ANALISE A POSSIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO CULTIVO E MANEJO PARA FINS MEDICINAIS.

1. A recorrente busca salvo-conduto.

2. Os Tribunais Superiores já possuem jurisprudência firmada no sentido de considerar que a conduta de importar pequenas quantidades de sementes de maconha não se adequa à forma prevista no art. 33 da Lei de Drogas, subsumindo-se, formalmente, ao tipo penal descrito no art. 334-A do Código Penal, mas cuja tipicidade material é afastada pela aplicação do princípio da insignificância.

3. O controle do cultivo e da manipulação da maconha deve ser limitado aos conhecidos efeitos deletérios atribuídos a algumas substâncias contidas na planta, sendo certo que a própria Lei n. 11.343/2006 permite o manejo de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas para fins medicinais ou científicos, desde que autorizado pela União. (grifo meu)

4. No atual estágio do debate acerca da regulamentação dos produtos baseados na Cannabis e de desenvolvimento das pesquisas a respeito da eficácia dos medicamentos obtidos a partir da planta, não parece razoável desautorizar a produção artesanal do óleo à base de maconha apenas sob o pretexto da falta de regulamentação. De mais a mais, a própria agência de vigilância sanitária federal já permite a importação de medicamentos à base de maconha, produzidos industrial ou artesanalmente no exterior, como, aliás, comprovam os documentos juntados a estes autos.

4. Entretanto, a autorização buscada pela recorrente depende de análise de critérios técnicos que não cabem ao juízo criminal, especialmente em sede de habeas corpus. Essa incumbência está a cargo da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, diante das peculiaridades do caso concreto, poderá autorizar ou não o cultivo e colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos.

5. Recurso ordinário em habeas corpus não provido, recomendando à Agência Nacional de Vigilância Sanitária que analise o caso e decida se é viável autorizar a recorrente a cultivar e ter a posse de plantas de Cannabis sativa L. para fins medicinais, suprindo a exigência contida no art. 33 da Lei n. 11.343/2006. (STJ - RHC: 123402 RS 2020/0023400-5, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 23/03/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2021).

RELATÓRIO SOBRE A DECISÃO

Essa decisão vejo como muito importante, uma vez que ela reconhece a existência de muitos estudos científicos que comprovam a eficácia da terapia canábica no tratamento de doenças relacionadas à epilepsia, paralisia cerebral, entre outros. As propriedades medicinais da maconha são conhecidas há mais de dois mil anos e a planta tem sido usada para diversos fins, conforme se extrai da página 8.

Veja que na página 12, existe uma sugestão sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em poder autorizar o cultivo e a colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos, deixando claro que a própria ANVISA já regulamenta esse tipo de atividade no âmbito industrial.

Porém, infelizmente a decisão final foi de negar provimento ao recurso, com recomendação. A Turma votou por unanimidade, seguindo o voto do Ministro Relator. A decisão enfatiza que a análise da possibilidade de cultivo doméstico de Cannabis sativa para fins medicinais deve ser feita pela ANVISA, e não pelo juízo criminal. (grifo meu)

Mais uma Jurisprudência:

         EMENTA: TJ-SP Habeas Corpus Criminal nº 2048899-29.2022.8.26.0000 - Habeas Corpus Preventivo: Salvo-conduto para cultivo e transporte de maconha para uso medicinal com prescrição médica. Decisão favorável com ressalvas.

Habeas Corpus Preventivo. SALVO-CONDUTO VISANDO GARANTIR O CULTIVO DOMICILIAR E TRANSPORTE DE CANNABIS SATIVA L (MACONHA), PARA EXTRAÇÃO DE SEU ÓLEO COM FINS EXCLUSIVAMENTE MEDICINAIS. Admissibilidade. Relatório médico prescrevendo seu uso, com resultados promissores no tratamento das comorbidades que acometem o paciente. Substância regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA. Pendente regulamentação do cultivo domiciliar da planta para fins medicinais.

Regulamentação, há mais de sete anos, pelo Conselho Federal de Medicina. Artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 11.343/06 possibilita o plantio, cultura e colheita de vegetais dos quais possam ser produzidas drogas, desde que com fins medicinais ou científicos. Paciente trouxe aos autos prontuário médico prescrevendo óleo de CBD Full Spectrum 200mg para tratamento de suas comorbidades. Ordem concedida em parte, mediante condições, convalidada a liminar. (TJ-SP - HC: 20488992920228260000 SP 2048899-29.2022.8.26.0000, Relator: Amable Lopez Soto, Data de Julgamento: 06/09/2022, 12ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 19/10/2022)

RELATÓRIO SOBRE A DECISÃO

Essa decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo trata do cultivo doméstico de maconha (Cannabis sativa) para fins medicinais.

Temos a concessão de um salvo-conduto ao paciente, permitindo o cultivo artesanal de até 75 mudas de Cannabis. Essas plantas devem ser exclusivamente utilizadas para fins medicinais, durante o período necessário ao tratamento.

Novamente, temos uma decisão que reconhece a existência de diversos estudos científicos que comprovam a eficácia da terapia com Cannabis no tratamento de doenças como epilepsia, paralisia cerebral, entre outras. Também destaca que as propriedades medicinais da maconha são conhecidas há mais de dois mil anos e a planta tem sido utilizada para diversos fins.

Houve algumas condições para tal concessão, conforme se extrai da pag. 12, sendo:

O juiz autoriza o cultivo de 75 plantas, sendo elas destinadas à produção de óleo para uma única pessoa, porém, fica alguns questionamentos sobre quem irá acompanhar o destino da produção de tantas plantas de maconha, sob a alegação de que o cultivador já possui um processo criminal em andamento.” (grifo meu)

Mas nota-se que o paciente sofre de depressão, possivelmente decorrente de outra doença infecciosa (SIDA), e apresenta relatórios médicos que indicam a necessidade de consumo da substância, documento favorável para a liberação.

Em resumo, a decisão concede parcialmente o habeas corpus, permitindo ao paciente cultivar até 75 mudas de Cannabis para fins medicinais, com condições específicas, e considerando relatórios médicos que respaldam a necessidade do uso da substância.

