Direito, dinâmica e aplicação. Pós-positivismo contemporâneo
A dinâmica do Direito desaguou no pós-positivismo e numa maior permeabilidade do sistema jurídico que deixa de ser hermético e, passa admitir não apenas os princípios, mas igualmente, uma hermenêutica que respeita a supremacia do texto constitucional. E, nessa dinâmica diversos tipos de jurisprudência procuram materializar a justiça no caso concreto.
Depois da enunciação do
esgotamento do paradigma positivista na definição de critérios distintivos do
fenômeno jurídico, precisamos entender o método tópico-problemática para enfim
compreender o atual estágio evolutivo do direito ocidental.
Depois de superada a vã
ambição por autonomia e neutralidade, resvala-se na crença na completude dos
sistemas jurídicos dedutivos através da reinserção de elementos morais na
esfera do direito. A história das instituições jurídicas dos Estados
influenciado pela cultura romano-germânica foi capaz de dar meios para a
resolução de novas questões que transitam no contexto pós-positivista.
É comum no Direito a menção a
raciocínio tópicos e, desde o surgimento do Estado moderno e até meados do
século XX, prevaleceu uma metodologia tida como lógica-dedutiva que eliminava
qualquer elemento não estritamente jurídico, e, assim, fechava os olhos e a
atenção para os casos concretos que o direito ainda busca equacionar.
Evidentemente que a prevalência
de tal visão se deu, por diversas razões que não apenas as jurídicas.
E, a principal razão refere-se
à Idade Moderna. Afinal, apresentava-se o direito medieval profundamente esparso
e fragmentado. E, com a centralização do poder político, tal situação não
poderia subsistir. E, dessa forma, a noção de sistema jurídico ordenado e
coerente surgiu para atender ao fim político imediato de dar unidade ao Estado
convergente.
A referida concepção atingiu
seu clímax com o movimento pela codificação em França e, a corrente que se
denomina a jurisprudência dos conceitos, na Alemanha. O principal intuito da
codificação[1]
fora unir e costurar sistematicamente todo o direito vigente em um corpo de
normas coerente e completo, isto é, sendo apto a dar resolução de qualquer
questão jurídica[2].
E, a mesma noção resta
subjacente à doutrina da jurisprudência dos conceitos, apesar que nesta, os
conceitos jurídicos apenas cumprissem o papel da lei na codificação.
Ao término do século XIX e
início do século vindouro, tal ideologia fora acentuadamente cartesiana, e foram
alvo de ferrenhas críticas. E, assim tais críticas passou a integrar uma
corrente de pensamento denominada como realismo jurídico e, também os juristas
e doutrinadores se viram na contingência de se posicionarem seja a favor ou
contra de uma ou outra posição dominante. E, neste contexto, Hans Kelsen
desenvolveu sua Teoria Pura do Direito.
Onde vige uma autêntica ode à
metodologia lógico-dedutiva. E, defendeu Kelsen a estruturação do direito
dentro de ordem hierárquica, onde as normas inferiores retiram sua validade das
normas que lhes sejam imediatamente superiores, até que se atinja o ápice da
pirâmide, onde jaz a norma fundamental.
Pode-se deduzir do fato de que
Kelsen conceitua o ordenamento jurídico como sistema dinâmico que se contrapõe
ao estático.
Sendo uma doutrina
sumariamente formalista, já que condiciona a pertinência de determinada norma
em relação ao sistema apenas aos critérios alheios ao seu conteúdo.
A própria noção de sistema
normativo completo muito se aproxima do positivismo jurídico em França e na
Alemanha. E, tanto um como o outro partem da noção de que o direito forma
sistema fechado de conceitos (de leis, no caso francês), construído a partir de
processo bastante peculiar.
Através de breve digressão
histórica, na metade do século XX observou-se forte crise no positivismo
jurídico inaugurado no início do século anterior. E, tal crise derivou do
fracasso vivenciado pelos regimes autoritários da primeira metade do século XIX
que, com fulcro na concepção positivista e formalista, confundiram os conceitos
de legitimidade e legalidade, reduzindo aquele a este.
A norma, pelo simples fato de
ser formalmente válida era tida como legítima e, assim, justificava qualquer tipo
de barbárie e, tal visão era de inspiração na doutrina de Kelsen.
Foi a crise do positivismo que
deu ensejo ao surgimento do pós-positivismo e, trouxe a reaproximação entre o
direito e a ética[3],
fazendo com que o direito deixe de existir como sistema fechado, passando a
incorporar elementos não absolutamente jurídica. Portanto, a juricidade deixa
de estar condicionada apenas a sua forma, mas também, ao seu conteúdo.
A superação do positivismo
formalista propõe a abordagem do método tópico como necessário para nova compreensão
do fenômeno jurídico que vem se sedimentando até os presentes dias.
Com base na obra de Theodor
Viehweg viu-se a necessidade de pesquisar a história remota do direito e,
promover o sepultamento do modelo que por bastante tempo dominou tanto a doutrina
como a jurisprudência do direito ocidental.
Silvio Salvo Venosa em sua
preciosa lição nos ensina: "Para o jurista de formação românia, todo
raciocínio terá sempre em mira, quase sempre como ponto de partida, o código
(...)". Mas, tal concepção, tem ponto certo e de recente consagração
história, não sendo correto afirmar que o direito ocidental, desde sempre, esteve
apegado à essa ideia
Ao voltar-se para as fontes
mais remotas do direito brasileiro, inexoravelmente retornaremos à Roma Antiga
e, reconhece-se sua nítida influência, notadamente, no que se refere ao direito
privado e em muitas instituições vigentes. Tais como a prescrição aquisitiva, a
posse, a propriedade e, tantos outros que vieram pelas mãos dos romanos.
Destaque-se que muitos doutrinadores
defendem, inclusive, com fulcro na criação de institutos que os juristas romanos
laboravam e buscavam construir um direito sistematizado, basta olhar o Corpus
Iuris Civilis, que tinha o precípuo fim de ordenar o direito preexistente
e, ainda, servir para dar solução a todas as questões jurídicas. Porém, essa
noção não procede.
Afinal, os juristas romanos
eram essencialmente práticos, e segundo Viehweg, (...) o jurista romano coloca
um problema e trata de encontrar argumentos. Isso significa que as discussões eram
centradas, na maioria das vezes, a resolução de casos concretos e, não para a
construção de categorias abstratas que permitissem solucionar, por dedução, as
questões que eventualmente surgissem no mundo dos fatos.
