Hermenêuticas de Hart, Dworkin e Raz
Como é sabido existem diversos métodos de interpretação jurídica, a saber: gramatical, sistemático, histórico, teleológico-axiológico e sociológico. Ainda hoje não se tem um conceito uníssono de hermenêutica jurídica. A palavra “hermenêutica” resume o sentido de três outras palavras: teoria da interpretação. Cada doutrinador, a seu modo, contribuiu para esclarecer, conceituar, interpretar e aplicar o direito aos casos concretos. O que desejamos é que a hermenêutica seja um instrumento da paz e da justiça social.
As
diferentes hermenêuticas que se baseiam em diferentes teses do direito,
decorrem, naturalmente, de diferentes concepções sobre a realidade e, as visões
de Herbert Hart, Ronald Dworkin e Joseph Raz se propõem a explorar as variadas premissas do
positivismo jurídico atual e o pós-positivismo[1].
Há de
se alertar que o debate contemporâneo da Filosofia do Direito é puramente
metodológico e, que a questão normatividade dos princípios, a separação entre o
direito e a moral, a discricionariedade judicial entre outras, não são mais
premissas de investigações filosóficas, porém, somente decorrências.
O
cerno da investigação filosófico-científica está na descoberta da realidade, e
quais sejam os elementos que servem de
parâmetros de avaliação. O contemporâneo momento do debate no direito ainda se
concentra no confronto das ideias de Hart e Dworkin, onde o paralelismo[2] e o antagonismo entre
esses dois doutrinadores é marcado como giro linguístico na filosofia do
direito.
Analisaremos
a obra intitulada "O Conceito do Direito"[3] de Hart e o "Império
do Direito" de Dworkin onde vigem diferentes métodos de pesquisa e que
descrevem diferentes concepções de realidade e depois passaremos para os
principais pontos críticos. Depois, investigaremos, superficialmente, o debate
entre Raz e Dworkin[4].
Hart
estabeleceu as bases do positivismo jurídico contemporâneo por uma análise
sociológica e, causou ruptura no pensamento jurídico, estabelecendo a chamada
virada hermenêutica[5],
apresentando novo paradigma científico de compreensão do Direito.
A
existência do fenômeno jurídico ao mesmo tempo em que se deixa a visão absoluta
de mundo, pela qual, a realidade somente existiria fora do subjetivismo humano.
Hart
abandonou a racionalidade típica das ciências naturais para então descrever o
direito, conforme se verifica até a refutação do critério por genus et
differentiam[6].
Ao
reconhecer a evidência do fenômeno jurídico quando também se negou a
descrevê-lo através de quantificação de dados e fatos concretos foi exatamente
o que lhe distinguiu da literatura jurídica concluída até aquele momento e, restou
a dificuldade contundente, a saber: como descrever esse fenômeno jurídico?
O
entendimento de que o Direito exige pouco mais que mera observação de padrões
de comportamento e traçar relações factuais de causalidade, esse tipo de
análise não seria apta sequer a distinguir hábitos de regras, bem como alguém
ser obrigado a ter deveres, ônus e obrigações[7].
Exatamente
na distinção entre regra e hábito que Hart estabeleceu questões e pontos de
vista internos e externos sobre o direito, que são os eixos centrais de sua
tese.
Ao
abordar o fenômeno jurídico a partir do ponto de vista interno implica em
reconhecer o viés sociológico e, como os agentes sociais refletem sobre o que
faze, mas internamente ignoram tal dimensão de razões para agir.
Retratou,
pois, diferentes realidades, na medida que o melhor exemplo é: uma situação
ordinária quanto ao fenômeno em volta de um sinal de trânsito pode ser
entendida, de duas maneiras diferentes. Pelo aspecto externo onde se observa a
tendência de as pessoas pararem quando presente a luz vermelha e não pararem
quando estiver presente a luz verde.
Já sob
o ponto de vista interno, deve-se observer o contexto externo de forma que o
significado dos sinais para os agentes sociais, o que significa que o respeito
a ordem de tráfego, cujo desrespeito implica na possibilidade de crítica
interna e por terceiros. Analisando o
rompimento de tendências diante do ponto de vista externo.
O
fenômeno jurídico deve ser compreendido dentro de certo ensaio de sociologia
descritiva e, com aparato metodológico que o ponto de visto interno pode ser
identificado por usos comuns do mundo. O fenômeno jurídico pode ser apontado
numa esfera de convenções sociais.
A
observação dos fatos sociais podem ser descrita sem haver juízo de valoração, e
sem verificação das razões de obediência às regras e obrigações por parte dos
agentes sociais, inclusive, as razões morais. Não decorreu do método de pesquisa
de Hart que o estudioso se posicione perante as razões do ponto de vista
interno dos agentes sociais investigados. Assim, Hart e Dworkin em suas
teorias, teriam finalidades diferentes.
Confessou
literalmente Hart: "Meu propósito é descritivo e, portanto, moralmente
neutro e não visa dar justificativas: não busca justificar ou validar em
fundamentos morais, ou qualquer outro gênero, as formas e estruturas presentes em minha
definição geral de direito, apesar de pensar que uma compreensão destas
características é requisitos para qualquer crítica moral relevante do
direito". (Hart, 1994).
Foi a
partir de Francis Bacon[8] que os filósofos tenderam
a atribuir importante papel à observação na pesquisa científica. E, depois da
metade do século XX se intensificou o debate sobre o papel da atividade
observacional na ciência.
A
visão de quem encara o que observa como dados a serem simplesmente coletados
foi profundamente questionada, ao ponto de abrir caminho para a predominância
da concepção oposto de que a observação
está sempre impregnada de teoria.
A
ciência como gloriosa conquista do homem moderno está situada entre a
matemática pura e a experiência sensorial bruta, portanto, é resultante da
tensão conceitual gerada entre essas coordenadas de onde deriva as
perplexidades filosóficas sobre a ciência.
O
impacto do debate sobre as Ciências Sociais (o que inclui também as Aplicadas)
serve para mostrar como se lida com os tipos de objeto com peculiaridades
ontológicas que não se limitam a favorecer a tese da dependência da observação à teoria.
Há a
presença de teoria no próprio fato investigado e, que suscita problemas
especiais com relação às formas de observá-lo, reconstruí-lo e explicá-lo.
Um dos
principais fundadores da metodologia para a sociologia foi Durkheim que recorre
ao indutivismo baconiano com o fito de conferir cientificidade à sociologia.
Seguindo as lições de Comte, Durkheim[9] define a sociologia como a
ciência da observação.
Há,
entretanto, diferenças fundamentais entre os modos como conceberam a interação
entre a teoria e observação. O filósofo
francês deve ser reconhecido como defensor metodológico do observacionalismo.
