Esferas da justiça e igualdade complexa

Walzer iniciou sua teoria da justiça apresentada em sua obra fazendo recorte que vem a definir seu objeto, a justiça distributiva como sendo aquela que se refere aos bens distribuídos dentro de sociedades políticas. Sua argumentação deveria servir para qualquer comunidade política, incluindo-se as não democráticas, projeto depois modificado quando buscou construir uma teoria da justiça aplicável somente às sociedades democráticas.

Fonte: Gisele Leite

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Quando Michael Walzer publicou a obra intitulada “Esferas da Justiça”, em 1983, eram John Rawls e Robert Nozick expoentes da filosofia do direito.  Sabe-se que Rawls construiu sua proposição de teoria da justiça com base num experimento mental que pretende descobrir quais seriam os princípios de justiça escolhidos.

E, numa situação hipotética, impedidos de ver por um véu de ignorância de saber quais seriam suas próprias circunstâncias numa sociedade real e concreta, aquele autor considerou que pessoas razoáveis escolheriam determinados princípios capazes de servir de base para a alocação de recursos socialmente relevantes numa sociedade bem-organizada.

Tais princípios distributivos então orientariam a alocação de direitos e de bens fundamentais que levariam a um certo balanço entre a igualdade e a diferença e, seriam potencialmente aceitos por toda pessoa.

Especialmente, o princípio que levaria em consideração as diferenças que tanto comprometem o desempenho dos menos afortunados num contexto de ríspida concorrência e, por isso, legitimaria as políticas compensatórias, o que levou a teoria de Rawls superar seu berço liberal e dar-lhe feições mais afetas à socialdemocracia.

Outra obra relevante é de autoria de Nozick, intitulada “Anarquia, Estado e utopia”[1], de 1974 e, se voltou frontalmente contra as possibilidades do que ele denominou intervencionismo estatal aberto consagrado pelo princípio de Rawls[2] da diferença.

E, mesmo com os doutrinadores renovadores do liberalismo tais como Friedrick Hayek e Milton Friedman, bem como a teoria contratualista de John Locke[3], Nozick não apenas negou ao Estado qualquer legitimidade de intervenção na livre concorrência entre os cidadãos, mas restringe seu papel ao de guardião da vida e da propriedade submetido ele próprio à concorrência com outros agentes. Seu liberalismo tem como âncoras principais a liberdade para a fruição da propriedade e liberdade frente ao Estado.

O doutrinador reconheceu injustiça apenas na apropriação ou na transmissão injusta de bens. Toda forma de tentar alocar bens que não seja por livre deliberação ou pela livre troca entre os indivíduos só seria viável ao preço do uso da força, porquanto a pretensão de estabelecer ou manter uma distribuição igualitária teria que ser obtida ou pelo impedimento da transmissão voluntária de bens ou por sucessivas expropriações para fins redistributivos.

Para contrapor ao argumento de Nozick de que a busca da igualdade mediante as políticas públicas contém em si o germe do autoritarismo, Walzer desenvolveu sua tese sobre as distintas esferas da justiça. E, o ponto de partida é a distinção entre igualdade simples e igualdade complexa.

Na primeira, todos os membros de uma sociedade disporiam sobre os mesmos bens e direitos indistintamente, um objetivo que o autor considera indefensável. Já na igualdade complexa se admite que diferenças de diversos matizes existam e subsistam, mas considera-se inadmissível que as diferenças de uma esfera da vida sejam transmitidas também a outras esferas, especialmente, quando essa expansão das diferenças tem como implicação a dominação.

Walzer considerou que na arte da diferenciação das esferas da vida social e dos critérios segundo os quais bens e direitos são distribuídos dentro destas está o antídoto para o temido germe da dominação.  Relembrando Pascal e Marx como precursores de sua tese da separação "qualidades pessoais e bens sociais têm suas próprias esferas de atuação".

O significado social destes até possibilita, em alguma medida, a transferência de uma esfera a outra, mas é sua interpretação interna a cada esfera que permite a descoberta de princípios de justiça distributiva.

A transferência de vantagens adquiridas numa esfera para outra sem que haja uma ligação considerada intrínseca entre estas é considerada tirania. O respeito à autonomia e à validade dos princípios válidos em cada esfera constitui para Walzer a igualdade complexa.

In litteris: "a igualdade complexa significa que a situação de nenhum cidadão em uma esfera ou com relação a um bem social pode definir sua situação em qualquer outra esfera, com relação a qualquer outro bem”.

A propósito, Marcelo Neves (2006) desenvolveu uma tese sobre a transmissão da desigualdade a partir da perspectiva da teoria sistêmica de Luhmann que tem diversos paralelismos com a reivindicação de autonomia feita por Walzer.

Nessa igualdade complexa[4], a distribuição tem por base três princípios distributivos, cada qual em esferas também distintas de alocação: o livre intercâmbio no mercado, o mérito em âmbitos que envolvem juízos complexos como o estético e, a necessidade com um recorte diferenciado de abrangência segundo a sociedade específica.

A sociedade com igualdade complexa, por conseguinte, para Walzer não necessita uniformizar as pessoas, precisa fundamentalmente evitar que prospere a injustiça, consistente em que titulares de uma posição vantajosa numa esfera façam uso desta sua condição para influenciar sua posição também em outra ou outras. Uma sensibilidade especial de Walzer enfoca o poder político, por ver nesse âmbito o maior potencial para tentativas de expansão da dominação.

Assim, enquanto o liberalismo coloca todo seu peso na liberdade para o uso da liberdade de livre troca, ignorando tanto a origem de eventuais desigualdades quanto suas consequências, Walzer pretendeu ressaltar a existência de limites para a troca com base em equivalências monetárias. Então, sua tese é que há coisas e bens cujo valor não se mensura e, cuja aquisição não se realiza através de dinheiro.

Quando cogitou em bens, o doutrinador Walzer não teve em mente apenas os bens tangíveis e interesses, mas também amplo conjunto de dimensões da vida social que constroem a identidade tanto da comunidade como também dos indivíduos que nesta habitam e vivem.

Em verdade, o doutrinador se referiu ao poder político, direitos do cidadão, saúde física, mental e espiritual, reconhecimento, acesso ao trabalho, a educação, a cultura, a segurança e ao desfrute do amor, do ócio e até da graça divina (Krause e Malowitz, 1998).

Afinal, para o referido doutrinador, cada comunidade ou sociedade define historicamente o que para esta são bens relevantes e, também como são distribuídos.

Diferentemente de Rawls, por exemplo, que formulou quais os princípios que deveriam ser a bússola da distribuição e como as instituições nesta envolvidas deveriam funcionar, Walzer[5] priorizou a exposição do modo como historicamente certas comunidades políticas definiram seus bens relevantes e ainda como determinaram sua alocação.

Nem mesmo a constituição de um catálogo de necessidades fundamentais é encarada como viável segundo o doutrinador, porquanto não dependeriam apenas da natural constituição das pessoas, e sim, também da história e da cultura de sua comunidade.

O doutrinador não enxergou a possibilidade de universalizar juízos sobre os bens e seu significado e relevância ainda dependem da avaliação que os membros da comunidade específica em que são alocados lhes dão.

Entretanto, também o processo reverso foi destacado pelo doutrinador “homens e mulheres assumem identidades concretas devido ao modo como concebem e criam, e depois possuem e empregam os bens sociais”. Há uma história da relação dos seres humanos entre si e com os bens que antecede a presença de cada um nessa comunidade política e, nessa história formou-se uma identidade que é herdada pelos novos membros.

Portanto, haveria para o doutrinador uma relação de reciprocidade na constituição da autocompreensão da comunidade e do significado que os bens sociais têm dentro desta (Krause, Malowitz, 1998).

A partir dessa íntima vinculação entre o modo como historicamente são distribuídos os bens sociais e a identidade da comunidade, entre tradições, direitos, linguagem e a autocompreensão e as instituições sociais, Walzer inferiu a impossibilidade de uma teoria da justiça da validade geral e universal[6].

Em síntese, a normatividade dos princípios que se orientam a distribuição dos bens em uma determinada comunidade não advém, para Walzer, de características gerais atribuídas aos indivíduos, mas da compreensão e práxis social[7] formadas historicamente nessa comunidade política e, dentro dela, nas diversas esferas da vida.

A teoria social atualiza, rememora e sistematiza tais princípios orientadores. Porém, esta não os cria. E, opositor Barry considerou essa a afirmação a mais distintiva e desafiadora da obra Walzer em questão. E, assim, o doutrinador se posicionou contrário às teorias citadas em que o contexto teórico e de aplicação são distintos.

E, o doutrinador viu nessa separação um dos grandes problemas da teoria política em geral e das teorias atuais da justiça em particular.

E, para Walzer, portanto, os princípios da justiça são considerados dados, isto é, não existe necessidade de explicitação da gênesis conceitual ou de justificação de conceitos, porque eles são retirados de uma análise social da multiplicidade de esferas da justiça.

E, conforme Paul Ricouer (2000) a teoria da justiça de Walzer está amparada em três concepções basilares, a saber: 1. a ideia de que os bens sociais são múltiplos; 2. cada um deles tem seu próprio simbolismo e, 3. cada um deles desenvolve uma lógica interna, na base da qual os respectivos grupos desenvolvem valores compartilhados que justificam as reivindicações feitas no âmbito de seu horizonte hermenêutico.

