Dupla imbatível: Ignorância & Violência

Desde a introdução das primeiras redes sociais, ainda no início da década de 2000, esses espaços e as plataformas que os sustentam se transformaram em legítimo campo de batalha quando o tema se refere as fronteiras da liberdade de expressão.  A ONU, por meio da UNESCO realizou em fevereiro de 2023 sua Primeira Conferência Global para abordar as ameaças à integridade da informação e liberdade de expressão nas plataformas de redes sociais. Trata-se de um combate as notícias falsas, aos discursos de ódio e a incitação à violência, o que torna imperiosa a regulação legal e jurídica das plataformas digitais e redes sociais.

Fonte: Gisele Leite

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A pior violência é a ignorância. Não há nada mais terrível que a Ignorância ativa” (Goethe[1],1749-1832). Afinal, ignorar a dor presente na porta das escolas, dentro do peito das mães, pais e responsáveis é, na verdade, uma escolha empresarial egoísta e insana. Constata-se que as empresas de tecnologia estão perdendo a disputa sobre a regulação legal e jurídica de seus negócios, conforme bem esclareceu Rafael Mafei em seu recente artigo na Revista Piauí.

E, a peremptória recusa em adotar políticas mais adequadas e incisivas de moderação quanto ao conteúdo promove um terror e desclassifica a credibilidade das plataformas.

Afinal, as empresas milionárias da tecnologia[2] precisam entender que a liberdade de expressão não proíbe nem impede a moderação de conteúdo principalmente aquele que promove terror, fake news e outras aleivosias contemporâneas.

As postagens contendo ameaças, incitação ao ódio, apologia à violência seja contra estudantes, professores, profissionais da educação, política e, outros segmentos, tornou explícito o que veio se formando anteriormente e na surdina.

As empresas de tecnologia, principalmente as plataformas digitais e virtuais que oferecem interação social tal como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, Kwai e, outras congêneres, estão perdendo o espaço por não anuir na adequada regulação sobre seu modelo de negócio e, assim, tornarão inviáveis sua sobrevivência na internet normal.

Provavelmente, mergulharam e se afogaram na Deep Web[3], que tem sido uma caixa de ressonância para ilícitos de quase todos os gêneros, desde fraudes bancárias, previdenciárias, de crédito, até insultos, discursos de ódio, stalking e, até mesmo, estupro virtual[4].

Ficou evidente na manifestação do Ministro da Justiça, Flávio Dino, até escolas, educadores, famílias e crianças, que penam para decidir como fazer frente às mensagens deletérias que circulam, nas redes, com eficiência invencível.

Até o STF entrou no contexto, com o Ministro Luís Roberto Barroso, um tradicional aliado da ampla liberdade da circulação de ideias, expressando abertamente a posição de que “tornou-se inevitável” a regulação das plataformas.

Em audiência pública, recentemente, realizada no STF a respeito do artigo 19 do Marco Civil da Internet[5], que impõe condição para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos de terceiros. "(...), o representante da META sugeriu que o meio para combater os conteúdos capazes de gerar efeitos danosos deveria ser sendo o de sempre, ou seja, a busca e repressão pelas empresas, numa busca de contínua (e inútil) melhoria de suas políticas internas, porém, sem a alteração da regulação legal e jurídica que ora vige (ou melhor, a falta desta), com a ficciosa ampla liberdade para não se remover conteúdos impróprios, a ser por ordem judicial, tudo fica mais difícil e, bem mais criminoso.

Ademais, outra gigante é o Twitter que afirma ter regras de moderação a respeito do conteúdo relacionado aos ataques violentos e, em reunião vindoura afirmou que mostrará os limites para continuar fazer a repressão necessária.

Os discursos são explícitos e sinceros sobre sua plena indisposição de seguir caminhos adequados e mitigar os danos causados pela divulgação de imagens e conteúdos impróprios, criminosos e buscar a responsabilização de seus perpetradores.

Enfim, a recente decisão da empresa Twitter[6] em responder à imprensa[7] foi manifestada com um emoji de excremento[8], o que identifica a má vontade para os questionamentos que lhes são dirigidos seja pela sociedade, pelos governos que são impactados diariamente, seja em vidas individuais de seus cidadãos que são vilipendiados constantemente, sem haver dó nem piedade.