A
ambiguidade é profunda em Hart quando defende a adequada conceituação do
Direito, pelo ponto de vista interno dos agentes, mas sem que o conceituador
partilhe esse olhar interior, deverá se comportar como observador externo, com
grande esforço empático. E, tal conclusão decorre da caracterização do fenômeno
jurídico enquanto institucional e construído pelo uso comum da linguagem. Nem
de facto nem de jure são as Ciências Sociais observacionais.
Roga-se
em Hart o tipo mínimo de consenso linguístico e social o que afeta diretamente
a relação entre direito e moral que seria apenas contingente e, como não há
consenso a priori, quanto ao conteúdo moral, a observação externa nos
conduz à oposição às ideias de Dworkin.
Por
sua vez, Dworkin realiza uma análise política, pois nega o empreendimento de
Hart de uma descrição neutra do fenômeno jurídico, não porque seja pior que uma
análise valorativa, mas porque falha na sua própria finalidade descritiva.
Enfim,
a descrição de Hart não é neutra, seja moral ou politicamente, conforme se
pretende analisar. É marcada por complexo esforço argumentativo, onde foram
selecionadas algumas facetas apenas.
Então
para Dworkin, a descrição positivista se ilude ao pressupor que a existência de
convenções sociais seja o único fator suficiente para o surgimento de regras
sociais. Portanto, o direito se organiza basicamente em torno de opções
políticas realizadas, e, ao identificar o direito aplicável ao caso conceito,
se tornaria uma questão histórica[10].
As
divergências teóricas entre profissionais seriam somente frutos de ausência de
convenções sociais prévias, mal-entendidos, fingimentos ou do favorecimento de posicionamentos
pessoais em detrimento do verdadeiro direito.
Enxerga
o filósofo grande engano em enxergar a prática jurídica e, sua intrínseca
divergência como em embate entre aqueles que respeitam o direito e aqueles que
querem melhorá-lo.
Através
do estudo de casos, Dworkin procura demonstrar que as divergências decorrem de
diferentes concepções sobre qual é o verdadeiro conteúdo do direito.
Em
síntese, cada juiz decide conforme o que acredita ser o direito, seja este o
respeito inflexível à literalidade da lei, a melhor alocação de custos na
sociedade ou o valor de justiça. Portanto, acreditar que os juristas deveriam convergir
quando a lei é clara, ou se existem precedentes judiciais bem estabelecidos, é
recair no equívoco de que há um direito que existe sem qualquer esforço
interpretativo.
A
incapacidade da tese hartiana em explicar satisfatoriamente essas divergências teóricas
sobre o direito, é o que Dworkin chamou de agulhão semântico[11].
Esse
impacto atinge a teoria positivista, o que dá azo à necessidade de substituir a
teoria do direito como simples fato por outra teoria que resolva essa falha.
Então,
Dworkin passa a desenvolver sua tese em que o direito pertence a uma categoria
de conceitos chamados de interpretativos, que não podem ser identificados
somente pelo uso linguístico[12] convencional.
Ao
invés de uma caracterização prevista, nos bastará o saber o seguinte: este tipo
de conceito se distingue dos demais, pois veicula valores sociais; deste modo,
ao mesmo tempo em que classificamos um
ato, uma pessoa ou objeto, imediatamente fazemos um juízo de valor.
Desta
forma, distingue-se em diferenciar semanticamente um livro de um folhetim, de
diferenciar interpretativamente entre um país desenvolvido e outro
subdesenvolvido; ou uma conduta lícita de uma ilícita, onde está presente a
classificação de juízo moral de aprovação ou reprovação.
Noutros
termos, seria impossível adotar método relevante para a compreensão do fenômeno
jurídico através de uma metodologia externa ou ainda moralmente neutra. Mas, o
que afinal se constitui então numa metodologia adequada para compreensão do
fenômeno jurídico?
A
refutação de Dworkin, ironicamente, consistiu em prosseguir com o
empreendimento hartiano em diante e, até radicalizá-o. Se Hart rompeu com as
correntes filosóficas ao explorar os
pontos de vista internos dos agentes sociais, sobre o fenômeno jurídico,
Dworkin o faz beber do próprio veneno, ao demonstrar que ignorou a importância de
o pesquisador apresentar um ponto de vista interno, apresentar o sentido do
ordenamento jurídico: o que implica em justificar-lhe, indicar sua finalidade.
Apenas
na sua justificativa é que podemos reconhecer como se opera a normatividade do
fenômeno jurídico, já que os próprios agentes sociais possuem uma atitude
interpretativa.
Conclui-se
a inutilidade de se realizar um esforço descritivo geral do fenômeno jurídico
que busque a explicar e elucidar apenas através da enumeração de sua estrutura
comum entre diferentes sociedades, como quis Hart.
Questiona-se
como, afinal, o aguilhão semântico não atinge Dworkin? Reconhecemos que o
direito é um conceito interpretativo, mas o que isso nos revela a respeito das
divergências teóricas? Há a necessidade
do pesquisador de adotar um ponto de vista interno, dotado de razões morais
para descrever o fenômeno jurídico.
Conforme
Stephen Perry que adota uma teoria pela qual o teórico deve esclarecer as
convicções dos agentes sociais e não somente relatá-la implica na adoção de um
conteúdo moral, já que a elucidação de convicções a respeito de razões para a
ação envolverá, quase inevitavelmente, o argumento moral, ou pelo menos,
normativo.
No
entanto, não esclarecemos como justificar a divergência no direito. O
aprofundamento sobre esta questão expõe uma das facetas relevantes sobre o
debate contemporâneo.
A
metodologia interpretativa de Dworkin[13] traça algumas distinções
entre certas etapas da prática interpretativa, dentre as quais destacamos
separar o conceito de concepção. É o âmbito do conceito que as práticas estão
compartilhadas, onde existe uma firma condição linguística. Tomando o exemplo utilizado
no "O Império do Direito", nosso conceito de cortesia está ligado a
ideia de respeito.
E, na
abstração sensível consegue-se realizar as distinções de baixo esforço
interpretativo, como para excluir a ideia de cortesia a agressão física de um
homem contra uma mulher. No entanto, ainda que toda nossa comunidade partilhe
do mesmo conceito de cortesia, haverá divergência quanto à classificação, o
caso de um homem que paga toda a conta
de uma refeição para uma mulher, seja por cortesia ou machismo.
Tal
divergência decorre das diferentes concepções sobre a ideia de respeito que
deve informar a cortesia. No âmbito jurídico, a conclusão decorrente é a de que
os juízes decidem diferentemente de acordo com as diferentes concepções de
direito que adotam, que são, necessariamente, informadas por suas convicções
morais e políticas sobre o sistema jurídico.
Assim,
ainda que conceitualmente concordemos com que o direito deve respeitar a
dignidade da pessoa humana, nossas diferentes concepções nos fazem divergir se
a eutanásia[14]
respeita ou afronta o direito, ou seja, se as pessoas têm ou não direito à
eutanásia.