JURISPRUDÊNCIA sobre o TEMA:

        EMENTA: STJ - HABEAS CORPUS HC 779289 DF 20220335886-0 - Cultivo de Maconha para Fins Medicinais: Habeas Corpus Preventivo e Concessão de Salvo-Conduto - Impossibilidade de Criminalizar Quem Busca Acesso ao Direito Fundamental à Saúde

        PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. 1. UTILIZAÇÃO DO MANDAMUS COMO SUBSTITUTO RECURSAL. NÃO CABIMENTO. AFERIÇÃO DE EVENTUAL FLAGRANTE ILEGALIDADE. 2. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. NECESSIDADE DE EXAME NA SEARA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DO MEDICAMENTO NA SEARA CÍVEL. AUTO-CONTENÇÃO JUDICIAL NA SEARA PENAL. 3. SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DO ÓRGÃO COMPETENTE. ESFERA CÍVEL. SOLUÇÃO MAIS ONEROSA E BUROCRÁTICA. NECESSIDADE DE SE PRIVILEGIAR O ACESSO À SAÚDE. 4. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE (ART. 196 DA CF). REPRESSÃO AO TRÁFICO (ART. 5º, XLIII, DA CF). NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO

LEI 11.343/2006 QUE PROÍBE APENAS O USO IDEVIDO E NÃO AUTORIZADO. ART. 2º, P. ÚNICO, DA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE A UNIÃO AUTORIZAR O PLANTIO. TIPOS PENAIS QUE TRAZEM ELEMENTOS NORMATIVOS. 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. BENEFÍCIOS DA TERAPIA CANÁBICA. USO MEDICINAL AUTORIZADO PELA ANVISA. 6. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. SAÚDE PÚBLICA NÃO PREJUDICADA PELO USO MEDICINAL DA MACONHA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL E CONGLOBANTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CRIMINALIZAR QUEM BUSCA ACESSO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. 7. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO. ATIPICIDADE NA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAR O CRIME DE CONTRABANDO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SALVO-CONDUTO QUE DEVE ABARCAR TAMBÉM REFERIDA CONDUTA. 8. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. PRECEDENTES.

1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 123.402/RS, concluí que a autorização para plantio de maconha com fins medicinais depende de critérios técnicos cujo estudo refoge à competência do juízo criminal, que não pode se imiscuir em temas cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária.

- De igual sorte, considerando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza a importação de fármacos à base de cannabis sativa, considerei que o direito à saúde estaria preservado, principalmente em razão da existência de precedentes desta Corte Superior, favoráveis ao custeio de medicamentos à base de canabidiol pelo plano de saúde (REsp  n. 1.923.107/SP), bem como do Supremo Tribunal Federal ( RE 1.165.959/SP), que, em repercussão geral, fixou a tese de que "cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada". - Dessa forma, vinha determinando que o pedido fosse analisado administrativamente, com possibilidade de, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, porém à jurisdição cível competente, privilegiando a autocontenção judicial na seara penal.

3. Contudo, ao me deparar novamente com a matéria na presente oportunidade, passados quase dois anos do julgamento do recurso acima indicado, verifico que o cenário não se alterou administrativamente.

De fato, a ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a Anvisa considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da Anvisa. –

Ademais, apesar de a matéria também poder ser resolvida na seara cível, conforme anteriormente mencionado, observo que a solução se revela mais onerosa e burocrática, com riscos, inclusive, à continuidade do tratamento. Dessa forma, é inevitável evoluir na análise do tema na seara penal, com o objetivo de superar eventuais óbices indicados por mim, anteriormente, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto.

4. A matéria trazida no presente mandamus diz respeito ao direito fundamental à saúde, constante do art. 196 da Carta Magna, que, na hipótese, toca o direito penal, uma vez que o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, determina a repressão ao tráfico e ao consumo de substâncias entorpecentes e psicotrópicas, determinando que essas condutas sejam tipificadas como crime inafiançável e insuscetível de graça e de anistia.

- Diante da determinação constitucional, foi editada mais recentemente a Lei 11.343/2006. Pela simples leitura da epígrafe da referida lei, constata-se que, a contrario sensu, ela não proíbe o uso devido e a produção autorizada.

Dessa forma, consta do art. 2º, parágrafo único, que "pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas".

- Nesse contexto, os dispositivos de Lei de Drogas que tipificam os crimes, trazem um elemento normativo do tipo redigido nos seguintes termos: "sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". Portanto, havendo autorização ou determinação legal ou regulamentar, não há se falar em crime, porquanto não estaria preenchido o elemento normativo do tipo.

No entanto, conforme destacado, até o presente momento, não há qualquer regulamentação da matéria, o que tem ensejado inúmeros pedidos perante Poder Judiciário.

5. Como é de conhecimento, um dos pilares da dignidade da pessoa humana é a prevalência dos direitos fundamentais, dentre os quais se incluem o direito à saúde, garantido, de acordo com a Constituição Federal, mediante ações que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. –

Contudo, diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado, que preza pela saúde da população e já reconhece os benefícios medicinais da cannabis sativa, condicione o uso da terapia canábica àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado, ou à burocracia de se buscar judicialmente seu custeio pela União. –

Desde 2015 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem autorizando o uso medicinal de produtos à base de Cannabis sativa, havendo, atualmente, autorização sanitária para o uso de 18 fármacos.

De fato, a ANVISA classificou a maconha como planta medicinal (RDC 130/2016) e incluiu medicamentos à base de canabidiol e THC que contenham até 30mg/ml de cada uma dessas substâncias na lista A3 da Portaria n. 344/1998, de modo que a prescrição passou a ser autorizada por meio de Notificação de Receita A e de Termo de Consentimento Informado do Paciente.

6. Trazendo o exame da matéria mais especificamente para o direito penal, tem-se que o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas é a saúde pública, a qual não é prejudicada pelo uso medicinal da cannabis sativa.

Dessa forma, ainda que eventualmente presente a tipicidade formal, não se revelaria presente a tipicidade material ou mesmo a tipicidade conglobante, haja vista ser do interesse do Estado, conforme anteriormente destacado, o cuidado com a saúde da população.

- Dessa forma, apesar da ausência de regulamentação pela via administrativa, o que tornaria a conduta atípica formalmente - por ausência de elemento normativo do tipo -, tem-se que a conduta de plantar para fins medicinais não preenche a tipicidade material, motivo pelo qual se faz mister a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde.

7. Quanto à importação das sementes para o plantio, tem-se que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram o entendimento de que a conduta não tipifica os crimes da Lei de Drogas, porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à cannabis sativa. Ficou assentado, outrossim, que a conduta não se ajustaria igualmente ao tipo penal de contrabando, em razão do princípio da insignificância.

- Entretanto, considerado o potencial para tipificar o crime de contrabando, importante deixar consignado que, cuidando-se de importação de sementes para plantio com objetivo de uso medicinal, o salvo-conduto deve abarcar referida conduta, para que não haja restrição, por via transversa do direito à saúde.

- Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). –  Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal). Curitiba: Apis, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade - um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petr; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2017.

8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para expedir salvo-conduto em benefício do paciente, para que as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas, inclusive da forma transnacional, abstenham-se de promover qualquer medida de restrição de liberdade, bem como de apreensão e/ou destruição dos materiais destinados ao tratamento da saúde do paciente, dentro dos limites da prescrição médica, incluindo a possibilidade de transporte das plantas, partes ou preparados dela, em embalagens lacradas, ao Laboratório de Toxicologia da Universidade de Brasília, ou a qualquer outra instituição dedicada à pesquisa, para análise do material. Parecer ministerial pela concessão da ordem. Precedentes. (STJ - HC: 779289 DF 2022/0335886-0, Data de Julgamento: 22/11/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/11/2022).

RELATÓRIO SOBRE A DECISÃO

Nesta decisão, reconhece-se a existência de diversos estudos científicos, mencionados na página 7, que comprovam a eficácia da terapia com Cannabis no tratamento de doenças como epilepsia, paralisia cerebral e outras. A maconha é conhecida por suas propriedades medicinais há mais de dois mil anos e que tem sido utilizada para diversos fins.

