Entre os princípios e regras. A trama da Teoria Geral do Direito
O conceito de norma jurídica e a distinção entre duas de suas espécies (regras e princípios), não é assunto recente, mas ganhou maior atenção contemporânea em teoria do direito, principalmente em face das obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy. E, os critérios usados para fazer a distinção mostram-se muito diversos e, por vezes, até inconciliáveis entre si. Não vige consenso se, por exemplo, se entre os princípios e regras existe relação de cogeneralidade, ou se há relação de especialidade, ou ainda, se existe uma relação não entre os dois tipos conceituais mas sim, uma relação entre dois modos distintos de aplicar os enunciados normativos.
A
distinção entre as duas espécies de normas jurídicas, a saber: regras e
princípios que não é tema recente, mas é muito contemporâneo contido na Teoria
Geral do Direito[1].
Em particular, nas obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Os critérios para
elaborar a distinção entre esses, mostram-se diversos e, até, por vezes,
inconciliáveis entre si.
Não
vige consenso se, entre os princípios e as regras há uma relação de
congeneralidade, quando são considerados como gêneros autônomos de categorias
normativas, ou há uma relação de causalidade quando seriam duas espécies de uma
mesma categoria conceitual, designada de norma jurídica.
Ou
ainda, uma relação não entre dois tipos conceituais bem definidos, mas sim, uma
relação entre dois modos distintos de aplicar os enunciados normativos aos
casos concretos. Existem consideráveis divergências dentro de cada uma dessas
hipóteses.
A
doutrina aponta critérios bastante diversos, como a fundamentalidade, a
generalidade e a estrutura lógica. Vem se tornando pacífico em doutrina que a
distinção entre princípios e regras é uma distinção entre os tipos normativos,
o que não reduz as polêmicas e controvérsias.
Credita-se
ao fato de que os referidos critérios podem ou não ser compatíveis entre si, a
depender de modo que sejam interpretados. Há diferentes formas coerentes da
distinção em qualquer das hipóteses citadas e, não se deve ir de encontra a
isso. Cumpre destacar que os critérios usados para compor a distinção entre
princípios e regras que devem ser justificados pela sua utilidade, que teriam
para a reconstrução de certos fenômenos observados na prática.
Há
duas ou três posições acerca da distinção princípio/regra, uma que traça uma
distinção “forte”, outra traça uma distinção “tênue” e, ainda, outra que
rejeita por completo a possibilidade da distinção.
As
primeiras manifestações têm como representantes Dworkin e Alexy. E, as duas
derradeiras menções, surgiram como forma de críticas feitas às posições
sustentadas por esses dois doutrinadores de peso, mas uma breve análise da
distinção “forte”[2],
tal como proposta por Dworkin e Alexy e, sim, em segundo lugar pelo empenho de
algumas críticas que foram colocadas contra essa distinção “forte” e, em favor
da distinção “fraca” ou tênue mesmo em favor da impossibilidade de delinear
qualquer distinção entre os princípios e as regras.
Analisando
a tese “forte” da distinção defendida por Dworkin e Alexy[3]. A tese defende que há
diferença de caráter lógico entre princípios e regras. Porém, essa tese não é a
mais difundida na doutrina pátria que, em geral, tem-se ocupado em defender uma
tese que até se pode denominar de “fraca”, pois advoga a distinção de grau,
seja de grau de fundamentalidade, de abstração ou generalidade.
Importante
é a contribuição da doutrina espanhola, através de Manuel Atienza[4] e Juan Ruiz Manero deram
para a distinção “forte” entre princípios e regras jurídicas. Convém destacar
uma das críticas que tais doutrinadores formularem à tese de Alexy de
princípios como mandamentos de otimização[5] (In: ATIENZA;
Manero, 2004. P. 23-68).
O
maior representante da referida corrente doutrinária no Brasil é Humberto
Bergmann Ávila e seus argumentos apontam para um distinção entre os princípios
e regras feita a partir de vários critérios empregados. Trata-se de uma
distinção complexa.
A
exposição da Teoria de Humberto Ávila nos permite um olhar a partir de tese que
em muitos pontos se opõe à teoria de Robert Alexy. Ávila desenvolveu uma
curiosa divisão tripartite, fundada em critérios distintos daqueles adotados
pela separação lógica ou qualitativa de Dworkin e de Alexy.
Por
fim, as objeções feitas por Virgílio Afonso da Silva ao que ele denomina
sincretismo metodológico abrem espaço para a compreensão da diferença entre o
conceito de princípios tradicionalmente adotado no Brasil e o de Robert Alexy.
A
partir da crítica do professor titular de Direito Constitucional da USP, será
possível apresentar algumas outras considerações a respeito da doutrina
brasileira diante da teoria dos princípios.
Humberto
Ávila, ao propor sua dissociação entre princípios e regras, que talvez seja a
mais importante na doutrina brasileira, explica que são duas as finalidades
fundamentais da distinção entre essas categorias normativas.
A
primeira consiste em antecipar características das espécies normativas de modo
que o intérprete ou aplicador, ao encontrá-las, tenha facilitado o processo de
interpretação ou aplicação. A segunda, em aliviar o ônus de argumentação do
aplicador, permitindo minorar a sobrecarga argumentativa que sobre ele pesa.
Humberto
Ávila tem como premissa básica de sua teoria a distinção entre texto e norma.
Em suas palavras: “normas não são textos nem conjunto deles, mas sentidos
construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. E
continua: “os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas,
no seu resultado”. Segundo o autor, interpretar é construir a partir de algo;
significa, portanto, reconstruir.
Humberto
Ávila conclui essa distinção preliminar afirmando:
"Enfim, é justamente porque as normas
são construídas pelo intérprete a partir dos dispositivos que não se pode
chegar à conclusão de que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou um
princípio.
Essa
qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não são incorporadas
ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo intérprete.