No
entanto, a resposta esboçada por Hart ao cunho semântico, no posfácio, nos leva
a crer que a crítica fora mal interpretada. A defesa foi feita em poucas linhas
e com as seguintes alegações:
i) sua
tese não foi atingida pelo aguilhão semântico, na medida em que não buscou
definir o direito a partir da palavra “direito” (HART, 1994);
ii)
Dworkin haveria confundido o significado de conceito com sua aplicação (HART,
1994); e iii) a diferença entre conceito e concepção fortalece sua tese ao
invés de enfraquecê-la (HART, 994, p. 271).
Ao
invés de pressupormos que Hart não alcançou a mínima compreensão das críticas lançadas
no “O Império do Direito”[15], preferimos entender que
para o filósofo, definir o direito a partir de um sistema de regras que indique
a validade das normas jurídicas já fornece todas as condições de verdade de um
sistema jurídico[16].
Para
Hart, as condições de verdade do sistema jurídico podem ser estabelecidas
independentemente do conteúdo das normas: a validade será o guia adequado
(HART, 1994).
O
ponto principal do aguilhão semântica é negar que as condições de verdade em um
sistema jurídico, como a licitude, dependam dos valores contidos na norma.
Refutar o aguilhão semântico implica em refutar a metodologia de Dworkin. Essa
crítica contundente não fora proferida por Hart e, sim, por Raz.
De
fato, Raz avançou nos argumentos positivistas por aceitar a premissa de Dworkin
de que explicações sobre a natureza do
direito implica na adoção de critérios valorativos, abandonando a pretensão
puramente descritiva de Hart (2001).
Porém,
isso não impediria o exame de certos conceitos sem o devido aprofundamento em
determinada concepção na linguagem de Dworkin. Para Raz, os conceitos são
necessários para criticar ou até abandonar outros direitos, que apesar de serem
conexos, seriam independentes entre si.
Em
verdade, mantém a ideia de Hart que o conceito serve para aprofundar nosso
conhecimento, trazer ideias gerais, tal como se procura em dicionário.
A
teoria da textura aberta do direito[17], de Hart, identifica a
existência de casos difíceis (conflitos reais de normas jurídicas) em que a
autoridade competente deve exercer um poder discricionário[18] para criar o direito,
balizado pela proporcionalidade.
Hart
defende que o Direito somente é possível porque na sociedade as pessoas
reconhecem os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como autoridades
capacitadas de comunicar os padrões de comportamento.
Há uma
convergência entre as várias correntes que buscam a compreensão do Direito,
particularmente, no chamado positivismo
jurídico, no sentido de atribuir importância à noção de obrigação jurídica.
De
certa forma, poder-se-ia afirmar que é a explicitação de certos comportamentos como obrigatórios, ou não, que
permite a apreensão do significado do fenômeno jurídico. Ou seja, compreender o
Direito seria, antes de mais nada, a
compreensão do “conteúdo obrigatório” de suas normas.
Isto é
tão mais verdadeiro quando se busca a posição de Hart frente ao Direito. Se é
certo, como de resto em toda sua obra. que
este doutrinador não nos fornece um “conceito” ou “definição” do termo
obrigação, preferindo, ao invés, explicar o termo dentro do seu contexto de utilização, também é certo
que este serve praticamente como um “fio condutor” no sentido de explicitar o fenômeno jurídico. Assim, para Hart “onde há
direito, aí a conduta humana torna-se em certo sentido não facultativa,
obrigatória”.
Ao
mesmo tempo em que Hart destaca a importância de caracterizar o que é uma
obrigação (vale dizer, em que contexto as condutas são ou não obrigatórias), ele
vincula diretamente a obrigação à existência de uma regra.
Com
isto se quer dizer que, em certo sentido, onde existe uma obrigação haverá, por certo,
uma regra a estabelecê-la, uma pauta objetiva para atuar (ainda que, ao
contrário, nem toda regra prescreva,
necessariamente, uma obrigação).
Hart
afirma que “existe um mundo inteiro de questões onde a obrigação e o dever estão verdadeiramente em casa: este
mundo é o direito, já que ambas as expressões resultam quase sempre apropriadas
para toda proibição em virtude das normas de um sistema jurídico em vigor”.
Dentro
da tradição hermenêutica em que se insere a sua obra, Hart analisa o Direito,
antes de mais nada, como um fato institucional. Nesta perspectiva, ele supera a
noção imperativista de obrigação de John Austin[19], bem como a noção
preditiva da obrigação jurídica, cara ao
realismo jurídico.
Ao
conceber o problema da obrigatoriedade jurídica como um fato social, ou seja,
relacionada à “prática efetiva do participante do grupo social”, Hart evidencia
a importância de uma abordagem hermenêutica do Direito.
Com
isso, quer-se afirmar que não basta a
análise do Direito como comportamento governado por regras ou a consideração de
que o Direito é uma antecipação do que os tribunais farão. É necessário, nesta ótica, a
compreensão do “ponto de vista” do participante do sistema. Isto só é possível
a partir da elucidação da forma com os membros da coletividade atuam no sistema
e recebem suas prescrições.
Assim,
procura-se situar a tematização hartiana da noção de obrigação. Com este
intento, o primeiro objetivo será compreender de que forma as regras sociais se diferenciam dos
meros hábitos de comportamento.
A
partir da compreensão do ponto de vista interno e do ponto de vista externo do participante do
sistema, é também possível compreender a diferença fundamental existente nos
jogos de linguagem “ter uma obrigação“ e “ser obrigado a“.
Da
mesma forma, é a partir do ponto de vista interno das regras que se pode tematizar a questão de ser ou não possível um
conhecimento do Direito sem aceitação, o que nos levará ao problema da
aplicação do Direito. Por último,
evidencia-se de que forma a obrigação jurídica se contrapõe à obrigação moral.
Raz
utilizou o exemplo da "guerra justa"[20] e, supondo que exista é
aquela em que vige proporcionalidade entre as agressões cometidas, ainda que
partilhemos deste conceito iremos divergir sobre quais são os limites de
proporcionalidade e como os atos de guerra se enquadram nessa classificação e
como ambos os critérios se relacionam com a justiça inserida no conceito.
Para
Raz, estes debates são irrelevantes para a compreensão do conceito apresentado,
o que é demonstrado pela questão: " Uma compreensão efetiva do conceito de
guerra justa envolve a compreensão de como comparar as diferentes
agressões?"
A
divergência em questão afetaria apenas nossa capacidade de saber se determinada
guerra é justa ou não, mas não que teríamos uma compreensão equivocada ou
incompleta do que é uma guerra justa(RAZ, 2001).
Para
Hart, o Direito é uma prática social e a razão da existência dele se deve por
nossos costumes e crenças comuns. Logo é
mais próxima da sociedade, e é construída a partir do que já é comum na
sociedade.