Acredita-se que a internet nasceu, se desenvolveu e chegou ao atual crescimento sob o magnânimo valor político das democracias que é a liberdade, porém, há três direitos específicos atrelados à liberdade, a saber:  a liberdade de expressão, já que qualquer um passou a ser capaz de dizer ao mundo aquilo que bem quiser;  a liberdade de informação, pois os canais para divulgação de fatos, opiniões e denúncias tornaram-se infinitamente maiores, como também as opções para quem deseja se informar;  e, ainda a liberdade de iniciativa econômica, que permite a exploração de negócios inovadores, baseados em conexões de bilhões de pessoas em rede[9].

O tratamento e a aplicação da liberdade de expressão pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Sabe-se que a jurisprudência de um país reflete a forma de pensar de toda uma nação e pauta a conduta dos seus cidadãos.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal é órgão máximo do poder judiciário, é guardião da Constituição Federal brasileira vigente, e protetor dos direitos e garantias fundamentais por ela assegurados e o Superior Tribunal de Justiça[10] é guardião da Legislação Federal cabendo a ele se manifestar sob a aplicação desta. Assim, o tema é de extrema relevância e pertinência, pois analisa a abordagem constitucional e infraconstitucional desta garantia nos órgãos de cúpula do Poder Judiciário. Pretende-se, portanto, demarcar o espaço reservado à liberdade de expressão ou pelo menos tentar fazê-lo.

Vige grande dificuldade de sistematização de acórdãos haja vista a grande imprecisão das decisões que na maioria das vezes trazem os mesmos fundamentos para razões absolutamente distintas.

É preciso apesar da dificuldade, delimitar o espaço que a liberdade de expressão ocupa no Brasil contemporâneo[11], ou pelo menos, aquilo que restou.  Em tempo: usamos o termo “o que restou” no sentido de que são tantos e tão intensas as restrições a esse direito que chegamos a acreditar que não há qualquer segurança quanto ao seu exercício.

Mas, a organização dessas redes sociais sob a forma de empresas privadas sendo orientadas somente para a obtenção de lucros, tornou um desses motores sendo o econômico, predominante sobre os demais[12].

Quando forçadas a refletir sobre outras oportunidades, as empresas de tecnologia não tiveram problemas em trocar um “naco” da liberdade que afirmam defender (talvez, a nossa, no caso) para chegarem a bom termo com os reguladores e garantir o sucesso de seus modelos econômicos.

A despeito de venderem a sensação de que estamos em um mundo sem barreiras ou fronteiras e sem limites, as plataformas de internet tornaram-se, por sua arquitetura, formas de controle e monitoramento comportamentais altamente eficientes.

Ao menos do ponto de vista das redes sociais, seu modelo de negócios baseia-se na ideia de que a forma de consumo de conteúdos por seus usuários torna-os suscetíveis a campanhas de convencimento (e viva o algoritmo) manipulando leitores e participantes ativos das redes sociais (até os famosos influenciadores digitais) para consumo de produtos, serviços ou ideologias, revelando-se ser altamente eficazes em comparação com modelos anteriores de comunicação, publicitária ou política.

Nos dias 21 a 23 de fevereiro de 2023, a Unesco promoveu uma Conferência Global para discutir um esboço de diretrizes de regulamentação das plataformas digitais elaborado por meio de um processo de consulta a representantes de diversos setores da sociedade civil e dos Estados, que teve início em setembro de 2022.

Segundo a Unesco, o objetivo dessas diretrizes:

      "é apoiar o desenvolvimento e a implementação de processos regulatórios que garantam liberdade de expressão[13] e o acesso a informações, bem assim tratar o conteúdo ilegal e aqueles que poderiam colocar em risco significativo a democracia e o gozo de direitos humanos" (UNESCO, 2023, p. 4).

Ainda segundo o documento, as referidas diretrizes constituem uma "intimação" para que os Estados implementem uma regulação compatível com normas internacionais que versem sobre direitos humanos e com o artigo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[14] (PIDCP)

O documento contém mais de 30 (trinta) páginas de diretrizes[15], o que sinaliza a complexidade do tema. Tais diretrizes permeiam todo o processo de regulação de plataformas digitais pelos Estados nacionais, principiando com o enfoque geral da regulação, seguido pela descrição das responsabilidades das diferentes partes interessadas (UNESCO, 2023, p. 6 et seq.).

