Direito ao Silêncio[1]

Seja o acusado preso ou solto, indiciado ou acusado, ou mesmo a pessoa seja chamada para depor na condição de testemunha, há a ampla proteção ao silêncio de qualquer pessoa, em qualquer processo ou procedimento. A partir da evolução histórica e da jurisprudência, o direito ao silêncio e a não autoincriminação é alçado como direito fundamental. O princípio da não autoincriminação (ou nemo tenetur se detegere) constitui não só um dos mais relevantes princípios aplicáveis ao contexto da produção probatória, mas também, é um dos  princípios fundamentais do processo penal brasileiro.

Fonte: Gisele Leite

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O princípio nemo tenetur se detegere refere-se realmente ao direito de todo acusado de não cooperar com a persecução penal contra ele instaurada, é o direito da não autoincriminação, abstendo-se de fornecer meios probatórios que possam contribuir para sua incriminação.

É originário do ius commune europeu, e tem seu equivalente no sistema da common law, através do privilege against sef-incrimination[2].

Realmente, é uma conquista da defesa técnica consagrada tanto no Reino Unido como nos EUA após o esforço incansável dos advogados, que repudiavam a prática arbitrária do juramento ex officio bem como a presunção de que o silêncio do acusado erigiria prova de sua culpabilidade.

Enfim, o direito ao silêncio mostra-se como corolário do abandono do sistema inquisitório e adoção do modelo acusatório. O princípio em comento materializa a humanização do direito penal e do processo penal, antes centrado no indivíduo como objeto e meio de prova, o que admitia a prática de tortura e penas cruéis.

Avalia-se que a extensão do nemo tenetur se detegere teve peculiar contexto histórico, quando finalmente a liberdade ergueu-se como valor supremo.

A máxima latina nemo tenetur prodere se ipsum[3] conexa à nemo tenetur se detegere, não possui suas origens no direito romano, mas sim, no ius commune europeu. O direito europeu medieval, o ius commune, era direito culto e composto por dois direitos, a saber: o direito civil, originário das compilações do Corpus Iuris Civile de Justiniano; e o direito canônico, cujos ditames viriam a formar o Corpus Iuris Canonici.

Inicialmente, o direito canônico se destinava apenas para a administração interna da Igreja Católica Apostólica Romana, mas sua jurisdição estendeu-se para galgar objetivamente qualquer leigo que possuísse relação com a Igreja bem como qualquer matéria concernente à fé.

O Direito Canônico[4] (ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana) é formado pelo Corpus  Juris Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos  (séc. XII), de Gregório IX (1234), de Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313).[...]

Primitivamente, o Direito Penal Canônico teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente influência da  Igreja e consequente enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se estendendo a religiosos e leigos,  desde que os fatos tivessem conotação religiosa. (In: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal:  parte geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. p. 76).

Os canonistas passarão usar a máxima latina de autoria atribuída à São João Crisóstomo, a qual vinha no popular manual procedimental do ius commune, o speculum iudiciale.

Ensina in litteris, Maria Elizabeth Queijo apud Figueiredo: “A regra que vedava compelir alguém à autoincriminação foi expressa no mais  popular manual processual medieval[5] do ius commune, o Speculum iudiciale,  compilado por William Durantis, em 1296, representada pela máxima nemo tenetur  detegere turpitudinem suam, significando que ninguém pode ser compelido a ser testemunha contra si mesmo porque ninguém está obrigado a revelar sua própria  vergonha.  O princípio foi acolhido pela maior parte dos comentadores medievais e  repetido nos manuais de processo penal europeus dos séculos XVI e XVII. De  acordo com a acepção do princípio, na época, era vedado exigir que alguém  respondesse a perguntas específicas sobre seu comportamento ou atos da sua vida  privada, submetendo-o a risco de infâmia ou persecução penal. Entendia-se que os  homens deveriam confessar suas faltas a Deus, mas não deveriam ser compelidos a  confessar seus crimes a ninguém mais”.