A
defesa positivista contra o aguilhão semântico se baseia na premissa de que as
condições de verdade das proposições jurídicas são alcançadas por condições que
independem de qualquer valor moral, por critérios objetivos, qual seja: a
validade jurídica. (RAZ, 2001).
Por
decorrência lógica, isso significa que é possível operar o direito sem que suas
ações estejam fundadas em determinada concepção de direito e, é justamente esta
a tese de Raz.
Em
geral, o que se pretende afirmar é que nenhum juiz precisa ter uma clara
concepção sobre o direito para aplicá-lo aos casos concretos. E, nesse
diapasão, equivale afirmar que certo juiz não precisa ter qualquer concepção
determinada de direito para efetivar uma reintegração da posse, bastando para
tanto, aplicar as leis vigentes.
O
aspecto intuitivo destas argumentações engana até o próprio formulador. Aliás,
o Dworkin aponta em sua obra intitulada “A Justiça de Toga” é que se tratando
de valores morais e políticos, como a justiça, a ideia de conceituação
apresentada por Raz é tautológica. (Dworkin, 2006)
Ao
definir a guerra justa como aquela de agressões proporcionais, não fez nada
mais do que apresentar seu conceito de justiça em palavras diferentes equivale
a dizer que a democracia é o governo do povo ou que a liberdade é a qualidade
de agir de acordo com sua própria determinação. São meras ilusões de
esclarecimento que decorrem do aguilhão semântico.
Raz
não consegue enxergar ou perceber que também foi afetado, precisamente por este
motivo, entende que é possível explicar conceitos valorativos sem a
apresentação de suas próprias convicções, entende que apresentar as aplicações
jurídicas é apenas uma questão necessária de exemplo.
Entendeu
Raz ser fácil a exemplificação de conceitos valorativos, recaindo na mesma
confusão de tratar concepções como sendo extensões de significado de uma
palavra. E, estes exemplos presentes na tese de Dworkin integram o processo
interpretativo e possibilitam o entendimento a compreensão do valor que pretende definir são eles que trazem o
critério de correção no uso, não simplesmente a convenção social.
Pela
mesma razão há a ilusão na ideia de que bastaria ao julgador aplicar a lei conhecida ou local: sua concepção de
direito o faz divergir de outros julgadores sobre no que consiste aplicar este
ou aquele código perante o mesmo caso concreto, ou qual tipo de princípios deve
preponderar, por exemplo. Eis, a real profundidade do aguilhão semântico:
apresentar os conceitos de valores morais e políticos neste nível de alta
abstração, não gera compreensão sobre o que se examina.
Ao
expor explicitamente o juízo de valor entre o embate metodológico entre os
doutrinadores alguns manifestam clara preferência por Dworkin, a vitória do
aguilhão semântico, o que não implica na vitória de Dworkin, sem retirar os
méritos dos demais doutrinadores, pois a falha entre as teses competidoras,
aperfeiçoam o direito e indica que não podemos conceituar valores morais e
políticos, e não há como completamente fazê-lo.
A
maior virtude Dworkin está na complexidade de sua metodologia, pois enxerga a
íntima conexão entre os fenômenos sociais da linguagem, ética, moral[21] e política, e ainda, na
tensa ligação entre o micro e macro tão bem representada por Wittgenstein[22], como uma corda composta
por fios que se entrelaçam, mas sem que nenhum deles percorrer toda a extensão.
Enfim, sua refutação do ceticismo moral
através do deslocamento de nossa concepção de objetividade, e através do valor
da integridade que nos instrumentaliza na lógica mais adequada ao direito.
O
fenômeno jurídico é profundamente interpretativo e, normativo e, podemos
diferenciá-lo por meio da verdade que não escapa ao âmbito das concepções.
Dworkin
(2002) explica que o direito não sugere comportamento, ele determina, ele não apresenta um molde esperado de comportamento,
mas impõe uma obrigação.
E,
quando não o faz, aí sim é que se espera do juiz um julgamento fulcrado no dever,
de forma discricionária. Dito de outra forma, o direito como integridade é uma
concepção interpretativa do direito que
se diferencia das concepções do convencionalismo e do pragmatismo por basear-se
no princípio da integridade, ao lado da equidade, justiça e devido processo legal adjetivo.
Hart
defende a separação entre Direito e Moral, e, para ele, normas moralmente
iníquas podem perfeitamente ser Direito. Todavia, Hart rechaça a tese de que as
normas jurídicas podem ser concebidas como ordens, e também não adere a tese
positivista de que as regras jurídicas são a única fonte do Direito.
A sua construção
teórica da regra de reconhecimento, que em cada comunidade estabelece os
critérios de validade jurídica, não é Direito legislado. Apenas a aceitação efetiva
do Direito legislado é que poderá revelá-la.
Outrossim,
defende que o ordenamento jurídico não é completo ou coerente, e em virtude
disso os juízes não podem limitar-se à tarefa puramente dedutiva que a teoria
positivista exige.
Também
Dworkin analisou a festejada solidez dos fundamentos do positivismo jurídico, e
chegou à conclusão de que este se fundamenta nos seguintes postulados:
a) o
Direito de uma comunidade é um conjunto de normas especiais usadas direta ou
indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar que normas podem
ser identificadas e distinguidas mediante critérios especiais, por provas que
não se relacionam com o seu conteúdo, mas sim com a sua origem ou a maneira
pela qual foram adotadas ou evoluíram;
b) o
conjunto dessas normas válidas esgota o conceito de Direito, de modo que se
alguma de tais normas não cobre claramente um caso, o mesmo não pode ser
decidido com apoio na lei. Deve ser decidido por algum funcionário, por
exemplo, um juiz, que exerça seu poder discricionário, o que significa ir além
da lei, em busca de alguma outra bandeira que a guie.
Para
responder à pergunta “O que é Direito?” Hart isolou três questões recorrentes:
“como difere o Direito de ordens baseadas em ameaças e como se relaciona com
estas? Como difere a obrigação jurídica da obrigação moral e como está
relacionada com esta? O que são regras e em que medida é o Direito uma questão
de regras?
Para
muitos, a forma de definição “isto é isto” pode ser a mais satisfatória. Porém
“nem sempre está disponível, nem é sempre clarificadora, quando disponível.” Poderíamos
até utilizar este modelo e definir o Direito como regras de comportamento, mas
o conceito de regras é tão incerto quanto o do próprio Direito.
Nos
sistemas jurídicos que se conhece hoje existe uma multiplicidade de fontes do
Direito. Por ser a regra de reconhecimento aquela que indica quais são os
critérios para identificar o Direito, dentre todas as regras ela se revela a
mais complexa.
Na
maior parte dos casos a regra de reconhecimento não é enunciada, mas a sua
existência manifesta-se no modo como as regras concretas são identificadas, tanto
pelos tribunais ou outros funcionários, como pelos particulares ou seus
consultores.