No âmbito da Conferência, a UNESCO definiu princípios a serem observados na regulação das plataformas digitais, quais sejam:

1. Respeito aos direitos humanos na curadoria e moderação dos conteúdos, com base em políticas de privacidade, através de algoritmos e atividade humana, resguardada a adequada proteção e suporte aos moderadores;

2. Plataformas transparentes, no sentido de políticas, ferramentas, sistemas e processos de acesso facilitado e universal;

3. Empoderamento dos usuários sobre o entendimento das decisões a serem tomadas dentro das plataformas e avaliação da qualidade das informações;

4. Responsabilização das plataformas em relação a seus usuários, playeres e sociedade para implementação de seus termos de serviço e políticas de conteúdo, inclusive direitos de reparação ao usuário contra decisões relacionadas ao conteúdo;

5. Devida diligência das plataformas para avaliação de impactos e riscos das suas políticas e práticas em face dos direitos humanos.

Particularmente, a extrema oralidade das redes sociais que navegam num mar de LIVES abusivas e outras informativas, só empobrecem as leituras necessárias e, ainda, alimentam o séquito de seguidores sem qualquer discernimento.

Em muitos casos, o produto final, que vem embalado em papéis de presente com belos slogans tipo: como “conectamos pessoas” e “damos voz a todos”, acaba sendo desinformativo, manipulador ou coercitivo. Isso é o oposto da liberdade.

O discurso escolhido pelas big techs para sustentar seus interesses econômicos, e defender uma regulação mais favorável ao seu modelo de negócios, mudou.

Era mais fácil que o discurso libertário “colasse” quando essas empresas, mesmo quando já eram gigantes econômicas transnacionais e tinham suas imagens associadas a hippies simpáticos que se tornaram inesperadamente bilionários por terem criado espaços virtuais que promoveriam aquilo que de mais intrinsecamente humano temos, como o anseio por sociabilidade, a criatividade e a liberdade expressiva.

Mas, na medida em que atores nocivos aprendem a usar essas ferramentas para perseguir objetivos deletérios tanto a comunidades quanto a indivíduos, o efeito do discurso de sempre já não mais é o mesmo.

É inequívoco que inimigos declarados do regime político que mais se associa à liberdade, que é a democracia, descobriram como usar plataformas para desafiar e enfraquecer a própria democracia.

Como também é inequívoco que agentes interessados em promover terror social que, igualmente, impedem a ação livre porque coagem e intimidam e, realmente, podem fazê-lo hoje sem precisar armar explosivos pelos lugares.

E, desde que não façam postagens explícitas e literalmente incitadoras, com ordens diretas e verbos no imperativo comandando mortes e ataques (e quem faz isso?), haverá representantes de plataformas defendendo que eles possam fazê-lo.

Mas, isso ocorre não porque essa defesa seja uma exigência da liberdade, pois não é; mas porque essa possibilidade ainda interessa aos modelos de negócios das companhias de tecnologia, a despeito dos custos sociais que esta acarreta. Ouçam o mantra: “O lucro é o meu pastor e nada me faltará” (perdoem-me a ironia).

Quando estudantes temem ir à escola e, simultaneamente, existem professores dão aula assustados sob a influência daquilo que consomem pelas redes sociais, conclui-se que a liberdade não está vencendo. Estamos atrelados inexoravelmente ao mundo digital...

Nesse contexto, a recusa em adotar políticas mais incisivas (e, provavelmente mais eficazes) de moderação de conteúdo[16] só piora a credibilidade do discurso das plataformas.

Ressalve-se que juridicamente, não existe incompatibilidade entre preservação da liberdade de expressão[17] e o uso do poder de moderação[18] de conteúdos em casos como os reclamados por Ministro Flávio Dino[19].

A possibilidade de moderar, naturalmente significa, limitar o que é postado e como certas mensagens podem ser postadas, faz parte da liberdade de iniciativa das empresas, pois é o que permite que cada uma delas dê às suas plataformas as características que desejam. É o que ocorre quando certas redes sociais proíbem pornografia ou até perfis de paródia[20].