Constata-se existir uma série de compilações de textos canônicos reconhecendo a proteção aos acusados, no ano 850, uma compilação oferecia proteção contra os abusos dos senhores feudais; ii)  em 1151, uma compilação levada a cabo por Graciano, tomando por base o comentário de São  João Crisóstomo[6] a trecho da carta de São Paulo aos Hebreus viria a repudiar a prática da  tortura e proscrever a obrigatoriedade do juramento dos acusados.

Segundo Paulo Mário Canabarro Trois Neto apud Figueiredo, a dita proteção perdeu força a partir do IV Concílio de Latrão em 1215[7], que dentre outros métodos inquisitórios, incluiu o juramento.

    [    ...] em 1215, no IV Concílio de Latrão, com a introdução do jusjurandum de  veritate dicenda (juramento inquisitivo), pelo qual o acusado estava obrigado a dizer  a verdade, a Igreja modifica o entendimento de que a confissão só poderia ser  voluntária.

Em 1252, Inocêncio IV autoriza o emprego de torturas para obtenção da  confissão e do arrependimento do acusado em casos de heresia cátara. Argumentou  o Papa que, se a violência contra os réus era comumente aplicada no direito comum  em relação a ladrões assassinos, seria injustificável conceder tratamento privilegiado aos hereges, que não passariam de “ladrões e assassinos da alma”. (In: TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. O direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre:  Livraria do Advogado Editora, 2010. p.83).

O IV Concílio de Latrão se tornaria o marco da adoção do sistema inquisitório pelos canonistas europeus do continente. Afinal, os inquisidores negariam ao acusado todos os direitos, sendo o procedimento nos casos de heresia realizado através de audiências[8] secretas, nas quais as testemunhas não seriam inquiridas na presença do acusado.

E, no final do século XIII, o Papa Bonifácio VIII[9] ordenaria também a supressão de nomes das testemunhas. A adoção do sistema inquisitorial em detrimento do acusatório influenciaria a jurisdição laica, e, até o final do século XV[10], o modelo acusatório estaria completamente em desuso.

O ius commune europeu lançou as bases para que a Igreja Católica pudesse reavivar o procedimento inquisitório cujas bases estavam no Direito Romano. A inquisição para os romanos consistia no procedimento mediante o qual o magistrado procedia à investigação minuciosa de fatos envolvidos em uma contenda judicial, fosse ela civil ou criminal.

Até o advento do Renascimento Cultural, o procedimento inquisitório ainda possuía suas fundações no Direito Romano. (In: EICHBAUER, Melodie H. Medieval Inquisitorial Procedure: Procedural Rights and the Question of Due  Process in the 13th Century. History Compass. 2014. v. 12. p. 73).

O procedimento inquisitório, então, destinava-se não apenas à apuração do delito de heresia, mas também e especialmente aos delitos praticados pelos membros de clero, tais como condutas sexuais inadequadas e assassinato.

O procedimento garantia direitos ao acusado, inclusive o de salvaguardar-se da autoincriminação e de consultar advogados – tais  direitos eram referidos como ordo iuris, ou ordu iudiciorum para o Direito Romano.  Entretanto, os julgamentos por crimes excepcionais - v.g. traição, heresia, feitiçaria – permitiam aos juízes que suspendessem os direitos procedimentais do acusado.

Com a chegada da Idade Moderna e o advento do Iluminismo, ocorreu o início do reconhecimento e da construção de garantias penais e processuais penais. Há com este movimento sociocultural um combate ao uso da tortura e do juramento, tão usados no procedimento inquisitorial medieval. Atualmente, configura-se uma imoralidade as tentativas de compelir o acusado a pronunciar-se de modo incriminatório.