Boa
parte da teoria do Direito, deste século, tem-se caracterizado pela tomada de
consciência progressiva das incertezas derivadas da linguagem. Mesmo as normas
gerais e supostamente claras, podem ser objeto de dúvida quando da sua aplicação
aos casos concretos. As diretrizes de interpretação, embora não possam eliminar
tais incertezas, podem diminuí-las.
Não se
pode perder de vista que tais cânones interpretativos são próprios regras
gerais sobre o uso da linguagem e utilizam termos gerais que, eles próprios
exigem interpretação[23]. Nos casos simples, a
interpretação é feita de maneira não problemática.
Existirão
casos no Direito em que a textura aberta de sua linguagem poderá ocasionar
interpretações conflitantes, sem que nenhuma se sobreponha à outra.
Nesta
zona poderá surgir uma questão para a qual não haja uma única resposta, apenas
respostas. Nestes casos o juiz fará um
julgamento discricionário da matéria. Apesar disso, significar que no Supremo
Tribunal a decisão tomada pelos juízes seja definitiva e dotada de autoridade,
não se pode esquecer que mesmo os juízes do Supremo Tribunal são partes de um
sistema cujas regras são suficientemente determinadas para fornecer padrões de
decisão judicial correta.
Para
fundamentar seu posicionamento, Hart define o Direito como um fenômeno social
que sempre apresenta dois aspectos:
a)
atitudes e comportamentos implicados na aceitação voluntária das regras; e
b)
comportamentos envolvidos na pura obediência ou aquiescência. Em virtude disto
as regras podem ser obedecidas de duas formas:
“Se o
sistema for justo e assegurar genuinamente os interesses vitais de todos
aqueles de quem pede obediência, pode conquistar e manter a lealdade da maior
parte, durante a maior parte do tempo, e será, consequentemente, estável. Pelo
contrário, pode ser um sistema estreito e exclusivista, administrado segundo os
interesses do grupo dominante, e pode tornar-se continuamente mais repressivo e
instável, com a ameaça latente de revolta. (...) a passagem da forma simples de
sociedade, em que as regras primárias de obrigação são o único meio de controle
social, para o mundo jurídico com o seu poder legislativo, tribunais,
funcionários e sanções, todos organizados de forma centralizada, traz ganhos
apreciáveis, com um certo custo.
Os
ganhos são os da adaptabilidade à mudança, certeza e eficiência, e são imensos;
o custo é o risco de que o poder organizado de forma centralizada bem possa ser
usado para a opressão de um número de pessoas, sem o apoio das quais ele pode
passar.”
“Vivemos
na lei e segundo o Direito. Ele faz de nós o que somos: cidadãos, empregados,
médicos, cônjuges e proprietários. É espada, escudo e ameaça. Lutamos por nosso
salário, recusamo-nos a pagar o aluguel, somos obrigados a pagar nossas multas
ou mandados para a cadeia, tudo em nome do que foi estabelecido por nosso
soberano abstrato e etéreo, o Direito (...) Somos súditos do império do
Direito, vassalos de seus métodos e ideais, subjugados em espírito. Visando
encontrar uma resposta para a pergunta “O que é o Direito?”, Dworkin enfrentará
primeiramente o entendimento de filósofos do Direito que o entendem apenas como
uma questão de fato.
As
principais alegações deste ponto de vista são: a) o Direito é aquilo que as instituições
jurídicas decidiram no passado; b) o Direito existe como simples fato, e o que
o Direito é não depende daquilo que ele deveria ser; e c) quando advogados e juízes
divergem teoricamente sobre o que é o Direito, na verdade estão divergindo sobre
o que deveria ser. Divergem quanto a questões de moralidade e fidelidade.
Dworkin
expõe que a opinião da população da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos se divide
sobre o que seria aplicar justamente o Direito. A maioria acredita que os
juízes devem aplicar estritamente a lei e não procurar aperfeiçoar o Direito.
Existe
outra versão do ponto de vista do Direito enquanto simples questão de fato: a
dos realistas e a do movimento dos estudos jurídicos críticos. Segundo estes, não
existe direito relativo a nenhum tópico ou questão, mas apenas retórica que os juízes
utilizam para mascarar decisões que, na verdade, são ditadas por preferências
ideológicas ou de classe.
De
acordo com Dworkin, os operadores do Direito (advogados e juízes) utilizam-se
da versão do Direito como questão de fato, apenas quando são solicitados a
emitir (solenemente) sua opinião sobre o que é o Direito.
Mas,
reservadamente, esses mesmos operadores “dirão que direito é instinto, que não
vem explicitado em uma doutrina, que só pode ser identificado por meio de
técnicas especiais cuja descrição ideal é impressionista, quando não
misteriosa.”
Segundo
este autor, o interesse pelo Direito advém de o utilizar como instrumento para
a consecução dos propósitos individuais e por ser ele a instituição social mais
estruturada e reveladora. Consequentemente, o Direito é entendido como um
fenômeno social cuja prática é argumentativa.
Já
Dworkin, para construir sua teoria geral do Direito, valeu-se do método indutivo,
partindo do estudo de casos da Suprema Corte dos Estados Unidos e da Câmara dos
Lordes, da Inglaterra.
Reforçou
seu entendimento do Direito como atividade interpretativa, defendendo uma
hermenêutica construtivista, na medida em que as Constituições dos modernos
Estados de Direito já incorporaram as liberdades e direitos fundamentais; é a
partir delas que os juízes devem julgar.
Com a
sua teoria do Direito como integridade[24], Dworkin procura reconhecer
no Direito uma construção da razão e, com isso, os elementos para aplicar o
mesmo de forma coerente já estão todos dados.
Num
panorama sobre a obra de Joseph Raz, percebe-se como sua teoria pode ser
enriquecedora em face do atual debate jurídico brasileiro. Primeiramente,
apresentou a teoria da autoridade, explicando ser possível uma justificação da
normatividade por meio de teses morais que se baseiam em uma hipótese sobre a
manifestação da dinâmica do poder sobre aqueles submetidos à autoridade.
Joseph
Raz[25] pode ser definido como
sendo um positivista jurídico moderno, para quem a separação entre direito e
moral é apenas conceitual, são conceitos diversos que não se confundem, porém
não deixam de se influenciar mutuamente. Afirmou que o direito e a moral se
relacionam, mas as premissas morais não são elementos necessários para se
determinar o que é o direito.
Como é
sabido, o homem é fruto de seu meio, tanto que a teoria da autoridade de Raz
herdou parcialmente seus pressupostos da filosofia política britânica. Raz
considerou que a cessão por vias contratuais da faculdade de se autogerir
politicamente não pode ser transmitida de forma gradual, ao contrário da
legitimação, fazendo com que essa supere aquela como sendo a melhor opção
explicativa da transmissão de autonomia do indivíduo à autoridade.