Enfim, os romanos tinham a
tópica[4] como ferramenta de
trabalho no campo do direito e, assim, contribuíram para a concepção de
atividade jurídica em grande parte do mundo ocidental, onde deve se aplicar o
modelo de fundamentação da racionalidade na argumentação jurídica[5].
A tópica, para Viehweg é uma
técnica de pensamento que está orientada para o problema, sendo modo de
conceber a atividade do aplicador do direito que não parte da suposição de que
a solução para todos os casos lhe são apresentados, desde sempre, exposta de
forma clara em alguma espécie de documento normativo do qual possa ser extraída
por dedução.
Já Karl Larenz a respeito do
significado do método tópico aduziu, in litteris:
"Esse processo apresentar-se-á como
um “tratamento circular”, que aborde o problema a partir dos mais diversos
ângulos e que traga à colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos a
partir da lei como os de natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo
para a solução ordenada à justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso
entre os intervenientes."
Deve-se atentar para dois
pontos na enunciação de Karl Larenz. O primeiro destes refere-se ao método tópico
como aquele que procede a partir de diferentes de pontos de vista para a
resolução de questões jurídicas.
E, esse modo de proceder
pressupõe a colocação em destaque do caso concreto a ser resolvido, uma vez que
os pontos de vista a que o autor se refere fazem parte daquilo que Viehweg
chama de tópicos, isto é, padrões argumentativos que possuem por função,
geralmente, servir à discussão dos problemas através da colocação de diferentes
perspectivas para as suas soluções.
Eis a essência da proposta de
Viehweg, pois o problema é uma questão que aparentemente permite mais de uma resposta
e requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma
os aspectos de questão que há que leva a sério e para qual há que buscar uma
resposta como solução.
É exatamente esse teor que se
extrai de outro trecho da obra de Larenz, in litteris:
"Colocada a questão de
como seria suscetível de fundamentação a afirmação de que precisamente tal
decisão seria no caso vertente a decisão justa, depararmos de novo com a
questão de se os valores e o que é valioso, são, em termos gerais, suscetível
de reconhecimento em sentido racional. A tópica é o procedimento de um discurso
vinculado ao caso concreto. (In: LARENZ, K. Metodologia da ciência do
direito. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009,
p. 170).
Reconhece-se que o raciocínio
jurídico puramente dedutivo é aquele que, negando a prioridade do caso
concreto, se enxerga no sistema a fonte primordial da argumentação, que deve
ser abandonado em favor de método que considere as peculiaridades de cada
situação fática sobre a qual o direito deve incidir.
O segundo ponto de Larenz
trata da referência à solução justa com o fito a que está orientado o método tópico.
E, realmente, é somente enquanto instrumento para a fundamentação racional de
soluções moralmente sensíveis às características de cada fato jurídico que se
faz compreensível a análise tópica[6].
Daí deriva que o direito que
tal metodologia pressupõe não é aquele que pode ser conceituado, segundo Robert
Alexy meramente factuais, isto é, o conceito de direito deve envolver
necessariamente a correção moral, a justiça como elemento relevante para a
identificação do fenômeno jurídico.
A ideia de que a tópica pode
fornecer meio de fundamentação de juízos orientados à justiça fornece um
argumento importante em prol desse método de interpretação/aplicação do direito
no atual estágio de evolução da prática jurídica.
Isso porque, atualmente, se
reconhece, em contraposição às correntes dominantes até meados do século XX,
que o universo do direito não pode ser moralmente neutro, isto é, neste devem
ser incorporados critérios de sustentação argumentativa que não se restrinjam a
conformidade de certa solução com um ordenamento jurídico previamente colocado
por órgãos competentes.
Repisamos que para a
compreensão da tópica faz-se necessário observar relevantes trechos da
caminhada histórica que culminou na atual configuração dos ordenamentos
jurídicos dos Estados influenciados pela tradição romano-germânica.
Alguns estudiosos defendem a
tese de que o Corpus Iuris Civilis[7],
promulgado em Roma em 529, foi tentativa de formular um sistema completo de
proposições jurídicas. E, ocorre que tal corpo de normas se apresenta como mera
compilação de decisões, costumes e opiniões voltadas a resolução de casos
concretos.
E, que não encerrava qualquer
fito de coerência e completude que são, requisitos indispensáveis à
constituição de qualquer sistema formal de direito e, que resulta na chamada
via de mão dupla, pois a estrutura na qual a tópica se insere constrói
premissas a partir de análise de problemas e tais premissas são entabuladas e
organizadas logicamente.
A história do direito
ocidental vinda pela Idade Média, momento no qual se observa o surgimento das
primeiras universidades. E, noticia a doutrina, o principal objeto de estudo da
época era o direito romano clássico, ou seja, o Corpus Iuris Civilis.
Pode-se afirmar que os
medievais inovaram, em certo sentido, o estudo do direito e, não se limitaram a
ler e apreender o que era passado através do Corpus. E, pela razão já mencionada, os romanos eram
prodigiosamente práticos, a compilação justiniana era, em razão de muitas
matérias, muitas vezes contraditória e incompleta.
E, então, os juristas
medievais passaram a elaborar os comentários ao documento romano que visavam precipuamente
prover esclarecimento de controvérsias e a integração de lacunas. E, tais
comentários ficaram conhecidos como glosas, o que explica o fato de seus
autores serem chamados de glosadores.
Esse embrionário trabalho dos
glosadores, não permite concluir que o método tópico-problemático fosse
efetivamente suplantado. Ao revés, os juristas da época se dedicaram à
reestruturação e a adaptação do direito romano clássico às exigências da
sociedade medieval, que já sentia os primeiros impactos do capitalismo
nascente, o direito vigente ainda era bastante esparso e contraditório, o que
exigia que os olhos de seus operados estivessem voltados principalmente ao
problema.
A origem mais remota do
direito ocidental ainda nos remete à Grécia, particularmente, à figura de
Aristóteles e foi comesse filósofo e baseado na distinção[8] existente entre a
dialética e apodítica, propôs um método de investigação no qual fosse possível
construir um raciocínio dialético a partir de opiniões majoritariamente aceitas
a respeito de qualquer problema.