É provável que nem mesmo os representantes políticos da extrema direita, que cinicamente batem continência solene e ruidosa pela liberdade de expressão enquanto comemoram perseguição policial aos adversários políticos e, atuam para intimidar a imprensa, fariam oposição à maior moderação nesses casos. Nem aqueles que defendem abertamente o armamentismo e o slogan “como bandido bom é bandido morto”[21].

Assim como a Idade da Pedra não terminou por escassez de pedras, a era da regulação legal e jurídica pautada pela moderação das próprias plataformas digitais e virtuais, não acabará com as redes sociais por falta de conteúdo que se deveria moderar. E, nem condenará a extinção a liberdade de expressão.

O que não se pode admitir que o mundo digital ameace o mundo real e banalize a vida e vilipendie a dignidade da pessoa humana[22].

Referências

AGÊNCIA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto atribui à Anatel regulação das plataformas digitais em operação no Brasil. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/927967-PROJETO-ATRIBUI-A-ANATEL-REGULACAO-DAS-PLATAFORMAS-DIGITAIS-EM-OPERACAO-NO-BRASIL Acesso em 16.4.2023.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A sociedade em rede. v. 1 São Paulo: Paz e Terra, 2011

ECKERMANN, Johann Peter. Conversações com Goethe nos últimos anos e sua vida. (1823-1832) Tradução de Mário Luiz Frungillo. São Paulo: Unesp, 2016.

JORNAL DA USP. PACHECO, Denis; É possível combater a desinformação e os discursos de ódio na internet? Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/e-possivel-combater-a-desinformacao-e-os-discursos-de-odio-na-internet/ Acesso em 16.4.2023.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 297.

MAFEI, Rafael. Ignorar a dor na porta das escolas é escolha empresarial. Não dever legal. Coluna: Questões de Mídia e Direito. Revista Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/ignorar-dor-na-porta-das-escolas-e-escolha-empresarial-nao-dever-legal/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_157&utm_medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 14.4.2023.

MENDONÇA, Felipe; QUINTILIANO, Leonardo David. Regulação das plataformas digitais: o Brasil no caminho do debate global. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-10/mendonca-quintiliano-regulacao-plataformas-digitais Acesso em 16.4.2023.

NUCCI, Guilherme. Bandido bom é bandido morto? Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/bandido-bom-e-bandido-morto/ Acesso em 14.4.2023.

TAFURI, Rodrigo. Liberdade e Identidade na era pós--moderna: conflitos e contradições entre a abertura e a insegurança. Disponível em: https://www.ufjf.br/graduacaocienciassociais/files/2010/11/Liberdade-e-identidade-na-era-p%C3%B3s-moderna-conflitosecontradi%C3%A7%C3%B5es-entre-a-abertura-e-a-inseguran%C3%A7a-parte2.pdf     Acesso em 14.4.2023.

UNESCO. Windhoek + 30 Declaration: information as a public good, World Press Freedom Day 2021. UNESCO World Press Freedom Day International Conference, Windhoek, Namibia. [2021]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000378158. Acesso em: 14 mar. 202323.

UNESCO. Guidelines for regulating digital platforms: a multistakeholder approach to safeguarding freedom of expression and access to information. Internet for Trust - Towards Guidelines for Regulating Digital Platforms for Information as a Public Good. Paris, [2023]. Disponível em: https://bityli.com/JQV14. Acesso em: 14 mar.20 23.

INTERNET GOVERNANCE FORUM. Décima Sétima Reunião do Fórum de Governança da Internet. Relatório resumido. [2022]. Disponível em: https://mail.intgovforum.org/IGF2022_summaryreport_final.pdf. Acesso em 14 mar. 2023.

Notas:

[1] Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832) nasceu em Frankfurt, na Alemanha. Foi poeta, dramaturgo, romancista e ensaísta e é considerado o maior nome da literatura alemã. Escreveu obras mundialmente consagradas como Fausto e Os sofrimentos do jovem Werther.