Sugere-se novamente, como temos visto em outras decisões, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) poderia autorizar o cultivo e a colheita de plantas que contenham as substâncias necessárias para a produção artesanal de medicamentos. Destacando que a própria ANVISA já regulamenta esse tipo de atividade no âmbito industrial.

A conclusão, conforme se extrai da página 22, é de que o pedido não foi conhecido, mas foi concedido o Habeas Corpus de ofício, de acordo com o voto do M. Relator REYNALDO SOARES DA FONSECA. A decisão ressalta que a análise sobre a possibilidade de cultivo doméstico de Cannabis sativa para fins medicinais deve ser feita pela ANVISA, e não pelo juízo criminal.

Interessante que na própria decisão informa que o paciente apresenta um quadro de Transtorno do Humor há cerca de 8 anos, com episódios depressivos graves e crises de pânico, sem resposta satisfatória ao tratamento medicamentoso e recomenda-se a continuidade do tratamento com extrato oleoso de Cannabis sativa, predominante em Canabidiol, administrado por via sublingual, três vezes ao dia, podendo utilizar a via inalatória por vaporização, se necessário, em caso de crises de pânico ou piora da insônia.

Além disso, é informado que o paciente possui autorização da ANVISA para a importação dos produtos necessários ao tratamento.

MAIS JURISPRUDÊNCIA ...

         EMENTA: TJ-SP - Habeas Corpus Criminal: HC 119443820198260000 SP 0011944-38.2019.8.26.0000 - Decisão Concede Habeas Corpus para Cultivo Medicinal da Cannabis Sativa L (Maconha) e Garante Salvo-Conduto ao Paciente

HABEAS CORPUS - CULTIVO MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA L (MACONHA) - Pretensão de expedição de salvo-conduto ao paciente a fim de garantir que ele efetue o plantio de 'Cannabis Sativa' em sua residência para a extração artesanal do óleo da planta, que se mostra eficaz aos fins medicinais que necessita, livre do risco de prisão - Liminar deferida - Indicação médica para uso da substância, com autorização, inclusive, de importação do produto pela ANVISA - Ordem concedida. (TJ-SP - HC: 00119443820198260000 SP 0011944-38.2019.8.26.0000, Relator: Nelson Fonseca Junior, Data de Julgamento: 19/09/2019, 10ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 27/09/2019)

RELATÓRIO SOBRE A DECISÃO

A decisão é do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e concede salvo-conduto para o cultivo doméstico de Cannabis sativa para fins medicinais.

A decisão favorece o paciente Frederico Battistella Yasuda, que sofreu um acidente em 2010 resultando em lesões corporais graves, incluindo comprometimento da coluna lombar e do platô tibial. Como consequência do acidente, o paciente necessita de acompanhamento médico regular devido a problemas psiquiátricos e um quadro doloroso de longa duração.

O paciente já tentou usar vários medicamentos convencionais, que não produziram o efeito necessário. Portanto, ele buscou a autorização para cultivar Cannabis sativa em sua residência para a extração artesanal do óleo da planta, que se mostrou eficaz para os fins medicinais de que necessita.

A decisão reconhece, assim como as outras analisadas, a existência de muitos estudos científicos que comprovam a eficácia da terapia canábica no tratamento de doenças relacionadas à epilepsia, paralisia cerebral, entre outros. Além disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já autorizou a importação do produto para o paciente.

A conclusão foi conceder a ordem de habeas corpus para que seja expedido novo salvo-conduto, com prazo de 01 (um) ano, a partir da data da decisão, a fim de que as autoridades encarregadas (Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal e/ou Guarda Municipal) sejam impedidas de proceder à prisão do paciente.

Aproveito para realizar indicações de leitura sobre o tema:

 VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal Guerra as Drogas. São Paulo: D'Plácido, 2021.

CARDOSO, Fernando. Encarceramento e Guerra às Drogas: Leituras Críticas Sobre o Estado Penal Contemporâneo. São Paulo: Gramma Editora, 2019.

CARNEIRO, Henrique. Drogas: A História do Proibicionismo. Ebook kindle. Disponível em: https://elivros.love/livro/baixar-livro-drogas-henrique-carneiro-em-epub-pdf-mobi-ou-ler-online   

A decisão também destaca que a Lei n. 11.343 não é completamente avessa ao plantio da maconha para fins medicinais. Apenas estabelece que isso não pode ser feito de forma irrestrita, como se pretende, mas depende de autorização da União, por meio dos órgãos competentes para isso.

Portanto, a solução para a necessidade do paciente não deve ser buscada na seara criminal, mas no âmbito administrativo, possivelmente pela provocação da União para que a autorização de importação e plantio da maconha seja concedida, caso preenchidos os requisitos legais e infralegais para tanto.

A conclusão da decisão foi de negar provimento ao recurso especial, confirmando o salvo-conduto já expedido em favor do paciente. A decisão ressalta que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas.

Em abril de 2014, uma decisão inédita da Justiça abriu caminho para que hoje o uso medicinal da Cannabis seja uma realidade no país, ainda que esbarre em desafios, como a falta de uma legislação específica e alto custo.

À época, os moradores de Brasília Katiele e Norberto Fischer buscavam alternativa para tratar o diagnóstico de síndrome de CDKL 15 da filha Anny.

Aos 5 anos, a criança chegou a sofrer até 80 convulsões por semana devido ao raro distúrbio neurológico. Um medicamento à base de canabidiol, no entanto, se mostrou promissor.

Primeiro, os pais arriscaram e fizeram uma importação ilegal. O medicamento zerou as convulsões, e a partir daí começou a luta na Justiça para importar a substância legalmente, e eles conseguiram o aval.

No ano seguinte, o país deu o primeiro passo na regulação do composto. Uma decisão colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC 17/2015, passou a permitir a importação de medicamentos à base de canabidiol em caráter excepcional, por meio da prescrição de um médico.

Só naquele ano, foram emitidas 850 autorizações para importação de medicamento à base da substância. Desde então, segundo a agência, já foram concedidas aproximadamente 158 mil autorizações, quase 80 mil apenas no ano passado, com prescrições para tratamento de enfermidades[7] como Alzheimer, Parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia.

Temos um cenário robusto, com mais de duas mil pessoas plantando Cannabis sativa (maconha) em suas casas a partir de decisões judiciais, temos seis associações com decisões judiciais favoráveis a elas poderem cultivar, preparar e fornecer o remédio aos seus associados.

O Brasil tem 25 (vinte e cinco) produtos nacionais com autorização sanitária, 450 (quatrocentos e cinquenta) estrangeiros com autorização”, afirma Emílio Figueiredo, advogado pioneiro no “direito canábico” e diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma).

Embora à disposição nas prateleiras das farmácias e por meio de associações ou importação, a Cannabis medicinal ainda é um tratamento pouco acessível devido ao alto custo. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), do segundo ao quarto trimestre de 2021, quando os compostos mais baratos foram incluídos nas farmácias, as vendas triplicaram. Ainda assim, de acordo com a coordenadora do Grupo de Trabalho de Insumos de Cannabis da associação, Carolina Sellani, o tratamento continua sendo caro.

