Genocídio: crime & barbárie

O genocídio é o "crime dos crimes", é a negação do direito à existência de grupos humanos inteiros, e tal negação do direito à vida comove a consciência humana, e tem causado grandes perdas à humanidade, na forma de contribuições culturais e de outro tipo representadas por esses grupos humanos, sendo contrário à lei moral e ao espírito das Nações Unidas que coordena todo o mundo civilizado. O genocídio é crime contra a humanidade, contra o estatuto do ser humano ou contra a própria essência da humanidade.

Fonte: Gisele Leite

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A contextualização histórica do genocídio é observada desde os antigos impérios que se formaram no século XIX e que estavam devastados, pois uma nova Inglaterra surgia através da industrialização, onde se buscava o crescimento econômico e político.

No Ocidente, podemos apontar a Alemanha e Itália que se encontravam em franca desvantagem econômica, porém, ao revés, de países como os Estados Unidos e França que estavam economicamente estáveis e politicamente fortalecidos, mesmo em razão dessa nova era que se principiava.

Nos primórdios do século XX, o período era denominado de "Era Extrema", onde vários impérios se formavam, porém, nenhum destes com populações predominantes seja no aspecto cultural e social. E, segundo Hobsbawm, o império otomano estava em plena desintegração, onde os povos nativos estavam em luta para se separarem e criarem nova população.

Foi por meio da Primeira Grande Guerra Mundial que os impérios foram mais aceleradamente se desintegrando e também as populações que não eram fortes predominantemente.

Com desintegração do Império Otomano, surgira grupo minoritário, aliando-se aos alemães, russos, franceses, ingleses e, tais povos era em sua generalidade cristãos e não possuíam uma residência própria, posto que estavam fragmentados por todo o império, motivo pelo qual, os povos, igualmente conhecidos como armênios, estavam passando por grandes adversidades, conforme relata

Samantha Power, in litteris:

"O mundo soubera que os armênios corriam grave perigo muito antes que Talaat e a liderança dos jovens Turcos ordenassem sua deportação. Quando a Turquia entrou na primeira guerra contra a Grã-Bretanha, França e Rússia, Talaat deixou Claro que o império perseguiria seus súditos" (Power, 2004).

Houve uma degradação em massa da população que habitava o Império Otomano, lançado contra a comunidade armênia, considerado para a época um dos acontecimentos brutalmente mais fortes contra a humanidade, ocorrido no início do século XX, entretanto, historicamente o governo turco, não concorda com tal denominação, alegando que na presente guerra, houve várias mortes de ambos os lados.

A recomendação dos países vencedores da Primeira Grande Guerra Mundial foi de introduzir um Tribunal para julgar países que cometessem crimes de guerra como a Alemanha, Áustria e Turquia. Porém, tendo sido os EUA um dos vencedores, este fora contrário a tal proposição, uma vez que segundo eles, a Alemanha já era responsabilizada econômica e politicamente pelo grande prejuízo gerado em grande parte dos territórios, bem como, através da imposição do Tratado de Versalhes, onde a Alemanha fora compelida a pagar e indenizar outros países mediante elevadas multas.

E, tal decadência acarretou mais tarde a ascensão do nacional-socialismo do Terceiro Reich ao poder, e, ipso facto, provocou a Segunda Guerra Mundial que operou genocídio sem precedentes.

Somente, a título de curiosidade, um grande influenciador após o final da Primeira Guerra Mundial, foi o advogado polonês Raphael Lemkin que procurou e lutou muito contra os crimes cometidos ao longo da guerra, principalmente, aqueles que envolveram os turcos contra os armênios, no início do século XX.

Em 1920, foi criado um partido que detinha grande poder na Alemanha chamado de Partido Nacional Socialista dos trabalhadores alemães[1] que tinha fortes convicções, ideias, pensamentos diferenciados e controvertidos, pautando-se em filosofia e doutrinas nacionalistas, através de poderosas propagandas, além de haver grave crise econômica que aumentou gradativamente os níveis inflacionários na Alemanha.

O referido partido se munia de discurso extremamente racista, antissemita e inflamando e, o líder desse partido, buscava a disseminação nacionalista e anticomunista, motivo pelo qual, geraram grandes influências deste partido no poder da época.

Merece destaque Joseph Goebbels[2], que foi o Ministro de Propaganda da Alemanha de Hitler e, elaborou grandes campanhas midiáticas e apontava que o grande inimigo da Alemanha eram os judeus, assim, com a promulgação das Leis de Nuremberg[3], grandes mudanças passaram a ocorrer na vida de judeus alemães, posto que a nova lei ditava inúmeras proibições de casamentos de povos não arianos[4] e não- arianos, proibia o crescimento econômico dos judeus, pois inviabilizavam seus comércios e atividades, além de que, impuseram a obrigatoriedade de serem identificados, usando uma estrela de Davi[5] em suas vestimentas.

O nazismo também se opôs ao comunismo soviético que, no entanto, historicamente, mal sabiam do grande presságio que iria se materializar no futuro próximo. Foi em 1938, os denominados nazistas se fixaram na região de Sudetos, onde possuía uma grande comunidade alemã que cria e seguia os propósitos de Hitler.

E, mesmo diante dessa imposição nazista, a Inglaterra e França preferiram abster-se, não obstante, estarem preocupados, tendo em vista que menosprezavam a Tchecoslováquia.

Apenas depois da invasão da Polônia em 1939 que a Inglaterra resolveu impor-se aos fatos e, veio a declarar guerra à Alemanha de Hitler, caso continuassem com o atentado.

E, assim a Segunda Guerra Mundial começou, no momento em que os nazistas ignoraram a ameaça e aviso da Inglaterra e resolveram invadir e declarar guerra contra os poloneses.

Nesse contexto foram criados grandes campos de extermínio, para trabalhos forçados, para que os alemães pudesse enviar aqueles que eram detidos e considerados como indesejáveis e não arianos[6].

Sendo os judeus, o grupo em minoria[7] nessa seleta denominação, que mais sofreram com o andamento da guerra, pois além de sofrerem com a imposição de trabalhos extremamente massacrantes e degradantes nos campos de concentração, eram também exterminados, quando os alemães utilizaram as Câmaras de Gás[8], queimavam seus corpos ainda vivos, gerando mortes instantâneas, exalando ainda grandes fumaças pelos campos, anunciando a morte em massa de crianças, idosos, mulheres e adultos judeus.

Em verdade, os grandes líderes mundiais da época tinham pleno conhecimento do extermínio praticado, tanto que denominaram de indústria da morte, porém, ao longo do conflito armado, pouco faziam para deter ou acabar com os fatos.

E, por meio de análises pós-guerra, por relatos de sobreviventes, documentações e vestígios da época, que historicamente pôde-se conhecer todo o sofrimento que os judeus foram submetidos, e até hoje se constatam por meio de filmagens de arquivo as pessoas desnutridas, moribundas e mesmo pilhas de cadáveres acumulados em valas cobertas de pessoas mortas.

Os judeus eram submetidos, também, aos experimentos científicos laboratoriais, farmacêuticos, onde os nazistas geraram grandes lucros através de experimentos feitos à época com corpos de judeus, pois eram consideradas meras cobaias humanas.

E, o mais absurdo de tais experimentos não tinha grande razão, apenas que os nazistas tinham o interesse da tentativa de nova mutação genética para que as futuras raças nascessem apenas denominadas "puras".

O holocausto[9] fora também um grande acontecimento histórico considerado crime contra a humanidade que traz lastros históricos até os dias presentes e, constataram-se que grandes atrocidades foram cometidas.

O Direito Penal fascista-nazista segundo Zaffaroni (2011) teve como característica a finalidade de proteger o Estado, gerando assim graves penas aos apenados condenados, por crimes políticos. O mesmo doutrinador preceitua que o nazismo tinha certa diferença do fascismo alemão, apelando para o conceito de comunidade do povo considerada a raça superior. E, nota-se que o direito penal tem a função no Estado alemão de punir quem for de outra raça, ou seja, que seja não-ariano.

E, conceitualmente, a abrangência do direito penal em decorrência dos regimes fascistas e nazistas, onde se nota que não possuíam a intenção de garantir a proteção do cidadão, em se cogitando da opressão fornecida pelo Estado.

O direito penal fascista se denominava aquele que esquece os ditames constitucionais e, se resguardou no punitivismo extremo. Já os direitos penais nazistas detinham e acreditavam na punição tendo em vista a origem genética, crenças, religião e ideologias, forma física e suas ascendências e descendência.

Atualmente, não são aceitos tais conceitos e legislação no ordenamento jurídico contemporâneo, porém, naquela época, predominavam plenamente.

Os direitos penais internacional, ao longo da implementação fascista e nazistas, violavam os direitos humanos e, eram denominados agentes do próprio Estado, pois acometiam imputabilidades, conforme seus conhecimentos, conveniências e ideologias.