(...) O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de
valores e a manutenção ou busca de determinados bens jurídicos essenciais à
realização daqueles fins e à preservação desses valores". (2010, p. 34) In:
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 11ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
O
objetivo de expor os argumentos propostos por Dworkin em favor da tese “forte”
do direito da distinção e, ainda, de dar conta dos progressos e correções que
foram conferidos aos referidos argumentos na teoria de Alexy, a distinção entre
os princípios e regras jurídicas como uma tentativa de explicar a estrutura de
normas de direitos fundamentais.
O doutrinador
e Ministro do STF Luís Roberto Barroso também se mostra temeroso em relação aos
“exageros principialistas” na doutrina e jurisprudência brasileiras. Ao que
parece, o único consenso, quando se trata da distinção entre princípios e
regras, é o temor em relação efeitos que a aplicação inadequada pode causar.
Efeito
muito difundido consiste na colaboração dos princípios para o retorno do
decisionismo. Humberto Ávila, por exemplo, afirma que ao redirecionar a
aplicação do ordenamento para os princípios sem indicar os critérios
minimamente objetiváveis para sua aplicação, a doutrina “aumenta a injustiça
por meio da intensificação do decisionismo”. Ávila entende que a aplicação
intensamente subjetiva ou flexibilizado rá lança as bases para que o conservadorismo
seja legitimado.
Ronald
Dworkin elaborou sua distinção como uma das bases teóricas para fazer ataque
geral ao positivismo, principalmente, a versão proposta por seu antecessor
Herbert Hart. Ainda segundo Dworkin, o positivismo fornece um modelo de sistema
jurídico constituído exclusivamente por regras o que é insuficiente para dar
conta da solução dos casos difíceis (hard cases) quando usam standards[6]
que operam e funcionam de modo distinto das regras.
Dworkin[7] partiu de problema
concreto para refutar o positivismo proposto por Hart, pois o conceito
positivista de aplicação do Direito seria criticável a partir da seguinte
situação: um juiz quando não há regra aplicável ao caso concreto, ou quando a
regra aplicável indeterminada, deve tomar uma decisão discricionária, isto é,
deve criar uma solução nova para o caso concreto.
A tese
que Dworkin propõe para refutar essa situação é que um sistema jurídico é
constituído não somente por regras jurídicas, como defende o positivismo de
Hart[8], mas também por
princípios.
Na
obra intitulada "O conceito de direito Hart" se enfrenta o
questionamento de toda e qualquer teoria jurídica, qual seja a pergunta que é o
Direito?
E, para tanto é necessário saber: (1.º) em que
se diferencia o Direito das ordens respaldadas por ameaças; (2.º) em que se
distingue a obrigação jurídica da obrigação moral[9]; (3.º) que são as normas
jurídicas e, em que medida, o Direito é uma questão de normas.
Em
outras palavras, alguns dos problemas fundamentais da teoria jurídica
encontram-se no âmbito das relações entre: o Direito e a coerção, o direito e a
moral e o Direito e as normas.
Ao
buscar dar uma resposta a estas questões, Hart desenvolve uma teoria do Direito
com duas características fundamentais: (a) é geral, no sentido que busca explicar
qualquer sistema jurídico vigente nas complexas sociedades contemporâneas[10].
E,
como bem adverte Cotterrell, “não resulta e qualquer tentativa [...] de definir
‘o Direito’ ou ‘um Direito’ e procure, em troca, um conceito de Direito que o
conceba como um conjunto de práticas sociais” (In: Cotterrell, 1989, p. 92); e
(b) é descritiva, posto que pretende elucidar a estrutura do Direito e o seu
funcionamento sem considerar, deste modo, a justificação moral das práticas
jurídicas analisadas. (In: AUSTIN[11], J. L. How to do
things with words. Oxford: Clarendon Press, 1982; COTTERRELL, Roger.
The politics of jurisprudence. A critical introduction to legal
philosophy. Londres e Edimburgo: Butterworth, 1989; DWORKIN, Ronald. The
philosophy of law. Oxford: University Press, 1977; ––––––. Los
derechos en serio. Tradução de Marta Guastavino. 4ª. ed. Barcelona: Ariel,
1999).
Dessa
forma, um juiz quando se deparar com a situação de não haver regra aplicável ao
caso concreto, ou ainda, quando a regra aplicável é indeterminada deve-se tomar
uma decisão discricionária, isto é, deve criar a solução para o caso concreto.
É a norma in concreto.
A tese que Dworkin propõe para refutar essa situação é que um sistema jurídico é constituído não somente por regras, como defende o positivismo de Hart[12], mas também por princípios.
Desta forma, um juiz, se deparar com a situação de não haver regra aplicável ao caso concreto ou ser a regra ser indeterminada (casos difíceis), não deve tomar uma decisão completamente discricionária, pois tem o dever de tomar a decisão a partir da aplicação rigorosa dos princípios jurídicos.
Dworkin
identificou dois critérios para distinguir os princípios das regras jurídicas?
O primeiro deles é o de que as regras se diferenciam dos princípios a partir de
um ponto de vista lógico, em razão do tipo de solução que oferecem.
As
regras operam de forma tudo ou nada (all or nothing -fashion)[13] ou que é dizer o mesmo,
as regras operam na dimensão da validade. Se ocorre o suposto de fato
comandado, proibido ou permitido por uma regra, então ou a regra é válida, e
então as duas consequências jurídicas são obrigatórias, ou a regra não é
válida, e então ela não deve ser aplicada, ou seja, suas consequências jurídicas
não contam em nada para a decisão.
Em
outros termos, ou a regra é aplicada, em sua inteireza (por completo), ou ela
deve ser por completo não aplicada (em absoluto).
Já os
princípios, por sua vez, não possuem a estrutura disjuntiva das regras pois não
estabelecem claramente os supostos de fato cuja ocorrência torna obrigatória a
sua aplicação, nem que consequências jurídicas devem surgir a partir de sua
aplicação, ou seja, os princípios não determinam por completo uma decisão, pois
apenas servem de razões que contribuem a favor de uma decisão ou outra.