“Nas farmácias, há produtos que podem custar até R$ 2 mil, e os mais baratos estão girando em torno de R$ 300, R$ 400. É um tratamento que não é trivial”, diz. Sellani explica que há uma pressão para tentar torná-los mais acessíveis e diversos. “Os tratamentos são bastante personalizados, é importante ter uma diversidade de concentrações à disposição dos pacientes e facilitar acesso ao produto na farmácia”, pontua.

Em 2016, a Cannabis medicinal foi incluída na lista de substâncias especiais de controle da portaria 344, de 1998, do Ministério da Saúde, o que facilitou a importação de derivados.

O tema, porém, só entrou na agenda regulatória da Anvisa na edição 2017-2020. Também em 2017, a agência aprovou o primeiro registro no Brasil de medicamento à base de Cannabis, e em 2020 autorizou o primeiro produto de Cannabis, por meio da RDC 327, de 2019.

Essa resolução, que trata da regularização dos produtos no mercado brasileiro, é tão importante quanto aquela de 2015, primeira a permitir a importação excepcional para uso pessoal, a RDC 17 — que foi atualizada ano passado e passou a vigorar como RDC 660.

Toda essa movimentação regulatória permite que o mercado brasileiro hoje tenha medicamento específico com CBD e THC em sua composição, produtos como fitoterápicos e fitofármacos, além de compostos importados.

Os produtos disponíveis nas farmácias são 25 (vinte e cinco), 14 (quatorze) com canabidiol e 11 (onze) à base de extratos de Cannabis sativa.

Na avaliação de Sellani, “um desafio que o setor enfrenta hoje em relação à regulação é a disparidade entre as normas internacionais sobre o tema e a falta de harmonização, o que muitas vezes se torna uma dificuldade na importação de um produto”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o canabidiol não é considerado controlado e não tem a exigência de ter grau farmacêutico para ser comercializado. Para entrar no Brasil, esse composto precisa se adequar e atender ao rigor de produção farmacêutica exigido pela Anvisa.

“A discussão regulatória da Cannabis medicinal é um desafio ainda global, existe pouca homogeneidade entre os países, é tudo muito novo.

 A Anvisa fez uma regra com as exigências necessárias para garantir qualidade do produto e deu abertura com a RDC transitória (a 327) para as empresas poderem fazer investimentos em estudos clínicos para que esses produtos sejam registrados como medicamento. Afirmou que tem um arcabouço regulatório robusto quando comparado com outros países, e que pode ser considerado mais complexo porque é diferente fora do Brasil, mas é previsível”, pontua. Vale ressaltar que os produtos importados, por meio da RDC 660, não passam pelo crivo de avaliação da Anvisa, são de responsabilidade do médico e do paciente.

Há, ainda, um entrave em termos de legislação nacional “porque você acaba não tendo a força que precisa para que esse setor se regulamente de forma ampla, inclusive para a parte de previsão de cultivo e de medidas que fogem do poder da Anvisa”.

De acordo com Sellani, um dos pontos fundamentais de uma legislação federal é a previsão de cultivo no Brasil. “Quando a gente fala da possibilidade de cultivo aqui, falamos da possibilidade de produção insumo farmacêutico no Brasil, gerando uma redução no custo final do produto.”

O alto custo do tratamento é um dos fatores que tem levado pacientes a recorrerem à Justiça, especialmente em busca de autorização para o autocultivo da Cannabis sativa com a finalidade de extrair o óleo medicinal.

Em junho do ano passado (2022), a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi favorável, de forma unânime, a casos de pacientes que alegaram o alto custo da importação como entrave para continuar o tratamento de enfermidades como transtorno de ansiedade e insônia, sequelas do câncer e ansiedade generalizada.

A sentença abriu precedente para casos semelhantes. (grifo meu)

Relator de um dos casos, o ministro Rogerio Schietti Cruz afirmou que “não há dúvidas de que deve ser obstada a repressão criminal” do paciente, uma vez que a produção do óleo se destina apenas a fins terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação.

Alto custo, no entanto, não é o único motivo que faz o tema ir parar no Judiciário. “Tem a demanda pelo reconhecimento medicinal, pelo cultivo, pelo fornecimento do remédio pelo estado. Há uma série de tipos de demanda, desde a esfera criminal ao reconhecimento de um direito”, diz Emílio Figueiredo, da Rede Reforma. A judicialização tem estimulado a categoria a se especializar com pós-graduação, cursos de extensão e cursos livres na área. Há ainda comissões específicas de Cannabis medicinal nas OABs.

Figueiredo acrescenta ainda que não há normas claras protegendo as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, nem mesmo o governo e os pesquisadores.

“É preciso um reconhecimento de direito para se ter uma regulação, a partir do momento em que duas mil pessoas podem plantar Cannabis e fazendo seu remédio. Isso traz uma consistência”, argumenta.

A decisão do STJ:

Os casos apreciados nesta terça (14.6.2022) e relatados pelos ministros Rogerio Schietti Cruz e Sebastião Reis Júnior, dizem respeito a três pessoas que já tinham autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para usar canabidiol (CBD, um princípio ativo da maconha). Mas a única opção legal para eles, até então, era comprar a substância importada. O preço médio do produto vendido pela indústria farmacêutica e vindo do exterior varia entre R$ 300 (trezentos reais) e R$ 3.000 (três mil reais). 

“Hoje ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa, quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão”, afirmou Schietti durante a sessão.

“E assim milhares de famílias brasileiras ficam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal”, criticou. Para o magistrado, o discurso contrário ao cultivo é “moralista” e muitas vezes baseado em “dogmas”, “estigmas” e “falsas verdades”.

Duas das pessoas beneficiadas pelo julgamento do STJ usam cannabis sativa para tratar de ansiedade, insônia e outras enfermidades, e outra para amenizar sequelas do tratamento de câncer.

Ampla produção científica evidencia que a maconha pode ser benéfica para o tratamento de epilepsia, autismo, glaucoma, doença de Alzheimer, Mal de Parkinson, fibromialgia, ansiedade, esclerose múltipla, transtorno de estresse pós-traumático, distúrbios de sono, efeitos da quimioterapia, entre outros.

Em 2015, a Anvisa aprovou pela primeira vez um medicamento à base de cannabis para o tratamento de epilepsia em crianças. De 2019 para cá, outros 18 produtos já foram aprovados pelo órgão, em uma categoria que permite a importação dos fármacos. 

O alto preço e a burocracia fazem com que, na prática, remédios à base de maconha no Brasil já estejam legalizados – para quem tem dinheiro.

Entre 2020 e 2021, os pedidos para importação desses produtos cresceram 110%, passando de 19.150 para 40.191 solicitações de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Canabinóides (BRCANN). 

Basicamente existem três vias para, no Brasil, usar maconha para fins terapêuticos[8] de forma legal. A primeira é, com prescrição médica e autorização da Anvisa, pagar caro pelo produto farmacêutico. 

O julgamento do STJ acontece três dias depois de a Marcha da Maconha, sob o mote “Primavera antifascista – guerra é genocida, legalização é vida”, levar uma multidão às ruas de São Paulo pelo fim da guerra às drogas. De acordo com os organizadores, 100 mil pessoas compareceram à manifestação. 