Ainda, segundo Viehweg,
persegue a tarefa de se encontrar um método com o qual, partindo-se de proposições
conforme as opiniões (ex endoxon), seja possível formar raciocínios (dynesómetha
sylloguisestha) sobre todos os problemas que possam colocar (peri pantos
toy protesthentos problematos) e evitar as contradições, quando devemos sustentar
nós mesmos um discurso (...).
É enorme relevância do estudo
das ideias de Aristóteles, o desenvolvimento de reflexões mais profundas a esse
respeito não se comporta aos simples intuitos de revelar a importância do tema,
ora tratado.
O direito como sistema fechado
mesmo em suas origens, intimamente ligadas à tópica e, mesmo a corrente atual que
enxerga o direito de caráter sistêmico é recente.
As normas jurídicas vigentes
no direito medieval eram esparsas além de muitas vezes contraditórias. E,
basicamente, pela abundância de fontes do direito à época. E, no mais, a
coexistência de duas grandes jurisdições, a eclesiástica e a secular, traduziam
fonte de severa insegurança jurídica.
E, com o advento do Estado
Moderno, a situação se alterou profundamente. E, a necessidade de se
estabelecer uma unidade de poder em determinado território, com a necessidade
revelada pelo estabelecimento daquilo que foi chamado de monismo jurídico, que
é a existência de um ordenamento jurídico coerente e unificado. É nesse âmbito
que ganhou espaço a noção de sistema jurídico.
E, então, passou-se a defender
que o Estado soberano seria o único ente legitimado a propositura de normas cogentes,
isto é, sendo a única fonte de todo o direito. E, assim, negou-se o caráter de
norma jurídico ao produto de fontes muito consagradas, tal como o costume e a
jurisprudência, para que, com a existência de uma única fonte, se tornasse mais
simples galgar a sistematização e coerência da ordem jurídica.
Cumpre fazer menção à
ideologia jurídica subjacente ao período histórico em comento, em face do
grande prestígio do Direito Natural[9]. Não, o de inspiração
divina, que também teve grande força no medievo contexto, mas, sim, aquele de
inspiração racionalista. Significa afirmar que ao tempo do surgimento dos
Estados Modernos, estava em vogo o célebre jusracionalismo, que é movimento
teórico que entende o direito como derivado, de forma direta, da razão humana.
Tal observação, realmente, nos
explica muito e, se o direito era extraído da razão humana, entendida como
entidade abstrata, é natural que estivesse distanciado do caso concreto. Assim,
cooperou significativamente para a vitória da concepção sistêmica e ipso facto
afastamento da tópica.
O curso da história se mostra
como referência sistemática que se tornou um caminho sem retorno na ciência do Direito
ocidental.
De fato, depois de sua
consagração definitiva no contexto ora abordado, tal noção atingiu seu ápice, no
Velho Continente, depois das revoluções liberais, especialmente, no início do
século XIX. E, foi nesse período que se tornou vitorioso o movimento de
codificação, em França, e surgiu, com grande força, a corrente teórica denominada
de jurisprudência dos conceitos, na Alemanha.
Importante ressaltar que ao
conceber a prática jurídica que subjaz a toda essa mudança. E, se as
codificações representaram, por assim dizer, o ponto máximo do jusracionalismo
e já encerram o objetivo de tornar definitivo, através da positivação, o
conjunto de preceitos jurídicos acessíveis pela razão, também é correto afirmar
que estas marcaram o início do declínio dessa concepção teórica.
E, uma vez estabelecidas, de
forma oficial e definitivo, as regras racionais, a argumentação jurídica não
deve mais buscar na razão a fonte das soluções para os casos do direito. A
razão já está posta e dada, esta foi concretizada e materializada no direito positivo[10].
O positivismo jurídico ganhou
espaço dentro da teoria do direito, com o fim de melhor compor o cenário para nossas
reflexões, para elucidar os traços principais dessa teoria postura, a partir da
obra de um de seus doutrinadores mais notáveis que é o inglês H. L. A. Hart[11]. E, para este, a chave para
a ciência do Direito é a combinação de duas modalidades de regras sociais, as
primárias e as secundárias. E, na conceituação de tais padrões, segundo o
doutrinador britânico são insubstituíveis.
As normas de um tipo, que pode
ser considerado o tipo básico ou primário, exigem que os seres humanos
pratiquem ou se abstenham de praticar certos atos, quer queiram, quer não.
As normas do outro tipo são,
num certo sentido, parasitárias ou secundárias[12] em relação às primeiras,
pois estipulam que os seres humanos podem, ao fazer ou dizer certas coisas,
introduzir novas normas do tipo principal, extinguir ou modificar normas
antigas ou determinar de várias formas sua incidência, ou ainda controlar sua aplicação.
As normas do primeiro tipo
impõem deveres; as do segundo tipo outorgam poderes, sejam estes públicos ou
privados. As do primeiro tipo dizem respeito a atos que envolvem movimento
físico ou mudanças físicas; as do segundo dispõem sobre operações que conduzem
não apenas movimentos ou mudanças físicas, mas também à criação ou modificação
de deveres ou obrigações.
Conveniente discorrer sobre as diferentes
jurisprudências, A jurisprudência dos conceitos foi a primeira subcorrente do
positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir conceitos,
quando de sua interpretação. Seus principais representantes foram Ihering,
Savigny e Puchta, considerado por muitos como seu fundador.
A jurisprudência
dos valores caracteriza uma forma[13] de se entenderem os
conceitos de incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão
em regras e princípios[14], além de conceitos como
igualdade, liberdade e justiça.
Esta
corrente é amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens. “Assim
como o grande mestre do xadrez, que não vê peças no tabuleiro, mas sim forças
em ação, o bom juiz, ao olhar o código, não vê a letra da lei, mas sim
valores”. (grifo meu)
A
corrente que melhor representou essa tentativa de harmonização entre segurança
e justiça foi a Jurisprudência dos interesses, que se consolidou na teoria
germânica na primeira metade do século XX.
Após a
unificação da Alemanha, o positivismo científico da pandectística foi
gradualmente cedendo espaço a um positivismo legalista, fundado no estudo das
leis nacionais elaboradas nas últimas décadas do século XIX.