[2] As novas tecnologias, outra característica fundamental dos dias atuais, sejam elas corporais, emocionais ou eletrônicas, estão intimamente relacionadas ao movimento de superficialização e intensidade imagética. A extensão e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, especialmente, introduziram novos tipos de relacionamentos, representações e identidades sociais mais complexas e enredadas do que há quarenta ou sessenta anos, por exemplo. A Internet, e recentemente as redes sociais virtuais (como Facebook, Orkut, Twitter, MySpace entre outras), e aparelhos que permitem o compartilhamento de dados e informações, como I-Phones, I-Pods e I-Pads e computadores, notebooks e celulares com vários dispositivos promovem a circulação de infinitas informações que vão sendo complementadas e substituídas a todo instante, dando novos sentidos ao tempo e ao espaço.

[3] O termo Deep Web é usado para denotar uma classe de conteúdo na Internet que, por várias razões técnicas, não é indexada pelos mecanismos de pesquisa. Deep web é o nome dado para uma zona da internet que não pode ser detectada facilmente pelos tradicionais motores de busca, garantindo privacidade e anonimato para os seus navegantes. É formada por um conjunto de sites, fóruns e comunidades que costumam debater temas de caráter ilegal e imoral.

[4] O estupro virtual e outras situações similares têm impactado nas legislações. Exemplo disso foram as recentes alterações no Código Penal introduzidas pela Lei 13.718/2018, que trouxeram seis importantes mudanças nos crimes contra a dignidade sexual. Antes disso, a partir de uma demanda da própria sociedade da informação, em 2009 foi sancionada a Lei 12.015, que alterou o crime de estupro para contemplar também a conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso. Assim o artigo 213 da legislação penal estabeleceu que o crime de estupro não mais consiste exclusivamente na conjunção carnal. A sociedade passou então a falar em “estupro virtual”.

Esclareça-se que é diferente da “sextorsão”, em que a pessoa “exige” dinheiro ou outra contrapartida material, nesse crime a pessoa espera que a vítima tenha com ela conjunção carnal ou pratique algum ato libidinoso, e é aí que entra a atualização legislativa como mais um importante marco no combate à violência sexual, já que o ato libidinoso entrou no tipo que antes restringia-se à conjunção carnal.

[5] STF Tema 987 - Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. Relator(a): MIN. DIAS TOFFOLI Leading Case: RE 1037396 Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, incs. II, IV, IX, XIV e XXXVI, e 220, caput, §§ 1º e 2º, da Constituição da República, a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que impõe condição para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos de terceiros.

[6] A mudança foi anunciada pelo próprio Musk no Twitter no domingo (19.03.2023), sem maiores explicações. “press@twitter.com agora responde automaticamente com 💩”, escreveu o bilionário.

[7] A liberdade de imprensa decorre do direito de informação. É a possibilidade do cidadão criar ou ter acesso a diversas fontes de dados, tais como notícias, livros, jornais, sem interferência do Estado. O artigo 1o da Lei 2.083/1953 a descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares, dentro do território nacional. A liberdade de expressão está ligada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade do indivíduo emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do governo. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como a liberdade de emitir opiniões, ter acesso e transmitir informações e ideias, por qualquer meio de comunicação. Importa ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado. Todo abuso e excesso, especialmente quando verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido conforme a legislação Civil e Penal.

[8] O comando do Twitter, Musk vem se chocando com a imprensa. Em dezembro de 2022, ele suspendeu contas de vários jornalistas, de veículos como The Washington Post, Business Insider e outros. Eles vinham cobrindo a rede social após a conta @ElonJet, que seguia o jatinho do executivo usando informações públicas, ser banida.

[9] A neutralidade da rede é a isonomia dos pacotes de dados que trafegam na Internet, ou seja, significa que o provedor de conexão à Internet não pode interferir no conteúdo que o usuário deseja acessar, seja este conteúdo religioso, político, de gênero e etc. Isto garante uma Internet democrática e livre, protegendo principalmente, a liberdade de expressão, a manifestação do pensamento e as escolhas dos usuários na rede. Sem a neutralidade protegida, poderia haver por parte dos provedores, a análise e a discriminação do conteúdo acessado pelo usuário, bem como, a degradação do tráfego de alguns serviços, ou até mesmo, a restrição e o bloqueio de determinados conteúdos, como ocorre atualmente em alguns países, tais como, a China.