Em 2022, pela primeira vez desde o início da pandemia de covid-19, as Marchas da Maconha – atos de desobediência civil em massa pela legalização – voltaram a acontecer em dezenas de cidades pelo país.

TJN destaca decisão sobre taxatividade do rol da ANS, mas com possibilidade de coberturas excepcionais fora da lista

​O programa STJ Notícias desta semana traz em destaque o recente julgamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entendeu que, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista.

Porém, o programa mostra que o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos fora do rol.

Terceira Seção garante salvo-conduto penal para cultivo de cannabis com finalidade medicinal

Confirmando jurisprudência unificada das duas turmas de direito penal, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, concedeu, salvo-condutos para garantir que pacientes não sofram sanção criminal pelo cultivo doméstico de cannabis sativa destinado à extração do óleo com finalidade medicinal.

Entre outros fundamentos, o colegiado considerou que, além de o cultivo não ter a finalidade de produzir ou comercializar entorpecentes, os pacientes dos casos analisados pela seção estão amparados não só por prescrição médica, mas também por autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação do canabidiol, o que evidencia que a própria autarquia sanitária tem reconhecido a necessidade de uso do produto em contexto terapêutico.

A seção determinou a comunicação da decisão ao Ministério da Saúde e à Anvisa.

Em um dos casos julgados pela Terceira Seção, o salvo-conduto diz respeito ao cultivo de 15 mudas de cannabis sativa, exclusivamente enquanto durar o tratamento do quadro de ansiedade generalizada do paciente.

Terceira Seção garante salvo-conduto penal para cultivo de cannabis com finalidade medicinal

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 802866; HC 783717; RHC 165266.

CASOS DE DESTAQUE NO BRASIL

O primeiro caso de liberação da cannabis sativa, para fins medicinais aconteceu em 2014 é o caso de Anny Fischer, acometida de uma doença denominada encefalopatia epiléptica infantil precoce tipo 2, responsável por causar crises convulsivas.

Anny Fischer com apenas cinco anos chegava a ter até 80 crises semanais de epilepsia, os pais importavam a substância de forma clandestina, após, exauridas as formas convencionais de tratamento não apresentarem melhoras na criança e, após algumas semanas de tratamento com o óleo a base do CBD, as convulsões não eram mais um problema recorrente.

Quando a mercadoria ficou retida na Receita Federal durante uma das importações, os ataques epiléticos sofridos pela criança voltaram a ocorrer, fato que motivou o ajuizamento da ação, pois o medicamento Canabidiol era proibido pela

Anvisa, o magistrado ao decidir autorizou a importação e utilização do medicamento por Anny Fischer, afirmou que a liberação do uso do óleo para o tratamento medicinal pela criança, assevera o direito fundamental à saúde e a vida digna.

Neste momento, pelos progressos que a autora tem apresentado com o uso da substância, com uma sensível melhora da qualidade de vida, seria absolutamente desumano negar-lhe a proteção requerida.

[...] Antecipo os efeitos da tutela para determinar à Anvisa que se abstenha de impedir a importação, pela autora, da substância Canabidiol (CBD), sempre que houver requisição médica. [...] A substância revelou-se eficaz na atenuação ou bloqueio das convulsões e, no caso particular da autora, fundamental na debelação das crises recorrentes produzidas pela doença de que está acometida, dando-lhe uma qualidade de vida jamais experimentada. [...]

Não há como fazer a autora esperar indefinidamente até a conclusão  desses estudos sem que isso lhe traga prejuízos irreversíveis[...] (Decisão  Juiz Federal Bruno César Bandeira Apolinário, da 3ª Vara do Distrito Federal, Processo: 24632-22.2014.4.01.3400 – Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/4/art20140404-02.pdf>Acesso em 23 mar. 2021).

Outro caso foi do menor Gustavo, com 1 ano e 4 meses, acometido de ataques epilépticos, decorrentes da síndrome de Dave, que ataca o sistema nervoso, porém o desfecho foi outro.

A família buscou na justiça a autorização da Anvisa para importar o CBD, a agência autorizou em caráter excepcional, porém o medicamento ficou retido na Receita Federal por mais de dez dias, e em razão dessa demora, a criança acabou não resistindo após uma série de convulsões.

Com a Lei nº 11.343/2006 houve uma distinção entre usuário e o traficante. A lei não definiu critérios objetivos para que fosse realizada a diferenciação entre usuário e traficante de drogas. É verdade que

a quantidade de droga apreendida é um dos principais fatores de diferenciação. Ressalte-se que o Ministro Celso de Mello, ao conceder de ofício o HC 144716/SP adotou o entendimento do STJ de Portugal, fundamentado em parâmetros fixados pelas normas lusitanas para definir qual a seria a quantidade aceitável para consumo. É verdade que o entendimento é adotado pelo Ministro não é vinculante, porém ainda é um dos parâmetros nacionais observado.

De acordo com a legislação portuguesa, a quantidade para consumo médio diário equivale a 0,1 grama (tratando-se de heroína), 0,2 grama (cocaína) e 2,5 gramas (maconha). E, a referida quantidade pode ser multiplicada por dez, correspondendo o uso para um período de dez dias.

Durante a ditadura militar, em 1968, por meio do Decreto-Lei 385, com alteração do artigo 281 do Código Penal, o usuário e o traficante foram equiparados, tendo atribuído penas idênticas a ambos.

Em 1971 a pela Lei nº 4.451, de 4 de novembro de 1964 foi editada, mantendo-se a equiparação dita e trazendo medidas mais repressivas, dentre elas o oferecimento de denúncia mesmo sem qualquer substância (ausência de prova material).

Foi apenas em 1976 que a Lei nº 6368 entrou em vigor, ela foi responsável por distinguir o traficante (tipificado no art. 12) do usuário (tipificado no art. 16), essa Lei vigorou até parte do ano de 2002, sendo revogada após o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionar a Lei nº 10.409/2002.

Quanto a Lei nº 10.409/2002, nada foi alterado acerca da legislação de drogas.

No Governo Lula, em agosto de 2006, sancionou a Lei nº 11.343, responsável por acabar com a pena de prisão para os usuários de substância ilegais e para quem plantar pequena quantidade de maconha para uso próprio.

Veja o art. 28 da Lei nº 11.343/2006:

        Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Já a situação da cannabis medicinal (cannabis sativa) no ordenamento jurídico Brasileiro, iniciou em 2014, com o objetivo de permitir o uso terapêutico, medicinal e científico da maconha, dessa forma, garantido o direito à saúde e à vida.

Nesse mesmo ano, autorizou-se a importação da substância pela primeira vez no Brasil.

Em janeiro de 2015, retirou-se o Canabidiol da lista de substâncias proibidas, passando para a lista de substâncias de uso controlado, consequentemente sendo liberado de forma excepcional a importação dos produtos para uso pessoal.

Contudo, a Anvisa esclareceu que muitos produtos que contenham substâncias derivadas da maconha não são registrados como medicamentos nos países de origem, não havendo, portanto, avaliação por autoridades sanitárias.

Vale destacar que o procedimento realizado pela Anvisa para se ter a autorização, leva em média 11 dias, sempre atendendo a decisões judiciais.