Esse
legalismo (que embora se oponha ao romanismo dos pandectistas, na prática faz
pouco mais que aplicar a metodologia da jurisprudência dos conceitos ao direito
legislado) surge sob profundas críticas, já que as teorias de viés teleológico
e sociológico promoveram nessa época uma profunda revisão acerca do sentido do
direito e do papel dos juristas.
Sob
influência dessas críticas, parte relevante da Jurisprudência alemã tentou
encontrar um equilíbrio razoável entre as tendências formalistas tradicionais e
as ideias sociológicas então renovadoras, sendo que essa busca de adaptar o
normativismo dominante a algumas ideias de cunho teleológico deu origem à
Jurisprudência dos interesses.
Essa
corrente, cujo próprio nome mostra sua contraposição à tradicional
Jurisprudência dos conceitos, é uma das mais conhecidas das escolas
teleológicas e certamente a que teve maior influência na prática jurídica.
Portanto,
frente a um caso concreto, a jurisprudência dos interesses não remete
diretamente à pesquisa sociológica, mas à ponderação de acordo com critérios de
avaliação explícita ou implicitamente contidos na lei.
Quem
supunha que a “Jurisprudência dos Interesses” constituísse hoje apenas uma
lembrança da História, perceberá que as teorias do Direito são como a própria
História, uma eterna repetição do passado no presente, pois como diz Tocqueville[15]: “A história é uma
galeria de quadros onde há poucos originais e muitas cópias”
Como
aponta Hespanha, enquanto as escolas sociológicas propunham formas
antilegalistas de encontrar o direito, a jurisprudência dos interesses
trabalhava dentro dos limites do normativismo.
Assim,
embora nem sempre se decida com base na letra da lei, “está-se pelo menos a
respeitar a avaliação dos interesses legalmente estabelecidos e a partir dela
para um construtivismo de outro tipo. Não o da dedução conceitual típica da
pandectística, mas o da análise das valorações legais e de sua extensão a casos
não previstos.
Do trecho retrocitado se
conclui que o universo jurídico da realidade que possui especial importância para
o direito é o que Hart denomina de normas primárias, deve ser distinguido a
partir de certas características fundamentais. E, essas características são
postas por uma norma secundária que dá o nome de regra de reconhecimento, que é
o padrão do qual se descobre se certo preceito é ou não um preceito jurídico.
O ponto da obra de Hart que
mais nos interessa é o que permite a qualificação de sua teoria como
positivista e se refere à noção de que os critérios que propõe uma a
identificação do fenômeno jurídico, são neutros, isto é, não levam em conta
qualquer elemento de moralidade[16].
Portanto, as regras que compõe
o direito, segundo Hart, podem ser identificadas e distinguidas com auxílio de
(...) testes que não têm a ver com seu conteúdo, e sim, com o seu pedigree
ou maneira pela qual foram adotadas ou formuladas.
É o traço fundamental de todas
teorias[17] que podem ser qualificadas
como positivistas. E, após a consolidação dos Estados Modernos, se passou a
conceber o ordenamento jurídico como um todo integrado e completo, além de
coerente.
E, com fulcro em tudo que
integra o universo jurídico pode ser identificado por critérios moralmente
neutros, se considerava o direito como seara impermeável, insuscetível de
influenciar-se por externos elementos aos comandos prescritivos de conduta
estabelecidos em conformidade com o direito já existente.
O referido fato se monstra
como precedente histórico da irremediável crise do modelo jurídico vigente até
meados do século XX. O resgate da tópica deu-se logo na primeira metade do
século XX. E, no campo do direito não poderia ser diferente.
E, assim se rompeu a
continuidade de um vetusto modelo que já perdurava há mais de cem anos e era
incontestado. E, foram incorporados pela ciência jurídica, ou melhor,
reincorporados, elementos que até então eram preteridos em prol de inalcançável
e utópica autossuficiência.
O positivismo formalista condicionava a legitimidade da norma jurídica a sua simples validade[18]. Fazendo com que a legalidade e legitimidade se confundissem. A forma era relevante, porém, o conteúdo não era.
E, com base no consequente
distanciamento ente direito e ética[19], os regimes autoritários
vigentes no período entre guerras, criaram e promulgaram as leis de conteúdo autenticamente
teratológico. Desta forma, deu-se a crise do positivismo.
O que ensejou o
pós-positivismo[20]
que se notabilizou pela reaproximação entre o direito e a moral, quer dizer,
deixa o direito de existir como sistema fechado e, então, passa a incorporar
elementos outros que não puramente jurídico.
A moral é um conjunto de
regras que regula a esfera íntima dos seres humanos, sendo aplicável apenas no
nível da consciência. O Direito, por sua vez, é um conjunto de regras que
apenas regula a esfera externa dos comportamentos humanos, ou seja, a
manifestação e a concretização desses comportamentos.
Alguns doutrinadores, no
entanto, perplexos ante a revelação kelseniana, refutam a possibilidade de
relativismo moral e de o Direito não possuir qualquer ponto de contato com a moral.
Adotando a Teoria dos “círculos secantes”, elaborada por Claude du Pasquier,
afirmam simplesmente que o conjunto das normas morais é parcialmente
coincidente com o conjunto das normas jurídicas.
Assim, para tais estudiosos,
haveria regras morais não jurídicas e regras jurídicas amorais e imorais. Além
disso, ambos os conjuntos possuiriam regras comuns, que são ao mesmo tempo
morais e jurídicas. O exemplo citado da proibição ao homicídio pode ser
resgatado, estando, simultaneamente, em ambos os conjuntos.
Podemos filiar Miguel Reale[21] à teoria dos círculos
secantes. Para brilhante doutrinador, embora possam existir normas jurídicas
fora do universo da moral, seria desejável que o maior número possível delas
estivesse de acordo com a moral.
Três teorias, em síntese,
tentam explicar as relações entre as normas jurídicas e as normas morais. A
Teoria do Mínimo Ético[22] defende que as normas
morais mais importantes são transformadas em normas jurídicas.
A Teoria da Separação do
Direito e da Moral afirma que não há ponto de relação necessário entre ambos os
campos. Thomasius afirma que o objeto das normas morais é um (esfera
íntima) e das normas jurídicas é outro (comportamento externo); Kelsen, por sua
vez, afirma que existem diversos grupos de normas morais e o direito não se
prende necessariamente a qualquer deles, sendo um campo próprio e autônomo.