[10] O Projeto de Lei 2768/22, do deputado João Maia (PL-RN), atribui à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o poder de regular o funcionamento e a operação das plataformas digitais que operam no Brasil. O texto cria ainda uma taxa a ser paga pelas grandes empresas do setor. A proposta tramita na Câmara dos Deputados. As plataformas digitais incluem ferramentas de busca, redes sociais, serviços de computação em nuvem e de e-mail, plataformas de compartilhamento de vídeo, entre outras. Todas elas passam a ser considerados Serviço de Valor Adicionado (SVA), sob regulamentação, fiscalização e sanção pela Anatel. Fonte: Agência Câmara de Notícias

[11] As principais características do movimento pós-moderno são a ausência de valores e regras, imprecisão, individualismo, pluralidade, mistura do real e do imaginário (hiper-real), produção em série, espontaneidade e liberdade de expressão. A era contemporânea possui características marcantes, tais como a fluidez identitária, intimamente relacionada ao descentramento do sujeito, isto é, à possibilidade de mudanças e reconfigurações contínuas dos padrões de conduta, modelos de comportamento e estilos a serem seguidos pelo mesmo indivíduo, variando conforme a ocasião, a escolha, ou o constrangimento social; e a ausência de raízes e de fundamentos últimos, tanto para a legitimação de práticas como de valores, registrando-se o declínio das grandes narrativas modernas e das características morais ou éticas que as sustentavam anteriormente.

[12] As pesquisas igualmente revelaram que o comportamento tribal nas mídias sociais ampliou o abismo entre os eleitores do Reino Unido sobre a saída da União Europeia, o Brexit, e durante a pandemia a falta de transparência por trás da programação de algoritmos das redes que fomentou o avanço de notícias falsas sobre a Covid-19, ampliando também falsas notícias sobre a vacinação.

[13] Em 1˚ de junho de 2011, a Organização dos Estados Americanos (OEA) publicou a Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet. O documento dispõe que a liberdade de expressão se aplica à internet do mesmo modo que a todos os meios de comunicação. As restrições à liberdade de expressão na internet só são aceitáveis quando cumprem os padrões internacionais, que dispõem, entre outras coisas, que elas devem estar previstas pela lei, buscar uma finalidade legítima reconhecida pelo direito internacional e ser necessárias para alcançar essa finalidade (o teste "tripartite").

[14] Artigo 19:  §1º. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

§2º. Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esses direitos incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

§3º. O exercício de direito previsto no § 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

1. assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

2. proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

[15] A diretora-geral da UNESCO apontou a proliferação de iniciativas regulatórias - pelo menos 55 países estão trabalhando nelas. Mas ela defendeu uma abordagem coerente e global, baseada nos direitos humanos. “Se essas iniciativas regulatórias forem desenvolvidas isoladamente, com cada país trabalhando em seu canto, elas estão fadadas ao fracasso. A interrupção da informação é, por definição, um problema global, então nossas reflexões devem ocorrer em escala global”, afirmou a diretora. A diretora-geral encerrou convocando todos os países a se unirem aos esforços da UNESCO para transformar a Internet em uma ferramenta verdadeiramente a serviço do público e que ajude a garantir o direito à liberdade de expressão; um direito que inclui o direito de buscar e receber informações.

[16] O Marco Civil da Internet tem como princípios essenciais, de acordo com seu artigo 3º: i) a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento; ii) a proteção da privacidade dos usuários e de seus dados pessoais e iii) a garantia da neutralidade da rede. O parágrafo 2º. Do art. 220 da Constituição, também dispõe que “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Paulo Gustavo Gonet Branco leciona que a coibição da censura significa que qualquer ideia ou fato que se pretenda divulgar, não necessita de autorização prévia do Estado, no entanto o indivíduo que abusar do direito de expressão, deverá assumir as consequências cíveis e penais do que expressou.  A liberdade de expressão foi reafirmada no Marco Civil da Internet. Além de ser abordada como um princípio no art. 3º, também é considerada como um fundamento, ao mencionar em seu art. 2º que “A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão [...]”.