Eram denominados com um partido único, motivo pelo qual, não havia espaço para se cogitar em respaldos e garantias, pois abordavam e resguardavam uma legislação amplamente punitiva, segundo o Código penal vinculado há época.

Zaffaroni preceituou que o nazismo tinha certas diferenças em relação ao fascismo alemão, apelando para um conceito de comunidade do povo considerada a raça superior. Pode-se notar que o direito penal tem a função no Estado alemão de punir quem for de outra raça, isto é, não-ariano.

A raça ariana, considerada “raça superior”, defendia-se da “contaminação das “espécies inferiores”, particularmente dos judeus, ciganos e negros. A comunidade do povo expressava-se juridicamente através do condutor, que era seu intérprete natural, o que se conhecia como “princípio do condutor”. Desta maneira, o condutor fazia as vezes de abelha rainha (Zaffaroni,2011).

Conforme Zaffaroni (2011) o direito penal não tinha como escopo os conteúdos punitivos e preventivos, sendo apenas uma segregação dos povos que não concordavam com a ideologia do suposto povo “ariano”. Não havia que se falar em poderes executivo, legislativo e judiciário, pois a época, apenas alguns detinham do poder, e esses eram confundidos entre si. Ainda, em 1935 o Código Penal Alemão, introduziu o poder sancionado, atribuído apenas ao Estado.

Zaffaroni (2011) descreve que 1935 foi eliminado o princípio da legalidade na Alemanha nazista, transformando o código penal que deveria ser taxativo em sua tipicidade penal, introduzindo a analogia e abrangendo o poder sancionador do estado. Em 1935, foi eliminado o princípio da legalidade, mediante a introdução da analogia penal, substituindo-se o art.2 do STGB pelo seguinte: é punível aquele que comete um ato que a lei declara punível. (Zaffaroni, 2011).

Partindo dessas premissas, o direito penal fascista garantiu e protegeu somente o Estado, acima de qualquer cidadão, a atuação de crueldades acometidas pelos nazistas aumentou, além do que, ficou completamente sem controle.

Zaffaroni (2011) lecionou que o sentimento do povo alemão era o critério decisivo para determinar os limites da legítima defesa.

Assim, os regimes da época fizeram com que os magistrados condenassem os cidadãos por crimes[10] que nem estavam previstos em lei, que não eram típicos, fazendo com que o povo alemão, fosse julgado e sentenciado por crimes que muitas vezes não haviam cometido.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, verificou-se a necessidade da abertura de uma lei que embasasse o direito internacional penal, para alcançar e resguardar os direitos humanos. E, através da Assembleia das Nações Unidas, em 1948, fora promulgada e aprovada o acordo que tombava as técnicas de genocídio, criado pelo jurista polonês, chamado Raphael Lemkin.

Com leis específicas, mas objetivos comuns, a então nova legislação que assegurava os direitos humanos, garantia a proteção, a dignidade da pessoa humana, fazendo com que fossem respeitados os direitos fundamentais, acordados através da Revolução Francesa e o advento da industrialização.

Canêdo (1999) ensina que a legislação internacional de direitos humanos foi ganhando força a partir de uma interpretação mais aberta de soberania dos Estados nacionais.

O surgimento definitivo da temática dos direitos humanos no campo internacional, bem como sua corporificação em instrumentos jurídicos internacionais, só foi possível à medida que a doutrina e a jurisprudência internacionais deram início a um processo de erosão da velha interpretação que preconizava o dogma da soberania absoluta do estado. (Canêdo, 1999)

Então, novas leis foram aprovadas por outros países com o fim de evitar novas práticas genocidas, de torturas, terrorismo e dizimação de populações inteiras, a autoridade imposta pelos Estados foi reposicionando e reavaliando questões que abrangesse sempre os direitos humanos, buscando o respaldo do princípio da dignidade da pessoa humana, atribuída pelas novas Constituições.

Cita-se como um dos estatutos mais memoráveis, quanto a busca pela proteção aos direitos humanos, o Estatuto implementado em Roma, pois estabeleceu o Tribunal Internacional Penal, como aquele capaz de sentenciar infratores dos crimes contra a humanidade, conforme prevê o artigo primeiro do Estatuto de Roma.

A referida abrangência se materializou, pois nunca havia tido um Tribunal de jaez internacional, capaz de julgar crimes bárbaros para assegurar os direitos humanos e, simultaneamente, pudesse julgar com a jurisdição própria e séria, crimes contra a vida da humanidade. O genocídio é o primeiro crime mencionado pelo referido Estatuto após as graves atrocidades cometidas durante o século XX.

In litteris:

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo. (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

Da mesma forma, o artigo 6°, alínea “a” tipifica o homicídio de membros de grupos; assim, em se falando da tentativa de exterminar uma parcela ou mesmo uma pessoa, caracteriza-se o dolo, sendo a vontade de matar, ou destruir a existência de determinado povo, enquadrando-se, portanto, como genocídio.

Outra questão de extrema relevância é no momento em que o Estatuto de Roma impõe medidas para resguardar o nascimento de determinados povos, que antes forçavam a esterilização das mulheres, assegurando a tipicidade do crime e o enquadrando como genocídio, conforme preceitua Canêdo (1999) “leciona que o caput da convenção já se encontra a tipificação do genocídio quanto a membros de um determinado grupo. O mesmo artigo tem como característica o dolo segundo o autor”.

Quanto ao exercício da jurisdição pelo tribunal penal internacional verifica-se:

O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5º, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se: Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15. (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

O termo "genocídio" fora criado por Raphael Lemkin, depois de sua fuga da Polônia, segundo sua opinião, o termo padecia de ambiguidade, anteriormente o crime era apenas denominado como assassinatos em massa, devido ao enorme número de mortes que era ocasionados por determinados povos com o fim de extingui-los como seres humanos. Entretanto, por sua enorme indignação do que estava acontecendo com seu povo, o jurista cunhou o termo para caracterizar o crime em massa.

Em se tratando do caráter punitivo, o crime ainda não era subentendido como um potencial sancionador, entretanto, apenas pelo fato de terem, agora, desenvolvido uma terminologia capaz de adequar e especificar o genocídio, o conhecimento atingiu milhares de pessoas. Porém, Power (2004), detinha o pensamento que futuramente, outras atitudes deveriam ser atentadas quanto ao genocídio, pois, somente a terminologia da palavra em si, não faria com que as mortes em massa cessassem.

Grandes interpretações foram ocorrendo ao longo da tentativa de denominação do crime em si, muito detinham o entendimento, de apenas pelo fato de ter a intenção de matar ou exterminar um povo em sua totalidade, já se enquadrava no crime de genocídio, outros, no entanto, entendiam que, a somente a prática poderia fazer com que uma pessoa fosse realmente submetida ao crime.

Mas a associação entre a solução final de Hitler e o termo híbrido de Lemkin causaria uma confusão interminável para autoridades e pessoas comuns, porque suporiam que o genocídio ocorria apenas quando fosse possível mostrar que o perpetrador das atrocidades tinha como Hitler o intuito de exterminar até o último membro de um grupo étnico, nacional ou religioso. (Power, 2004).

Ao final da segunda guerra mundial, conseguiu-se identificar o momento da abertura dos portões dos campos de concentração, apresentando o real horror vivenciado por aqueles povos, que apesar de não ser segredo para toda a nação, chocou todo o planeta, foram comprovadas as mortes de milhões de pessoas, sendo estas de determinados seleto grupo de pessoas, que em sua minoria, eram exterminadas, principalmente, em se tratando de povos judeus.

E, de acordo com Samantha Power[11], computa-se aproximadamente seis milhões de judeus assassinados, e, provavelmente cinco milhões de poloneses, ciganos, comunistas, entre outros povos foram executados.

O então advogado polonês Raphael Lemkin, buscava sempre alertar as comunidades internacionais acerca dos acontecimentos, e assim, à medida que as notícias iam se espalhando, sua notoriedade começou a ser vista mundialmente.

Assim, após muita luta, conseguiram que os crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial, começassem a ser julgados, e agentes e infratores que antes eram amparados por um Estado, estavam sendo condenados por crimes de guerra, tendo em vista os genocídios praticados.

Em se tratando da população mundial no pós-guerra, consegue-se identificar que muitos países foram severamente devastados e destruídos, precisando de ajuda financeira, principalmente citando como exemplo os países europeus; um plano denominado Marshall fora criado, e os Estados Unidos da América participou da reconstrução da Europa, que estava completamente em ruínas.

O problema, economicamente, estava tentando ser solucionado, doravante para que a questão geopolítica fosse restaurada, era necessária a criação de uma Organização, que pudesse amparar e servir de apoio em casos como este, assim, fora criado a ONU onde o mundo poderia recorrer para eventuais questões, e, tinha doravante o intuito de pacificar e conciliar com outros países.

Segundo entendimento de Lemkin, as condenações deveriam se basear em condenar os nazistas pelo crime efetivamente de genocídio, e não apenas pela denominação do crime de guerra ou de invasão de países, pois assim, a notoriedade e severidade das suas ações seriam maiores, perante o tribunal penal internacional.