Uma tal estratégia traz consigo dificuldades que se tornam mais claras quando confrontada com o que Ricouer chama de “paradoxo político”: “We touch here on what I shall call the political paradox, namely that politics seems both to constitute one sphere of justice among others and to envelop all the other spheres” [8](Ricoeur, 2000).

Conclui-se, de outra forma que seria possível que uma teoria plural da justiça consiga subsistir sem a transcendência, isto é, que seja possível desenvolver uma teoria plural da justiça sem que se possa admitir que uma esfera da justiça seja o pressuposto de todas as outras ou que, pelo menos, estabeleça os limites e fronteiras de todas as outras, questiona-se.

Será que esse problema inerente a todas as teorias plurais da justiça? Ricoeur pareceu ter encontrado na teoria de Luc Boltanski[9] e Laurent Thévenot as pistas de como resolver tal busilis e talvez superá-lo. (Ricoeur, 2000).

A mencionada teoria de Boltanski e Thévenot se desenvolveu a partir de crítica à sociologia crítica de Pierre Bourdieu[10] e foi na sua obra “De La Justification” que os pensadores privilegiaram como objeto de pesquisa, os litígios e contendas sociais com o fito de identificar os princípios e valores que definiam as posições e interesses em jogo nos conflitos.

Portanto, refere-se a uma sociologia da crítica, em contraposição à sociologia crítica de Bourdieu. Assim, negou-se o estruturalismo e aderiu-se ao pragmatismo norte-americano, quando os doutrinadores vão se interessar primeiramente nas ações e práticas críticas.

No lugar das estruturas, os doutrinadores adotam as cidades e, conforme explicou Bandenbergue: "(...) Boltanski e Thévenot introduzem as Cidades como mediações simbólicas e axiológicas que permitem constituir a situação como um conjunto bem ordenado de interações vividas entre as pessoas e os objetos que os atores encontram em seu ambiente imediato (Vandenbergue, 2006).

Em situações cotidianas, as ações entre as pessoas são coordenadas por pressuposições tacitamente compartilhadas e pré-reflexivas e muitas vezes condensadas em objetos, instituições, organizações, costumes e regras.

Porém, ao surgirem as disputas, os autores apontam que os indivíduos argumentam e procuram justificar suas ações em busca de acordo com os argumentos que possam subsistir a contra-argumentações, o que nos recordar da proposição de Habermas, na qual o discurso visa ao restabelecimento do consenso sobre temas que temporariamente se tornaram não-consensuais (Habermas, 1988).

São chamados de “Momentos críticos”, pelos autores que dão à essa situação em que o consenso pressuposto se desfaz e o indivíduo se sente coagido a reconstruir uma gênese justificativa para sua posição. A pessoa in casu não apenas está “sujeita a um imperativo de justificação”.

Em sua obra, os doutrinadores sistematizaram seis cidades que são desenvolvidas, a partir de seis textos de filósofos, a saber: A cidade de Deus[11], de Santo Agostinho, a cidade doméstica de Bossuet “La politique tirée des propres paroles de l'écriture sainte[12]”, a cidade de renome, de Hobbes em Leviatã, a cidade cívica[13], Rousseau, em “Do Contrato Social”[14], a cidade mercantil, Adam Smith, “A riqueza das nações”[15] e a cidade industrial de Saint Simon “Du systéme industriel”[16].

Evidentemente, não se trata de elenco exaustivo, uma vez que, por exemplo, Boltanski e Chianello introduziram no seu livro intitulado O novo espírito do capitalismo (2003) e a "Cidade por projetos".

Ainda, do indivíduo que argumenta, justifica suas ações e posições, se requer enorme habilidade. A de calcular e estabelecer equivalências já fora mencionada. Além disso, ele necessita poder contextualizar o tom adequado da justificação.

E, nesse ponto, as Cidades que lhe são de grande valia, pois pré-estruturam um espaço de justificações plausíveis entre as quais há pontes de equivalência. E, curiosamente, há doutrinadores que dão pouca atenção sobre a diferença abordada por Habermas, por exemplo, quanto ao desempenho retórico ou performático.

A teoria de Axel Honneth[17] fora desenvolvida em quatro momentos distintos, em um primeiro momento, ele procurou mostrar as insuficiências da versão da teoria crítica desenvolvida por Habermas. Honneth sustentou que a teoria habermasiana da sociedade precisa ser criticada do ponto de vista do horizonte da dimensão de intersubjetividade social, na qual as instituições estão inseridas.

Num segundo momento, Honneth procurou desenvolver sua própria versão da teoria crítica ex negativo, pois ele esclareceu no posfácio de Kritik der Macht [18]que a primeira versão da teoria de Habermas da sociedade poderia ser melhor desenvolvida a partir do conceito de Hegel de luta por reconhecimento.

Nesse sentido, poder-se-ia concluir que Honneth, em Kritik der Macht, procura mostrar, principalmente, que uma teoria crítica da sociedade deveria estar preocupada em interpretar a sociedade a partir de uma única categoria, ou seja, do reconhecimento (Saavedra, 2007).

Em “Kampf um Anerkennung”, obra considerada como o marco da segunda fase de sua teoria, Honneth desenvolveu essa conclusão de forma consequente (Saavedra, Sobottka, 2008), onde introduziu os primeiros elementos da sua teoria do reconhecimento a partir da categoria da dependência absoluta, de Winnicott. Esta categoria designa a primeira fase do desenvolvimento infantil, na qual a mãe e o bebê se encontram num estado de relação simbiótica.

A carências e a dependência total do ser humano em tenra idade e o direcionamento completo da atenção da mãe para a satisfação de necessidades da criança fazem com que entre eles não exista nenhum tipo de limite de individualidade e ambos se sintam como unidade. (Honneth, 2003).

Aos poucos, com o retorno gradativo aos afazeres da vida diária, este estado de simbiose vai se dissolvendo por meio de um processo de ampliação da independência de ambos, pois, com a volta à normalidade da vida, a mãe não está mais em condições de satisfazer as necessidades da criança imediatamente.

A criança, então, em média com seis meses de vida, precisa acostumar-se com a ausência da mãe. E, tal fato estimula a criança o desenvolvimento de habilidades e capacidades que a tornam capaz de se diferenciar do seu ambiente. Winnicott atribui a essa nova fase o nome de relativa independência.

Nesta fase, a criança reconhece a mãe não mais como uma parte do seu mundo subjetivo e, sim, como objeto dotado de direitos próprios. A criança trabalha essa nova experiência por meio de dois mecanismos, que o autor chamou de destruição e fenômeno de transição.

O primeiro mecanismo é interpretado, por Honneth, a partir dos estudos de Jessica Benjamin. Essa autora constatou que os fenômenos de expressão agressiva da criança nesta fase acontecem na forma de uma espécie de luta, que ajuda a criança a reconhecer a mãe como um ser independente com reivindicações próprias. A mãe precisa, por outro lado, aprender a aceitar o processo de amadurecimento que o bebê está passando.

A partir dessa experiência de reconhecimento recíproco, os dois começam a vivenciar também uma experiência de amor recíproco sem regredir a um estado simbiótico (Honneth, 2003).

A criança, porém, só estará em condições de desenvolver o segundo mecanismo se ela tiver desenvolvido com o primeiro mecanismo uma experiência elementar de confiança na dedicação da mãe.

Com base nos estudos de Winnicott[19], Honneth esboça os princípios fundamentais do primeiro nível de reconhecimento.

E, quando a criança experimenta a confiança no cuidado paciencioso e duradouro da mãe, ela passa a estar em condições de desenvolver uma relação positiva consigo mesma. Honneth chama essa nova capacidade da criança de autoconfiança (Selbstvertrauen). De posse dessa capacidade, a criança está em condições de desenvolver de forma sadia sua personalidade.

E, esse desenvolvimento primário da capacidade de autoconfiança é visto por Honneth (2003) com a base das relações sociais entre adultos. Honneth vai além e sustenta que o nível do reconhecimento do amor é núcleo fundamental de toda a moralidade.

Portanto, este tipo de reconhecimento é responsável não só pelo desenvolvimento do autorrespeito (Selbastachtung), mas também pela base de autonomia para a participação na vida pública.

Dois questionamentos guiam a análise de Honneth de segunda esfera do reconhecimento nesta fase de desenvolvimento de sua teoria: qual é o tipo de autorrelação que caracteriza a forma de reconhecimento do direito?

Como é possível que uma pessoa desenvolva a consciência de ser sujeito de direito? A estratégia utilizada por Honneth consiste em apresentar o surgimento do direito moderno de tal forma que, neste fenômeno histórico, também seja possível encontrar uma nova forma de reconhecimento.

Honneth pretendeu, portanto, demonstrar que o tipo de reconhecimento característico das sociedades tradicionais é aquele ancorado na concepção de status :em sociedades desse tipo, um sujeito só consegue obter reconhecimento jurídico quando ele é reconhecido como membro ativo da comunidade e apenas em função da posição que ele ocupa nesta sociedade.

Honneth reconheceu na transição para a modernidade uma espécie de mudança estrutural na base da sociedade, à qual corresponde também uma mudança estrutural nas relações de reconhecimento: ao sistema jurídico não é mais permitido atribuir exceções e privilégios às pessoas da sociedade em função do seu status.