Dentro
do dilema grego, mais precisamente na tragédia Antígona de Sófocles, o tirano
Creonte insiste em aplicar as Leis da Pólis, porém, Antígona as viola porque
considera que as leis dos deuses são eternas, irrevogáveis e superiores aos
códigos dos homens e, por isso estas devem ser obedecidas.
Creonte
promulgou uma lei proibindo que aqueles que atentassem contra a Pólis fossem
sepultados, e assim, estabeleceu a morte como pena por desobediência. Polinice,
irmão de Antígona, havia combatido na guerra civil contra seu irmão Etéocles, que
apoiava Creonte. Etéocles foi sepultado, mas Polinice não. Antígona
perturbou-se com a situação e seguiu o direito divino que determinava que um
membro da família deveria ser sepultado por seus parentes ou seu espírito não
teria descanso.
E, por
sua desobediência às leis da Pólis. Antígona sofreu as sanções nestas
previstas, mas declarava estar com sua consciência tranquila por ter agido
conforme o que ordenavam, as mais sagradas leis dos Deuses.
E,
para Antígona[14]
(...) viver com o conhecimento de sua incapacidade de agir seria negar o
significado à sua vida e fazer dela uma não-existência. (MORRISON, 2006),
enquanto Creonte considerava que o governante, a quem o Estado conferia poder,
deveria ser obedecido até nas mínimas coisas, fossem justas ou injustas e
justificou sua atitude com a afirmação de que a desobediência do governante era
uma desgraça: “[...] ela destrói os Estados, leva os lares à ruína e, nos
combates, traz consigo a derrota dos exércitos” (SÓFOCLES, 1994)[15].
Dworkin
também identificou outros standards além dos princípios e políticas. O termo princípio
em sentido amplo para designar tanto os princípios em sentido estrito, como as
políticos. O emprego da expressão “suposto de fato” como um terno genérico para
indicar aquilo que uma regra comanda, proíbe ou permite.
Rigorosamente
este suposto de fato pode referir-se tanto ao “estado das coisas” como a
performação de ação. Ou seja, uma regra pode comandar, proibir ou permitir a
criação, modificação e a extinção de um certo estado de coisas, ou pode
comandar, proibir ou permitir a performação de uma certa ação (ou omissão).
Essa
distinção ainda poderia ser mais aprofundada, o que não é necessário por ora. O
segundo critério que segue até mesmo da distinção de caráter lógico acima
disposta, é o de que os princípios possuem uma dimensão que as regras não
possuem: a dimensão de peso.
Esse
critério é definido pela importância ou pelo peso relativo que um princípio tem
em relação ao outro princípio quando os dois colidem em um mesmo caso concreto.
Com
efeito, quando dois princípios colidem em um caso concreto, a decisão é tomada
em virtude de um princípio (P1) ter diante das circunstâncias concretas, uma
importância ou peso relativo maior do que o do outro princípio colidente (P2)
fato esse que não impede que em uma decisão posterior, mudadas as circunstâncias
concretas, essa situação de prevalência se inverta, e o princípio que na
primeira situação tinha um peso relativo maior, agora tenha um peso relativo
menor do que P2.
Essa
situação fica ainda mais evidente, de acordo com Dworkin (2002) quando
comparada com o conflito de regras.
Sendo
assim, em uma colisão entre princípios, é necessário realizar uma ponderação
entre eles, de forma proporcional, buscando harmonizá-los sempre que possível,
podendo até deixar de aplicar partes de um princípio, mas sempre respeitando o
seu núcleo fundamental.
A
colisão entre princípios ocorre na dimensão da validade. Quando há colisão
entre princípios, um deles será invalidado. Quando há conflito entre regras,
uma delas deverá, necessariamente, ser invalidada.
Objetivando
resolver as colisões entre princípios, utiliza-se o método de ponderação entre
princípios constitucionais. Após concluir pela necessidade da ponderação,
deve-se buscar no caso concreto, os limites imanentes dos princípios envolvidos
para se ter certeza da existência real do conflito entre eles.
Quando
ocorre um conflito entre princípios, um dos princípios prevalece em detrimento
do outro. O fator determinante de qual princípio deverá prevalecer, deverá ser
levado as circunstâncias do caso concreto. Assim, o conflito deve ser
solucionado por meio da técnica da ponderação de interesses.
Como
os princípios se manifestam juridicamente? Os princípios se apresentam como
normas universais do sistema medida que são usadas como um parâmetro capaz de
assegurar uma natureza interpretativa, na qual podem ser bastante úteis quando
se colocam como instrumentos que atuam como preenchedores, onde se manifestam
as lacunas jurídicas.
Quando,
por exemplo, uma regra comanda algo que uma outra regra proíbe sem que se tenha
previsto nenhuma exceção em nenhuma delas, o conflito, só pode ser resolvido
mediante pode ser resolvido mediante declaração de invalidade de uma das
regras, ou seja, por meio da declaração de que uma das regras não mais pertence
ao ordenamento jurídico.
Ainda
no caso de colisão de princípios, essa declaração de invalidade não ocorre,
pois ambos os princípios colidentes permanecem válidos e, portanto, continuam
ambos pertencendo ao ordenamento jurídico. O que acontece é que, no caso
concreto, um princípio cede em detrimento de outro.
Atente-se
que quanto à maneira tudo-ou-nada de aplicar as regras há uma objeção de que
não se pode prever todas as exceções possíveis a determinada regra, ou seja, é
possível que seja formulada uma nova exceção a uma regra que até então era
desconhecida.
Dworkin
rebateu afirmando que se pelo menos, teoricamente, é possível listar as
exceções que possam existir a uma regra essa objeção não procede.
Ademais
o que importa notar é que a tese de que o conflito de regras possui uma
estrutura completamente distinta da colisão de princípios fornece um critério
justificante para manter a distinção.