Estados e indivíduos que não cruzassem uma fronteira internacional continuavam livres, aos olhos do direito internacional, para perpetrar genocídio. Assim, embora o tribunal fizesse um bom trabalho levando a julgamento Hitler e seus associados, Lemkin achou que isso nada faria para deter futuros Hitler. (Power, 2004).

Assim, com o passar do julgamento de Nuremberg, fazia-se necessário à criação de uma lei específica que pudesse defender a prática de genocídio.

O jurista Raphael Lemkin, ao longo da sua batalha contra o genocídio, sempre deixou claro o seu objetivo de concretizar a criminalização pelo crime em si, que acometia vidas e humanidade, pois de acordo com sua teoria, futuros povos poderiam coibir ações praticadas com o intuito de extermínio, e dessa forma, essas gerações não precisariam passar pelas experiências vivenciadas pelos seus antepassados quanto da Segunda Guerra Mundial

Em 1947, Lemkin estava assíduo em sua jornada contra o genocídio, e tentava captar diversos documentos, relatos e histórias que contavam os horrores feitos pelos nazistas, a fim, de que pudesse obter junto ao Tribunal Internacional Penal, uma aprovação de uma convenção específica para o tema.

 Samantha Power (2004), narra em seus livros, como Raphael Lemkin fora a Genebra, com o intuito de enfrentar o comitê jurídico apresentando provas, para ser de conhecimento de toda população mundial, principalmente dos membros daquele comitê.

Houve, assim, a aprovação pelo comitê jurídico de Genebra, acerca de um rascunho apresentado em favor da convenção, que fora submetido e levado ao conhecimento da Assembleia Geral, votada e aprovada, em dezembro de 1948.

Apesar de todas as provas concretas, a luta contra a aprovação do crime de genocídio fora uma questão complexa e de embates árduos, que envolveram conselheiros e comissários de toda a nação Unida.

Em 1952, através do governo de Vargas, o Brasil foi um dos primeiros países a aderirem à convenção, onde através do Congresso Nacional, fora aprovada e sancionada a lei, que em seu artigo continha a seguinte definição:

Na presente convenção entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional.

Étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A luta pelos direitos e aderência pela criminalização do genocídio foi árduo, entretanto, historicamente a aprovação pela ONU[12] e por diversos outros países, foi a chave principal para o avanço da legislação no tribunal internacional penal, para que eventuais atrocidades futuras, pudessem sem severamente punidas pelas suas práticas.

O crime de genocídio que atenta contra a humanidade e a vida, fora enquadrado na denominação de crime hediondo, qualifica o crime por sua natureza repulsiva e repugnante; é um crime inafiançável, insuscetível de perdão, indulto ou anistia; não admite ainda, liberdade provisória. São considerados abrangidos no tema aqueles crimes praticados por um grupo com a finalidade de extermínio, ainda que cometido por um único agente; e se tratando do genocídio, enquadra-se em hediondo, o crime tentado ou consumado, tal como podemos ver na LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990[13].

Art. 1º São considerados hediondos[14] os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:

I - O crime de genocídio, previsto nos artigos. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956; (LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990)

Realmente, LEAL (2003) conceitua crime hediondo como aquele que conforme as circunstâncias podem apresentar um elevado grau de repugnância (...) podemos dizer que hediondo é o crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana[15] (LEAL, 2003).

Quando atemos à moralidade, pode-se considerar um ponto de início para caracterizá-lo como hediondo, pois neste caso, ele altera o sentido moral da dignidade da pessoa humana, ferindo seus direitos humanos.

Segundo Leal (2003) descreveu que ontologicamente o crime hediondo tem respaldo em condutas éticas reprováveis pelo seu alto grau de perversidade da conduta. Por fim, a característica do crime considerado hediondo, não se confunde, pois dele pode-se verificar o alto grau de agressividade ao sujeito passivo, que gera repulsa e é de extrema gravidade contra a vida e a dignidade da pessoa humana.

Quanto à caracterização de sujeito ativo e passivo no genocídio, é necessário abordar tal tema, pois para que se enquadre no crime, é necessário que o crime passe pela punição atribuída à ótica penal. Segundo os ensinamentos de Canêdo (1999), ele informa que apenas o agente físico poderia ser sujeito ativo em um crime de genocídio.

Dessa forma, indaga-se qual a caracterização para o sujeito ativo de uma determinação ação, capaz de enquadrar um sujeito ao crime?

Assim, analiticamente devemos analisar qual seria a punição determinada pelos juristas quanto do julgamento do Tribunal de Nuremberg, que julgou os crimes de genocídio, durante o final da Segunda Guerra Mundial, motivo pelo qual, Canêdo (1999), dispõe que “O fato histórico de Nuremberg foi a condenação de entidades ligadas ao partido nazista como SS1, Gestapo e o Corpo de Líderes do Partido Nazista.”

Canêdo (1999) dispõe ainda, “que a convenção de prevenção contra a prática de genocídio (1948) prescreve a não responsabilização de pessoas jurídicas”. Acertadamente, a convenção de 1948 exclui a possibilidade da incidência de responsabilidade penal de pessoas jurídicas (art. 4° e 6°) (...) (Canêdo, 1999).

Doutro lado, a outra parte do sujeito pelo qual foi acometido o crime, há a figura do sujeito passivo, que se denomina por aquele ao qual o ato é praticado, tendo em vista uma conduta ilegal, conforme preceitua Zaffaroni (2011) “o sujeito passivo é o titular do bem jurídico tutelado.”

Canêdo (1999) no que lhe concerne, aborda o sujeito passivo questionando acerca do objeto material do crime de genocídio, pois para ele, “a nação atacada em parte ou em sua totalidade, caracteriza-se como sujeito passivo”. Em abordagem a caracterização e enquadramento do crime de genocídio, deve-se analisar também a tipicidade do crime, pois ao ser analisado pelas convenções internacionais, a sanção para a prática do referido crime, é denominada por seu tipo.

Dessa forma, apenas o ato de se atentar contra a dignidade, integridade, seja ela física ou mental, ou intelectual, de determinado povo seleto, é considerado crime de genocídio, pelos parâmetros do Tribunal Internacional Penal.

Assim, para o direito penal, a figura do tipo é de extrema importância, pois, é através dele que se pode enquadrar determinado crime da conduta antijurídica, caracterizando-o como crime culposo ou doloso, que no caso em questão, se trata do segundo, pois há a intenção de praticar.

Em se tratando do crime de genocídio, seu principal elemento é o dolo, ou seja, a vontade do sujeito em praticar aquele ato, cometendo o crime em questão, motivo pelo qual, Zaffaroni (2011) informe-se que o tipo penal é instrumento legal necessário e descritivo que tem como égide: individualizar a conduta antijurídica.

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo. (ESTATUTO DE ROMA)

Dessa maneira, finalizando o tratamento do crime de genocídio, pode-se perceber que apenas pela “intenção” de exterminar um determinado povo em todo ou em parte, já gera o enquadramento no crime; Zaffaroni (2011) define “dolo é o querer o resultado típico antijurídico da conduta praticada, o “agente quis o resultado” ao praticar a conduta”.

Atualmente, consegue-se obter muitas informações do que ocorrera durante a Segunda Guerra Mundial, e do terror e carnificina que os judeus foram acometidos durante toda a tentativa de extermínio nazista; são muitos filmes, relatos, depoimentos e histórias gravados ao longo da história, que nos fazem repugnar e a necessidade de se lutar por uma lei que ampara e resguarda padrões de comportamentos que nos leva ao genocídio.

Por fim, no Brasil, pode-se ver o amparo a essas questões principalmente na Lei 2.889/56, bem como na Constituição de Federal de 1988, que buscam resguardar e penalizar comportamentos inaceitáveis como estes. Vejamos:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. (LEI Nº 2.889, DE 1º DE OUTUBRO DE 1956).

Desde os vetustos tempos da colonização portuguesa, os povos indígenas no Brasil têm sofrido toda sorte de perseguições, ataques e doenças que contribuem para seu extermínio.

O genocídio dos povos indígenas em nosso país é registrado de longa data e, com a implementação do cultivo de cana-de-açúcar na costa brasileira. Esse procedimento consistiu no extermínio das populações indígenas, tanto pelos conflitos violentos, quanto pelas doenças trazidas pelos europeus. Nos tempos contemporâneos, o mesmo genocídio persiste com a negligência de direitos das populações indígenas no país.

E, segundo a FUNAI[16], a população indígena no país, em 1500 equivalia a aproximadamente três milhões de habitantes, dos quais cerca de dois milhões estavam aproximadamente no litoral. Já em 1650, esse número caiu para apenas setecentos mil e, em 1957, chegou a setenta mil indígenas, correspondendo ao número mais baixo registrado[17].

De acordo com o derradeiro censo demográfico realizado em 2010 pelo IBGE, há apenas 896 mil indígenas no Brasil, o que equivale a 29,9% da população estimada e existente para 1500, quando começou a colonização europeia.