Por fim, a Teoria dos
“círculos secantes”[23] estabelece que há um
núcleo comum entre a Moral e o Direito, composto por normas simultaneamente
morais e jurídicas.
Assim, a juridicidade de um
fenômeno não está mais condicionada apenas à sua forma, mas, igualmente ao seu
conteúdo. Infelizmente, contudo, a questão não é tão simples assim... a
reinserção de valores morais no direito pode suscitar muitas controvérsias.
Uma das principais
controvérsias refere-se à impossibilidade de se objetivar abstratamente
imperativos de ordem moral. Realmente, a sociedade contemporânea é
essencialmente pluralista e convive e se relaciona com os indivíduos que nutrem
as mais diversas concepções a respeito dos temas mais variados.
E, assim, não é possível
existir um sentido único, atribuído, portanto, por toda a comunidade, seja
conceitos éticos, culturais, políticos ou sociais.
Só à guisa de exemplo, basta ler a previsão expressa no Código Penal vigente na Alemanha nazista[24] sobre a possibilidade de incriminação através do recurso à analogia.
E, John Rawls fez menção ao
fato do pluralismo razoável, que é uma referência à circunstância de que as
sociedades modernas não se caracterizam meramente pelo fato de um pluralismo de
doutrinas religiosas, filosóficas, morais abrangentes, mas sim, por um
pluralismo de doutrinas incompatíveis entre si, mas, mesmo assim razoáveis. (In:
RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2011, p. XVII).
Para uma análise mais
detalhada, vide GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve
manual de filosofia política. Tradução de Alonso Reis Freire. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2008.
Em verdade, é possível
defender que exista uma identidade mínima de sentido desses conceitos referente
a todo corpo social. Porém, essa convergência de concepções se relaciona
unicamente ao sentido nuclear dos enunciados morais, o que impede que se lhes
determine aprioristicamente o sentido de forma densa e verdadeiramente
apurável.
Diante de tais premissas, é possível concluir, parcialmente, que se os conceitos morais são extremamente vagos e, com o enfraquecimento do positivismo, passou o direito a incorporar, implícita ou explicitamente, grande parte destes, é naturalmente também uma considerável quantidade de normas jurídicas passe a ter maior abertura[25] semântica.
O que nos leva ao
questionamento: Afinal, qual seria o método apropriado para a determinação do
sentido dessas normas? E, a resposta reside na história das instituições
jurídicas ocidentais.
O que confirma que o direito
sempre esteve, desde suas origens mais antigas ligado à tópica. Posto que encarado preponderantemente como
instrumento para resolução de casos concretos. E, com o surgimento do Estado
Moderno, o direito passou a ser tido como principal meio de dar unidade ao
poder político.
Até a Idade Média o direito
operou como conjunto de normas permeáveis aos elementos metajurídicos. E, a
ideia de sistema fechado, com consequente desvinculação entre direito e moral,
somente ganhou ênfase ao final desse período.
O que nos remete a outa
relevante conclusão, qual seja: se antes do império da ideia de sistema jurídico
fechado, o método dominante era o tópico, com a superação do modelo
formalistas, nos dias presentes, torna-se justificável que esse método retorne
a ter prestígio.
Assim, as normas por estarem
vinculadas aos conceitos éticos, guardam vagueza de sentido somente podem ser
densificadas à luz de elementos extraídos do caso concreto.
E, por não ser possível
resolver qualquer questão jurídica por meio de raciocínios dedutivos e
silogísticos, a função do aplicador do direito, não é a de mero conhecedor da
lei. Em verdade, a incumbência de procurar no caso a ser resolvido os
necessários elementos à correta determinação do sentido das normas aplicáveis.
Habitualmente, proclamamos que o fim do direito é a ordem e, foi sob tal premissa que se consolidou o raciocínio lógico-dedutivo e formalista. E, ocorre que, nos dias atuais, não mais se pode conceber o fenômeno jurídico somente como instrumento para consecução da ordem social, senão da ordem social justa[26].
O que torna crassa a deficiência dos modelos
puramente sistemático, à medida que operam com indiferença ao contexto de
aplicação das normas, leia-se, às circunstâncias do caso concreto, tais modelos
não são capazes de atender às peculiaridades das diversas demandas sociais[27].
Diversamente se dá com o
raciocínio tópico que tem como foco o problema a ser resolvido, sendo método apto
a adaptar o conteúdo dos enunciados normativos à realidade cambiante. E, não
concebe o direito formalmente, isto é, desgarrado de seu conteúdo, mas sim,
como meio de se buscar a solução mais apropriada ao caso concreto, materializando
a justiça.
Portanto, a imperatividade da adoção do modelo tópico como relativizador da rígida compreensão da noção de sistema jurídico. Oferecendo uma panótica proativa e dinâmica da realidade e da ciência do Direito.
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Notas:
[1]
Codificar o direito é coordenar as regras pertinentes às relações jurídicas de
uma só natureza, criando um corpo de princípios dotados de unidade e deduzidos
sistematicamente. Este artigo trata sobre a ideia de codificação do direito
partindo do conceito de Código, passando pelos códigos do nosso século. O
código é, quer do ponto de vista do conteúdo, quer do ponto de vista estilístico,
a expressão de uma cultura evoluída e isto não apenas segundo o padrão dos
critérios da época. Nesse ponto quase único na história da legislação europeia,
ele apresenta um plano global da construção do Estado a partir dos fundamentos
de base da sociedade humana.
[2]
É certo que questões morais e jurídicas se referem aos mesmos problemas: como é
possível ordenar legitimamente relações interpessoais e coordenar entre si
ações servindo-se de normas jurídicas? Como é possível solucionar consensualmente
conflitos de ação na base de regras e princípios normativos reconhecidos
intersubjetivamente? No entanto, elas referem-se aos mesmos problemas, a partir
de ângulos diversos (Habermas, 2012, p. 141).