Pelo contrário, o sistema jurídico deve realmente combater estes privilégios e exceções. O direito, portanto, deve ser geral o suficiente para levar em consideração todos os interesses de todos os participantes da comunidade. E, em face desta constatação, a análise do direito de Honneth procurou desenvolver basicamente um novo caráter, nova forma de reconhecimento jurídico que surgiu na modernidade. (Honneth, 2003).

Honneth procurou mostrar que, junto com o surgimento de uma moral ou de uma sociedade pós-tradicional, ocorrendo também uma separação da função do direito e daquela do juízo de valor (Wertschätzung). Na teoria de Ihering e na tradição de Kant de diferenciação de formas de respeito (Achtung), principalmente com base na pesquisa de Darwall, ele encontra elementos para determinar a diferença entre direito e juízo de valor.

Para o direito, a questão central é: como a propriedade constitutiva das pessoas de direito deve ser definida; no caso do juízo de valor, como se pode desenvolver um sistema de valor que está em condições de medir o valor das propriedades características de cada pessoa.

Os sujeitos de direito precisam estar em condições de desenvolver sua autonomia, a fim de que possam decidir racionalmente sobre questões morais. Nesse momento, Honneth teve mente a tradição dos direitos fundamentais liberais e do direito subjetivo em condições pós-tradicionais, que indicam a direção do desenvolvimento hsitórico do direito.

A luta por reconhecimento deveria então  ser vista como uma pressão, sob a qual permanentemente novas condições para a participação na formação pública da vontade vêm à tona. Honneth esforça-se, influenciado pelos escritos de T.H. Marshall[20] (1967), para mostrar que a história do direito moderno deve ser reconstruída como um processo direcionado à ampliação dos direitos fundamentais.

Apesar de Honneth sempre utilizar um conceito problemático de direito subjetivo, a sua correta intuição pode ser compreendida claramente quando ele explicita a sua interpretação da reconstrução histórica de Marshall: os atores sociais só conseguem desenvolver a consciência de que eles são pessoas de direito, e agir consequentemente, no momento em que surge historicamente uma forma de proteção jurídica contra a invasão da esfera da liberdade, que proteja a chance de participação na formação pública da vontade e que garanta um mínimo de bens materiais para a sobrevivência (Honneth, 2003).

Honneth sustentou que as três esferas dos direitos fundamentais, diferenciadas historicamente, são o fundamento da forma de reconhecimento do direito.

Por conseguinte, reconhecer-se reciprocamente como pessoas jurídicas significa hoje muito mais do que no início do desenvolvimento do direito: a forma de reconhecimento do direito contempla não só as capacidades abstratas de orientação moral, mas também, as capacidades concretas necessárias para uma existência digna, em outras palavras, a esfera do reconhecimento jurídico cria as condições que permitem ao sujeito desenvolver autorrespeito (Selbastachtung).

No caso da forma de reconhecimento do direito, são postas em relevo as propriedades gerais do ser humano. No caso da valoração social, são postas em destaque as propriedades que tornam o indivíduo diferente dos demais, ou seja, as propriedades de sua singularidade.

Portanto, Honneth partiu do princípio de que a terceira forma de reconhecimento, a saber, a comunidade de valores ou solidariedade, deve ser considerada um tipo normativo ao qual correspondem as diversas formas práticas de autorrelação valorativa (Selbstschätzung).

Honneth não aceitou aquilo que Hegel e Mead consideravam condição deste padrão de reconhecimento, pois ambos os autores estão convencidos da existência de um horizonte valorativo e intersubjetivo compartilhado por todos os membros da sociedade como condição da existência da forma de relacionamento.

Honneth chamou de solidariedade e, procurou mostrar, ao contrário, que com a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna surge um tipo de individualização que não pode ser negado (Honneth, 2004).

A terceira esfera do reconhecimento deveria ser vista, então, como um meio social a partir do qual as propriedades diferenciais dos seres humanos venham à tona de forma genérica, vinculativa e intersubjetiva (Honneth, 2003). E, identificou um segundo nível desta terceira esfera do reconhecimento (solidariedade[21]).

No nível de integração social encontram-se valores e objetivos que funcionam como um sistema de referência para a avaliação moral das propriedades pessoais dos seres humanos e cuja totalidade constitui a autocompreensão cultural de uma sociedade.

A avaliação social de valores estaria permanentemente determinada pelo sistema moral dado por esta autocompreensão social. E, esta esfera de reconhecimento está vinculada de tal modo em uma vida em comunidade que a capacidade e o desempenho dos integrantes da comunidade somente poderiam ser avaliadas intersubjetivamente.

No caso de relações jurídicas, Honneth analisou a transição da sociedade do tipo tradicional para a moderna como uma espécie de mudança estrutural desta esfera de reconhecimento: assim que a tradição hierárquica de valoração social, progressivamente, vai sendo dissolvida, as formas individuais de desempenho começam a ser reconhecidas.

Honneth partiu, novamente, do princípio de que uma pessoa desenvolve a capacidade de sentir-se valorizada somente quando as suas capacidades individuais não são mais avaliadas de forma coletivista. Daí, resulta que uma abertura do horizonte valorativo de uma sociedade às variadas formas de autorrealização pessoal somente se dá coma transição para a modernidade.

Em função dessa mudança estrutural existe, porém, no centro da vida moderna, uma permanente tensão, um permanente processo de luta, porque nesta nova forma de organização social há, de um lado, uma busca individual por diversas formas de autorrealização e, de outro, a busca de um sistema de avaliação social;

 Essa espécie de tensão social, que oscila permanentemente entre a ampliação de um pluralismo valorativo que permita o desenvolvimento da concepção individual de vida boa e a definição de um pano de fundo moral que sirva de ponto de referência para avaliação social da moralidade, faz da sociedade moderna uma espécie de arena na qual se desenvolve ininterruptamente uma luta por reconhecimento: os diversos grupos sociais precisam desenvolver a capacidade de influenciar a vida pública a um de que sua concepção de vida boa encontre reconhecimento social e passe então a fazer parte do sistema de referência moral que constituía autocompreensão cultural e moral da comunidade em que estão inseridos.

Além disso, com o processo de individualização de reconhecimento Honneth chamou de solidariedade e, procurou mostrar, ao contrário, que com a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna surge um tipo de individualização que não pode ser negado (Honneth, 2004).

A terceira esfera do reconhecimento deveria ser vista, então, como um meio social a partir do qual as propriedades diferenciais dos seres humanos venham à tona de forma genérica, vinculativa e intersubjetiva (Honneth, 2003). E, identificou um segundo nível desta terceira esfera do reconhecimento (solidariedade).

No nível de integração social encontram-se valores e objetivos que funcionam como um sistema de referência para a avaliação moral das propriedades pessoais dos seres humanos e cuja totalidade constitui a autocompreensão cultural de uma sociedade.

A avaliação social de valores estaria permanentemente determinada pelo sistema moral dado por esta autocompreensão social.

E, esta esfera de reconhecimento está vinculada de tal modo em uma vida em comunidade que a capacidade e o desempenho dos integrantes da comunidade somente poderiam ser avaliados intersubjetivamente.

No caso de relações jurídicas, Honneth analisou a transição da sociedade do tipo tradicional para a moderna como uma espécie de mudança estrutural desta esfera de reconhecimento: assim que a tradição hierárquica de valoração social, progressivamente, vai sendo dissolvida, as formas individuais de desempenho começam a ser reconhecidas.

Honneth teve como premissa do princípio de que uma pessoa desenvolve a capacidade de sentir-se valorizada somente quando as suas capacidades individuais não são mais avaliadas de forma coletivista. Daí resulta que uma abertura do horizonte valorativo de uma sociedade às variadas formas de autorrealização pessoal somente se dá coma transição para a modernidade.

Em função dessa mudança  estrutural existe, porém, no centro da vida moderna, uma permanente tensão, um permanente processo de luta, porque nesta nova forma de organização social há, de um lado, uma busca individual por diversas formas de autorrealização e, de outro, a busca de um sistema de avaliação social;

 Essa espécie de tensão social que oscila permanentemente entre a ampliação de um pluralismo valorativo que permita o desenvolvimento da concepção individual de vida boa e a definição de um pano de fundo moral que sirva de ponto de referência para avaliação social da moralidade, faz da sociedade moderna uma espécie de arena na qual se desenvolve ininterruptamente uma luta por reconhecimento: os diversos grupos sociais precisam desenvolver a capacidade de influenciar a vida pública a um de que sua concepção de vida boa encontre reconhecimento social e passe então a fazer parte do sistema de referência moral que constituía autocompreensão cultural e moral da comunidade em que estão inseridos. Além disso, com o processo de individualização

Para que os atores sociais possam efetivamente desenvolver autorrelacionamento positivo e saudável, precisam ter chance simétrica ao desenvolver a sua concepção de vida boa sem sofrerem os sintomas das patologias oriundas das experiências de desrespeito.

Porque a experiência do reconhecimento corresponde sempre uma forma positiva de autorrelacionamento, Honneth precisou partir do princípio de que o conteúdo do que seja desrespeito deva estar implicitamente vinculado nas reivindicações individuais por reconhecimento: se e quando o sujeito social faz uma experiência de reconhecimento, ele adquire um entendimento positivo sobre si mesmo; se e quando, ao contrário, um ator social experimentar uma situação de desrespeito, consequentemente, a sua autorrelação positiva, adquirida intersubjetivamente, adoece.