Já em 16 de setembro de 2021, uma ação coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, prendeu 13 pessoas, além de apreender 64 aeronaves.

A região tem sido alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Porém, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.

Entre as aeronaves apreendidas durante a operação, estão aviões e helicópteros usados por garimpeiros para chegar à Terra Yanomami.

Além disso, também foram apreendidos 2 kg de mercúrio – muito utilizado para separar e extrair o ouro de rochas ou da areia e extremamente prejudicial ao meio ambiente e à saúde –, 75 mil litros de combustível, 611 munições, 500 metros de mangueiras de garimpos e 1.350 kg de cassiterita – a maior parte teria sido apreendida na região do Uraricoera, rio do qual os garimpeiros teriam extraído o minério.

A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente, crianças que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.

Contudo, além disso, a presença do garimpo ilegal na terra já resultou em cenários mais drásticos. No dia 28 de julho deste ano, um jovem indígena foi atropelado por um dos aviões usados pelos garimpeiros. O acidente aconteceu em uma pista na comunidade Homoxi, em Roraima. Edgar Yanomami tinha 25 (vinte e cinco) anos e morreu na hora.

Segundo o presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que divulgou a denúncia, os indígenas que vivem em Homoxi disseram que os garimpeiros ainda tentaram suborná-los com ouro para que eles não divulgassem nada sobre o atropelamento.

Ainda em 2021, o Brasil foi citado no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), como um caso de risco de genocídio, devido aos crimes contra as populações indígenas.

No início deste ano, os caciques Raoni Metuktire e Almir Suruí registraram uma denúncia, acusando o avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, os ataques do governo Bolsonaro às populações indígenas e o desmantelamento de agências ambientais brasileiras, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

 A denúncia aponta Jair Bolsonaro como responsável direto pelas mortes e pela violação de direitos contra povos indígenas brasileiros. Em maio de 2021, a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi) denunciou o presidente da República como responsável pela grave situação de contaminação de comunidades indígenas pela Covid-19 e pelo extermínio dos povos indígenas na Região Amazônica.

A morte da população indígena é promovida por outras doenças, como a varíola, o sarampo, a febre amarela ou mesmo a gripe comum, a Covid-19[18] tem exercido um grande papel no extermínio da população indígena no país.

A dificuldade encontrada por esses povos em obter atendimentos de saúde denuncia a sua vulnerabilidade ao vírus. Segundo dados fornecidos pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), já foram registrados 812 óbitos em função do vírus e 53.422 casos confirmados em terras indígenas[19].

Apesar dos números divulgados pelas instituições federais, a Apib alega falta de transparência nos dados da Covid-19, em relação aos povos indígenas. Segundo dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, organizado pela Articulação, há um total de 1.207 indígenas mortos pelo vírus e 59.234 casos confirmados. Diferentemente dos números oficiais, esse levantamento considera-se também em conta tanto o número de indígenas que vivem nos territórios tradicionais quanto os que vivem em contexto urbano.

Segundo a Apib, o primeiro caso confirmado de contaminação por Covid-19 entre indígenas brasileiros foi de uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no dia 25 de março, no município amazonense Santo Antônio do Içá. O contágio teria ocorrido por um médico vindo de São Paulo a serviço da Sesai, que estaria infectado com o vírus.

Hoje, os Kokama são o terceiro povo mais afetado pela doença, com 59 óbitos confirmados, seguindo os Xavante e os Terena, com respectivamente 79 e 65 mortes registradas.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 pode ser considerada um marco na conquista e garantia de direitos para os indígenas no Brasil. Enquanto o Estatuto do Índio[20] (Lei 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser “integradas” ao restante da sociedade, a Constituição de 1988 passou a garantir o respeito Ne a proteção à cultura das populações originárias.

No texto constitucional brasileiro vigente, os direitos dos indígenas sobre suas terras são definidos como “direitos originários”, isto é, anteriores à criação do próprio Estado e que levam em conta o histórico de dominação da época da colonização.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 que a APIB apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF)[21], em 1º de julho de 2020, apontou que a irresponsabilidade sanitária se aliou ao racismo institucional contra os povos indígenas, denunciando, não um risco, mas um fato: “está em curso um genocídio”!

As denúncias não se limitam ao descaso na prevenção e controle da Covid-19 entre os indígenas. Em novembro do ano passado, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e a Comissão Arns apresentaram informe ao Tribunal Penal Internacional (TPI), acusando o presidente Jair Bolsonaro de “crimes contra a humanidade” e “incitação ao genocídio contra os povos indígenas do Brasil”, incluindo na denúncia a redução da fiscalização e omissão no que diz respeito aos crimes ambientais na Amazônia.

A resposta veio pelo vice-presidente General Hamilton Mourão, que classificou a denúncia como um absurdo: “genocídio fez Hitler com os judeus, os turcos com os armênios, fez Ruanda nos anos 1990, fez o Stalin na União Soviética”.

O conceito de genocídio foi cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin (1900-1959), que publicou, em 1944, o livro Axis Rule in Occupied Europe (O regime do Eixo na Europa ocupada), no qual o genocídio é apresentado como uma técnica da ocupação nazista.

O termo é definido como um plano coordenado visando à destruição dos alicerces essenciais dos grupos nacionais ou étnicos, para aniquilá-los física e/ou culturalmente. Ou seja, a um genocídio físico ele associava um genocídio cultural – tendo sido o precursor do conceito de etnocídio, que seria mais bem definido em 1970 pelo antropólogo francês Robert Jaulin (1928-1996).

Para a conceituação de Lemkin sobre o genocídio, foi importante a reflexão sobre o colonialismo nas Américas, ou seja, o extermínio físico e cultural dos povos indígenas está associado à própria gênese do termo.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a concepção de genocídio de Lemkin foi parcialmente incorporada à Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948 – perdendo-se, entretanto, a dimensão do genocídio cultural.

O genocídio é definido como “atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, nas seguintes ações: “(a) assassinato de membros do grupo; (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; (d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo”.

O Brasil aprovou o texto da convenção em 1951, promulgando-o em 1952, e essa mesma definição foi estabelecida no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em 1998.

As definições presentes na Convenção de 1948 apresentam algumas limitações, além da exclusão do genocídio cultural. Uma delas é que apenas pessoas físicas respondem pelo crime de genocídio, não Estados, pessoalizando um processo essencialmente coletivo. Além disso, a exigência de intencionalidade para a condenação por esse crime traz vários questionamentos.

Quando a exploração econômica leva ao contato forçado com um grupo indígena, ocasionando mortes por conflitos ou contaminação, pode-se alegar que não houve intenção de destruição do grupo, mas tampouco houve cuidado para impedi-la, assumindo-se o seu risco. Tal concepção também limita que agentes públicos sejam acusados de genocídio por omissão ou conivência.

No Brasil, a lei que instituiu o crime de genocídio é de outubro de 1956, mas só há dois casos de condenação por este crime, ambos em relação a povos indígenas: os massacres da Boca do Capacete – em 1988, com quatro ticunas mortos, 23 feridos e 10 desaparecidos – e o de Haximu, em 1993, que vitimou 16 ianomâmis em área venezuelana. Na foto, aparecem sobreviventes deste último massacre.

Outra limitação não vem propriamente do conteúdo legal do paradigma estabelecido em 1948, mas de como as gerações o entenderam. Como afirma o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, em seu livro Genocídio indígena no Brasil, uma mudança de paradigma, de 2017, a associação do genocídio ao nazismo/Holocausto vinculou o seu conteúdo a mortes em massa, ação de Estado e motivação ideológica.

Isso restringe em particular o entendimento dos casos de genocídio indígena, quando não há mortes em massa (as vítimas constituindo número ‘relativamente pequeno’), quando o extermínio não se origina no aparelho do Estado ou quando a motivação principal não é ideológica, mas econômica, por exemplo.

Em entrevista de fevereiro de 1970, o então ministro do Interior José Costa Cavalcanti (1918-1991) declarou: “recuso formalmente a acusação de que o governo ou o povo brasileiro tenham em qualquer época praticado o genocídio contra os nossos índios”.

Entretanto, eram fartas as denúncias nacionais e internacionais de genocídio indígena durante a ditadura, relacionando-o à construção de estradas, como a Transamazônica[22], e à associação do regime com grandes empreendimentos mineradores, agropecuários e madeireiros. Ameaçava-se não apenas a existência material de milhares de indígenas, mas a preservação de suas formas tradicionais de vida.

O xavante Juruna fala no Tribunal Russell IV, em 1980, em Roterdã, Holanda, no qual três casos brasileiros foram indicados como violadores da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio: a violação dos indígenas aruaques e tucanos do Rio Negro por missões salesianas, com a conivência do Estado; o esbulho das terras e as ameaças às vidas dos guaranis e caingangue de Mangueirinha (Paraná), em uma articulação entre os órgãos públicos e empresas particulares; e a expropriação sistemática das terras do povo Nambiquara do Vale do Guaporé (MT).