Se não
é possível listar todas as exceções possíveis a uma regra é pelo menos possível
saber que supostos de fato não valem como exceção (por exclusão). Isso, por si
só, já seria suficiente para comprovar o argumento de que não é necessário
listar todas as exceções possíveis a uma regra para provar que uma regra é
aplicada da maneira tudo-ou-nada.
Dworkin
aponta dois modelos que caracterizam e diferenciam as regras e os princípios
como classes logicamente diferentes de normas. O primeiro modelo é o da
aplicabilidade de tipo tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion) presente
nas regras.
O
segundo modelo consiste na dimensão de peso (dimension of weight), que
falta às regras, mas que possuem os princípios. Tentemos compreender de forma
mais aproximada dessa hoje já clássica proposição teórica.
Enquanto
as regras são aplicáveis a partir de um critério de tudo-ou-nada, este critério
não vale para os princípios. Assim, ou a regra é válida e, então, se deveriam
aceitar os seus efeitos jurídicos, ou a regra não é válida e, por isso, não
fundamenta nem pode exigir qualquer consequência jurídica.
Como a
possibilidade de exceções não pode prejudicar esse resultado, uma formulação
completa e a mais adequada de uma regra precisa incluir todas as exceções.
Princípios, ao contrário, não determinam, quando verificado um caso de sua
aplicação, uma decisão concludente segundo uma formulação pronta e acabada[16].
Diversamente,
os princípios veiculam motivos, que falam por uma decisão. Outros princípios
que, de seu lado, segundo sua formulação seriam também aplicáveis, podem
preceder um outro princípio no caso concreto.
Porém,
graças ao seu caráter não concludente, não se mostram necessárias (todas), como
nas regras, as exceções que seriam de acolher numa formulação completa desse princípio.
Regras
são aplicáveis segundo um modelo de tudo-ou-nada, pois se os fatos estipulados
por uma regra estão dados, então, ou a regra é válida, situação na qual a
resposta que ela fornece precisa ser aceita, ou não é válida, circunstância na
qual ela não contribui em nada para a decisão.
Diversamente,
com os princípios, em um caso concreto, a sua aplicabilidade não se apresenta
de forma obrigatória, pois, nem mesmo os princípios que mais se aproximam de
uma regra estipulam consequências jurídicas que se devam seguir automaticamente
quando presentes as condições previstas em seu conteúdo.
Robert
Alexy elaborou com maior ênfase a distinção proposta por Dworkin e, com isso,
conferiu-lhe maior precisão conceitual. Parte de dois pressupostos básicos
muito semelhantes aos de Dworkin: o de que a distinção entre princípios e
regras é uma distinção entre duas espécies de gênero chamado “norma”; o de que
a distinção tem um caráter qualitativo, e não de grau.
A
contribuição decisiva de Alexy foi ter desenvolvido a tese dos princípios como
mandamentos de otimização. Desta forma, o referido doutrinador desenvolveu a
teoria dos princípios a partir de modelo conceitual semântico de norma. Partiu
de uma norma propriamente dita, uma norma que para Alexy é o significado de um
enunciado normativo.
Toda
norma pode ser expressa por enunciado normativo através do uso de expressões
deônticas como “proibido”, “permitido” e “comandado”.
A
norma, para Alexy, é o significado de um enunciado que diz que algo dever-ser.
Segundo Alexy (2008), direitos fundamentais e normas de direitos fundamentais
seriam sempre dois lados da mesma moeda, muito embora tal distinção seja
necessária.
As
normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma
determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência;
quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou
nada (Dworkin).
As
regras, ao contrário dos princípios, expressam deveres e direitos definitivos,
ou seja, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que
ela prescreve, nem mais, nem menos. (In: LEITE, Gisele. Regras, normas e
princípios. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/regras-normas-e-principios
Acesso em 7.5.2023).
Alexy
foi taxativo ao afirmar que uma norma ou é regra, ou é princípio. O termo
“mandamento” é ora adotado de forma genérica, para incluir os operadores
deônticos “comandar” (ou que é obrigatório que, proibir, permitir, ou é
permitido que).
É
interessante notar a interdefinibilidade desses três operadores, ou seja, cada
um deles pode ser definido a partir da realização de algumas operações lógicas
simples com os demais. Por exemplo, o operador deôntico simples como os demais
pode ser definido como a conjunção de negações dos operadores “comandar” e
proibir, ou seja, quando algo é permitido pode ser definido com a conjunção das
negações proibir, ou seja, quando algo “é permitido” significa que esse algo é
“não comandado” ou “não proibido”.
É
importante notar que Alexy, apesar de reconhecer a diversidade de critérios que
se pode usar para traçar a distinção, concentra seus esforços em aprofundar os
critérios utilizados por Dworkin.
No que
se refere ao primeiro critério, o de que as regras são aplicadas de maneira
tudo-ou-nada (all-or-nothing) Alexy (1988) critica a postura de Dworkin
em defender que é teoricamente possível listar todas as exceções a uma regra,
pelo simples fato de que elaborar, tal lista, é epistemologicamente, impossível
já que é impossível a qualquer ser humano prever todas as situações fáticas,
caso ocorressem como exceções a certa regra.
Em
outras palavras, Alexy defende que a tese de Dworkin de que as regras são
aplicadas de maneira tudo-ou-nada pressupõe a possibilidade de conhecimento de
todas as exceções a todas as regras.
Essa
constatação implica em outra: se não é possível conhecer todas as exceções
possíveis a uma certa regra, então também não seria possível nem formular
completamente a regra enquanto tal, nem muito menos deduzir com algum grau aceitável
de certeza as consequências jurídicas que decorreram da aplicação dessa regra a
um caso concreto.
Alexy
ainda argumenta que se fosse possível conhecer todas as exceções possíveis às
regras, então também seria possível conhecer todas as exceções possíveis aos
princípios, fato que conduziria a distinção entre princípios e regras a uma
mera distinção de grau, e não de estrutura lógica, como o próprio Dworkin
sugere.