Concluímos
que o direito contemporâneo promove a contestação de noções rígidas ou duras do
juspositivismo, tais como : autossuficiência do direito positivo, a
identificação absoluta entre jus e lex, a subsunção silogístico-axiomática do
fato à norma por um formalismo lógico-mecânico, o caráter apolítico e neutra da
lei e da hermenêutica, como a era dos princípios, repaginamos o direito
positivo.
Ademais, o fenômeno jurídico vai além da dominação por meio de violência estatal, mantendo-a sempre sob vigilância e rígido círculo de legalidade, sem olvidar a legitimidade.
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Notas:
[1]
O Pós-positivismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial, em contraposição ao
Positivismo, até então dominante, sendo que este foi utilizado para dar suporte
a governos autoritários, como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, que
em “nome da lei” cometeram atrocidades, apartando-se de princípios éticos e
morais.
[2]
O direito, na teoria de Hart é, fundamentalmente, a união das regras primárias
com as regras secundárias. As regras primárias são aquelas responsáveis pela
imposição das obrigações, dos deveres e dos direitos. São as regras que
importam para o cidadão que convive dentro de uma sociedade controlada pelo
direito. As regras secundárias, por sua vez, são as responsáveis por
transformar esse mero conjunto de padrões em um verdadeiro sistema jurídico,
para permitir que as regras primárias sejam dotadas de validade e autoridade
jurídica.
[3]
Sendo assim, essas duas classes representa o principal elemento para conceituar
o Direito, assim, Hart vincula a existência do Direito, as condutas
obrigatórias Relaciona-se também as
normas primárias aos sistemas primitivos, sendo aqueles que não haveria legislativo,
tribunais e nem funcionários. Já as normas secundarias são relacionadas ao
sistema jurídico desenvolvido Regras primárias são aquelas que impõem conduta e
abstém-se de alguns atos, contudo, entende-se que uma sociedade desenvolvida
não pode regular a existência do todo
social, sendo que as suas normas contêm defeitos. A partir desses defeitos,
surgem as normas secundárias, que atuam como corretoras dos defeitos das normas primeiras, constituindo assim, o
sistema jurídico. pode-se perceber que o autor deixa claro que para uma
sociedade, o viável é a existência não só de regras primarias como também de
regras secundarias, para que o sistema
jurídico seja adequado de acordo com as sociedades contemporâneas.
[4]
Dworkin calcou-se na concepção de direito como integridade, a visão do direito
como sendo um departamento da moral e, encerrando o sentido da interpretação,
na filosofia e no raciocínio jurídico. Já a tese de Raz se divide em três
pilares, que apesar de em um primeiro momento parecerem muito distintos,
complementam e fortalecem a unicidade de sua obra. O primeiro pular é a teoria
da autoridade que fundamenta o seu conceito de direito. O segundo pilar, sua
filosofia moral, que está na base da legitimação da autoridade. E, terceiro e
último pilar, sua teoria da razão prática, que permite a aplicabilidade dos
dois primeiros pilares. Entre Dworkin e Raz suas obras apresentam mais
semelhanças do que distinções. Apesar de que Raz fosse um positivista
excludente, atribuindo um papel primordial à moral, assim como Dworkin, já que, embora não seja um elemento
para a definição sobre o que é o direito, responde à questão por que obedecer
ao direito?
[5]
A virada hermenêutica que consiste na passagem do âmbito epistemológico para o ontológico, isto é, da epistemologia
da interpretação à ontologia da
compreensão no fio condutor da linguagem. Segundo Gadamer, a virada
hermenêutica que se fundamenta na linguisticalidade do homem nos inclui neste
"uns com os outros"; neste está fundada obrigação humana de aprender.
O que importa é não só escutar coisas de uns aos outros, mas escutarmos uns aos
outros. Somente isso é compreender. In: DUTT, Carsten (ed.) En conversación
com Hans-Georg Gadamer: hermeneutica/estética/filosofia prática.
Tradução de Teresa Rocha Barco. Madrid: Tecnos, 1998).
[6]
Consiste em determinar a compreensão que caracteriza um conceito. Segundo
Aristóteles, a essência de uma coisa compõe-se do gênero e das diferenças. De
onde a regra escolástica segundo a qual a definição se faz "per genus proximum et differentiam
specificam” (pelo gênero próximo e diferença específica). Assim, Definir,
segundo a lógica formal, é dizer o que a coisa é, com base no gênero próximo e
na diferença específica. Porfírio
explica os cinco critérios para aplicar os predicados de Aristóteles na
descrição de algo: Definição ou Espécie (horos, eidos): um enunciado que
identifica a essência de coisas específicas. Aristóteles chama de definição,
Porfírio de forma, Boécio de espécie. Gênero (genos, genus): elementos
da essência também previsível de se encontrar em outros indivíduos similares. Diferença
(diaphora, differentiam): critérios que distinguem uma espécie de
outra dentro de um gênero. Propriedade (idion, propria): algum atributo comum a
todos os membros de um gênero, mas não faz parte de sua essência ou definição. Acidente
(symbebekos, accidens): algum atributo que pode ou não pertencer a algo,
sem que afete sua identificação com a espécie.
[7]
O termo "obrigação" conforme adverte Manuel A. Domingues de Andrade é
usado, em sentido amplo, na linguagem jurídica, como sinônimo de dever jurídico
ou como incluindo também a noção de sujeição. Cumpre-nos, pois inicialmente,
discernir os sentidos que se designam sob tais vocábulos. A obrigação em
sentido estrito supõe uma situação de dever, em que se coloca o devedor. A
obrigação consubstancia um vínculo em razão do qual uma pessoa (devedor) deve a
outra (credor) o cumprimento de uma certa prestação. A obrigação consubstancia
um direito relativo, na medida em que o crédito que dela decorre apenas pode
ser exigido, pela pessoa ou pluralidade de pessoas dele titular, contra a
pessoa ou pluralidade de pessoas na situação de devedor. O ônus é um vínculo
imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse. E, se distingue
do dever e da obrigação que consubstancia vínculo imposto àquela mesma vontade,
porém no interesse de outem. Por essa razão, que o não cumprimento do ônus não
acarreta, para o sujeito, uma sanção jurídica, mas apenas certa desvantagem
econômica.
[8]
Bacon criou um modelo de investigação através do método da indução, o qual
estava baseado na observação precisa e minuciosa dos fenômenos naturais. Com o intuito de combater os erros provocados
pelas crenças nos “ídolos”, Bacon propõe o método indutivo. Filósofo, escritor,
cientista e político, esta última foi a principal ocupação de Francis Bacon, um
dos mais importantes pensadores da modernidade.