[17] Liberdade de Expressão:  A Constituição Federal prevê a liberdade de expressão em seu artigo 5º, IV ao estabelecer que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, bem como no inciso XIV do mesmo artigo 5º “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, e também no art. 220 que dispõe “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

[18] Os precedentes Brandenburg v. Ohio (1969), R.A.V. v. City of St. Paul, 505 U.S. 377 (1992), Texas v. Johnson, 491 U.S. 397 [12] (1989) e United States v. Eichman, 496 U.S. 310 (1990) e Virginia v. Black, 538 U.S. 343 (2003), registram que a Suprema Corte dos Estados Unidos concede maior força normativa à liberdade de expressão do que ao combate ao discurso de ódio, ainda que em casos extremos. Na jurisprudência estadunidense se verifica a permissão de discursos extremistas, "desde que não incite à violência" ("The constitutional guarantees of free speech and free press do not permit a state to forbid or proscribe advocacy of the use of force, or of law violation except where such advocacy is directed to inciting imminent lawless action and is likely to incite or produce such action" — Brandenburg v. Ohio — 1969).

[19] A posição do governo brasileiro vai ao encontro das diretrizes debatidas no âmbito da Unesco, na Conferência Global "Internet For Trust", as quais, em sua essência, procuram compatibilizar a salvaguarda da liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, como a propriedade intelectual, com os valores democráticos e os direitos humanos. A iniciativa da Unesco também demonstra que o debate sobre a regulação da internet, em especial das plataformas digitais, não ocorre somente no Brasil e que as respostas governamentais devem observar uma agenda global e não vieses ideológicos, sob pena de limitação indevida de direitos fundamentais.

[20] In: MARZULLO, Luísa. Jornal O Globo. 17.4.2022. Sem legislação para as redes, uso de músicas e paródias com fins eleitorais põe artistas como centro de polêmicas. Especialistas em Direito Autoral acreditam que o uso de paródias e reproduções nas campanhas devem aumentar neste ano. Para o presidente da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ, Sidney Sanches, a permissividade das redes sociais contribui para o descontrole. In: https://oglobo.globo.com/politica/sem-legislacao-para-as-redes-uso-de-musicas-parodias-com-fins-eleitorais-poe-artistas-no-centro-de-polemicas-25477502 Acesso em 14.4.2023.

[21] A afirmação: bandido bom é bandido morto foi transformada em indagação para podermos refletir sobre o assunto. Deve-se lembrar que essa frase é um lugar-comum em diálogos sobre a segurança pública e os limites punitivos estatais. Quem a utiliza, por óbvio, quer fazer valer o seu conteúdo: não há que se tratar bandido com a mesma cidadania ou a mesma cautela com que se cuida do cidadão honesto. Alguns até mesmo a usam no sentido literal: aprovam a pena de morte e ponto. (...) Portanto, em verdade, não há bandido bom, nem tampouco é aceitável o bandido morto, salvo por exceção legal. A função da frase aponta para a direção de se conceder ao autor de crime um tratamento inferiorizado, humilhante e causador de sofrimento. Se é bandido, não pode ter uma vida tranquila, mesmo que preso. In: NUCCI, Guilherme. Bandido bom é bandido morto? Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/bandido-bom-e-bandido-morto/  Acesso em 14.4.2023.

[22] O Governo do Brasil participou, em Paris, nos dias 22 e 23 de fevereiro de 2023, da conferência Internet for Trust, primeiro evento global da Unesco para discutir agenda focada na proteção de direitos. O combate à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, assim como a defesa da democracia, são duas bandeiras importantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Essa foi a primeira conferência global da entidade sobre desinformação e discurso de ódio na internet e foi agendada após um pedido do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, por um esforço de combate à desinformação nas redes sociais.  A assessora especial de Direitos Digitais do MJSP, Estela Aranha, participou do evento, juntamente com a comitiva do governo brasileiro. Além da representante do MJSP, estiveram presentes o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, João Caldeira Brant; o Procurador-Geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida; o representante da Assessoria Especial do Presidente da República, Frederico Assis; e o representante do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Alfonso Lages Besada, além de outros membros do Itamaraty.

De acordo com Estela Aranha, hoje há um debate global sobre como regulamentar as redes sem ameaçar liberdades individuais. “Hoje existe uma agenda global sobre processos regulatórios que possam dar conta de reduzir a circulação de conteúdos ilegais e que trazem riscos significativos à democracia e aos direitos humanos, mas que, ao mesmo tempo, garantam a liberdade de expressão e o acesso à informação confiável", explica Estela.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Internet Plataformas Digitais Redes Sociais Regulação Moderação de Conteúdo Liberdade de Expressão

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