No que
se refere ao segundo critério, o de que os princípios possuem uma dimensão que
as regras não possuem (dimensão ou peso).
Alexy
concorda integralmente com Dworkin, porém, avança e desenvolve a ideia dos
princípios como mandamentos de otimização.
Os
princípios, de acordo com Alexy, são normas que demandam que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e
jurídicas.
Isso
conduz à tese de que os princípios podem ser satisfeitos (concretizados) em
vários graus e que esse grau de satisfação depende não só do que é possível
juridicamente.
As
regras, por sua vez, são normas que são satisfeitas ou não. Se uma regra é
válida, então o mandamento é fazer exatamente o que ela prescreve, nem mais,
nem menos.
Enquanto
os princípios possuem um grau de satisfação variável, as regras possuem um grau
de satisfação fixo na dimensão do que é fática e juridicamente possível.
Nota-se
que a ideia de princípio terem graus de satisfação variável e, de que as regras
terem grau de satisfação fixo, do ponto de vista teórico, o que não implica em
afirmar nem que os princípios nunca podem ser realizados completamente nem que
as regras nunca podem ser realizadas apenas parcialmente[17].
Esse
ponto é de especial destaque, porque boa parte das objeções que a teoria dos
princípios de Alexy recebeu e gira em torno de saber se uma regra sempre é
satisfeita completamente, e de saber se um princípio é satisfeito apenas
parcialmente.
O
próprio Alexy reconhece em nota de rodapé na versão inglesa da teoria geral do
direito que isso não ocorre. A diferença entre regras e princípios pode ser
utilizado como instrumento limitador a atividade jurisdicional do juiz. Em
regra, todo magistrado deve fundamentar as suas decisões, conforme art. 93, IX,
da Constituição Federal brasileira vigente[18].
O juiz
não poderá decidir arbitrariamente. Trata-se de um dever imposto aos
Magistrados a fundamentação de todas as decisões que vier a proferir, sob pena
de nulidade.
Sendo
possível ao juiz decidir exclusivamente em princípios, posto que sejam normas.
Para Alexy, princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na medida
do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Trata-se
de um "mandado de otimização". Os princípios apresentam um grau de
generalidade mais alto que as regras.
Diferentemente
das regras, os princípios não são aplicáveis segundo um modelo de tudo-ou-nada,
apresentando apenas uma dimensão de peso ou de importância (the dimension of
weight or importance).
Conforme
afirma Borowski (2007), o critério de diferenciação das regras (o modelo do
tudo-ou-nada) e tem como pressuposto a possibilidade de enumeração completa das
exceções à regra, já que, segundo o esquema sugerido por Ronald Dworkin, uma
formulação completa de uma regra precisaria conter todas as exceções possíveis
e uma tal exigência seria também possível.
No
caso dos princípios, diferentemente, as suas exceções não seriam teoricamente
enumeráveis. (In: M. Borowski. Grundrechte als Prinzipien.
Grundrechte als Prinzipien Series: Kieler Rechtswissenschaftliche
Abhandlungen (NF) Volume 11 2ª. Edition 2007). Também disponível em: https://api.pageplace.de/preview/DT0400.9783845290881_A35721466/preview-9783845290881_A35721466.pdf Acesso
em 7.5.2023.
Em
síntese, pode-se afirmar que Robert Alexy fez uma leitura axiológica do
ordenamento jurídico, ao passo que Dworkin fez uma leitura deontológica[19] desse mesmo ordenamento
jurídico. O primeiro concebe os princípios como valores e defende a solução de
eventuais conflitos entre estes deve ser feito mediante a aplicação do
princípio da proporcionalidade[20], com uso de ponderação de
bens.
Para
Dworkin entende que o conflito aparente entre os princípios é conflito entre
normas jurídicas e, como tal, deverá ser resolvido mediante o reconhecimento do
caráter deontológico dos princípios, tendo em vista o caso concreto e considerando
o direito em sua integridade.
Primeiramente,
Dworkin apresentou a ideia de princípios em razão da sua controvérsia com
Herbert Hart, um positivista britânico. De fato, a controvérsia existente entre
Hart e Dworkin é ponto nevrálgico da história do direito contemporâneo e, se
concentrou no ponto sobre a ausência de regras (lacunas do Direito).
Já
Hart defendeu uma liberdade quase ilimitada para o julgador decidir, ao passo
que Dworkin entendeu que o juiz estava limitado pelos princípios. Concentrou
Dworkin nos hard cases, ou seja, as situações para as quais não há
regras, que deveriam ser solucionadas pelos princípios.
Importante
consignar que a teoria de Alexy é bem posterior a de Dworkin, por essa razão,
se mostra mais refinada, quase sendo uma espécie de desdobramento. Alexy
desenvolveu a noção de princípios como mandados de otimização.
Deve
ser feito o máximo, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas para que
seja um princípio implementado. Por isso, também Alexy admitiu que os
princípios podem ser satisfeitos em graus diferentes, o que Dworkin não
cogitou.
A
teoria de Alexy os princípios podem limitar a aplicação das regras. Isto é, as
próprias regras podem ter satisfação parcial em razão da consideração dos
princípios como mandado de otimização. E, no controle de constitucionalidade
pátrio[21], acontece a interpretação
do texto constitucional vigente e na declaração de nulidade parcial sem redução
de texto.
Enfim,
a teoria de Alexy ainda contempla uma técnica para solução de conflito entre princípios,
que é a técnica da ponderação, ou o princípio ou postulado da
proporcionalidade.
A
crítica enfocando à teoria dos princípios de Alexy não é capaz de colocar em
xeque a ideia básica de que somente princípios são objetos de sopesamento e de
que somente regras são aplicadas via subsunção, pois é possível encontrar
saídas teoricamente válidas (ainda que difíceis) dentro do próprio contexto teórico
fornecido por Alexy. Com isso dito, creio que os pontos levantados refutam
convenientemente a objeção apontada em primeiro aspecto.