Sendo assim, para que a importação possa ser realizada, é necessário atender as normativas estabelecidas pela RDV 17/2015, ou seja, deve-se solicitar à Anvisa uma Autorização Excepcional, devendo sempre apresentar prescrição médica, laudo médico, bem como uma declaração de responsabilidade assinada pelo médico e pelo paciente, no caso de menores de idade é necessário a assinatura do responsável legalmente pela criança ou adolescente.

Além disso, os produtos a serem importados, devem estar devidamente regulamentados nos seus países de origem, bem como a empresa que produz o medicamento.

Todo esse procedimento demanda tempo, e atualmente, acaba prejudicando os pacientes que precisam com urgência do medicamento para aliviar sintomas ou tratar enfermidades.

O Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, para que o Supremo Tribunal Federal torne evidente a ausência de crime ou contravenção, descriminalizando a ação daqueles que adquirem o canabidiol para fins medicinais.

Vejamos:

A Ação Direta de Constitucionalidade nº 5708 (ADI 5708), ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) para que seja afastado entendimento que criminaliza plantar, cultivar, colher, guardar, transportar, prescrever, ministrar e adquirir Cannabis para fins medicinais e de bem-estar terapêutico, foi analisada diretamente no mérito pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 10 de julho de 2017.

A decisão foi da ministra Rosa Weber, que dispensou a análise do pedido de liminar e aplicou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999.

Ou seja, com base nos resultados das investigações científicas sobre os reais efeitos cannabis, a ADI 5708, requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 28, com a alteração na interpretação de alguns componentes dos artigos 33, 34, 35 e 36 da Lei de Drogas, bem como do art. 334-A do Código Penal, para afastar a criminalização[9] do plantio e cultivo da erva com fins medicinais, tendo em vista as benesses que são oferecidas pela maconha.

Em 2016, a Anvisa autorizou a prescrição e a manipulação de medicamentos à base de cannabis sativa. No ano seguinte, a Anvisa incluiu a cannabis sativa como planta medicinal, na lista onde se define o nome dos fármacos.

Vale ressaltar, que a necessidade da legalização e desburocratização para ter acesso a cannabis sativa para fins terapêuticos no país, não está interligada ao consumo recreativo dessa substância.

No Brasil, compete à União a normatização, o controle e a fiscalização dos produtos, substâncias e serviços de interesse para saúde, conforme art. 2º da Lei nº 9782/1999.

Atualmente, há diversos projetos que debatem a legalização, regulamentação da venda, liberação e descriminalização da cannabis sativa, existe o projeto de Lei nº 7270/2014, que tem como finalidade, regularizar a produção, industrialização e comércio da planta e seus derivados, bem como criar o Conselho Nacional e Assessoria, Pesquisas e Avaliação para as Políticas sobre Drogas, alterando a Lei nº 11.343/06, a Lei nº 8.072/90 e a Lei º 9.294/99.

A finalidade do projeto de Lei nº 7270/2014 não é liberar o comércio da maconha, até porque o comércio da maconha, assim como de outras drogas ilícitas, é uma realidade que até o presente momento não foram solucionadas com políticas públicas que evitassem as consequências da guerra ao tráfico, tampouco que utilizassem dos benefícios existentes na cannabis sativa para o uso do bem comum, que é o objetivo deste projeto.

Existem diversas Organizações Não-Governamentais que atuam a favor dessa causa, como a ABRACE (Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança) entre outras instituições que dão um amparo as famílias e as pessoas que necessitam da referida medicação.

Trazendo um produto de qualidade e maior eficácia para quem realmente precisa do medicamento. Ademais, vale ressaltar que é crescente o número de pessoas que recorrem à Justiça para obterem provimento jurisdicional custeie o canabidiol usado em epilepsia e outras doenças degenerativas graves, desde a retirada do canabidiol de substâncias proibidas pela Anvisa, milhares de brasileiros foram autorizados a importar dita substância, aumentando claramente demanda pelo medicamento.

Portanto, é indispensável que haja uma regulamentação e desburocratização no acesso, no plantio, uso e distribuição dos medicamentos, com canabis sativa, garantido a todos os pacientes uma qualidade de vida, e garantia dos direitos fundamentais à saúde e a uma vida digna.

A propósito, O Uruguai[10] foi o primeiro país a legalizar o consumo de maconha. Lá, no entanto, há regras sobre como se pode adquirir maconha, principalmente, em farmácias, mas também é possível fazer parte de clubes de maconha ou plantar em casa. O governo holandês insiste que, assim como outras drogas leves, a maconha é apenas tolerada no país, mas não legal. Ainda assim, seu uso recreativo foi descriminalizado em 1976, trazendo fama à Holanda por sua atitude liberal perante a droga....

Jamaica: baseados ilimitados por motivos religiosos Há tempos que a ilha caribenha é associada à maconha e ao reggae, mas a descriminalização da posse de pequenas quantidades de maconha só aconteceu em 2015.  Pessoas físicas podem cultivar até 5 (cinco) plantas de cannabis. Fumar ganja, gíria local para maconha, é legal em dispensários licenciados e residências particulares. Pessoas pegas com menos de cerca de 50 (cinquenta) gramas de maconha não enfrentam prisão ou ficha criminal, mas devem pagar uma pequena multa – a menos que apresentem receita médica para tal. Seguidores da religião Rastafari podem fumar.

Portanto, em conformidade com a Convenção Única de 1961, é permitido o uso medicinal da cannabis, assim como seu cultivo para fins medicinais e de pesquisa, desde que o Estado tenha uma agencia para autorizar e controlar o uso medicinal e científico da cannabis.

O uso recreativo de maconha foi legalizado no Canadá em 2018. Um estudo de 2020 comissionado pelo governo mostrou que, apesar das expectativas, o consumo diário de maconha aumentou apenas cerca de 1%, para todas as faixas etárias. Já o consumo diário de adolescentes, que muitos temiam que aumentaria após a legalização, aumentou cerca de 3%.

Mas a legalização fez uma grande diferença na redução do número de prisões por cannabis. Em 2018, a polícia registrou 26.402 casos de porte até a legalização entrar em vigor, em meados de outubro. Em 2019, esse número caiu para 46, de acordo com o Statistics Canadá.

O porte de mais de 30 gramas de maconha continua sendo crime no país....

Um total de 35 Estados americanos legalizou a maconha para uso medicinal, 16 dos quais permitindo que adultos usem legalmente a substância para uso recreativo.

Os Estados de Colorado e Washington legalizaram a maconha há quase 10 anos. Desde então, muitos projetos de pesquisa examinaram os impactos da legalização na economia dos Estados Unidos. Um relatório recente do Cato Institute, think tank libertário sediado em Washington, descobriu que só em 2020 a indústria da maconha legal criou 77 (setenta e sete) mil empregos nos EUA....

A liberação da maconha para uso recreativo no Canadá tornou o país o segundo no mundo a legalizar o uso da erva – o primeiro foi o Uruguai, em 2014 – e ampliou a lista para pelo menos 31 países que adotam uma postura mais liberal sobre o tema. Em 12 deles, a maconha segue proibida, mas descriminalizada para o uso pessoal.