Honneth, para tornar plausível sua teoria, precisou, por consequência encontrar na história social traços de patologia tripartite negativa da estrutura das relações de reconhecimento.

 Esta tipologia negativa deve cumprir duas tarefas, a saber: a primeira, para cada esfera de relação de reconhecimento deve surgir um equivalente negativo, com o qual a experiência de desrespeito possa ser esclarecida, seguindo a estrutura da forma de reconhecimento correspondente; segunda: a experiência de desrespeito deve ser ancorada de tal modo em aspectos afetivos do ser humano que a sua capacidade motivacional de desenvolvimento e desencadeamento de uma luta por reconhecimento venha à tona.

A primeira esfera de reconhecimento, o amor, corresponde as formas de desrespeito definidas por Honneth como maus tratos e violação. E, nesta forma de desrespeito, o componente da personalidade que é atacado é aquele da integridade psíquica, ou seja, não é diretamente a integridade física que é violentada, mas sim o autorrespeito (selbstvertändliche Respektierung) que cada pessoa possui de seu corpo e que, segundo Winnicott, é adquirido por meio do processo intersubjetivo de socialização originado através da dedicação afetiva.

Quanto à forma de reconhecimento do direito correspondente à forma de desrespeito intitulada privação de sentidos (Entrechtung). Nesta esfera do reconhecimento o componente da personalidade que é ameaçado é aquele da integridade social. Também aqui o desrespeito se refere ao tipo específico de autorrelação, a saber, o autorrespeito.

É central para a análise das formas de desrespeito feita por Honneth é o fato de que todo tipo de privação violenta da autonomia deve ser vista como vinculada a uma espécie de sentimento. O sentimento de injustiça ocupa um papel relevante na análise que Honneth faz do direito.

Porém, apesar de Honneth ter ressaltado em um primeiro momento o papel do sentimento de injustiça, logo em seguida, a sua análise passa a considerar um tipo de respeito cognitivo da capacidade de responsabilidade moral, que um ator social vivencia numa situação de desrespeito jurídico.

Portanto, o que significa ser uma capacidade para responsabilidade moral de uma pessoa deve ser medido no grau de universalização e, também no grau de materialização do direito.

À forma de reconhecimento da solidariedade correspondente à forma de desrespeito da degradação moral e da injúria e Honneth entendeu que a dimensão da personalidade deve ser encontrada na degradação da autoestima, ou seja, a pessoa nesse caso é privada da possibilidade de desenvolver uma estima positiva de si mesma.

Para esclarecer sobre as formas de desrespeito Honneth adotou o conceito psicanalítico de patologia. E, todas as formas de desrespeito são, portanto, uma forma de patologia.

Todas essas formas de desrespeito são, portanto, uma forma de patologia. Assim, uma teoria do reconhecimento deveria ser capaz de indicar a classe de sintomas que os atores sociais atingidos pela forma de desrespeito em seu estado patológico deixam transparecer (ibid.).

Os sinais corporais do sofrimento psíquico devem ser vistos, portanto, como expressões exteriores, ou melhor, como reações externas de sentimentos patológicos interiores ou psíquicos. Dessa forma, somente as experiências de injustiça que acarretam fenômenos patológicos devem ser consideradas fenômenos de desrespeito

Por derradeiro, através de análise crítica dos estudos históricos de E. P. Thompson e Barrington Moore, Honneth procurou mostrar que por trás dos acontecimentos históricos há um processo do desenvolvimento moral que somente se deixa explicar a partir da lógica da ampliação das relações de reconhecimento.

O modelo da luta por reconhecimento deve, portanto, cumprir duas missões: 1) ser um modelo de interpretação do surgimento das lutas sociais e (2) do processo de desenvolvimento moral.

Só então esse modelo estará em condições de realizar uma ordenação sistemática dos fenômenos históricos e sociais, que sem esse modelo permaneceriam amorfos.

Dessa forma, os sentimentos morais assumem a função de aceleração ou retardamento da evolução moral e histórica da sociedade e o modelo da luta por reconhecimento passa a ser visto como o ponto de vista normativo, a partir do qual é possível definir o estágio atual do desenvolvimento moral da sociedade (Honneth, 2003).

O ponto de partida de um tal processo de formação moral precisa ser, portanto, um momento histórico, em que o modelo tripartite do reconhecimento ainda não se diferenciou. Honneth caracteriza tal processo como um processo de aprendizagem que tem a capacidade  de esclarecer ao mesmo tempo a diferenciação as esferas do reconhecimento eo potencial que elas carregam internamente para o  desenvolvimento moral da sociedade.

O modelo da luta por reconhecimento explicita, então, uma gramática, uma semântica subcultural, na qual as experiências de injustiça encontram uma linguagem comum, que indiretamente oferece a possibilidade de uma ampliação das formas de reconhecimento (ibid.).

Com isso, Honneth[22] pretende mostrar que a análise dos acontecimentos sociais é uma tarefa da área da interpretação, que permite explicar esses acontecimentos como estágios de um processo de formação moral que se dá por meio do conflito e cuja direção é dada pela ideia-guia da ampliação das relações de reconhecimento.

Quanto a terceira fase de sua teoria fora marcada pelo debate com Nancy Fraser[23]. E, nesta obra, corrigiu dois pontos de sua teoria, a saber: deixou de compreender as esferas do reconhecimento como dimensões ontológicas do desenvolvimento da personalidade para tratá-las como esferas sociais, contextualizadas historicamente.

E, por derradeiro, numa subsequente fase de desenvolvimento de sua teoria, passou a conceber a existência de uma dimensão existencial das esferas do reconhecimento.

Conclui-se que a teoria congrega momentos das duas teorias anteriormente analisadas, pois pretende: (1) romper com uma visão unitária da justiça (Habermas e Rawls) adotando uma teoria pluralista da justiça (Honneth 2003; 2000; 2007; 2004b; 2004c;2008a; 2009); (2) contextualizar a concretização em esferas da justiça, as esferas do reconhecimento; e, por fim, (3) atualizar, rememorar e sistematizar os princípios orientadores das esferas do reconhecimento e não criá-las teoricamente (Honneth, 2008).

A propósito, com sua mais recente obra intitulada “Das Recht der Freiheit” de 2011[24], Honneth mudou sua estratégia teórica, pois em lugar de três esferas de reconhecimento, mesmo que com uma dimensão existencial anteposta, ele doravante hierarquiza os princípios valorativos, colocando em seu topo a liberdade. As antigas esferas do reconhecimento passam a ser modo de expressão da liberdade.

Em semelhança a Walzer, Boltanski e Thévenot que são céticos com a atividade de uma teoria que se pretende crítica e estabelecedora de princípios do alto de seu isolamento; eles buscam a imersão e, em certa medida, observação reconstrutiva dos valores (Walzer) ou da atividade crítica (Boltanski e Thévenot) já presentes no cotidiano das pessoas comuns.

À teoria social, segundo esses autores, não caberia estabelecer princípios que tornem possíveis relações justas, mas cabe-lhe analisar os reclamos de quem se sente injustiçado, para sistematizar os princípios ou as justificativas ali pressupostos.

Também em Honneth cabe às percepções de injustiça um lugar privilegiado como indicador à atividade teórica. A diferença é que nesse autor há uma reivindicação de que seu projeto teórico já tenha reconstruído a fundamentação moral para as reivindicações de reconhecimento, com validade transcendente ao regime de justificação num momento crítico particular (Boltanski e Thévenot) ou a uma comunidade política determinada (Walzer).

Nos três doutrinadores, tanto a questão da igualdade/desigualdade como a da justiça/injustiça é colocada em planos teóricos que evadem a relação com a estratificação social – lugar onde classicamente elas são discutidas nas ciências sociais.

Walzer admitiu sem dificuldades a desigualdade localizada numa esfera da vida com a expectativa de que, como efeito marginal da pluralidade de esferas e da interdição de conversão/transmissão de vantagens entre as esferas, resulte no conjunto uma igualdade complexa.

Respeitadas as regras internas de alocação de bens e a autonomia das esferas, não haverá injustiça. Boltanski e Thévenot priorizam as situações cotidianas e a permanente troca de papéis ou funções que o indivíduo desempenha como membro de uma sociedade complexa, e com isso evitam a espinhosa questão de princípios ou equivalências universais.

Para não cair no outro extremo, o de um pluralismo relativista, as Cidades assumem um importante papel teórico no que Luhmann[25] denominaria de “redução de complexidade”, porquanto dentro delas é possível buscar por equivalências que embasem argumentações e acordos.

Já em Honneth, há uma conjugação entre o reconhecimento jurídico, igual para todos, típico da segunda esfera, e o reconhecimento de méritos individuais, da terceira esfera, que abrem a possibilidade para desigualdades legítimas.

A percepção de injustiça não se dá pela amplitude da desigualdade, mas pela negação do reconhecimento que legitimamente o indivíduo poderia esperar ou pelo desrespeito. Enquanto Honneth e Boltanski e Thévenot em certa medida

Dissolvem a dificuldade de tratar da desigualdade e da injustiça entre os grupos sociais, Walzer dissolve as estruturas sociais em favor de uma comunidade política holística.