Quanto
à objeção, ou seja, quanto à objeção de que princípios, como mandamentos de
otimização, possuem uma estrutura similar à das regras, pois ou otimizam, ou
não otimizam, é importante introduzir uma distinção entre comandos para
otimizar e comandos para serem otimizados.
Poder-se-ia argumentar que os princípios, em
sendo comandos para otimizar, tornam obrigatório o resultado ótimo, e, então,
tornam aceitável o argumento de que somente esse resultado ótimo seria devido.
É precisamente por isso que se torna plausível, à primeira vista, o argumento
de que princípios, no final das contas, acabam por ter uma estrutura idêntica à
das regras.
Existe,
no entanto, uma diferença sutil, mas muito relevante, entre comandos para otimizar
e comandos para serem otimizados.
Dessa
forma, os comandos para serem otimizados representam princípios enquanto
deveres ideais, isto é, enquanto comandos para atingir estados de coisas
ideais, e que devem ser concretizados na maior medida possível (quando
convertidos em deveres reais).
De outra parte, os comandos para otimizar não se situam no nível dos princípios como objetos de sopesamento (enquanto princípios na iminência de serem otimizados), mas, sim, num metanível dos princípios que têm como seu objeto de comando os próprios comandos para serem otimizados, ou seja, dos princípios que demandam que os comandos para serem otimizados sejam realizados na maior medida possível. Os comandos para otimizar, portanto, são satisfeitos não pela exigência de serem eles próprios otimizados, mas, sim, pela exigência de otimização dos comandos por eles comandados.
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[1]
A teoria geral do direito é uma linguagem científica que tenta explicar a
linguagem jurídica sobre as diferentes formas de manifestação do direito. É uma
forma de “simplificar” a linguagem jurídica dentro de sua complexidade e buscar
a sua “generalização” a fim de explicá-la teoricamente. A Teoria Geral do
Direito busca uma visão compreensiva sobre a epistemologia, vale dizer, a
origem, a natureza e os limites do Direito, suas ideologias, metodologias e
conceitos gerais, e também, sobre a natureza e aplicação das leis, dentro de
uma Sistema de Normas. A Teoria Geral do Direito (TGD) é o estudo dos conceitos
fundamentais e universais do direito, ou seja, das características que são
comuns a todos os sistemas jurídicos. Ela busca uma visão compreensiva sobre a
epistemologia (origem, natureza e limites) do direito, suas ideologias,
metodologias e conceitos gerais, e também sobre a natureza e aplicações das
leis. A despeito do viés unificador, a TGD está longe de ser uma visão
uniforme, pois inúmeras escolas de pensamento dão-lhe interpretações díspares e
concorrentes. Em crítica do jusfilósofo Hans Kelsen, as teorias do direito se
pretendem "científicas", ou seja, exatas e empíricas, mas de fato são
parciais aos julgamentos éticos e morais de seu meio.
[2]
A tese “forte” da distinção entre princípios e regras é defendida, sobretudo,
por Dworkin e Alexy. É a tese que defende que há uma diferença de caráter
lógico entre princípios e regras. Essa não é a tese mais difundida na doutrina
brasileira, que, em geral, tem-se ocupado em defender uma tese que se pode
denominar “fraca” da distinção entre princípios e regras, pois advoga uma
distinção de grau, seja de grau de fundamentalidade, de abstração ou de
generalidade.
[3]
Dá Robert Alexy aos princípios valor normativo. Com isso derruba as teorias
positivistas que relegavam os princípios a um plano secundário, subsidiário.
“Tanto as regras como os princípios também são normas, porquanto, ambos se
formulam através de expressões deônticas fundamentais, como mandamento,
permissão e proibição”; II. Reabilitação da razão prática: buscam-se
procedimentos (regras de argumentação) que possam dar respostas racionais aos hard
cases (colisão de princípios), repelindo, assim, as teorias decisionistas
do direito e a discricionariedade postulada pelo positivismo jurídico; e,
ainda, enfatiza a importância da pretensão de correção no raciocínio jurídico
III. Aproxima a teoria moral à teoria do direito – reabilitação da axiologia
dos Direitos Fundamentais. “A teoria dos princípios oferece um ponto de partida
adequado para atacar as teses positivistas de separação entre Direito e moral”
(ALEXY, 1997, p. 15) e “a positivação dos direitos fundamentais constituem uma
abertura do sistema jurídico frente ao sistema da moral, abertura que é
razoável e que pode ser atingida por meios racionais” (ALEXY, 1997, p. 25). IV.
Dá relevância crucial à dimensão argumentativa na compreensão do funcionamento
do direito8 ALEXY, Robert. Derecho e razón prática. México: Fontamara, 1993.
______. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático: para a
relação entre direito do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição
constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p.
67-79, jul./set. 1999. ______. On the structure of legal principles. Ratio Juris,
Bologna, v. 13, n. 3, sept. 2000. ______. Teoria de los derechos fundamentales.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
[4]
Manuel Atienza Rodriguez é um jurista e filósofo do direito espanhol. Formou-se
em Direito na Universidade de Oviedo (1973) e posteriormente obteve o título de
doutor em Direito pela mesma universidade (1976), com tese sobre filosofia do
direito na Argentina, sob a direção de Elías Díaz. Trabalhou na área acadêmica
e foi professor e conferencista em inúmeras universidades ao redor do mundo,
bem como em tribunais e escolas judiciais. Além de Elías Díaz, reconheceu
publicamente que Juan Ramón Capella, Felipe González-Vicén, Javier Mugüerza e
Gustavo Bueno, na Espanha, influenciaram decisivamente sua formação e trabalho;
Carlos Santiago Nino, Ernesto Garzón Valdés, Genaro Carrió, Carlos Alchourrón,
Eugenio Bulygin, Roberto Vernengo e Ricardo Gibourg, na Argentina; Renato
Treves, na Itália; e Robert S. Summers, nos Estados Unidos.