O padre Antônio Iasi (1920-2015), vinculado ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na CPI do Índio de 1977, acusou de genocídio contra o povo Nambiquara a Fazenda Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Ações de agropecuárias, no Vale do Guaporé, envolviam queimadas e utilização do herbicida Tordon (agente laranja), devastando o meio ambiente e colocando em risco a própria vida dos indígenas. Em 1970, já havia surgido um termo que qualifica esses tipos de ação, em um contexto que envolvia também o uso do Tordon: ecocídio.

Além do genocídio indígena há também o ecocídio. Segundo o advogado Flávio de Leão Pereira, no artigo ‘Desenvolvimentismo e ecocídio’, de 2018, esse termo passou a ser usado por acadêmicos a partir de 1970, em referência à guerra herbicida dos Estados Unidos no Vietnã, aliando à destruição ambiental “uma possível catástrofe para a saúde”.

O conceito abarca da destruição de um ecossistema decorrente da ação humana às suas consequências para os povos que habitam esse território, desenvolvendo com ele relações de subsistência, identidade e pertencimento cultural.

Dos anos 1970 aos 1990, discutiu-se o estabelecimento do ecocídio enquanto crime internacional no âmbito da ONU, inclusive a sua incorporação ao Estatuto de Roma.

Uma das questões polêmicas que emergiram girava justamente em torno da intencionalidade, já que muitos defendiam que o ecocídio poderia ser decorrente, não de uma ação intencional, mas da exploração econômica.

A despeito das tentativas, o crime acabou não sendo tipificado até hoje, mas ainda existem muitas iniciativas no sentido de corrigir isso, em grande medida porque, como lembra Flávio de Leão Pereira, o ecocídio é uma dimensão fundamental do genocídio e etnocídio indígenas.

Essa associação já era evidente nos anos 1970. A política do governo militar para a Amazônia a concebia como área estratégica para a segurança e o desenvolvimento nacional, daí os inúmeros projetos de colonização e exploração econômica da região, e lemas como “integrar para não entregar”.

Os números da destruição podem ser conjecturados a partir dos primeiros dados anuais de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1988, quando estimou-se devastação de assustadores 21 mil km², como lembra o jornalista Rubens Valente em coluna de setembro deste ano no portal UOL.

O botânico Ricardo Cardim, em recente pesquisa sobre a história do desmatamento da Amazônia, encontrou fotorreportagens e anúncios bastante ilustrativos da maneira como a natureza era vista pela política desenvolvimentista do governo militar: uma mistura de recurso a ser explorado e inimigo a ser vencido.

Da esquerda para a direita, as imagens mostram uma reportagem de outubro de 1970 da revista Manchete sobre a construção da Transamazônica; uma publicação de novembro de 1972 da revista “Isto é Amazônia”, da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam); e um anúncio da empresa Netumar.

A extensão do extermínio de indígenas associado ao desenvolvimentismo predatório é dificílima de avaliar. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma ser possível estimar ao menos 8.350 indígenas mortos com responsabilidade do Estado entre 1946 e 1988, além de muitos outros casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para desencorajar estimativas.

Depois da redemocratização brasileira, os números do desmatamento caíram significativamente, mas a ação do Estado continuou ameaçando o meio ambiente e a sobrevivência física e simbólica dos povos indígenas. Exemplo disso é a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, iniciada pelo ex-presidente Lula e inaugurada no governo Dilma Rousseff.

Seu legado de impactos ambientais, sociais e culturais para ribeirinhos e nove povos indígenas motivou o Ministério Público Federal a qualificar, em ação de 2015, a atuação do Estado brasileiro e da Norte Energia S/A como “ação etnocida”.

De acordo com o Inpe, o Pantanal teve em 2020 o pior outubro da história, com 2.825 focos de fogo, enquanto a Amazônia ultrapassou, entre janeiro e outubro, os números de todo o ano de 2019, registrando 89.604 focos.

Já o desmatamento[23] nesse bioma aumentou 34% entre agosto de 2018 e julho de 2019, e mais 9,5% no mesmo intervalo entre 2019 e 2020, alcançando a maior área devastada desde 2008: 11.088 km².

As consequências para os povos indígenas são evidentes. Segundo o sítio Repórter Brasil, cerca de 60% das terras indígenas já foram atingidas por mais de 115 mil focos de incêndio até 29 de outubro deste ano. Watatakalu Yawalapiti, do Parque do Xingu, alertou: “perdemos muitas lideranças, nosso povo tá morrendo [de covid-19] e, para piorar a situação, nossa casa, que é nossa farmácia e nosso supermercado, está pegando fogo”.

Em registro do fotojornalista Lalo de Almeida, publicado em setembro de 2020 na Folha de S. Paulo, crianças do povo Guató brincam entre galhos de árvores contorcidos pelo fogo. Entre janeiro e setembro, incêndios destruíram 88% da Terra Indígena Baía dos Guató, no Pantanal mato-grossense, de acordo com o portal Repórter Brasil.

O Mapa produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA) monstra a incidência de focos de calor dentro da bacia do Xingu, três quartos dos quais coincidem com áreas desmatadas entre 2018 e 2020. Segundo o portal Repórter Brasil, o Parque Indígena do Xingu, situado nessa bacia, foi a terra indígena mais afetada por incêndios entre janeiro e outubro deste ano: 10.502 focos, representando aumento de 251% em relação ao ano passado.

Há muitas evidências associando as queimadas à abertura de pastos. Enquanto isso, o governo vem promovendo um desmonte ambiental, com Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente, que paralisou o Fundo Amazônia[24], reduziu a aplicação de multas, não executou todo o orçamento para fiscalização e prevenção a incêndios e exonerou, ou substituiu por militares, servidores experientes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)[25].

Assim, apesar de Salles ter proposto, em reunião interministerial de abril deste ano, aproveitar a pandemia para “passar a boiada” (flexibilizando regras ambientais), ela já o estava fazendo.

Esse cenário de ecocídio está associado à principal dimensão do genocídio indígena: as invasões de terras. Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com dados de 2019, as invasões às terras indígenas aumentaram 134% entre 2018 e 2019.

Atualmente, tramitam vários projetos visando à exploração de terras indígenas, como o PL 191/2020[26], do próprio presidente, que propõe regulamentar a mineração e construção de hidrelétricas nesses territórios.

Entretanto, talvez a principal ameaça aos direitos territoriais dos índios seja a tese jurídica do ‘Marco temporal’, que entende que esses povos só possuem direito à demarcação das terras que estivessem ocupando na data da promulgação da Constituição de 1988.

Se o Judiciário aceitar essa tese, serão negligenciados toda a violência e os processos de desterritorialização que os povos indígenas sofreram ao longo de séculos, notadamente durante a ditadura militar, bem como o direito originário ao território, reconhecido pela mesma Constituição.

O Estado brasileiro é, historicamente, genocida na sua relação com os povos indígenas, processo inextrincável de uma ação ecocida. Se as limitações jurídicas do termo genocídio e sua associação ao Holocausto muitas vezes inibem essa constatação, é importante deixar evidente que, para além de termo jurídico, genocídio é um conceito histórico e sociológico, que analisa processos de longa duração e transborda acusações sobre indivíduos específicos.

É inegável que esse Estado promove, pela ação direta ou pela conivência e omissão, a destruição física e cultural dos povos indígenas, em uma associação direta com a exploração econômica e fundiária.

Obra do artista macuxi Jaider Esbell tematizando o longo processo de genocídio dos povos indígenas brasileiros. Faz parte do livro/obra Cartas ao Velho Mundo (2018/2019), composto de um livro de história da arte comprado em um sebo com intervenções em marcador permanente sobre suas páginas.

O livro/obra foi apresentado em uma turnê na Europa e exposto na França.  Foi apresentado na Bienal de São Paulo, em 2021, por meio de reproduções fotográficas de 1m x 1m de suas páginas.

O líder indígena Ailton Krenak[27], em entrevista ao antropólogo Pedro Cesarino em 2016, afirmou que o “branco” (não índio) quer imprimir sua marca sobretudo, criando uma única paisagem: “Ora, se virar única, então não é paisagem. A natureza da paisagem é a pluralidade, a diversidade, é a sucessão. […] Quando nós acabamos com todas as paisagens da terra, nós entramos em coma”.

Com uma vida não predatória ao meio ambiente, os povos originários são fundamentais na preservação da biodiversidade e do equilíbrio climático do planeta. Na Amazônia, por exemplo, o desmatamento em terras indígenas demarcadas é 66% menor em comparação às áreas não demarcadas, como mostra estudo recente publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

O binômio genocídio-ecocídio[28] empreendido pelo Estado brasileiro é decorrente justamente da sua incapacidade de aceitar a pluralidade, de conviver com corpos e paisagens que não existem para produzir em seu nome.

Em 1976, o então ministro do Interior Maurício Rangel Reis (1922-1986) afirmou que “os índios não podem impedir a passagem do progresso”.