Apesar de todo o foco no compartilhamento de convicções, Walzer precisou discutir as situações de dissenso. E, nestas, a pior situação possível seria a adoção de princípios orientadores de uma esfera em outra, porquanto feriria sua autonomia e, ao fim, diminuiria também o número de esferas autônomas, diminuindo a margem de diluição de eventuais desigualdades nas esferas de maior peso na vida social.

Já Boltanski e Thévenot descreveram como uma das alternativas para o final de uma disputa um tipo de compromisso em que "the aim of the criticism is to substitute for the current teste another onde relevant in another world. Then the dispute is no longer turned towards the way the test must be designed towards the question of knowing what kind of test, relevant in a certain world, would really fit the situation” (1999).

A situação daí resultante é vista como instável e particularmente vulnerável à crítica. Com sua proposta de uma metodologia reconstrutiva, Honneth supõe estar tão somente explicitando aqueles princípios que, gradativamente, foram se cristalizando nas sociedades modernas como um todo, e particularizadas como opções éticas nas sociedades particulares.

Ainda que os modos de vida sejam nelas cada vez mais plurais, segundo os projetos individuais de vida, os princípios que possibilitam esta autonomia são compartilhados.

Ainda a questão das condições da crítica das justificações, dos valores compartilhados ou das reivindicações de reconhecimento. Parece-nos que o enfoque pragmático de Boltanski e Thévenot deixam pouco espaço para a questão da validade da justificação para além da convicção dos participantes do momento crítico.

Já em Walzer, a despeito de sua ênfase no trato de sociedades modernas e complexas, ele sempre de novo busca fundamento para sua argumentação na cristalização histórica de convicções em comunidades políticas.

O desafio, in casu, é como tratar aqueles valores que se cristalizem em comunidades, masque ferem direitos considerados fundamentais contemporaneamente.

Em Honneth, há uma explicitação de critérios para essa crítica, advindos da própria teoria e tomada do âmbito das discussões da Teoria Crítica sobre emancipação, um objetivo explícito e fundamental em seu projeto teórico.

Passíveis de serem tidas como legítimas são para esse doutrinador as reivindicações de reconhecimento que ou estendam a mais pessoas ou a novos âmbitos da vida a possibilidade de que o próprio indivíduo conceba e realize seu projeto de vida. Talvez esse par de critérios possa se revelar válido inclusive quando estabelecido como referência numa análise crítica das situações que as outras duas propostas teóricas analisam.

Afinal, a pluralidade é constatação inevitável que a reflexão sobre a realidade social deverá incorporar e, não tentar dissipar. A teoria da justiça de Walzer assume esta pluralidade de duas formas complementares, pois, de um lado, vimos na análise que enxerga na pluralidade se traduz em concepções culturais de uma comunidade que devem servir de ponto de partida para haver a reflexão filosófica sobre a justiça, e de outro lado, a oportunidade de demonstrar que os múltiplos bens diferentes entre si, os princípios que regem a sua distribuição devem ser também estes diferentes e adequados à respectiva natureza social de cada bem.

A justiça é plural não só porque a sua configuração pode diferir de sociedade para sociedade, mas também porque as distribuições justas de uma comunidade são distribuições diferenciadas internamente.

Se a justiça distributiva procura encontrar os mecanismos adequados à distribuição de bens entre os membros de uma sociedade,  então ela deve partir da análise do significado social desses bens para esses membros, e das concepções de justiça que essas  pessoas já possuem.

A argumentação walzeriana, por isso, inicia-se com a defesa da natureza social dos bens. Os bens em causa nas reflexões sobre justiça distributiva são sempre bens sociais. Adjetivando os bens desta forma, Walzer pretende salientar que eles não possuem nenhum significado natural ou intrínseco alcançável mediante um esforço de abstração. “Os bens deste mundo têm significados compartilhados, porque a concepção e criação são processos sociais. Pela mesma razão, os bens têm significados diferentes em sociedades diferentes.”

 O significado dos bens é fruto de um processo criativo e interpretativo que nunca pode negligenciar as suas particularidades. Este processo é social, ou seja, envolve toda uma comunidade de pessoas que, intersubjetivamente vão construindo significados mais ou menos consensuais acerca da natureza dos bens que necessitam.  

Da mesma forma que podemos constatar em diferentes sociedades a existência de significados sociais diversos, constatamos que ao longo do tempo esses significados sociais sofrem modificações, mesmo dentro do contexto de uma cultura determinada.

Como constatamos, a universalidade contextualista de Walzer implica a origem empírica dos seus postulados. Nenhum princípio abstrato concebido apenas racionalmente pode assumir preponderância sobre as concepções sociais concretas de cada povo.

No grupo das teorias da justiça que utilizam metodologias abstracionistas Walzer inclui também a teoria da justiça de John Rawls. Para Walzer não se pode construir uma estrutura distributiva alheando as pessoas das suas próprias identidades.

Aquilo que as pessoas são depende da relação que elas estabelecem não só com as outras pessoas, mas também com os bens de que necessitam, e suas respectivas formas de distribuição.

Segundo Walzer, pretender abstrair desse estatuto social, que inevitavelmente possuímos, para deliberar sobre os  critérios que devem nortear a distribuição, é, no mínimo, inútil.

As distribuições não podem ser compreendidas como sendo atos de homens e mulheres que ainda não possuem bens especiais na mente ou nas mãos. Em verdade, as pessoas já mantêm uma relação com um conjunto de bens e têm uma história de transações, não apenas umas com as outras, mas também com o mundo moral e material onde vivem.

Percebe-se que todo este imenso contexto social e cultural não poderá ser suspenso tendo em vista a deliberação filosófica e, que os bens sociais estão sempre na mente das pessoas, mesmo antes delas os possuírem.

As relações que se estabelecem entre as pessoas são mediadas pelos significados sociais que estas possuem sobre os bens. Qualquer metodologia que implique a abstração das particularidades culturais e sociais não consegue responder às verdadeiras preocupações das pessoas.

Na perspectiva de Walzer, mesmo que as pessoas estejam empenhadas e comprometidas na imparcialidade, a questão que provavelmente se colocará nos espíritos dos membros de uma comunidade política não será “Qual será a escolha de indivíduos racionais em condições de universalização de tal ou tal espécie?”, mas antes “Qual será a escolha de indivíduos como nós, posicionados como estamos, participando de uma cultura e dispostos a continuar a dela participar?”

E esta questão pode ser facilmente transformada em “Que opções fizemos já no decurso da nossa vida comum? Que conceitos compartilhamos (realmente)?” O que valida plenamente Ortega Y Gasset: “Eu sou eu, e minhas circunstâncias”.

O problema dos indivíduos quando se preocupam com as distribuições justas é o de saber que solução é a adequada para a sua situação concreta. Nesta reflexão, os argumentos mais eficazes são aqueles que invocam a história e as tradições comuns de justiça distributiva de uma comunidade, e não os argumentos baseados em conclusões abstratas de versões abstratas das pessoas tomadas numa situação abstrata.

É da cultura, das tradições e da história partilhadas por uma comunidade que se deve partir para a reflexão política e moral. Enquadrando os bens no contexto de construção social particular a cada comunidade humana, Walzer, obviamente, rejeita o conceito rawlsiano de bens primários. “Não há um conjunto único de bens primários ou básicos imaginável por todos os universos morais ou materiais; de outro modo, um tal conjunto teria de ser concebido em termos tão abstratos que teriam pouca utilidade no planeamento de distribuições específicas.”

A origem filosófica dos bens primários de John Rawls tornaos demasiados abstratos e, portanto, distantes da realidade. No entanto, para Rawls, o objetivo de uma concepção de justiça distributiva consistia em organizar determinados princípios que possibilitassem uma distribuição equitativamente justa de bens primários que, na perspectiva de Rawls, são bens que se pretendem neutrais perante a diversidade de possibilidades e planos de vida.

Portanto, a principal característica destes bens, é serem universais, ou seja, são bens necessários a todos os seres humanos sem excepção. Como consequência podem e devem ser distribuídos mediante um único processo distributivo. Walzer rejeitou esta pretensão universalista.

Num enquadramento cultural diferente do da cultura ocidental em que vivemos, os bens primários de Rawls teriam um significado e um enquadramento distributivo completamente distinto. A estipulação filosófica não pode pretender encontrar respostas aos problemas concretos das pessoas através de definições universais alcançadas mediante abstração das particularidades culturais de cada povo.

Assim, uma definição de bens primários tal como a de Rawls não possui utilidade na reflexão sobre justiça distributiva. Mulhall e Swift aprofundaram o alcance desta crítica walzeriana afirmando que esta atinge também os princípios de justiça de Rawls.

Negando importância ao conceito de bens primários, negamos igualmente a importância de toda a estrutura distributiva preconizada por Rawls. Se o conceito de bens primários é inútil, então, o mesmo se aplica aos princípios de justiça, já que estes são apenas uma construção abstrata concebida para distribuir bens abstratos.

Assim, no entender de Walzer, só os bens sociais que são significativos para uma determinada comunidade colocam verdadeiros problemas de justiça distributiva.

Portanto, os bens são realidades socioculturais cujo significado é local; não são entidades abstratas passíveis de distribuição por princípios abstratos.