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, em sua famosa obra Dos Delitos e Das Penas, refutou a extração da confissão do acusado, por meio do juramento e da tortura. A lei que autoriza a tortura é uma lei  que dizia: “Homens, resisti à dor. A natureza vos deu um amor invencível ao vosso  ser, e o direito inalienável de vos defenderdes; mas eu quero criar em vós um  sentimento inteiramente contrário; quero inspirar-vos um ódio de vós mesmos;  ordeno-vos que vos torneis vossos próprios acusadores e digais enfim a verdade ao  meio das torturas que vos quebrarão os ossos e vos dilacerarão os músculos...”.

Lembremos que no procedimento inquisitório da Idade Média que antevia na confissão a prova de máximo valor, na qual a linha entre o delito e pecado eram sutil e a autoincriminação do acusado assumia a forma de expiação e purgação dos pecados.

Foi o Iluminismo que transformou a justiça penal ao instituir a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, reduzindo a distância entre o Estado-acusador e o acusado, naquele momento, o réu.

De fato, o direito a não autoincriminação[11] se manifestou tardiamente nos Estados de Direito codificado, apresentando-se propriamente, apenas aa partir do século XIX.

A partir do século XII a Inglaterra passou a adotar o sistema jurídico conhecido como common law[12], tomando  os costumes como a fonte única ou mais importante do direito, como fundamento básico da jurisdição real.

Esta  forma peculiar do exercício de jurisdição, por certo, afastou o direito inglês do modelo romano-germânico que  então vigorara no resto da Europa, possibilitando a introdução, na Inglaterra, de um mecanismo de recursos a  precedentes (casos), condensado nos Year Books, que serviram de base para o desenrolar dos julgamentos, sempre em consonância com os costumes adotados nas decisões.

Já no século XV, o common law cede lugar às  designadas jurisdições de equidade (equity), que aplicava um processo escrito mais inspirado pelo procedimento do direito canônico.

Entretanto, por volta do século XVII a equity se integrou à common law, admitindo-se uma  dualidade jurisdicional, fundida posteriormente, por volta de 1873 e 1875, já na Idade Contemporânea. (In: VALE,  Ionilton Pereira do. O direito ao silêncio no interrogatório no direito processual penal pátrio e comparado. Revista dos Tribunais, São Paulo , n.929, p. 419-458, mar. 2013. p. 7).

O desenvolvimento do privilégio contra a autoincriminação como o conhecemos se deu através do direito anglo-americano onde a máxima se expressou por meio do privilege against self-incrimination.

Esse se consolidou propriamente na common law inglesa, a partir da metade do século XVII, com a abolição das cortes eclesiásticas de High Comission e Star Chamber e do procedimento do juramento ex officio, mas também através da busca pela defesa técnica.

O juramento ex officio consistia em comparecimento das partes perante estas cortes, submetendo-se a um juramento de responder quaisquer questões que lhes fossem feitas. Em geral, as acusações eram desconhecidas.

Assim, o privilege against self-incrimination desenvolveu-se, inicialmente, como uma proteção às fisching expeditions, prática por meio da qual os juízes, através do ato do interrogatório, investigavam os aspectos e procediam a questionamentos alheios ao objeto da acusação. Os advogados à época já se insurgiam contra a prática do juramento ex officio, por entender que ele conduzia ao perjúrio.

Foi irresignação dos puritanos contra as práticas das Cortes de High Commission e Star Chamber tornaram-se maiores com relação de que o juramento conduzia o acusado a responder questões potencialmente incriminatórias, independemente da existência de um acervo probatório suficiente a comprovar as acusações formuladas. Os puritanos estavam resistindo às tentativas dos reinados de Elizabeth (1558-1603) e da Casa Stuart (1603-1640) de impor o credo anglicano.