No ano de 2021, o presidente Jair Bolsonaro declarou que o Cimi “incita os índios contra o progresso”. Mas esse progresso, construído sobre a destruição de paisagens e corpos, é progresso para quem? À custa de quantas vidas indígenas mais? Quanto tempo até, finalmente, nos darmos conta da iminência do coma?

O Brasil fora citado em 28 de junho de 2021 pela primeira vez no Conselho de Direitos Humanos da ONU como um caso de risco de genocídio, devido aos crescentes crimes contra as populações indígenas. A menção foi feita por Alice Wairimu Nderitu[29], conselheira especial para prevenção de genocídio, em relatório apresentado em sessão regular do conselho[30].

Em seu derradeiro relatório no fim de 2020, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou que os casos de violência contra indígenas no Brasil praticamente dobraram no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.

Segundo o Estatuto de Roma, o regimento que descreve os crimes que podem ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), o crime de genocídio configura "atos perpetrados com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Isso pode se dar através da morte de membros do grupo; lesão grave à integridade física ou mental dos membros do grupo; infligir intencionalmente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física no todo ou em parte; medidas destinadas a evitar nascimentos dentro do grupo; transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Conclui-se que no sistema jurídico pátrio há a repressão ao crime de genocídio em nível constitucional e infraconstitucional e, ainda, prevê o artigo 3º do texto constitucional brasileiro vigente a promoção do bem de todos de forma equitativa, independentemente de etnia ou raça. Adiante, no artigo 4º há o repúdio às práticas de intolerância, de racismo e genocídio, consagrando o princípio constitucional como direito fundamental, por essa razão os crimes dessa natureza são inafiançáveis e imprescritíveis, de acordo com o artigo 5º, inciso XLI e XLII da CFRB/1988.

A Lei de nº 2.889/56, recepcionada pela Constituição de 1988, aborda expressamente o crime de genocídio, tipificando penas e condutas relacionadas à “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (art. 1º, da lei de n. 2889/56).

Ademais, o Código Penal Brasileiro prevê desde 1984 o crime de genocídio cometido por brasileiro ou domiciliado no Brasil, in verbis:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – os crimes: d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984).

O legislador brasileiro editou a Lei de nº. 7.716 de 1989, que tratava do racismo, trazendo em sua exposição de motivos a vontade de inclusão social dos negros. Em 1997, a Lei de nº. 7.716, conhecida como Lei do Racismo, foi alterada pela Lei de nº. 9.459 de 1997, que incluiu as questões de etnia[31], religião e nacionalidade no rol de discriminações.

Em sua exposição de motivos o legislador apontou a intenção de reprimir grupos neonazistas no Brasil.  O legislador pátrio explicita de forma clara, que não prepondera o direito fundamental de liberdade de expressão, como se infere no trecho in verbis abaixo:

“Nesta hipótese não há que se cogitar em conflito de direitos. O princípio de liberdade de expressão, conquanto não se configure em sua plenitude, sede lugar ao que coíbe a discriminação racial e, sobretudo, decai perante o princípio cardial da dignidade humana”.

O novo teor da Lei do Racismo, a lei passou a reprimir e a criminalizar o crime de genocídio, prevendo de forma expressa a questão do nazismo no §1º, do art. 20, in fine:

 Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Chegou ao Supremo Tribunal Federal a questão do nazismo, considerado no julgado como crime de racismo violador da constituição e do sistema infraconstitucional.

Este julgado emblemático que chegou ao STF trata-se do Habeas Corpus 82.424/RS, em que se verificou a legalidade da prisão de Siegfried Ellwanger, condenado pelo crime de racismo, configurado por comerciar livros que faziam apologia a perseguição aos judeus, negando a existência do holocausto.

Na decisão deste julgado em 2003 ficou assentado que a prisão era legal, pois o crime que Siegfried Ellwanger[32] havia cometido era de racismo ao discriminar os judeus, não estando abarcado pelo direito fundamental de liberdade de expressão.

Note-se que a questão central em debate no HC 82.424/RS era a imprescritibilidade do crime de racismo, prevista no art. 5º, inciso XLII, da CFRB/88, tendo em vista que o impetrante alegava a prescrição do crime de apologia ao nazismo (art. 20, caput, Lei do Racismo). Portanto, a jurisprudência do STF define como imprescritível o crime de discriminação social, o que inclui o antissemitismo.

Em síntese, o ordenamento jurídico brasileiro vigente prevê e tipifica o crime de genocídio, bem como reprime as práticas de nazismo, em respeito ao princípio-mor da preservação da pessoa humana e ao princípio constitucional da igualdade de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Cumpre ressaltar ainda, não obstante longos períodos ditatoriais ocorridos no Brasil, não se alcança na realidade brasileira um Estado Totalitário, o que se reflete na legislação que não aborda de forma direta e expressa sobre os mesmos.

A análise dogmática do genocídio é relevante para prover a limitação da abrangência do alcance do tipo. Faz com que sua incidência seja precisa e eficaz, respeitando o princípio da legalidade do direito penal.

O etnocídio significa causar a destruição da cultura de um grupo ou nação. O termo é associado à noção de genocídio cultural. Nelson Hungria e Heleno Fragoso entendem ser o termo em comento uma modalidade de genocídio.

E, os doutrinadores indicam a previsão da perda cultural de uma nação como espécie de genocídio, prevista no projeto de Convenção Internacional para a prevenção e repressão do genocídio. Desta forma, a relação entre genocídio e etnocídio seria de gênero e espécie. Aquele seria gênero, no qual este, seria a espécie. De fato, um é mais abrangente, englobando o conteúdo do outro, o qual é mais específico, restrito e individualizado.

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ZAFFARONI, Eugenio Raul. Doutrina Penal Nazista. A Dogmática Penal Alemã Entre 1933 a 1945. Tradução e Comentários de Rodrigo Murad do Prado. Florianópolis: Tirant io Bianch, 2019.

Notas:

[1] Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Alemão: Sobre este som Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei abreviado NSDAP), mais conhecido como Partido Nazista (português brasileiro) ou Nazi (português europeu), foi um partido político de extrema-direita cujo programa e ideologia (Nacional Socialismo) ficou marcado pelo antissemitismo radical, nacionalismo e rejeição a democracia e ao marxismo. O líder do partido de 1921 a 1945 foi Adolf Hitler, que foi nomeado Chanceler da Alemanha pelo presidente Paul von Hindenburg em 1933. Hitler rapidamente estabeleceu um regime totalitário e unipartidário conhecido como o Terceiro Reich. O partido surgiu a partir do nacionalismo alemão combinado à cultura paramilitar racista e populista dos Freikorps, que lutaram contra os levantes comunistas na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. O partido foi criado como um meio de chamar os trabalhadores para longe do comunismo e reaquecer seu nacionalismo völkisch.  Inicialmente, a estratégia política nazista focou em antigrandes empresas, antiburguês, e a retórica   anticapitalista, embora esses aspectos foram posteriormente minimizados a fim de ganhar o apoio das grandes entidades industriais, e em 1930 o foco do partido mudou para antissemita e antimarxistas. Para manter a suposta pureza e força de uma "raça superior a raça ariana", os nazistas tentaram exterminar ou impor segregação excludente sobre os "degenerados" e grupos "antissociais", que incluía: Judeus, homossexuais, ciganos, negros, a deficientes físicos e mentais, as Testemunhas de Jeová e os adversários políticos. A perseguição atingiu o seu auge quando o Estado alemão controlado pelo partido organizou o assassinato  sistemático de cerca de seis milhões de judeus e cinco milhões de pessoas dos outros grupos-alvo, no que se tornou conhecido como o Holocausto.

[2] "Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. Essa célebre frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, permite refletir acerca do papel das "fakes News “ou "hoax" (termos ingleses para notícias falsas) na sociedade. Estas acabam por exercer controle sobre o indivíduo e, por fim, nas decisões importantes, por exemplo, as eleições. "Joseph Goebbels ficou marcado na história como uma das mentes por trás do nazismo. Foi o ministro da Propaganda da Alemanha Nazista e, portanto, liderou toda a publicidade do regime, promovendo a exaltação da personalidade de Adolf Hitler e sua ideologia. Ele também providenciou a “revolução cultural” proposta pelo nazismo e realizava a censura e perseguição a todas as ideias antinazistas e que não se encaixavam no ideal de cultura proposto por Hitler. Além disso, foi responsável pela criação da estética nazista, realizou a queima de livros considerados “antialemães” e intensificou o antissemitismo na sociedade alemã por meio da propaganda. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi o responsável por produzir toda a propaganda de guerra nazista. Em razão da derrota do nazismo, Goebbels cometeu suicídio em 1945."