Há casos de parcialidade, como na Austrália, a liberação depende de cada Estado, e nos Estados Unidos, onde Alasca, Oregon, Colorado e Washington, mais a capital Washington DC, legalizaram o uso da maconha e outros 29 só a liberaram para fins medicinais.

Em nosso país, foi a partir da Consolidação das Leis Penais de 1932 que se iniciou a criminalização de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo das drogas tornadas ilícitas, em substituição da expressão substâncias venenosas antes constante do artigo 159 do Código Penal de 1890 por substâncias entorpecentes, assim deu-se a expansão do rol de condutas proibidas e introdução da contaminação de pena privativa de liberdade, fixada para quem fornecesse tais substância com a cominação de um a cinco anos.

O Decreto 891/1938 promulgado em pleno Estado Novo que dispôs uma proibição mais sistemática e de maior alcance. Eis que estabelecia a internação obrigatória dos toxicômanos e, sugestivamente se previa como agravantes da pena imponível aos produtores, comerciantes e consumidores, até por sugerir a satisfação de prazeres sexuais.

Com o Código Penal brasileiro de 1940 os dispositivos criminalizados se integraram as regras previstas em seu artigo 281. Com a ditadura militar de 1964, tais regras foram modificadas pela Lei 4.451/1964 que introduziu a tipificação da ação de plantar as matérias-primas das substâncias proibidas, ainda mantidas as penas de um a cinco anos de reclusão. Pela Lei 5.726/1971 que manteve as tipificações anteriores, elevou-se a pena de dois a seis anos de reclusão e, impôs o trancamento de matrícula de estudante encontrado

com as substâncias proibidas, bem como a perda do cargo de direitos dos estabelecimentos de ensino que deixasse de comunicar às autoridades sanitárias os casos de uso e tráfico dessas substâncias em âmbito escolar.

Veio, a lei 6.368/1976 diferenciando as penas aplicáveis para posse para uso pessoal e estabeleceu-se de seis meses a dois anos de detenção, triplicando, porém, as penas para o tráfico, que passariam de três a quinze anos de reclusão.

A repressão militarizada se expressou de forma ainda mais grave no Brasil na regulamentação, com o Decreto 5.144/04, dos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 303 da Lei 7.565/86 (com as modificações introduzidas pela Lei 9.614/98), que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. O referido Decreto veio concretizar a previsão de abate de aeronaves suspeitas de “tráfico” de drogas qualificadas de ilícitas, instituindo, de forma oblíqua, uma verdadeira pena de morte (a morte sendo consequência praticamente certa do abate), que, vedada pela regra da alínea a do inciso XLVII da Constituição Federal brasileira, que só admite tal pena em hipóteses de crimes militares cometidos em tempo de guerra, além disso, estará sendo imposta antecipadamente, sem processo, por mera autorização do Comandante da Aeronáutica.

O proibicionismo criminalizador leva à criação de leis penais que definem como crimes condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção. As substâncias psicoativas e matérias primas, que, assim selecionadas, recebem a qualificação de drogas ilícitas (como a maconha, a cocaína, a heroína, a folha de coca, etc.), não têm natureza diferente de outras substâncias igualmente psicoativas (como a cafeína, o álcool, o tabaco, etc.), destas só se diferenciando em virtude da artificial definição como criminosas de condutas realizadas por seus produtores, distribuidores e consumidores.

A Lei 11.343/2006[11], atualmente vigente, é apenas mais uma dentre as legislações dos mais diversos países que, reproduzindo os dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU, conformam a globalizada intervenção do sistema penal sobre produtores, comerciantes e consumidores das selecionadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, que, em razão da proibição, são qualificadas de drogas ilícitas.[12]

Referências

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Notas:


[1] “Maconha” tem sua origem numa das línguas angolanas, o quimbundo, que era muito falada entre os escravizados – a palavra “ma'kaña”, com som “makanha”, significa “erva santa”.

[2] "Cânhamo" provém do termo castelhano cáñamo

[3] A planta também é conhecida por ter sido usada pelos antigos hindus da Índia e do Nepal há milhares de anos. A erva era chamada ganjika em sânscrito (गांजा, ganja nas modernas línguas indo-arianas). A antiga droga conhecida como soma e mencionada nos Vedas, foi por vezes associada à cannabis.

[4] O ópio é extraído da papoila Papaver Somniferum que cresce no Médio e Extremo Oriente e mais recentemente, nos Estados Unidos. Em Portugal, foram descobertas plantações no Alentejo e Algarve. A palavra ópio deriva do grego ôpion, que significa suco ou sumo de uma planta. O ópio e, provavelmente, suas propriedades hipnóticas eram conhecidas na Grécia antiga. Em escavações arqueológicas na ilha de Samos foram encontrados bottons de barro e de marfim, datados do século VII a.C., que representavam a cápsula da papoula. Também no túmulo real da cidade de Micenas foi encontrado um broche com a mesma representação.

[5] Dizem, inclusive, que até mesmo a rainha Carlota Joaquina costumava tomar chá de maconha ao se mudar para o Brasil para relaxar. Essa história é contada no livro “A cara do Rio”, de Ricardo Amaral. Em anúncios dos anos 1.800 também era comum ler sobre os benefícios da cannabis para a saúde. Chamada de “cigarros índio”, era recomendada para tratamento de diversas enfermidades, desde asma até insônia.

[6] A proibição também pode ser vista como uma forma de controle social, com o objetivo de manter certos grupos marginalizados e reforçar desigualdades sociais. Além disso, a proibição pode ser vista como uma forma de manter o status quo e evitar mudanças sociais e culturais. Por outro lado, existem argumentos de que a criminalização da maconha não é eficaz na redução do consumo e pode causar mais danos do que benefícios. Alguns defendem que a legalização ou descriminalização da maconha poderia trazer benefícios econômicos, como a criação de empregos na indústria da cannabis e a arrecadação de impostos. Além disso, a legalização poderia permitir o acesso seguro à maconha medicinal para pacientes que se beneficiam do seu uso terapêutico.

[7] A cannabis medicinal é usada para tratar uma ampla variedade de condições de saúde. Algumas das principais indicações incluem: Dor crônica: a cannabis pode ajudar a aliviar a dor crônica associada a condições como artrite, fibromialgia e câncer; Depressão e ansiedade: alguns estudos sugerem o tratamento da depressão e ansiedade com o uso de cannabis em pacientes deprimidos e com transtorno de ansiedade social ou transtorno de ansiedade generalizada;  Epilepsia: o uso da cannabis no tratamento da epilepsia, especialmente em casos de formas graves da doença que não respondem a outros tratamentos. Doenças neurológicas: a cannabis pode ser usada como tratamento para doenças neurológicas, incluindo esclerose múltipla, distúrbios do movimento, mal de Parkinson e dor neuropática.

Náusea e vômito: a cannabis pode ser útil para tratar a náusea e o vômito associados a tratamentos como quimioterapia; Glaucoma: a cannabis pode ajudar a aliviar a pressão intraocular elevada associada ao glaucoma, o que pode ajudar a prevenir danos ao nervo óptico; Inflamação: a cannabis pode ajudar a aliviar a inflamação associada a condições como artrite e doenças inflamatórias intestinais.