Os bens possuem em cada sociedade um significado particular que lhes é atribuído pelas pessoas concretas envolvidas na tarefa de os repartir.

Por outras palavras, os bens não são apenas objetos num jogo cujas regras lhes são estranhas; eles têm um papel substancial na definição da justiça, pois são um elemento estruturador não só das relações sociais entre as pessoas, mas do seu próprio mundo interior. 

Desta forma, um princípio distributivo justo deve derivar da análise dos significados sociais dos bens. Esta relação entre o significado de um bem e a forma de entender a sua distribuição confere ao argumento de Walzer a sua originalidade, e serve de base a toda a sua concepção de justiça distributiva. Se a distribuição dos bens depende dos seus significados sociais, ela nunca poderá ser um processo simples e unificado. E, jamais uniforme.

As formas de distribuir os bens serão tantas quantas esses mesmos bens, pois a natureza social destes originará diferentes critérios distributivos. Percebe-se, assim, o alcance da renúncia ao universalismo abstrato, já que aplicado aos esquemas distributivos ele não teria em conta esta ligação particular, mas necessária, entre os diversos bens sociais e os seus respectivos mecanismos distributivos.

Um só princípio distributivo, ou conjunto de princípios conectados, aplicados a todo o universo dos bens negligenciariam necessariamente as particularidades de cada bem social.

Se a justiça distributiva decorre dos significados dos bens, as distribuições que não atenderem a tais significados são injustas. E, a justiça requere que as distribuições sejam autônomas, isto é, que nenhum bem seja distribuído por razões exteriores ao seu princípio distributivo derivado do seu significado social.

Exemplificando a distribuição de um bem tal como a saúde a um indivíduo que possui um outro bem (dinheiro) apenas por possuir este, é uma distribuição injusta pois não teve em conta o significado do bem distribuído. Walzer apelidou esta situação de predomínio, precisando a diferença entre o conceito e o de monopólio.

Quando a fronteira entre as esferas distributivas é rompida estamos perante uma situação de predomínio de um bem sobre outros.

Se a este predomínio juntarmos o monopólio desse bem por parte de alguém, ou de um grupo de pessoas, então estamos perante uma situação de dominação. No entanto, o monopólio por si só não representa uma situação injusta, porque é concebível que se consiga alcançar uma posição monopolista sem recorrer a distribuições injustas.

A injustiça acontece quando essa situação se converte através das outras esferas mediante a ação predominante de um bem. Se as trocas injustas estiverem bloqueadas não existe injustiça no monopólio. As desigualdades não se podem multiplicar pelas esferas todas. Podem existir localmente, mas nunca globalmente.

A universalidade contextualista de Walzer implica na origem empírica dos seus postulados. Nenhum princípio abstrato concebido apenas racionalmente pode assumir preponderância sobre as concepções sociais concretas de cada povo. No grupo das teorias da justiça que utilizam metodologias abstracionistas Walzer incluiu também a teoria da justiça de John Rawls.

Para Walzer não se pode construir uma estrutura distributiva alheando as pessoas das suas próprias identidades. Aquilo que as pessoas são depende da relação que elas estabelecem não só com as outras pessoas, mas também com os bens de que necessitam, e suas respectivas formas de distribuição.

Segundo Walzer, pretender abstrair desse estatuto social, que inevitavelmente possuímos, para deliberar sobre os critérios que devem nortear a distribuição, é, no mínimo, inútil.

As distribuições não podem ser entendidas como actos de homens e mulheres que ainda não têm bens especiais na mente ou nas mãos. Na verdade, as pessoas já mantêm uma relação com um conjunto de bens e têm uma história de transações, não apenas umas com as outras, mas também com o mundo moral e material em que vivem.

O problema dos indivíduos quando se preocupam com as distribuições justas é o de saber que solução é a adequada para a sua situação concreta.

Esta relação entre o significado de um bem e a forma de entender a sua distribuição confere ao argumento de Walzer a sua originalidade, e serve de base a toda a sua concepção de justiça distributiva. Se a distribuição dos bens depende dos seus significados sociais, ela nunca poderá ser um processo simples e unificado.

As formas de distribuir os bens serão tantas quantas esses mesmos bens, pois a natureza social destes originará diferentes critérios distributivos. Percebe-se, assim, o alcance da renúncia ao universalismo abstrato, já que aplicado aos esquemas distributivos ele não teria em conta esta ligação particular, mas necessária, entre os diversos bens sociais e os seus respectivos mecanismos distributivos.

Um só princípio distributivo, ou conjunto de princípios conectados, aplicados a todo o universo dos bens negligenciariam necessariamente as particularidades de cada bem social.

A justiça não entendida literalmente, advém do encaixe da pluralidade dos bens na pluralidade de princípios distributivos. Assim, todos tem hipóteses de alcançarem os bens que pretendem pelos motivos corretos, e não dependem da posse de um qualquer bem predominante para os adquirir. Estão sujeitos apenas aos critérios próprios de cada esfera distributiva.

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Notas:


[1] Robert Nozick inicia “Anarquia, Estado e Utopia” afirmando que os indivíduos têm direitos, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer com os indivíduos sem lhes violar os direitos. Para ele, um Estado justo em relação aos seus cidadãos nada mais é do que um Estado que respeita a conduta individual. O livro foi publicado originalmente em 1974, traduzido em 2011 pela Editora WMF Martin Fontes e pode ser obtido aqui. Para quem quiser adquirir a versão publicada em inglês, basta clicar aqui. Trata-se de livro famoso no meio liberal, libertário e conservador. No meio da Ciência Política não ganhou tanta notoriedade quanto o livro “Uma teoria da Justiça”, do também filósofo norte-americano John Rawls. Inclusive, certa parte do livro de Nozick trata-se de uma resposta a algumas ideias do livro do Rawls. Então, se você deseja ler o livro de Nozick, sugiro que leia antes o livro “Uma Teoria da Justiça”, de John Rawls. Sempre ouvi falar positivamente desse livro, e, após a leitura, vejo que o livro correspondeu às minhas expectativas. O autor divide seu livro em três partes. Primeiro ele desenvolve seu raciocínio para sair do Estado de Natureza e chegar no Estado Mínimo, e na moralidade e legitimidade que há nesse Estado Mínimo. Na segunda parte, ele se defende de todo o raciocínio que possa levar ao aumento do Estado nos termos já delineados. Na última parte ele aborda brevemente sobre a possibilidade de sociedades utópicas. Faço a seguinte ressalva para o leitor da área do Direito. Durante a resenha usarei termos sem o rigor jurídico. Preferi usar os termos conforme li na tradução. Quem ler o livro irá notar que a palavra “posse” está sendo usada sem rigor jurídico, podendo significar tanto propriedade quanto posse, e que a palavra “roubo” parece ter o significado de furto.

[2] A teoria de justiça mais influente do século passado foi a idealizada por John Rawls, colocou0se diretamente dentro da tradição, ao propor os princípios da justiça racionalmente como ideais para a estrutura básica para a formação do acordo original. O esquema teórico do filósofo detalhou como é possível pensar a alocação de poder político por meio de cooperação equitativa ao longo do tempo  e durante várias gerações. E, nesse sentido, Rawls necessariamente discorreu sobre como essa alocação de poder deva ser distribuída de modo a evidenciar certos princípios de justiça, que de certa forma consigam privilegiar a possibilidade de consensos sobrepostos inerentes a esse tipo de sociedade plural formada por pessoas livres e iguais em um sistema de cooperação equitativo. Logo, Rawls desenvolveu a ideia de que os princípios de justiça irão atuar na estrutura básica, a fim de promover os valores essenciais para a manutenção desse sistema de cooperação.

[3] O contratualismo em John Locke concebeu um ser humano racional, livre e igual, mas não naturalmente bom, o que seria a motivação para a construção do contrato social. O contratualismo foi uma linha de pensamento filosófico que buscava entender as condições que proporcionaram o surgimento das sociedades civis. Desse modo, o objetivo da criação do Estado para Hobbes é preservar a vida, é deixar de viver sob o constante medo, para Locke é preservar a propriedade que já existe desde o estado de natureza, e para Rousseau é preservara liberdade civil.

[4] Ademais, os bens da afiliação e do poder político apresentados na obra Esferas da Justiça tidos como estruturantes das distribuições dos demais bens em qualquer sociedade, continuam a ser pensados assim, mas passam a ser estritamente compreendidos, enquanto cidadania e Estado, quando se trata da possibilidade concretização do seu ideal de justiça denominado de "igualdade complexa", ao ser aplicado apenas às sociedades democráticas. Esta delimitação, por seu turno, é uma modificação significativa na teoria da justiça de Walzer, de modo que é preciso levar em conta não apenas os conceitos básicos da obra Esferas da Justiça, mas também, as modificações e acréscimos posteriores neste sentido, especialmente, os provocados pela recepção welzeriana das críticas realizadas por David Miller. A interpretação da igualdade complexa tida como igualdade de status, proposta por Miller, bem como o reconhecimento de que no caso das sociedades democráticas é preciso acrescentar a cidadania igualitária ao pluralismo distributivo para que a igualdade complexa ou igualdade de status possa ser obtida.