[5]
Seguindo a concepção de Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou
seja, normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de
acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Os
princípios funcionam como mandados de otimização. Mandado, aqui, é sinônimo de
ordem, então eles são ordens para que se realize o máximo possível para a
implementação de um direito, de acordo com as circunstâncias fáticas e
jurídicas. Eles vão ter sempre um cumprimento gradual, na medida das
possibilidades.
[6] Dworkin também identifica outros standards
além dos princípios e das regras e faz uma distinção entre princípios e
políticas (policies), por exemplo. Não é relevante traçar essa distinção aqui.
Apenas cabe notar que uso o termo princípio em sentido amplo para designar
tanto os princípios em sentido estrito, como as políticas (policies).
[7]
Ronald Myles Dworkin (1931-2013) foi influente tanto no âmbito da filosofia do
direito quanto no da filosofia política. Sua teoria do direito como integridade
apresentada em seu livro intitulado Império da Lei, na qual os juízes
interpretam a lei em termos de princípios morais consistentes, está entre as
teorias contemporâneas mais influentes sobre a natureza do direito. De acordo com
uma pesquisa do Journal of Legal Studies, Dworkin foi o segundo acadêmico do
direito mais citado do século XX. Ele recebeu o Prêmio Comemorativo
Internacional Holberg em 2007 por "seu trabalho acadêmico pioneiro"
de "impacto mundial". Dworkin defendeu uma "leitura moral"
da Constituição dos Estados Unidos e uma abordagem interpretativista do direito
e da moralidade. Quando faleceu, Dworkin ainda exercia a função de professor de
Direito e Filosofia na Universidade de Nova York e de teoria do direito na University
College London. Anteriormente, Dworkin já havia lecionado na Faculdade de
Direito de Yale e na Universidade de Oxford, onde foi Professor de
Jurisprudência e sucedeu o renomado filósofo H. L. A. Hart.
[8]
Hart pretendia, sim, elaborar uma teoria capaz de esclarecer, nos casos
centrais do fenômeno jurídico, qual a relação entre o direito e a moralidade, o
que as regras têm a ver com o direito e qual o papel da coerção em um sistema
jurídico. Essa teoria sobre a natureza dos fenômenos inegavelmente jurídicos
deveria ser testada por sua capacidade de fazer avançar a investigação teórica
e/ou auxiliar na deliberação moral, e não por sua capacidade de oferecer
sinônimos para a palavra “direito” em cada um de seus usos comuns, como se Hart
estivesse escrevendo um verbete para algum dicionário. A obra seminal de Hart,
porém, foi publicada em 1961. O Conceito de Direito,5 em sua primeira edição, é
considerado, mesmo por seus maiores críticos, uma das obras primas da Teoria do
Direito do século XX. Por hora, vale dizer que grande parte da Teoria do
Direito contemporânea passa pela discussão se adota ou refuta as premissas de
Hart. Na obra “O conceito de direito “Hart se enfrenta com o questionamento
mais inquietante de toda e qualquer teoria jurídica, qual seja a pergunta que é
o Direito? Segundo sua opinião, para encarar este questionamento é necessário
saber: (1.º) em que se diferencia o Direito das ordens respaldadas por ameaças;
(2.º) em que se distingue a obrigação jurídica da obrigação moral; (3.º) que são
as normas jurídicas e, em que medida, o Direito é uma questão de normas. Em
outras palavras, alguns dos problemas fundamentais da teoria jurídica
encontram-se no âmbito das relações entre: o Direito e a coerção, o direito e a
moral e o Direito e as normas.
[9]
Para o positivismo jurídico a separação conceitual entre o Direito e a moral é essencial.
Em outras palavras, a existência e o conteúdo do Direito estão determinados por
fatores que fazem com que o Direito esteja sujeito à apreciação moral, mas
isto, por si mesmo, não garante o seu valor moral. A relação entre o Direito e os
valores e princípios morais não é necessária, mas sim contingente e, neste
sentido, o Direito é moralmente neutral. Mas, sobretudo, é preciso entender que
a separação entre o Direito e a moral apregoada pelo positivismo hartiano tem
raízes em um ato moral, em um ato político, qual seja preservar a autonomia e a
liberdade individuais da interferência estatal exorbitada (paternalismo
jurídico) e de terceiros (seja do domínio das maiorias ou da tirania das
minorias).
[10]
Para o positivismo jurídico a separação conceitual entre o Direito e a moral é
essencial. Em outras palavras, a existência e o conteúdo do Direito estão
determinados por fatores que fazem com que o Direito esteja sujeito à apreciação
moral, mas isto, por si mesmo, não garante o seu valor moral. A relação entre o
Direito e os valores e princípios morais não é necessária, mas sim contingente
e, neste sentido, o Direito é moralmente neutral. Mas, sobretudo, é preciso
entender que a separação entre o Direito e a moral apregoada pelo positivismo
hartiano tem raízes em um ato moral, em um ato político, qual seja preservar a
autonomia e a liberdade individuais da interferência estatal exorbitada
(paternalismo jurídico) e de terceiros (seja do domínio das maiorias ou da
tirania das minorias). Como já havia destacado Von Wright, “a moralidade
transcende a legalidade no sentido de que censura as leis e as decisões dos
tribunais de justiça.
[11]
John Langshaw Austin (1911-1960) foi filósofo da linguagem britânico que
desenvolveu uma grande parte da atual teoria dos atos de discurso. Filiado à
verdade da Filosofia Analítica interessou-se pelo problema do sentido em
filosofia. Alinhou-se com Ludwig Wittgenstein, preconizando o exame da maneira
como as palavras são usadas para elucidar seu significado. Entretanto, o
próprio Austin considerava-se mais próximo da filosofia do senso comum de G.E.
Moore. Elaborou um estudo sobre conceitos de verdade e falsidade, qualificando
os atos de fala como sendo verdadeiros ou falsos a depender da descrição que é
feita. Iniciou as ideias sobre o performativo, onde o falar implica num fazer,
diferenciando estes atos de meras descrições, porque nada descreviam, nada relatavam,
etc.