Uma vez que os acusados submetidos à jurisdição de tais cortes eram comumente acusados de práticas em desconformidade com o anglicanismo, havia resistência em submeterem-se ao procedimento do juramento ex officio. Ainda assim, o acusado que se recusasse ao juramento estaria sujeito à prisão pelo contempt of court (desobediência aos comandos da corte).(In: LANGBEIN, John H. The historical origins of the privilege against self-incrimination at Common Law.  Michigan: Michigan Law Review, mar. 1994. n. 05. v. 92. p. 1047-1085. p. 1073).

Passaram os Puritanos a buscar assistência nas cortes de common law, que se provaram  dispostas a intervir, expedindo writs de proibição contra as práticas de ambas as cortes.

E, o habeas corpus também se difundiu como instrumento hábil a proteger o acusado perante a corte de High Commission.

O writ de proibição e os habeas corpus eram instrumentos jurídicos das cortes de  common law para interferir nos julgamentos eclesiásticos. Pelo writ de proibição  decidia-se que o acusado não podia ser submetido a julgamento por determinada  corte. Já o habeas corpus era utilizado contra o poder da Court of High Commission de decretar prisões.

As cortes de High Comission e Star Chamber foram abolidas por um Ato do  Parlamento Inglês de 1641, com o qual assentiu o Rei Carlos I24. Os tribunais eclesiásticos  foram proibidos de impor juramento que viesse a provocar a confissão ou a autoacusação.

Nas cortes de common law, durante o século XVI, contudo, o privilege against self-incrimination perde parte de seu  significado original, consubstanciado no direito fundamental,  não de silenciar, mas de falar, que possuía o acusado. Maria Elizabeth Queijo explica que a  ausência de defesa técnica por advogado compelia o acusado a contrapor as acusações que lhe  eram feitas, sendo o seu silêncio na prática uma autoacusação.

Deveria o acusado contestar as  acusações porque não lhe era assegurada a assistência de advogado, já que inadmissível que  terceiro se manifestasse em seu lugar. A declaração do acusado contava então com caráter  testemunhal. Havia igualmente restrições à convocação de testemunhas defensivas as quais,  não comparecendo, não seriam intimadas para o ato. Sobre o tema em lume, ensina o  professor John H. Langbein.

O privilege against self-incrimination encontrava limitações também no procedimento  do pretrial, disciplinado pelo Marian Committal Statute de 1555, seguido do século XVI ao  XVIII, cujo objetivo era conduzir o acusado a autoincriminação.

Um magistrado da Justiça de  Paz presidia o ato, transcrevendo tudo quanto fosse dito pelo acusado, a vítima[13] e as  testemunhas de acusação. Se o acusado se recusasse a falar nesta fase, isso era registrado no  relatório a ser encaminhado para a corte de julgamento. No julgamento, portanto, desejando o  acusado se retratar, tal proceder seria utilizado em seu desfavor. O pretrial, sendo assim,  constituía etapa decisiva do julgamento principal.

 Ressalte-se que alguns dos pilares de sustentação do processo criminal na  common law não se encontravam presentes à época. Até o século XVIII, o beyond reasonable-doubt standard of proof,[14] ou seja, a fórmula da “dúvida razoável” da prova , que compele  o julgador a sanar suas dúvidas favorecendo o acusado, não possuía formulação adequada,  sendo o acusado compelido a falar.

A máxima que imperava no momento sugeria que, sendo  o acusado inocente, deveria ter ele a capacidade de provar. Igualmente, não lhe era permitido  acesso aos termos de seu indiciamento, desconhecendo os fatos dos quais deveria se defender,  vedação essa que iniciou seu relaxamento com a edição do Treason Act (1696).

Enfim, o privilege against sef-incrimination é essencialmente criação da defesa técnica. A vedação da constituição do advogado e foi gradualmente cedente entre os anos de 1696 a 1837, primeiro com a admissão da defesa por advogado pelo Treason Trials Act (1696), até o abandono do sistema inquisitório com o Prisoner's Counsel Act (1836), que permitiu a defesa do acusado em matéria de direito e de fato.