[5]  É provável que a obra de Walzer tenha sido uma resposta à visão liberal da justiça apresentada por Rawls e apesar de admirá-lo sinceramente. Conforme indicou Nedel, o próprio Walzer, ainda que reconheça que, sem a obra de Rawls, o seu trabalho não teria seguido o rumo que tomou.  A propósito, o comunitarismo é expressão prevalente da concepção de mundo de tipo organístico que marcou quase que incontrastavelmente ou neocomunitarismo como explicou Salvatore, nasceu e se desenvolveu nos EUA, entre os anos de 1973 a 1985, em resposta as duas exigências principais, mas muito diversas. De um lado, trata-se de formular um paradigma político adequado à crise do sistema soviético à consequente multiplicação da identidade cultural e dos vários nacionalismos étnicos, próprios das sociedades pós-coloniais, em vista dos quais o liberalismo não oferece uma resposta adequada. E, de outro lado, em sua versão, mais propriamente normativa, no plano filosófico-político, o comunitarismo constitui-se numa resposta à virada procedimentalista que marca significativamente o ressurgimento da filosofia prática, em virtude da  grandiosa teoria da justiça de Rawls, externada em A Theory of Justice, de 1971.

[6] A investigação conceitual acerca do papel que desempenha o Direito na reconstrução da realidade social. A hipótese central é que o reconhecimento jurídico, como possível forma de compreensão das reivindicações sociais em sociedades democráticas modernas, deixa de cumprir um papel central de emancipação social ao longo da teoria de Honneth. Para tanto, parte-se de uma espécie da localização de Honneth na tradição filosófica daquilo que se denomina Teoria Crítica (Escola de Frankfurt), com objetivo de indicar a sua compreensão metodológica da investigação filosófica, construída a partir do que se chama comumente de “método reconstrutivo”. Apresenta-se, então, uma análise conceitual da noção de Direito nos dois referidos textos de Honneth, partindo-se dos “padrões de reconhecimento subjetivo” em Luta por Reconhecimento e do subtópico sobre a liberdade jurídica em O Direito da Liberdade. Por fim, conclui-se que o teórico alemão não só compreende o fenômeno jurídico de maneiras diferentes no desenvolvimento de sua obra, mas, fundamentalmente, de maneiras contrapostas, principalmente no que se refere à esfera da relação entre direito, ética e emancipação. O título da obra " Direito da Liberdade: modelo de uma eticidade democrática" Das Recht der Freiheit:   Grundriss   einer   demokratischen   Sittlichkeit)  expressa   justamente   essa   opção metodológica de Honneth. “Direito”(“Recht”) está no sentido de direito objetivo, de um sistema ou totalidade  de  valores, que  justifica padrões  de  comportamento ou  normas,  possibilitando,  assim,  a reprodução  das práticas  sociais  e  instituições.  A  reconstrução  do  direito objetivo,  metodologia utilizada  na  filosofia  de  Honneth, consiste,  neste  caso,  na  tentativa  de  justificar  o  conjunto  de instituições fundamentais para compreensão da realidade social. Como um leitor atento já deve ter observado, na medida em que a tentativa de Honneth é uma atualização da clássica obra de Hegel, Princípios da Filosofia do Direito(Grundlinien der Philosophie des Rechts),é importante notar que a  sua  tentativa  não  deve  ser  compreendida  na  linha  dos  estudos  contemporâneos  de  filosofia  do direito,  que  se  concentram  no  fenômeno  do  direito  subjetivo  a  partir  da  filosofia  da  linguagem ordinária, ou mesmo de uma crítica ao sujeito do direito subjetivo. Trata-se, ao revés, de um livro de Filosofia  Política,  no  qual  estão  os  traços  desenvolvidos  daquilo  que  se  apreende  na  filosofia hegeliana por Recht e Sittlichkeit.

[7] A práxis expressa, precisamente, o poder que o homem tem de transformar o ambiente externo, representado, em Marx, pela natureza e pelo meio social em que está inserido. Em resumo, entende-se que a atividade teórica por si só não leva à transformação da realidade, já que não se objetiva, não se materializa, não se torna práxis.  A prática, por sua vez, não fala por si mesma. Teoria e prática são indissociáveis como práxis.

[8] Tocamos aqui no que chamarei de paradoxo político, ou seja, que a política parece constituir uma esfera de justiça entre outras e envolver todas as outras esferas.

[9] Luc Boltanski (4 de janeiro de 1940) é um sociólogo francês, professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) de Paris, onde foi um dos fundadores do Groupe de Sociologie politique et morale .  É conhecida como a figura principal da escola "pragmática" da sociologia francesa, [corrente que se iniciou com Laurent Thévenot  e que também é chamada de teoria das "economias da grandeza" ou "sociologia dos regimes de ação". O trabalho de Boltanski tem uma influência significativa na sociologia, na economia política etc. história social e econômica.

[10] Nesta obra, Pierre Bourdieu analisa os fundamentos sociais da construção daquilo que se convencionou chamar "gosto estético". De uma maneira que se pode chamar "anti-kantiana" este autor acaba por realizar uma verdadeira exegese das categorias simbólicas que estruturam as percepções dos grupos sociais. Neste sentido, é correto afirmar que Bourdieu acaba por dessacralizar os conceitos de "voga", "clássico", "bom gosto", "bom tom" ao demonstrar que estes nada tem de gratuito e que na verdade representam todo um investimento em termos de capital cultural (escolar e não-escolar) realizado por estes grupos no intuito de se distinguirem e afirmarem desta maneira uma suposta superioridade cultural, algo como uma espécie de nobreza sobre os demais. É possível concordar ou discordar da análise empreendida por Bourdieu em La Distinction, porém para todos os que desejam conhecer a fundo a Sociologia, e em especial, a Sociologia da Cultura, é impossível deixar de ler esta obra, reputada como um dos mais brilhantes trabalhos de Sociologia já realizados no mundo, e que tornou Bourdieu (re)conhecido internacionalmente como o sociólogo mais poderoso (no nível das análises) do século XX. Pierre Bourdieu (1930-2002), francês, é um dos grandes sociólogos do século XX. Ele se destaca por ter renovado as ideias de autores clássicos como Durkheim, Marx, Weber, Lévi-Strauss e Mauss, criando um verdadeiro sistema teórico para interpretar a sociedade.

[11] De Civitate Dei (A Cidade de Deus) é uma das obras de Santo Agostinho, onde descreve o mundo, dividido entre o dos homens (o mundo terreno) e o dos céus (o mundo espiritual). Teria sido a obra preferida do imperador Carlos Magno . Uma das criações ou literaturas mais representativas do gênero humano.

[12] A Política das Palavras da Sagrada Escritura, mais conhecida como a Política da Sagrada Escritura, é uma obra de teoria política de Jacques-Bénigne Bossuet na qual ele se esforça para demonstrar os vínculos entre política e religião e para se inspirar nas Sagradas Escrituras, a fim de encorajar um espaço público. que está em plena conformidade com a lei de Deus e a caridade evangélica, no contexto histórico da monarquia absoluta por direito divino. Em 1670, Bossuet foi nomeado tutor do futuro rei, filho de Luís XIV, sendo então responsável pela formação filosófica, política e religiosa do jovem delfim. Para esta importante tarefa, ele também escreveu seu Tratado sobre o Conhecimento de Deus e de si mesmo (1677), uma obra de religião, e seu Discurso sobre a História Universal (1681), destinado a tirar lições do passado.

[13] Hobbes publica em 1651 “Leviatã, ou a matéria , a Forma e o Poder de um Eclesiástico e Civil – Leviatã, na introdução o autor indica o caminho que pretende seguir: “ ... a arte do homem... pode fazer um animal artificial...Mais ainda, a arte pode imitar o homem, obra-prima racional da natureza.Pois é justamente uma obra de arte esse grande Leviatã que se denomina coisa pública ou Estado (Commonwealth) ... o qual não é mais do que um homem artificial, embora de estatura muito mais elevada e de força muito maior que a do homem natural, para cuja proteção e defesa foi imaginado. Nele, a soberania é uma alma artificial, pois que dá a vida e o movimento a todo corpo... A recompensa e o castigo... são os seus nervos. A opulência e as riquezas de todos os particulares, a sua força. Salus populi, a salvação do povo, e a sua função... a equidade e as leis são para ele razão e vontade artificiais. A concórdia é a sua saúde, a sedição sua doença, e a guerra civil sua morte. Enfim, os pactos e os contratos que, na origem, presidiram a constituição, agregação e união das partes desse corpo político, assemelham-se ao Fiat ou façamos o homem, pronunciado por Deus na criação.”

[14] O contrato social é fundamentado em um pacto convencional, por meio do qual os cidadãos, em condições justas, abrem mão de seus direitos individuais e consentem com o poder de uma autoridade na qual depositam confiança. O Estado, resultante desse acordo tem o dever de proteger os cidadãos

[15] O primeiro livro da Riqueza das Nações explica toda a mudança e adaptação das forças produtivas do trabalho, e como essas mudanças impactaram as diferentes classes sociais. Adam Smith procura investigar como, em seu tempo, ocorrera um aumento significativo na produtividade comparada aos O Segundo Livro trata da natureza da reserva de capital, de sua acumulação e das quantidades de trabalho que ela põe em movimento, de acordo com os diversos modos de seu emprego. Como a qualidade do trabalho é a circunstância mais importante para o atendimento das demandas da sociedade e como a proporção de trabalhadores empregados em trabalhos úteis depende da quantidade da reserva de capital empregada para colocá-los para trabalhar, isso justifica esse Segundo Livro. O Terceiro Livro trata da forma como a política de algumas nações privilegiou mais as atividades das cidades do que as do campo e como ocorreu notadamente na Europa. A diferença na forma como as atividades são fomentadas implica diferenças na grandeza de sua produção.