[3] A teoria do "mínimo ético" consiste em afirmar que o Direito representa o mínimo de moral imposto para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todas as pessoas levam em consideração a moralidade de um ato ao praticá-lo, ou seja, sempre existe um violador da moral, surge então a figura do direito, como instrumento de imposição das normas de forma mais rigorosa. Em relação ao Direito, pode-se dizer que suas regras só são seguidas, na maioria das vezes, porque por trás delas existe uma pena pelo seu não cumprimento, ou seja, só são cumpridas porque são cogentes. Esta é a principal distinção entre o direito e a moral: a sua coercibilidade. É possível ou não obedecer a uma norma de direito bem como à uma norma moral, mas o não cumprimento da segunda resultará em uma condenação moral, consequência abstrata, e não uma consequência objetiva, concreta. Isto significa que a moral é incoercível e o direito é coercível, tendo a pessoa a faculdade de obedecê-los segundo as consequências que sofrerá. Daí dizer que o direito e a moral são diferentes, mas de alguma forma estão juntos.
[4]
A tópica é uma parte da retórica conceituada por Theodor Viehweg como uma
“técnica de pensar problemas.” Isto é, um estilo de pensamento, uma técnica de
interpretação do direito cuja finalidade é indicar meios de como se agir diante
de problemas, buscando sempre encontrar uma solução justa para qualquer caso.
[5]
A teoria da argumentação surge no mundo jurídico, muito ligada à teoria do
discurso, com o objetivo de questionar e expor, que a fundamentação racional do
discurso é válida e possível, principalmente o jurídico, dando-lhe algumas
normas e regras. A teoria da argumentação jurídica defendida por Alexy é uma
extensão e desenvolvimento de alguns aspectos presentes na literatura sobre a
metodologia jurídica. Muitos estudiosos da época achavam necessário elaborar
uma retórica mais desenvolvida e atualizada, e que isso seria um desejo urgente
da ciência do Direito. Ele buscava uma fundamentação racional das decisões
judiciais através da argumentação, garantindo a validade de uma decisão sempre
que estivesse presente a sua fundamentação discursiva, o que ele defendia ser
uma capacidade da razão humana.
[6]
A tópica de Viehweg surgiu quando a metodologia jurídica tradicional calcada no
raciocínio jurídico como verificação de uma verdade normativa pré-existente,
apoiando-se na epistemologia clássica e começa entrar em crise. Conforme
salientou Hannah Arendt, o homem moderno, com seu intenso cientificismo,
fechou-se para dentro de si, tornando-se incapaz de ter raciocínios lastreados
no senso comum. O doutrinador começou a desconfiar da afirmação de que as
normas gerais sejam elaboradas pelo legislador são sempre racionais e podem
oferecer resposta a quaisquer problemas jurídicos. Especialmente, em face do
desprestígio da lógica formal no pensamento jurídico, marcado pela rejeição de
um sistema axiomático-dogmático.
[7]
O CJC é a coleção de constituições imperiais (Codex), a compilação das
obras dos juristas romanos (Digesto ou Pandectas), o curso de direito
introdutório (Institutas) e as novas constituições imperiais de Justiniano
(Novellae). O Corpus Juris Civilis (Corpo de Lei Civil) é uma obra
fundamental da jurisprudência, publicada por ordem do imperador bizantino
Justiniano I. O livro é composto por 4 partes: o Código de Justiniano, que
continha toda a legislação romana revisada desde século 2; o Digesto ou
Pandectas, composto pela jurisprudência romana; Institutos, os princípios
fundamentais do direito; e as Novelas ou Autêntica, com leis formuladas por
Justiniano.
[8]
A distinção entre regras e princípios é ponto nuclear do pós-positivismo,
produto da inegável influência exercida por Ronald Dworkin e Robert Alexy na atual
quadra do pensamento jurídico, cujas ideias passaram a ser amplamente
divulgadas no Brasil a partir de Paulo Bonavides, Eros Grau e Luís Roberto
Barroso. Tal disseminação ocasionou um verdadeiro fervilhar científico no
direito constitucional pátrio, movimento esse ainda em voga e que tem redundado
em uma fértil produção intelectual acerca da matéria.
[9]
Na Idade Média temos a doutrina, para alguns, de um direito natural que se
identificava com a lei revelada por Deus a Moisés e com o Evangelho. Foi obra,
sobretudo de Graciano (séc. XII) e de seus comentadores. Santo Tomás recebera
de Roma, ao tempo da Suma, a missão de cristianizar Aristóteles, colocando-o,
dentro do possível, de acordo com Santo Agostinho e com os princípios do
catolicismo e o direito canônico que já não atendia à sociedade de forma
satisfatória. Portanto, é nesse sentido que retomará Aristóteles e a doutrina
do direito natural, porém, sem o viés da originalidade: há muito mais ordem na
doutrina e um tratamento, consequentemente, muito mais explícito do que se
depreende de Aristóteles. São Tomás de Aquino ordena a ideia supracitada, ao
afirmar que a Lei Natural é aquela fração da ordem imposta pela mente de Deus,
governador do Universo, que se acha presente na razão do Homem. Tomás ensina
que a Justiça ordena os atos dos homens entre si conforme uma igualdade (assim
como foi dito em Aristóteles), considerando uma ação justa aquela que seja,
segundo uma certa igualdade, igual a ação de outrem. Ato justo será aquele com
efeitos de justiça, sem levar em consideração a disposição de ânimo de quem o
pratica. Isso permite Santo Tomás designar o Direito como objeto determinado da
Justiça, que é por si mesma virtude e sua essência, pois a razão tem uma
preconcepção da obra justa na forma de uma regra de prudência (qual seja
capacidade da razão especulativa de conhecer o futuro pelo presente e pelo
passado, com perspicácia e de modo a prever os acontecimentos incertos, com
vistas a um certo fim), que orienta o legislador e materializa-se na lex humana,
que é uma razão do direito. E o que é, portanto, a Justiça? Ora, a Justiça “é
um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua, atribuímos a cada um o
que lhe pertence”. É uma virtude pois torna bons os atos humanos, portanto, há
que ser um hábito, sendo seus préstimos relativos a outrem (ou seja, implica
bipolaridade), de modo voluntário, estável e firme.
[10]
O status ontológico do direito natural e sua relação com direito
positivo dentro da filosofia político e do direito de Kant, pois que sustentou
o direito natural em dois sentidos distintos. O primeiro que concebe o direito
natural como constituído do conjunto de princípio a priori da razão pura
jurídica, com base nos quais podemos avaliar as leis e instituições
positivamente vigentes no tempo e no espaço.