[3]As Leis de Nuremberg foram leis antissemitas criadas pelo Partido Nazista em 1935 e criaram legislação que ampliou a discriminação contra os judeus na sociedade alemã. "Ao todo, as Leis de Nuremberg eram um conjunto de três leis, que foram aprovadas no mesmo dia e ampliavam o aparato de perseguição contra os judeus na Alemanha. Por meio dessas leis oficializou-se a exclusão dos judeus daquela sociedade, uma vez que os judeus perderam o direito à cidadania. As Leis de Nuremberg foram fundamentais na construção e consolidação do ódio contra os judeus na sociedade alemã. Essas pequenas violências contra os judeus a longo prazo resultaram no Holocausto, o genocídio de judeus realizado durante a Segunda Guerra Mundial.

[4] O vocábulo "ariano" tem longa história. Ab initio foi usada para se referir aos grupos de pessoas que falavam variedade de línguas relacionadas entre si, incluindo a maioria de línguas europeias e outras asiáticas. Depois, adquiriu significados novos e diferentes. no final do século XIX e início do século XX, alguns intelectuais e outros transformaram os arianos em uma raça mítica que eles afirmavam ser superior as demais raças. Na Alemanha, os nazistas promoveram essa falsa noção que tanto glorificava o povo alemão como membro da raça ariana, enquanto difamava os judeus, ciganos (roma e sinti), como negros nomeados de "não arianos".

[5] Estrela de Davi (do hebraico Magen David, que significa escudo de Davi) é um símbolo usado por seguidores do Judaísmo. Possui diversas interpretações e está presente em várias manifestações culturais e religiosas. A Estrela de Davi está ligada à realeza; antigamente, vários guerreiros do povo de Israel usavam-na nos escudos durante as batalhas.

[6] A Alemanha de Hitler, afirma Bobbio, foi “um Estado racial no sentido mais pleno da palavra, pois a pureza da raça devia ser perseguida não só eliminando indivíduos de outras raças, mas também indivíduos inferiores físico ou psiquicamente da própria raça, como os doentes terminais, os prejudicados psíquicos, os velhos não mais autossuficientes (BOBBIO, 2002, p. 128-129).

[7] Minoria é, pois, uma categoria relacional, que adquire conteúdo semântico contextualmente. A contextualidade relacional fática determina as posições de sujeitos, possível de serem observadas em precedentes judiciais. O Poder Judiciário, portanto, ganha centralidade no contexto da luta pelo reconhecimento de novos direitos, pela função vanguardista assumida em algumas decisões. Por esse motivo, os precedentes indicam quais são os parâmetros utilizados pela construção linguística da realidade pelo Direito, quais os limites apresentados pelo pensamento judicial brasileiro hodierno, bem como as possibilidades argumentativas que alcançam as demandas de reconhecimento relativas às chamadas minorias.

As chamadas minorias parlamentares são compreendidas como “representação partidária que, sendo a segunda em número de membros, em relação ao Governo, expresse posição diversa da maioria.”81 Em matéria de Comissão Parlamentar de Inquérito, consolidou-se o entendimento de que seja parte do “direito das minorias parlamentares” o pedido de instauração de CPI; nesse caso, a minoria corresponde à terça parte dos membros da Casa legiferante (ADI 3619/SP, julgado em 01/08/2006, Rel. Min Eros Grau. DJ 20/04/2007, pp.00078). Tal direito, que encontra fundamento no art. 58, §3°, da Constituição Federal, [...] garante a eficácia dos princípios da democracia, da representação de todos os segmentos da sociedade, incluída ao da minoria que cumpre papel institucional inerente ao regime, e o do controle, sem o que não há possibilidade de se cogitar de desempenho republicano. (ADI 3619/SP. Voto Min. Cármen Lúcia.)

[8] Uma câmara de gás é um dispositivo para matar seres humanos ou outros animais com gás que consiste em uma câmara fechada na qual um veneno ou gás asfixiante é introduzido. Os agentes tóxicos mais vulgarmente utilizados são cianeto de hidrogênio, dióxido de carbono. O monóxido de carbono também têm sido utilizado. As câmaras de gás foram usadas ​​como um método de execução de prisioneiros condenados nos Estados Unidos no início dos anos 1920. Durante o Holocausto, foram projetadas câmaras de gás de grande escala para assassinato em massa cometidos durante a Alemanha nazi como parte de seu programa de genocídio. Em seu livro, Le Crime de Napoléon, o historiador francês Claude Ribbe afirma que no início do século XIX Napoleão usou gás venenoso para acabar com rebeliões de escravos no Haiti e Guadalupe. Com base nas contas deixadas por oficiais franceses, Ribbe alega que os espaços fechados, incluindo o porão dos navios foram usados ​​como câmaras de gás improvisadas onde gás dióxido de enxofre (provavelmente gerado pela queima de enxofre, que teria sido prontamente disponível a partir de vulcões na área) foi usada para executar até 100.000 rebeldes escravos. Essas alegações permanecem controversas.

[9] "Holocausto é o nome que se dá para o genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial e que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos etc. De toda forma, o grupo mais foi vitimado no Holocausto foi o dos judeus. Estes, por sua vez, preferem referir-se a esse genocídio como Shoah, que em hebraico significa “catástrofe”."

[10]Diante de grande aumento dos crimes de ódio e a crescente naturalização da violência e da intolerância e a falta de políticas públicas enfáticas e eficazes no combate de tais manifestações criminosas. Aliado ainda o caráter alienante e apassivador da democracia liberal contemporânea deu origem ao ambiente que propicia e ainda alimenta (porém, não determina) a anestesia diante de toda sorte de desigualdades, injustiças, perdas de direitos e da violência cotidiana. A democracia liberal contemporânea tende a naturalizar a barbárie e reprimir as raras manifestações de insatisfação e descontentamento. A particularidade dos crimes de ódio é que ultrapassa um fato específico entre a vítima e o agressor, promovendo o medo, angústia e insegurança em toda uma comunidade, grupo social ou minoria. A ação perpetrada emana sempre uma mensagem de ódio que humilha, fragiliza e ameaça um conjunto muito maior de pessoas, além de carregar o grande potencial de incitar seguidores.

[11] Samantha Power é professora da Universidade de Harvard, foi embaixadora dos EUA na ONU. Em 2003 ganhou o prêmio Pulitzer pelo seu livro Genocídio: A retórica americana em questão em referência importantíssima para qualquer pessoa que queira estudar o tema.

[12]A definição da ONU, essas ações incluem: assassinatos de membros de um grupo; infligir sérios danos físicos ou psicológicos a membros do grupo; criar condições que ameacem a vida de membros do grupo, com capacidade de destruí-lo total ou parcialmente; implementar medidas para impedir nascimentos no seio do grupo; e a transferência forçada de crianças para outro grupo.

[13] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm

[14]O crime hediondo é o que causa intensa repulsa na sociedade. São delitos de natureza grave e que atingem o bem jurídico vida, tal como os homicídios, latrocínios, genocídio e, etc. Ou ainda que sua proporção atinja a todos, direta ou indiretamente como o tráfico de drogas e o crime organizado. A Lei de Crimes Hediondos possui aspecto muito punitivista e, sendo rígida no âmbito do processo criminal. Com o tempo, o STF foi esvaziando a lei, já que em diversos pontos iam contra os princípios constitucionais. Temos ainda, os crimes equiparados aos hediondos, eles não estão elencados na Lei 8.072/90, mas estão presentes na Constituição Federal brasileira vigente, sendo eles: tráfico de drogas, tortura e terrorismo. É considerado hediondo o crime seja os crimes consumados ou tentados. Foram acrescentados ao rol de crimes hediondos, o crime de: genocídio, porte ou posse de arma de fogo de uso proibido ou restrito, organização criminosa desde que constituídas para realização de crimes hediondos.

[15] A conquista de direitos sociais, bem como dos direitos políticos, imprime ainda uma mudança de ideias quanto à função do Estado, tido não somente como representante de todos e garantidor de direitos, mas também responsável pelas condições de vida e bem-estar (MARSHALL, 1967). Recuperando a perspectiva socialdemocrata clássica, Marshal chega a perceber um potencial ameaçador desses direitos ao capital, uma vez que o compromisso do Estado com o bem comum seria cobrado não mais somente através do contrato, mas principalmente através da militância e do poder de ingerência e governo das classes subalternas. Assim, pode-se notar a linearidade da abordagem de Marshall, bem como a dinâmica de “efeito dominó” que marca o encadeamento entre as gerações de conquista de direitos.

[16] Histórico da legislação sobre indígenas.

1570 - Primeira lei contra o cativeiro indígena.

1609 - Lei reafirmou a liberdade dos indígenas brasileiros.

1686 - Decretação do Regimento dos Missões.

1755 - Aprovado o Decreto que visava através de medidas específicas

à integração do índio na vida da Colônia.

1758 - Fim da escravidão indígena. Directório foi estendido à toda

América Portuguesa.

1798 - Abolido o Directório.

1845 - Aprovado o Regulamento das Missões.

1910 - Criado o Serviço de Proteção do Índios.

1952 - Rondon criou o Projeto Parque Nacional do Xingu.

1967 - Criação da Fundação Nacional do Índio FUNAI.

1973 - Estatuto do Índio. Lei 6.001.