Bacon é o responsável por um método que inaugura o modo moderno de
fazer-se ciência: o método baseado no conhecimento indutivo, que visa a
uniformizar os processos de pesquisa
científicos para tornar a ciência uma fonte de conhecimento seguro. Bacon
influenciou cientistas e filósofos de sua época e deixou as bases para a formulação de uma
filosofia empirista que permanece atual.
[9]
David Émile Durkheim foi sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo
social e filósofo francês. Pregava a objetividade na análise dos fatos sociais.
Para ele, ao analisar uma sociedade, o pesquisador deve manter certa distância
de seu objeto, ocorrendo com isso a neutralidade científica. Buscou método
científico capaz de superar o senso comum e que fosse objetivo. Apesar de
adotar critério das ciências naturais, reconhecia que os objetos sociais tinham
suas particularidades e que se distinguiam dos fenômenos da natureza.
[10]
Analisando o direito durante a ditadura de Hitler, o advogado André Rafael
Weyemüller afirma: "Não é possível conceber um Direito legítimo no
nazismo". O Direito nessa época era mais um instrumento de controle e
legitimação da ideologia de regime baseado, sobretudo, nas ideias de alguns
poucos homens que não tinham a menor consideração por um mínimo de senso de
humanidade. O artigo 48 da Constituição de Weimar é peça fundamental para a
compreensão do embate entre teóricos do
Direito como Carl Schmitt e Hans Kelsen, ambos contemporâneos, em face da
construção de um Estado autoritário
alemão antes mesmo da ascensão dos nazistas ao poder. O ideal estético de
sociedade foi refletido em leis raciais
(leis de Nuremberg) e leis comuns (Leis ambientais e de proteção aos animais),
as quais visavam à construção de uma sociedade germânica livre do judaísmo e
estrangeirismo. A história e o direito
emergem em seu papel fundamental de reconstrução de um passado na
realidade do tempo presente,
justificando, de certa forma, as posições do governo alemão, desde a cultura
até o extermínio de indivíduos que não
se encaixavam no ideal ariano proposto pelo Partido Nazista e por seu líder incondicional, o Führer Adolf
Hitler.
[11]
O aguilhão semântico é um termo utilizado na teoria do direito com o objetivo
de desqualificar um ponto de vista. Desejo atacar certo ponto de vista, dou um
nome com uma carga negativa a essa visão e começo discutindo a definição. Em
poucas palavras, o aguilhão semântico é a crença de que todos os participantes
de uma mesma prática, se conseguem interagir e entender-se entre si, devem ter
a mesma concepção sobre o que aquela prática é e envolve. Participar da mesma
prática exigiria partilhar a mesma concepção. Outra maneira de dizer a mesma
coisa é que, se dois ou mais falantes mantêm sobre certo assunto uma conversa
significativa, na qual trocam informações úteis, concordam e discordam de maneira
inteligente, é porque o assunto em questão é entendido da mesma maneira pelos
dois ou mais falantes; do contrário, não haveria conversa alguma, eles apenas
falariam de coisas distintas e não se entenderiam entre si. Seriam como duas
pessoas que discutissem sobre se os bancos da praça estão sujos, com um
pensando em instituições financeiras, praça comercial e moralidade pública e
outro em assentos físicos, praça de entretenimento e higiene pública. Não
estariam tendo uma conversa, e sim falhando em sequer se comunicarem.
[12]
Como "movimento em direção à linguagem", a virada linguística serve
como uma descrição geral do florescimento de estudos sobre a linguagem no final
do século XIX e início do século XX. Como disseminação da ideia de não
neutralidade da linguagem, temos uma versão um pouco mais elaborada, mas também
bastante geral.
[13]
O filósofo americano Ronald Dworkin publicou, em 2011, o livro Justice for
Hedgehogs, em que ele apresenta explicitamente sua teoria da justiça. A
teoria exposta, evidenciando a estrutura dos seus argumentos, mostrando como
Dworkin adota uma metodologia aristotélica (ao elaborar interpretações capazes
de dar sentido às práticas sociais efetivas) que o conduz a uma conclusão
platônica (ao afirmar a unidade fundamental dos valores). Sustenta-se, ao
final, que esse projeto ético não é consistente, eis que a análise das práticas
efetivas não conduz ao reconhecimento da unidade do bem, mas apenas ao
reconhecimento de que a tradição liberal em que Dworkin se insere tem um discurso
universalista que se baseia na existência de uma noção unitária do bem. Assim,
a autocompreensão moral da moralidade proposta por Dworkin gera um discurso de
matriz mais teológica que filosófica, pois baseia sua validade na negação da
possibilidade de uma crítica filosófica que coloque em questão os pressupostos
morais assumidos pelo doutrinador.
[14]
Atualmente, a morte assistida é permitida em quatro países da Europa Ocidental:
Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça; em dois países norte-americanos: Canadá e
Estados Unidos, nos estados de Oregon, Washington, Montana, Vermont e
Califórnia; e na Colômbia, único representante da América do Sul.
[15]
De grande importância de Law’s Empire (LE, O Império do Direito, publicado no
Brasil também pela Martins Fontes) para
a teoria do direito. Em 1986, Ronald Dworkin publicou aquela que é até hoje
considerada uma de suas melhores obras — talvez ao lado de Justice in Robes
[Justiça de Toga] e, por que não, Justice for Hedgehogs [Justiça para
Ouriços] (uma obra que, nas palavras de
ninguém menos que A.C. Grayling, já nasceu clássica). Nessa obra, refinando seus argumentos contra
o positivismo jurídico, Dworkin articulou sistemática e sofisticadamente a sua
própria teoria: law as integrity, o “direito como integridade”. Se em TRS
Dworkin argumentou que o positivismo não oferecia uma boa explicação da prática
jurídica, é n’O Império do Direito que ele explica por que esse erro era
cometido. Ao fazê-lo, Dworkin oferece
também a sua concepção sobre a melhor interpretação do fenômeno jurídico.
Cogita-se em concepção e intepretação porque é exatamente esse um dos
argumentos centrais em Law’s Empire. Se os positivistas pretendiam oferecer um
conceito de direito, como vimos com Hart, Dworkin dirá que essa empreitada
sofre de um problema fundamental já em
sua origem: uma má-compreensão acerca da natureza própria do conceito. O positivismo
analítico, segundo a então ‘nova’ tese
dworkiniana (nova ao menos no sentido de sua expressão, já que coerente com o
que escrito antes), parte do pressuposto
de que todos os conceitos — incluindo, pois, o conceito de direito — são
conceitos criteriais: conceitos que são
compartilháveis somente quando as pessoas que os compartilham concordam em uma
definição prévia da qual se derivem os critérios para a aplicação correta do
termo em questão.
[16]
O ponto principal de divergência entre Hart e Dworkin é sobre o poder
discricionário do juiz ao interpretar e
decidir os hard cases, em razão das distintas concepções da moral do Direito. In: LEITE, Gisele. Hart versus
Dworkin ou Razão versus emoção. Disponível em: https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/164273542/hart-versus
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Acesso em 26.09.2022.