[8] Na história da cannabis medicinal, o primeiro registro de uso da planta com fins terapêuticos, como já mencionado, foi no antigo Império Chinês. Na China antiga, a planta era utilizada para tratar uma ampla variedade de condições, incluindo dores de cabeça, dores musculares e distúrbios mentais. Também em outras culturas antigas, como a Índia e Pérsia, até a Grécia e a Roma antigas há registros do uso da cannabis medicinal. Na Índia, era usada como um remédio para dor e ansiedade, entre outros problemas de saúde.

[9] A criminalização da maconha no Brasil é um tema complexo e controverso. Existem diferentes perspectivas sobre quem se beneficia com a proibição da maconha. Alguns argumentam que a criminalização beneficia o sistema de justiça criminal, incluindo a polícia, o sistema prisional e os advogados. Em 24.8.2023, o STF tinha o placar de cinco a um para liberação do porte de maconha, mas o Ministro Mendonça pediu vista. Já está formada a maioria para estabelecer que é preciso haver um critério que diferencie usuário de traficante da maconha. Na última sessão, realizada no início deste mês, Alexandre de Moraes votou favorável pela liberação, desde que seja fixada a quantidade de 25 a 60 gramas da droga transportada. Esse valor diferenciaria o usuário do traficante. Além de Moraes, outros três ministros já votaram favoravelmente pela liberação. Foram eles: Gilmar Mendes, relator; Edson Fachin; Luís Roberto Barroso. Outros sete ministros ainda precisam votar no caso, incluindo Cristiano Zanin, recém-empossado.

[10] A medida começou a ser aplicada há pouco mais de cinco anos. Impulsionado pelo ex-presidente José Mujica, o projeto foi apresentado como uma alternativa à "guerra contra as drogas". De lá para cá, a economia uruguaia recebeu US$ 20 milhões com o comércio de cannabis.

[11] Prossegue a escalada de elevação das penas cominadas aos autores de condutas identificadas ao “tráfico”. Como visto, na revogada Lei 6.368/76, que triplicara as penas, a pena mínima para os tipos básicos de crimes identificados ao “tráfico” era de três anos de reclusão. A Lei 11.343/2006 aumenta essa pena mínima para cinco anos de reclusão. E, diante da previsão de circunstâncias qualificadoras (por exemplo, o emprego de arma ou o fato de o “tráfico” ser feito nas imediações de escolas ou locais de trabalho), que aumentam de um sexto a dois terços as penas previstas para aqueles tipos básicos de crimes, as penas efetivamente aplicadas dificilmente ficarão no mínimo de cinco anos de reclusão. Isto já ocorria na vigência da Lei 6.368/76, em que a frequente identificação de circunstâncias qualificadoras tornava rara a aplicação da pena mínima. Na Lei 11.343/2006, a lista de circunstâncias qualificadoras é ampliada, o que tornará ainda mais rara a aplicação da pena mínima. O postulado da proporcionalidade também é violado quando se equipara o fornecimento gratuito ao “tráfico”. O “tráfico” é, por natureza, uma atividade econômica. “Tráfico” significa negócio ou, mais propriamente, comércio. Do ponto de vista criminalizador, uma conduta sem o objetivo de obter proveito econômico, como é o fornecimento gratuito, tem um menor conteúdo de reprovação, não podendo ser tratada da mesma forma. A Lei 6.368/76 não fazia nenhuma distinção entre o fornecimento gratuito e o fornecimento com o objetivo de obter proveito econômico. A Lei 11.343/2006 só o faz em parte, apenas distinguindo a conduta de quem eventualmente oferece a droga ilícita, sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para um consumo conjunto, prevendo para essa conduta uma pena bem mais leve.

[12] LISTA DAS SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (Sujeitas a Notificação de Receita A) 1. ACETILMETADOL; 2. ACETORFINA; 3. ALFACETILMETADOL;4. ALFAMEPRODINA; 5. ALFAMETADOL; 6. ALFAPRODINA; 7. ALFENTANILA; 8. ALILPRODINA 9. ANILERIDINA 10. BENZETIDINA 11. BENZILMORFINA 12. BENZOILMORFINA 13. BETACETILMETADOL 14. BETAMEPRODINA 15. BETAMETADOL 16. BETAPRODINA 17. BECITRAMIDA 18. BUPRENORFINA 19. BUTORFANOL 20. CETOBEMIDONA 21. CLONITAZENO 22. CODOXIMA 23. CONCENTRADO DE PALHA DE DORMIDEIRA 24. DEXTROMORAMIDA 25. DIAMPROMIDA 26. DIETILTIAMBUTENO 27. DIFENOXILATO 28. DIFENOXINA 29. DIIDROMORFINA 30. DIMEFEPTANOL (METADOL) 31. DIMENOXADOL 32. DIMETILTIAMBUTENO 33. DIOXAFETILA 34. DIPIPANONA 35. DROTEBANOL 36. ETILMETILTIAMBUTENO 37. ETONITAZENO 38. ETORFINA 39. ETOXERIDINA 40. FENADOXONA 41. FENAMPROMIDA 42. FENAZOCINA 43. FENOMORFANO 44. FENOPERIDINA 45. FENTANILA 46. FURETIDINA 47. HIDROCODONA 48. HIDROMORFINOL 49. HIDROMORFONA 50. HIDROXIPETIDINA 51. ISOMETADONA 52. LEVOFENACILMORFANO 53. LEVOMETORFANO 54. LEVOMORAMIDA 55. LEVORFANOL 56. METADONA 57. METAZOCINA 58. METILDESORFINA 59. METILDIIDROMORFINA 60. METOPONA 61. MIROFINA 62. MORFERIDINA 63. MORFINA 64. MORINAMIDA 65. NICOMORFINA 66. NORACIMETADOL 67. NORLEVORFANOL 68. NORMETADONA 69. NORMORFINA 70. NORPIPANONA 71. N-OXICODEÍNA 72. ÓPIO 73. OXICODONA 74. N-OXIMORFINA 75. PETIDINA 76. PIMINODINA 77. PIRITRAMIDA 78. PROEPTAZINA 79. PROPERIDINA 80. RACEMETORFANO 81. RACEMORAMIDA 82. RACEMORFANO 83. REMIFENTANILA 84. SUFENTANILA 85. TEBACONA (ACETILDIIDROCODEINONA) 86. TEBAÍNA 87. TILIDINA 88. TRIMEPERIDINA. Ficam também sob controle, todos os sais e isômeros das substâncias enumeradas acima, bem como os intermediários da METADONA (4-ciano-2-dimetilamina-4,4-difenilbutano), MORAMIDA (ácido 2-metil-3-morfolina-1,1-difenilpropano carboxílico) e PETIDINA (A - 4 ciano-1-metil-4-fenilpiperidina, B - éster etílico do ácido 4-fenilpiperidina-4-carboxilíco e C - ácido-1-metil-4-fenilpiperidina-4-carboxílico);


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Maconha Direito Penal Uso Terapêutico Uso Recreativo ANVISA Lei Antidrogas

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