[16] Saint-Simon foi considerado um notável socialista utópico, o primeiro a admitir a necessidade de uma economia planificada. Dava grande importância a uma produção abundante e eficiente, a utilização do conhecimento científico e tecnológico voltados para a produção, em benefício ao interesse geral Um dos primeiros socialistas utópicos foi Conde de Saint-Simon (1760 - 1825), que teorizou a divisão da sociedade entre “produtores” e “ociosos”. Nesse aspecto, ele acreditava que a sociedade deveria ser composta por uma maioria de produtores capazes de gerar riquezas. Segundo Saint-Simon, as empresas capitalistas poderiam existir desde que assumissem várias responsabilidades sociais para com a classe trabalhadora. Saint-Simon (1760 – 1825), acreditava que uma sociedade se dividia entre os produtores e ociosos. Por isso, defendeu outra sociedade onde a oposição entre operários e industriais deveria ser reconfigurada.

[17] É em Hobbes que a luta por autoconservação se torna a base de uma teoria contratualista, afinal os sujeitos até podem viver em comunidade, mas não cabe a estes a constituição intersubjetiva das normas de convívio social e sim a um agente externo regulador, o Leviatã. A natureza humana torna-se, para Hobbes, uma situação problemática e ininterrupta, uma guerra de todos contra todos – pois são conduzidos pela autoconservação individual. O contrato social surge, então, como decisivo para interromper esta luta, ao mesmo tempo em que encontra nesta a justificativa para seu surgimento. O que resta de similar entre Hobbes e Maquiavel é que “eles veem do mesmo modo como o fim supremo da práxis política impedir reiteradamente aquele conflito sempre iminente”. Honneth entende que esta luta por autoconservação é insuficiente para conceber uma sociedade justa, pois o que fundamenta o contrato não é a vontade interna dos sujeitos e sim algo externo a eles. A primeira etapa da formação da identidade dos indivíduos é o que Honneth chama de dimensão do amor. Esta deve ser compreendida como a esfera das relações primárias, a esfera das relações íntimas, da amizade e da família. É necessária essa pontuação, pois é claro para o autor que o reconhecimento amoroso não se aplica a todas as relações sociais, e sim é restrito a pequenos grupos sociais.  Nesta esfera têm-se como exemplo máximo as relações entre mãe e filho, pois é a esfera das ligações emotivas fortes e está intimamente relacionada ao reconhecimento corporal dos outros seres.

[18] A diferenciação do conceito de poder no pensamento de Habermas nasceu em duas obras. A primeira, a Teoria da ação comunicativa, onde introduziu a concepção de poder reduzida à ação racional com respeito aos fins, enquanto que na segunda obra, Facticidade e Validade. Habermas introduziu o conceito de poder comunicativo, em oposição ao poder administrativo. E, tal diferenciação indica uma abertura da própria ideia de ação comunicativa para a política e para os princípios do Estado de Direito. Pois o procedimentalismo e o uso público da razão implicam em constantes disputas que envolvem a comunicação e o poder. O conceito, portanto, fornece as bases para a esfera pública influenciar politicamente o sistema político por meio de meio extraordinário de circulação do poder político.

[19] A teoria de Winnicott sobre a comunicação contempla uma dimensão paradoxal. Ao reconhecer diferentes necessidades do self individual, Winnicott salienta tanto a necessidade de que o sujeito possa comunicar-se com os objetos, como a necessidade de que certos aspectos do self permaneçam continuamente não-comunicados. O percurso profissional e teórico de D. W. Winnicott que exerceram influência marcante no seu pensamento. São ainda destacadas algumas linhas do debate que ele, implícita ou explicitamente, travou com as diferentes áreas do conhecimento científico de sua época - a pediatria, a psiquiatria, em especial a infantil, a psicologia acadêmica e sua principal  interlocutora, a psicanálise tradicional, representada por Freud e Melanie Klein - sobre temas centrais de sua obra,  tais como a natureza do psíquico, a hereditariedade, o desenvolvimento humano e a saúde e a doença psíquicas.

[20] A teoria de Marshall sobre a cidadania enfoca os interesses dos grupos e a criação de direitos de cidadania pelo Estado e sustenta, com base nos estudos sobre a sociedade inglesa, que esses direitos tendem a progredir do âmbito legal para o político, e então para os direitos sociais.

[21] Para Honneth, a solidariedade é uma espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus modos distintos de vida, já que se estimam entre si de maneira simétrica. Em resumo, a distinção das três esferas do reconhecimento a dos afetos e da autoconfiança; a das leis e direitos, do autorrespeito; a da solidariedade social e da autoestima.

[22] Para Walzer a pluralidade é uma constatação inevitável que a reflexão sobre a realidade social deve incorporar e não tentar dissipar. A teoria da justiça de Walzer  assume esta pluralidade de duas formas complementares: por um lado, tal como vimos na análise que atrás efetuamos, são as concepções culturais de uma comunidade  que devem servir de ponto de partida para a reflexão filosófica sobre a justiça; mas por outro lado, como teremos oportunidade agora de demonstrar, sendo os múltiplos  bens diferentes entre si, os princípios que regem a sua distribuição devem ser também eles diferentes e adequadas à respectiva natureza social de cada bem. A justiça é plural não só porque a sua configuração pode diferir de sociedade para sociedade, mas também porque as distribuições justas de uma comunidade são distribuições diferenciadas internamente.

[23] Nancy Fraser nasceu em Baltimore, nos Estados Unidos, em 1947. Graduou-se em 1969 no Bryn Mawr College, uma faculdade privada exclusiva para mulheres, e defendeu seu doutorado em 1980 na City University of New York (CUNY). Lecionou no departamento de filosofia da Universidade de Northwestern por muitos anos antes de se mudar para a New School for Social Research, em 1995, onde é professora titular de filosofia e política. Também já foi professora visitante em universidades na Alemanha, França, Espanha e Holanda.

[24] [O direito da liberdade], o livro mais recente de Axel Honneth representa, por um lado, a tentativa mais sistemática de organizar sua teoria, que - como se sabe - tem seu centro no conceito de reconhecimento, e, por outro, a tentativa de atualizar o pensamento hegeliano. É necessário considerar este último objetivo para melhor entender os alcances e os limites do primeiro. Em geral, tem-se a impressão de que o autor, ao seguir de perto a estrutura da Filosofia do direito de Hegel, coloca sua própria teoria em um corpete rígido e justo demais. A proximidade com Hegel parece mais evidente na segunda parte do livro, a mais propriamente sistemática, que é estruturada de forma tripartida e segue de perto a estrutura da seção "Eticidade" da Filosofia do direito. À parte sobre família do texto hegeliano corresponde, no texto de Honneth, a parte sobre relações pessoais; àquela sobre sociedade civil corresponde a parte sobre o mercado; finalmente, à parte sobre o Estado corresponde a parte sobre o Estado democrático. Não se trata de meras analogias formais, já que a pretensão é atualizar o pensamento hegeliano, livrando-o da sobrecarga metafísica

[25] A teoria sistêmica de Luhmann enfatiza os sistemas autopoiéticos, ou seja, os sistemas vivos, psíquicos e sociais, sobretudo este último, uma vez que o intuito do autor foi o de elaborar uma teoria geral da sociedade. Esses três sistemas, além de autopoiéticos, são também autoreferentes e operacionalmente fechados. Luhmann apresenta a sua descrição da sociedade como sistema social que envolve a totalidade das comunicações. Sem comunicação não há sociedade, e fora da sociedade não há comunicação. Os limites da sociedade são os limites da comunicação; limites estes, que variam historicamente. Niklas Luhmann (1927-1998) foi um dos mais influentes sociólogos do final do século  XX, tendo deixado uma vasta obra que soma cerca de 14 mil páginas e uma série de  seguidores que se dedicam atualmente a refletir e dar continuidade a seu pensamento.  Tendo concluído o bacharelado em direito, foi advogado e trabalhou na administração pública de Lüneburg, Alemanha, cidade onde nasceu. Ao passar um período de um ano nos Estados Unidos, na Universidade de Harvard, foi aluno de Talcott Parsons, referência no debate sociológico e autor de uma original teoria estrutural-funcionalista. Após retornar à Alemanha, abandonou a administração pública para se dedicar à vida acadêmica, consolidando-se como professor no recém-criado Departamento de Sociologia da Universidade de Bielefeld, onde atuou entre 1969 e 1993. Confrontado com a exigência de nomear o projeto de investigação em que trabalharia, respondeu que o seu projeto seria o de uma teoria da sociedade. E complementou: tempo estimado: trinta anos; custo do projeto: nenhum (Luhmann, 2006). O relato citado encontra-se no prefácio da sua última e mais importante obra publicada em vida: Die Gesellschaft der Gesellschaft (A Sociedade da Sociedade), publicada originalmente em 1997, pouco antes de seu falecimento.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Democracia Justiça Distributiva Esferas da Justiça Walzer Igualdade Complexa

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