O princípio nos EUA[15] e na Quinta Emenda Constitucional norte-americana promoveu a consolidação do privilege against self-incrimination no direito norte-americano. De fato, o direito não autoincriminação desenvolveu-se mais celeremente que na Inglaterra, tornando-se direito constitucional consubstanciado na quinta Emenda retromencionada e ratificada em 1791.

In litteris:

“Ninguém poderá ser detido para responder por crime capital, ou por outra razão  infame, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se  tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças  de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá ser sujeito, por  duas vezes, pelo mesmo crime, a ter sua vida ou integridade corporal postas em  perigo; nem poderá ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de  testemunha contra si mesmo, nem poderá ser privado da vida, liberdade ou  propriedade, sem o devido processo legal[16]; nem a propriedade privada poderá ser  expropriada para uso público, sem justa indenização”.

De fato, principiou a regra no Novo Mundo, cenário da colônia de New England, ocasião em que os puritanos, já tendo abandonado sua terra natal, editam em solo americano, o Massachusetts Body of Liberties, documento que conferia aos membros das  colônias a proteção (em parte) contra a tortura ou qualquer espécie de juramento que os  forçasse a confessar a própria culpabilidade, enfrentando resistência dos magistrados da  colônia.

A tortura, porém, era permitida em delitos punidos com a pena capital, devendo, entretanto, não ser “bárbara e inumana.

A provisão do Massachussets Body of Liberties foi incapaz de satisfazer os membros  das colônias, porque ainda legitimava a prática da tortura. Nessa senda, quando os colonos  americanos deixaram Massachussets para se dirigir a Connecticut, adotaram provisão  semelhante em 1650, desta vez com o intuito de proibir finalmente a prática da tortura.

É  possível afirmar, portanto, que o privilege against self-incrimination restou estabelecido com  solidez certa antes de 1650 nas colônias de New England e sucessivamente na colônia da  Virgínia.

O sistema processual penal até o século XVII era o do accused speaks, não havendo espaço para o privilege. A defesa técnica por advogado foi permitida em Nova York em 1686, e na Virgínia em 1735. E, mesmo assim, não existiam advogados para atura nas colônias até o final do século XVIII.

A constitucionalização do privilege against self-incrimination é permeada ainda por  outras razões, em especial, os procedimentos das cortes de Governor and Council, as quais  constituíam as cortes coloniais máximas, cujos procedimentos visavam a fortalecer as leis de  comércio nas colônias.

A partir da transformação das colônias em províncias reais estas  perdiam o controle sobre seu sistema de justiça, sujeitando-se à vontade do Governador Real,  que discricionariamente convocava indivíduos perante o seu Conselho. Diferentemente das  cortes comuns, o procedimento aqui era inquisitivo e autoritário.

Aqueles que desejassem  invocar seus direitos enquanto cidadãos ingleses eram reprimidos, sob o pretexto de que a  Magna Carta e demais diplomas legais garantidores de liberdades individuais não eram  aplicáveis às colônias. Em 1700, o Governador Cornbury de Nova Iorque negou a  incidência do Bill of Rights e do Act of Toleration, ambos diplomas legais ingleses.

Enfim, os protestos das colônias contra a Lei do Selo, os Atos Townshend e outras imposições legais comerciais e coercitivas deu origem à luta armada, em razão das tentativas da Coroa Inglesa de endurecer a ordem social nas colônias fortalecendo leis que não eram tidas como adequadas, inclusive em seu próprio território e, negando aos membros das colônias os direitos inerentes ao cidadão inglês,  sujeitava-os a cortes de prerrogativas, não compostas por jurados e ao procedimento inquisitório.

A colônia da Virgínia viria a editar sua Bill of Rights em 1776, antes da Declaração da Independência, a qual garantia o privilege against self-incrimination diretamente em sua conduziriam à Constituição Federal o privilege fosse escassamente mencionado, as circunstâncias o incluíram o artigo quinto do Federal Bill of Rights, servindo de proteção à nação recém-formada.