[11]
Dentro da tradição hermenêutica em que se insere a sua obra, Hart analisa o
Direito, antes de mais nada, como um fato institucional. Nesta perspectiva, ele
supera a noção imperativista de obrigação de John Austin, bem como a noção
preditiva da obrigação jurídica, cara ao realismo jurídico. Ao conceber o
problema da obrigatoriedade jurídica como um fato social, ou seja, relacionada
à “prática efetiva do participante do grupo social”, Hart evidencia a
importância de uma abordagem hermenêutica do Direito. Com isso, quer-se dizer
que não basta a análise do Direito como comportamento governado por regras ou a
consideração de que o Direito é uma antecipação do que os tribunais farão. É
necessário, nesta ótica, a compreensão do “ponto de vista” do participante do
sistema. Isto só é possível a partir da elucidação da forma com os membros da
coletividade atuam no sistema e recebem suas prescrições. Em Hart, compreender
o Direito passa a ser, necessariamente, compreender o seu caráter
institucional, o que demanda um ponto de vista “interno “na compreensão do seu
sentido. O que se chama ponto de vista interno ou “aspecto interno das regras”
é pressuposto da compreensão das regras que compõem a prática institucional. A
explicitação de noções como a de regra ou obrigação jurídica só pode ser feita
a partir do conhecimento das “regras constitutivas” do sistema, da gramática do
jogo de linguagem em questão. Existe, dessa forma, uma circularidade na
compreensão dos significados. É também neste sentido que se afirma ter Hart
estabelecido uma noção social de obrigação.
[12]
As regras secundárias situam-se num plano diferente das normas primárias;
aquelas sempre dizem respeito a estas. Elas especificam os modos pelos quais as
regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas,
eliminadas ou alteradas, bem como a possibilidade de que a respectiva violação
seja determinada de forma inequívoca. As
regras secundárias são de três espécies: regras de reconhecimento (rule of
recognition), de alteração (rules of change) e de julgamento (rules
of adjudication). A regra de
reconhecimento estabelece um critério ou critérios segundo os quais uma norma é
identificada. A existência da regra de reconhecimento é uma questão de fato,
empírica; na maior parte das vezes sua existência não é enunciada. Esta regra é
distinta das outras regras do sistema e sua natureza vai depender do ponto de
vista com o qual se encara o Direito (interno ou externo). A regra de
reconhecimento está diretamente relacionada à validade das outras regras do
sistema, uma vez que ela estabelece os critérios de validade destas normas.
Neste sentido, ela seria a regra última do sistema.
[13]
O modelo positivista, defendido por importantes teóricos do século XX, almejava
alcançar uma definição do direito pela forma, o que na visão dos não
positivistas consubstanciava-se como um fator de identificação com o Nazismo,
tendo em vista que esse formalismo não daria margem à discussão do conteúdo da
norma, atribuindo-se um valor exagerado à legislação positiva. Sob esse prisma,
as leis de
Nuremberg teriam sido
válidas nos moldes do ordenamento alemão vigente ao tempo do regime nazista.
Segundo os ensinamentos de Barroso e Barcellos: Os principais acusados de
Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da
autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um
ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura
meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais
aceitação no pensamento esclarecido (Barroso e Barcellos, 2003, p. 107).
[14]
De fato, os princípios já tinham juridicidade, porque inseridos, ainda que em
caráter secundário, no ordenamento jurídico, mesmo que como mera fonte
subsidiária de direito. Assim, contemporaneamente, aos princípios foi agregado
predicado da normatividade, isto é, foi-lhe atribuída a capacidade de vincular,
de conformar condutas. E tal capacidade normativa poderia muito bem ser
exercido na seara infraconstitucional. Porém, assim não ocorreu. Ao mesmo tempo
em que receberam essa intensa carga de normatividade, os princípios foram
ancorados ao ápice, ao topo do ordenamento jurídico, gozando da intimidade da
tessitura constitucional. Portanto, além de juridicidade e normatividade,
doravante os princípios passaram a ter supremacia no reino jurídico, na medida
que ungidos pela própria Carta Magna.
[15]
Alexis de Tocqueville foi um pensador político francês do século XIX e um dos
principais nomes ligados ao pensamento liberal. Suas preocupações teóricas o
conduziram a uma ativa carreira política na França, onde foi parlamentar e
ministro de Estado. Podemos afirmar que a principal preocupação de Tocqueville
era o dilema entre a liberdade e a igualdade. Para ele, a humanidade estaria
caminhando rumo à igualdade de oportunidades, desejável e natural, mas que
poderia se constituir em uma ameaça à liberdade. Sendo assim, por trás de toda
a sua obra paira sempre a seguinte pergunta: seria possível uma sociedade ser
igualitária sem ferir a liberdade dos indivíduos?
[16] “A moralidade é, pois, a relação das ações com a autonomia da vontade, isto é, com a legislação universal que as máximas da vontade devem tornar possível. A ação, capaz de subsistir com a autonomia da vontade, é permitida; a que não concorda com ela, é proibida. A vontade, cujas máximas concordam necessariamente com as leis da autonomia, é uma vontade santa, isto é, absolutamente boa. A dependência de uma vontade, não absolutamente boa, a respeito dos princípios da autonomia (a coação moral) é a obrigação. A obrigação não pode, pois, referir-se por forma alguma a iam ente santo. A necessidade objetiva de um ato, em virtude da obrigação, é o dever”.
[17]
TEORIAS: Mínimo Ético (Jeremy Bentham). O Direito representa o mínimo de moral
declarada obrigatória para a sobrevivência da sociedade. O Direito não é algo
diverso da Moral, faz parte dela. "Tudo o que é jurídico é moral".
(Círculos concêntricos). Hr>Tridimensionalidade - o princípio desenvolvido
na Alemanha (William, Jelinek). Hermenêutica - Carlos Maximiliano - ensina a
interpretar as normas jurídicas. Direito - foro externo Moral - foro íntimo
[18]
A validade do sistema jurídico está diretamente relacionada à existência e à
configuração da regra de reconhecimento. Ao mesmo tempo em que fornece
critérios de identificação das regras do sistema jurídico, a regra de
reconhecimento reafirma a perspectiva institucional deste, uma vez que sua
natureza depende do ponto de vista (interno ou externo) do participante. Por
isso, o passo seguinte para a compreensão do Direito em Hart é, justamente, o
de reconhecer quais condutas são juridicamente exigidas. O enfrentamento do tema da validade jurídica
remete a duas ordens distintas de problemas: primeiro, a determinação da origem
do fenômeno coercitivo do Direito, a qual Hart responde com uma teoria do
reconhecimento; e o segundo, a determinação da própria regra de reconhecimento
como instrumento conferidor de validade às regras jurídicas.