1979 - Criação da União das Nações Indígenas.

1988 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1989 - Convenção 160 da OIT sobre os povos indígenas e tribais.

2007 - Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

2016 - Conselho Nacional da Política Indigenista. CNPI. Decreto 8.593.

[17] Estima-se que dos 2,5 milhões de povos indígenas que viviam na região que hoje compreende o Brasil na época da chegada de Cabral, menos de 10% sobreviveram até os anos 1600. A principal razão para o despovoamento foram doenças como a varíola, que avançaram muito trazidas involuntariamente pelos europeus.

[18] O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, criado em 1999 (Lei nº 9.836/99, conhecida como Lei Arouca), é formado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) que se configuram em uma rede de serviços implantada nas terras indígenas para atender essa população, a partir de critérios geográficos, demográficos e culturais.

[19] A Constituição federal brasileira de 1988 estabeleceu que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Os índios têm a posse das terras, que são bens da União. “A necessidade de demarcação da terra indígena é a espinha dorsal de toda a luta ancestral da população indígena no Brasil. Recentemente, tivemos alguns avanços nos direitos na demarcação da terra, o maior exemplo foi a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol”, avalia Proença. O advogado chama a atenção para ameaças e “possibilidades de retrocesso” nesse quesito. “Qualquer exploração econômica da terra dentro da comunidade indígena deve ficar a cargo exclusivamente da população indígena. Deve ser respeitada a sua autonomia, e os lucros, os ganhos dali provenientes devem ser geridos autonomamente pela população indígena.”

[20] É característica comum das várias etnias indígenas brasileiras a valorização e o contato com a natureza, sendo que o modo de vida tribal, antes da ocupação violenta do homem branco no território brasileiro, permitia a caça, a coleta e a agricultura familiar como modos de subsistência dos povos indígenas. Ele foi criado porque a Constituição Federal de 1967, a última que tivemos antes da atual de 1988, estabelecia em seu artigo 198 que: Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. -§ 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. § 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a  Fundação Nacional do Índio. Como se nota, a Constituição Federal de 1967 garantiu aos índios a posse permanente e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais das terras que ocupam, atribuindo à lei federal a tarefa de regulamentar essa garantia. Desta forma, fez-se necessário instituir o Estatuo do Índio estabelecendo conceitos, princípios e regulamentando os direitos e deveres dos indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à sociedade.

[21]Em 06.05.2022 o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a União complemente em 30 dias todos os dados de saúde, epidemiológicos e populacionais indígenas, em formato semelhante ao utilizado para as informações sobre os demais brasileiros. Se o prazo não for cumprido, será aplicada multa de R$ 100 mil por dia definida em decisão anterior.  A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou dados parciais do Ministério da Saúde (MS) solicitados em decisão anterior e pediu prorrogação ao STF. O ministro rejeitou e ressaltou que tais dados têm sido reiteradamente requisitados à União. Contudo, para não deixar dúvida sobre seu empenho para que o processo alcance resultado útil sem medidas mais drásticas, deixou de impor a multa que já havia sido firmada – R$ 100 mil por dia de descumprimento. A decisão foi proferida em embargos de declaração apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) após decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, protocolada em julho de 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos políticos, visando à adoção de providências no combate à epidemia de covid-19 entre a população indígena.

[22] "A Transamazônica, ou Rodovia Transamazônica (BR-230), foi construída no decorrer do governo de Emílio Garrastazu Médici, entre os anos de 1969 e 1974. Uma obra de grande proporção que ficou conhecida como uma “obra faraônica”. Para o desenvolvimento da obra, o governo conduziu para a região aproximadamente quatro mil homens (entre 1970 e 1973), isso com o intuito de abrir estradas e estabelecer a comunicação entre as cidades. A execução do projeto aconteceu em um período de regime militar no Brasil, a rodovia tornou-se a terceira maior do país, com quatro mil quilômetros, percorrendo os estados da Paraíba, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. A Transamazônica corta o Brasil no sentido Leste-Oeste, por isso é considerada uma rodovia transversal, no entanto, em grande parte, não é pavimentada. Os extremos da rodovia são respectivamente em Cabedelo (Paraíba) e Lábrea (Amazonas)."

[23] As ramificações da extração ilegal de madeira, mineração ilegal, agricultura e pecuária com passivo ambiental e desmatamento se relacionam com fraudes, crimes financeiros e tributários, tráfico de drogas e de pessoas, lavagem de dinheiro, corrupção e organizações criminosas, posse de explosivos e crimes violentos. A lei nº 9.605 classifica os crimes ambientais em cinco tipos: Crimes contra a fauna; Crimes contra flora; Poluição e outros crimes ambientais; Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural; Crimes contra a administração ambiental.

[24] O Fundo Amazônia é um mecanismo de financiamento criado para arrecadar recursos – nacional e internacionalmente – que são investidos, majoritariamente (80% do total), em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia, além de ações de conservação e do uso sustentável do bioma. O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais.

[25] O presidente da República brasileira eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), confirmou que terá novamente à frente do Ministério do Meio Ambiente a ex-senadora e deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP). Marina foi ministra do Meio Ambiente de Lula entre 2003 e 2008. O retorno à pasta ocorrerá em 2023, 15 anos após deixar o cargo e o Partido dos Trabalhadores, concorrer três vezes à presidência e fundar o partido Rede.

[26] Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas.

[27]Ailton Alves Lacerda Krenak OMC, mais conhecido como Ailton Krenak (Mantena, 29 de setembro de 1953), é um líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia indígena crenaque. Ailton é também professor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e é considerado uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro, possuindo reconhecimento internacional. Em 2000 protagonizou o documentário Índios no Brasil produzido pela TV Escola que, dividido em dez partes, aborda a identidade, línguas, costumes, tradições, a colonização e o contato com o branco, a briga pela terra, a integração com a natureza e os direitos conquistados dos indígenas até fins do século XX. Sendo o narrador principal, Ailton Krenak dialoga constantemente com o interlocutor no decorrer do documentário. Em 2021, lançou o livro Ideias para adiar o fim do mundo, uma das obras mais vendidas das livrarias brasileiras, com versões lançadas em inglês, francês e alemão.

[28]  Matar o próprio lar. Esta é a definição da palavra de origem grega e latina "ecocídio", que está ganhando cada vez mais notoriedade no mundo devido à emergência climática. A pesca industrial que leva à perda de várias espécies, os derramamentos de óleo, a pecuária intensiva que causa desmatamento em áreas como a Amazônia e a poluição por plástico nos oceanos são alguns dos exemplos de atos que causam graves danos ambientais. Diante desta situação, cientistas, acadêmicos e líderes ambientais de diversos países alertam sobre a necessidade de transformar o ecocídio em um crime internacional que penaliza a destruição generalizada do mundo natural.

[29] Alice Wairimu Nderitu é Conselheira Especial das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres. Nderitu atuou como membro do Comitê Nacional do Quênia para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, Crimes de Guerra, Crimes Contra a Humanidade e todas as Formas de Discriminação e como Instrutor do Instituto de Auschwitz. Como líder internacional em um campo dominado por homens, Nderitu tem defendido a inclusão de mulheres em vários fóruns internacionais e tem contribuído para relatórios sobre o assunto.  Nderitu também atuou como Comissário da Comissão Presidencial de Inquérito sobre a dissolução do governo do condado de Makueni no Quênia Citação: "Violência e conflito não significam a mesma coisa porque o conflito envolve escolhas que incluem intervenções antes de se tornarem violentos. Devemos agora dar as mãos para trabalhar em prol do tipo de intervenções que promovam a apropriação da paz pela comunidade" —Alice Wairimu Nderitu"

[30] Os povos indígenas têm direito a uma educação escolar diferenciada e intercultural (Decreto 6.861), bem como multilíngue e comunitária. Seguindo o que diz a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (Decreto nº26, de 1991), cabendo aos estados e municípios a execução para a garantia desse direito dos povos indígenas.

[31] Esses dois conceitos (raça e etnia) são confundidos inúmeras vezes, mas existem diferenças sutis entre ambos: raça engloba características fenotípicas, como a cor da pele, e etnia também compreende fatores culturais, como a nacionalidade, afiliação tribal, religião, língua e as tradições de um determinado grupo. "Etnia" determina as características de um grupo por seus aspectos socioculturais, principalmente ligado a um território (um lugar). Já a “raça” é um conceito mais complexo. Definido inicialmente por critérios físicos ou biológicos para diferenciar os indivíduos, foi ressignificado por movimentos sociais para explicitar as desigualdades (raciais) existentes na sociedade. O conceito de raça surgiu para explicar as características físicas de uma pessoa, como estrutura óssea, cor da pele, do cabelo ou dos olhos e sua relação com características psicológicas, intelectuais e morais. Com o avanço das ciências, essa definição foi abandonada por falta de evidências que sustentassem essa categorização.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Genocídio Direito Penal Direito Internacional Penal Princípio da Dignidade Humana CF/88

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