[12]
Hart acreditava que, se compreendêssemos a lei dessa forma moralmente inerte,
estaríamos sempre em guarda contra possíveis abusos cometidos pela lei. Note-se
bem que, segundo essa posição, abusos não são cometidos simplesmente quando a
vontade discricionária de uma pessoa ou de um grupo se coloca acima da lei. Os
teóricos mais recentes do positivismo jurídico negam qualquer necessidade de
obediência ao direito positivo fundada em exigências morais ou de justiça. A
obra de Herbert Lionel Adolphus Hart, professor de Filosofia em Oxford,
intitulada Positivism and the Separation of Law and Morals é ápice do
desenvolvimento teórico do positivismo jurídico, especialmente na questão da
separação entre direito e moral e sua relação com a obediência às leis. Diante
de sua representatividade no contexto da teoria jurídica a obra de Hart tem,
assim, justificada sua escolha neste trabalho para analisar a questão da
obediência ao direito. Trata-se de um dos principais pontos de ataque dos
jusnaturalistas ao positivismo, atribuindo, por exemplo, as consequências
funestas dos totalitarismos da Segunda Guerra Mundial a essa concepção teórica.
[13]
Para Dworkin as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing),
no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é
a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é
considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser
considerada inválida. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios.
As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a
norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras
vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin).
[14]
A distinção conceitual entre “direito positivo” e “direito natural” está
presente em toda a tradição do pensamento jurídico ocidental, sendo direito
natural aquilo que é por natureza e direito positivo aquele posto ou
convencionado pelos homens (BOBBIO, 1995). A defesa da existência de um direito
natural contraposto ao direito positivo e localizado acima deste foi feita pelo
teóricos do jusnaturalismo. Na antiguidade, Aristóteles compreendia o direito
natural como universal e com um valor próprio, com bondade objetiva, enquanto o
direito positivo teria eficácia apenas local e estabeleceria ações que só se
tornariam obrigatórias após formuladas as leis. Para Bobbio (1995, p. 25),
nesta época clássica, o direito positivo prevalecia sobre o direito natural
quando houvesse um conflito e, ele também, cita como exemplo o caso de
Antígona.
[15] Antígona é sentenciada à morte, mas como era noiva do filho de Creonte, Hémon, o Rei muda a sentença para uma morte mais dolorosa. Antígona seria enterrada viva em uma caverna para que morresse de inanição. Hémon ao saber do destino da amada tenta persuadir o pai a ter mais benevolência e menos tirania em suas ações. Mas suas tentativas são em vão. Antígona é levada à caverna, mas quando o Rei recebe as terríveis profecias de Tirésias (o mesmo que apresentou as profecias que levaram Édipo à sua queda) parte com seus soldados para a caverna. Infelizmente o início de sua maldição tem lugar: Antígona estava pendurada pelo pescoço, se enforcou com as cordas de sua roupa, aos seus pés Hémon suplicava aos deuses pela vida da amada. Ao ver o pai assassino, Hémon não encontra outra saída e se suicida com um punhal. Mas a via crucis de Creonte ainda está longe de ter fim, ao retornar ao palácio fica sabendo que sua esposa Eurídice, quando descobriu que a morte de Hémon tinha sido pelas mãos de Creonte, matou não apenas a si, mas também a seu outro filho Megareu. Resta a Creonte se maldizer pela eternidade.
[16]
Para Bobbio (1995, p. 26-29), com a criação do Estado Moderno ocorreu um processo de monopolização da
produção jurídica por parte do Estado e
o juiz, que antes era um livre órgão da sociedade podendo escolher entre as várias possíveis normas a aplicar
(direito positivo ou normas de direito natural como princípios de razão ou
equidade), tornou-se um órgão do Estado,
subordinado ao legislativo, que deve aplicar normas derivadas deste ou normas reconhecidas de alguma
maneira pelo Estado (consuetudinárias). O direito positivo aos poucos tornou-se
o único e verdadeiro direito e o Estado seu único criador.
[17]
Essa ideia é criticável porque, pelo menos do ponto de vista prático, um
princípio está quase sempre em relação com outros princípios, ou seja, o grau
de satisfação de certo princípio quase sempre depende do grau de não
importância em satisfazer outros princípios. Assim, a realização de certo
princípio parece quase sempre ser limitada pela realização de outros
princípios, no caso concreto. Isso torna a possibilidade dos princípios como
mandamentos de maximização pouco relevante do ponto de vista prático, mas não
impossível no plano teórico.
[18] "IX- Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação". Sendo assim, com base nas premissas estabelecidas, conclui-se que o princípio constitucional da motivação/fundamentação das decisões judiciais é norma jurídica e vincula o entendimento e aplicação das demais normas que com ele se conectam, não havendo espaço para a discricionariedade dos juízos/cortes superiores, no que tange à aplicação do tema 339 ou da técnica per relationem.
[19]
Trata-se de uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente
necessário e serve para nortear o que realmente deve ser feito. Por esse
motivo, é conhecida como “A Teoria do Dever”. O termo deontologia também deriva
de duas palavras gregas deon, que significa "dever,
"obrigação" e lógos, que significa "razão",
"lógica", "ciência". Assim, a ética pode ser entendida como
a orientação do caráter, enquanto a deontologia é a ciência do dever.
[20]
De acordo com Alexy, uma colisão de princípios é solucionada mediante
ponderação. Quando dois princípios colidem em um caso concreto, não é possível
solucionar essa colisão declarando um dos princípios como inválido (e,
portanto, eliminando-o do ordenamento jurídico), ou inserindo uma cláusula de
exceção em um deles. O que acontece é que, em face de determinadas
circunstâncias concretas, um princípio tem um grau de importância maior em ser
satisfeito do que o outro, fato esse que não impede, como já notou Dworkin,
que, mudadas as circunstâncias concretas, a situação se inverta.