[19]
Ética é assim também chamada de ciência dos costumes, ou seja, o estudo dos
comportamentos humanos e o que as sociedades - de modo inato ou, a depender da
perspectiva filosófica, mediante uma clivagem cultural e histórica –
consideram, em cada momento, padrões aceitos, recomendáveis, toleráveis,
louváveis ou recriminados, tidos por abjetos e eventualmente passíveis de
punição. Dentro da Ética, todavia, essa análise pode ser realizada sob uma
perspectiva moral ou jurídica. Imagine uma pessoa que pratica um furto simples
de um bem de pequeno valor. Furtar é o comportamento sob análise.
Juridicamente, esse comportamento terá um tratamento e outro sob o prisma
moral. Por exemplo, a pessoa pode ser absolvida, sob a perspectiva jurídica,
por esse furto ser considerado insignificante, mas, sob o prisma moral, a
família dessa pessoa pode rejeitá-la e até bani-la por considerar algo
completamente incompatível com os valores que aquela comunidade familiar
compartilha.
[20]
O pós-positivismo tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois
busca materializar a relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos
direitos fundamentais e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos diversos
textos constitucionais para que haja o reconhecimento de sua normatividade pela
ordem jurídica Realmente, em já clássica construção textual, acentua, com
propriedade, BARROSO: "O pós-positivismo é a designação provisória e
genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações
entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a
teoria dos direitos fundamentais. (...) O Direito, a partir da segunda metade
do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase
absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não
correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que
patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico
impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao
jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão
subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da
desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia
sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele
reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo
moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e
Direito"
[21]
FATO, VALOR E NORMA. a) O Direito como valor do justo, estudado pela Filosofia
do Direito, na parte denominada Deontologia jurídica, ou no plano empírico e
pragmático, pela Política do Direito; b) O Direito como norma ordenadora da conduta,
objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e da Filosofia do Direito, no
plano epistemológico; c) O Direito como fato social e histórico, objeto da
História, da Sociologia e da Etnologia do Direito e da Filosofia do Direito, na
parte da culturologia jurídica. O FATO: Uma dimensão do Direito. É o
acontecimento social referido pelo Direito Objetivo. O VALOR:É o elemento moral
do Direito; é o ponto de vista sobre a justiça. A NORMA: Consiste no padrão de
comportamento social, que o Estado dita aos seus indivíduos. Esses elementos
estão intimamente vinculados. O Direito para Miguel Reale é o fruto da
experiência, por isso está localizado no mundo da cultura.
[22]
Desenvolvida no mundo jurídico pelo jurista alemão Georg Jellinek, afirma que o
direito consiste em um estreito conjunto normativo que estabelece regras morais
para a sobrevivência da sociedade. A teoria afirma que as normas devem
estabelecer os preceitos éticos para a convivência harmoniosa da sociedade,
sendo o direito, parte integrante da moral dotado de garantias específicas.
[23]
Para a teoria dos círculos secantes, Direito e Moral se tangenciariam em
determinados momentos, mas cada um teria seu campo de atuação distinto, e nesse
caso, o Direito se relacionaria com a Moral em situações específicas, mas não
estaria contido nela.
[24]
Os ideólogos nazistas que pretendiam um Estado fundado em conceitos raciais,
tenderiam evidentemente a um approach biológico do crime, tal approach
até preexista aos nazistas, mas estes, o radicalizaram. Mas, os juristas
nazistas eram, ab initio, hostis à criminologia, que era vista como a
causa de uma suposta leniência da justiça criminal de Weimar, para eles, o
interesse criminológico de entender a personalidade do criminoso teria minado a
noção de responsabilidade individual, comprometendo a defesa social.
[25] Reconhecendo
uma textura aberta da linguagem, Hart fundamenta a existência de uma textura
aberta do Direito. Isto, no conjunto de O Conceito de Direito,
determina que se compreenda o Direito como sistema aberto e autorreferente. Os
limites naturais da linguagem impedem que o Direito se expresse sempre através
de enunciados unívocos, gerando a necessidade de o intérprete buscar – dentro
desse mesmo sistema – a complementação de significado dos termos não claros.
Neste aspecto, “em todos os campos da experiência, e não só no das regras, há
um limite, inerente à natureza da linguagem, quanto à orientação que a
linguagem geral pode oferecer”. É precisamente este limite da linguagem
que constitui a sua chamada textura aberta. De acordo com esta teoria,
existe uma indeterminação de sentido na linguagem que não pode jamais ser
eliminada. Podem ser tomadas inúmeras determinações acerca do sentido de um
termo, mas sempre existirão possibilidades em que o conceito ainda não foi
delimitado. As principais imprecisões que podem atingir um termo são a vagueza
e a ambiguidade. Esta impossibilidade de a comunicação ser sempre precisa
resulta, em última análise, de que o significado de uma expressão só é obtido
em função do seu uso dentro de um determinado contexto. E a multiplicidade dos
usos e funções dos diversos jogos linguísticos obsta a uma comunicação sem
entraves. O Direito, enquanto instrumento de controle social, cumpre com sua
função através do estabelecimento de regras e padrões gerais de conduta. Para
Hart, é essa possibilidade do Direito de comunicar padrões gerais de condutas a
categorias de pessoas que torna possível sua atuação. Tal não ocorreria se os
destinatários das regras jurídicas não pudessem compreender o conteúdo das
mesmas e, consequentemente, pautar sua conduta em consonância a elas.
[26]
Manuel Atienza, deixando antever sua crítica ao método tópico, mas sem deixar
de reconhecer a sua relevância, assim apresenta a aludida obra: “O livro de
Viehweg teve grande êxito na teoria do Direito da Europa continental e se
converteu, desde então, num dos centros de atenção da polêmica em torno do
chamado ‘método jurídico’. Com relação às muitas discussões que, a partir daí,
se sucederam - sobretudo, naturalmente, na Alemanha - entre partidários e os
detratores da tópica, é preciso dizer que, em geral, o debate foi proposto em
termos não muito claros, devido em grande parte ao caráter esquemático e
impreciso da obra fundadora de Viehweg.