[17]
A teoria da textura aberta do direito, de Hart, identifica a existência de
casos difíceis (conflitos reais de normas jurídicas), em que a autoridade competente deve exercer
um poder discricionário para criar o direito, balizado pela proporcionalidade.
A textura aberta do direito pode ser entendida como uma indeterminação
linguística presente nos sistemas jurídicos,
mais especificamente nas normas jurídicas, ou seja, existe textura
aberta no direito quando a linguagem jurídica não se apresenta clara, lançando dúvida sobre a
sua aplicação no caso concreto. É importante esclarecer que a textura aberta é uma característica inerente da
linguagem e não apenas das normas. De acordo com a Teoria de Hart, diante desta
margem de dúvida, caberá ao juiz interpretar a regra da forma que julgar
mais apropriada ao caso concreto com o
qual estiver lidando. E como cabe ao
juiz, muitas vezes, direcionar o sentido da regra para os casos concretos,
pode-se dizer que nestas ocasiões o Juiz
exerce discricionariedade.
[18] Por derradeiro, Hart e Dworkin discutem acerca do poder discricionário. Hart assevera que em casos mais complexos, o juiz deve criar uma nova regra, e isto equivale a buscar por uma solução externa ao direito. Dworkin, pelo contrário, critica a discricionariedade por desconhecer os princípios como fundamentais na adjudicação, e defende que nos casos difíceis o juiz deve decidir procurando por princípios dentro do ordenamento jurídico, ou seja, buscar por alternativas internas ao direito.
[19] A teoria de Austin não preconiza a sujeição do governo à lei. Trata-se de uma teoria sobre a autorização do governo de usar a lei como um instrumento de poder. Tal visão, nas suas linhas gerais, é essencialmente coerente e, deve ser entendida no contexto inglês dos séculos XVIII e XIX. A fim de compreender a teoria austiniana do direito, pretendo analisá-la em quatro partes. Na primeira, abordo o escopo da teoria e a determinação do direito positivo como campo da teoria geral do direito (general jurisprudence). Estes temas são abordados principalmente nas lições que compõem “The Province of Jurisprudence Detemined”, bem como no artigo “The Uses of the Study of Jurisprudence”, incluído nas Lectures on Jurisprudence como a lição XI. Já na segunda parte, explicou o conceito de comando e seus correlatos dever e sanção, a partir dos quais J. Austin, ponto de partida da teoria. Na terceira parte, apresento um resumo da classificação dos comandos proposta pelo autor para isolar o direito positivo dentre outras formas de comando. Estes assuntos formam o núcleo das lições que compõem The Province of Jurisprudence Detemined. Por fim, na quarta parte, descrevo em linhas gerais as complementações a essa concepção do direito positivo, por meio das quais o autor pretendia mostrar a aplicação de seu esquema conceitual a ordens jurídicas concretas, especialmente a common law inglesa e ao direito romano. Essas noções são desenvolvidas nas lições remanescentes das Lectures on Jurisprudence (Lições XII a LVII), recompostas com base nas anotações de aula de J. Austin e seus alunos e publicadas após sua morte.
[20]
Raz assumiu que, apesar do conceito de "guerra justa" que pode ser
explicado, a noção de proporcionalidade poderia ser explicada através do método
interpretativo de Dworkin. Raz também colocou marco distintivo do direito a sua
pretensão de autoridade. O que diferenciaria de outras ordens ou ameaças. Raz chama de razões de primeira ordem, as
razões para realizar ou não realizar uma ação. As razões de segunda ordem
seriam razões para atuar ou não de segunda ordem positiva; no segundo, de uma
razão de segunda ordem negativa ou razão excludente.
[21]
“A ética é o conjunto de valores e princípios que eu uso para a minha conduta
no meio da sociedade, isto é, quais são os princípios para eu agir. Moral é a prática desses princípios”, define
Cortella. Este conjunto de valores é construído por algumas instituições
sociais, como família e escola. Sendo a moralidade o primeiro ponto de partida
para os caminhos do direito e ética, portanto, a grande diferença entre estes,
de acordo com Kant, é que a moral está
ligada ao senso comum, à liberdade e ao autoconvencimento de agir conforme o
dever, e o direito impõe-se mediante a coercibilidade; contudo, ao passo que a liberdade é essencial
à moral, ao agir ético, o direito tem como, a finalidade última a liberdade
externa; os homens se reuniram em
sociedade e constituíram o Estado para garantir a liberdade, o exercício do
arbítrio segundo uma lei universal (imperativo categórico).
[22]
Nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein propõe-se a criticar uma certa
concepção de linguagem: a de seu interlocutor. De acordo com essa concepção,
uma imagem mental que representa a essência da coisa, à medida que acompanha o
ato de entender, dá sentido às palavras fazendo, assim, a ponte entre as
palavras e as coisas.
[23] A interpretação jurídica proposta por Dworkin
é criativa, pois ela busca “decifrar os propósitos e intenções do autor ao
escrever determinado romance ou consertar uma tradição social específica, do
mesmo modo que, na conversação, pretendemos perceber as intenções de um amigo
ao falar como fala.” No entanto, a interpretação criativa não é conversacional,
e sim construtiva, por se preocupar substancialmente com o propósito, e não com
a causa. Através dela deve-se impor um propósito a um objeto ou prática para
torná-lo o melhor exemplo possível da forma ou gênero às quais ele possa pertencer.
[24]
O direito como integridade é uma concepção interpretativa do direito que se
diferencia das concepções do convencionalismo e do pragmatismo por
basear-se no princípio da integridade,
ao lado da equidade, justiça e devido processo legal adjetivo. A integridade é uma terceira virtude
política, ao lado da justiça e do devido processo legal, a qual se refere ao compromisso de que o governo aja de modo
coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos, a fim de
estender a cada um os padrões fundamentais
de justiça e equidade.
[25]
Os argumentos próprios de Raz: o do poder explicativo, o da função e o da
autoridade do direito. De acordo com o argumento do poder explicativo, a versão
exclusiva do positivismo seria preferível por explicar melhor nossa concepção
de direito, sistematizando distinções relevantes, como valorações jurídicas e
morais: direito estabelecido ou não: aplicar e criar direito, dentre outras
distinções pré-teóricas. Waluchow questiona se as distinções apontadas por Raz
são as que uma teoria descritivo explicativa do direito exitosa deva buscar. Mesmo
que Raz tivesse razão nesse ponto, não haveria motivos para crer que o
positivismo inclusivo não conseguiria enfrentar estes pontos. Em uma sociedade
cuja constituição possua critérios morais para determinação do direito
expressamente incorporados (denominadas por ele de “sociedades de carta”), as
distinções referidas podem ser observadas, ainda que com matizes.