O direito ao silêncio no ordenamento jurídico brasileiro vem do tempo das Ordenações do Reino de Portugal que vigoraram no país até 1830 com a promulgação do Código Criminal do Império.

À data do descobrimento estavam em vigor em Portugal[17], as Ordenações Afonsinas, mandadas a serem compostas por Dom João I, as quais foram concluídas em 1446, possuindo vigência até 1521, quando da publicação das Ordenações  Manuelinas, deliberadas por Dom Manuel, o Venturoso, as quais tiveram aplicação no Brasil.

Mas foram as Ordenações Filipinas, de Felipe II de Espanha, que seriam amplamente  aplicadas em território brasileiro. Essas tiveram o objetivo de reestruturar os velhos códigos  por ato de 5 de junho de 1595, sendo publicadas em 11 de janeiro de 1603, quando já reinava  Felipe III , sendo confirmadas por Dom João IV, em 1643, após a restauração da casa de  Bragança ao trono português. O direito penal estava contido no Livro V, nas três Ordenações,  sendo distribuído em: i) 121 títulos nas Afonsinas; ii) 113 títulos nas Manuelinas; e iii) 143  títulos nas Filipinas.

O direito pátrio foi regulado por diplomas portugueses até a  independência no ano de 1822.

 O princípio nemo tenetur se detegere já encontra sua  aplicação em território brasileiro no período colonial quando da vigência das Ordenações  Manuelinas, nas quais se encontra dispositivo legal a assegurá-lo, em seu Livro III, Título XL,  nos termos de que “no feito crime não é a parte obrigada a depor aos artigos que contra ela  forem dados”. O acusado, contudo, ainda poderia ser submetido a tormentos e ao pagamento  de multa, de acordo com a gravidade do caso, para prestar depoimento.

Em 25 de março de 1824[18], Dom Pedro I, Imperador Constitucional, outorga a  Constituição do Império a qual, inspirada pelo liberalismo inglês e pelo movimento  humanitário produzido pelo Iluminismo43, proscreveu a prática da tortura.

As Ordenações  Filipinas continuariam a viger em matéria processual penal até o advento do Código de  Processo Criminal de Primeira Instância de 1832, no qual o interrogatório passou a ser tido  como ato de defesa, por influência dos ideais iluministas, entendendo a doutrina da época que o acusado não deveria prestar juramento e não precisava responder às perguntas feitas pela  autoridade.

Nessa senda, explica Paulo Hamilton Siqueira Júnio, in litteris:

“José Antônio de Andrade Góes observa que “o Código Imperial, afastando-se do  sistema inglês, sofreu visível influência do Código Napoleônico do ano de 1808, sendo o interrogatório naquele período realizado em público, depois de conhecidas  as peças do processo, limitadas as perguntas a fazer, caracterizando um autêntico ato  de defesa, eis que ditas perguntas tendem a pedir o acusado as provas de sua  inocência [...]”.

Assim, conclui-se que sob a égide do Código Criminal do Império o  interrogatório era ato de defesa, ficando o magistrado adstrito às perguntas fixadas  pelo estatuto processual.

Já na Constituição Republicana de 1891 foi assegurada ao acusado a plena defesa, sendo  estabelecido por construção doutrinária que o interrogatório realizado sob coação era  proibido.

Ainda, os Estados-Membros receberam autonomia legislativa, para legislar sobre  normas de processo, não sendo o tratamento do direito ao silêncio uniforme – v.g. os Códigos  dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e do Distrito Federal adotaram posicionamento no  sentido de que o silêncio do acusado poderia ser interpretado em seu desfavor.

As  Constituições brasileiras de 1934 e 1937 restauraram a unidade processual, centralizando na União a capacidade para legislar sobre direito penal e processual penal.

Realmente, a unificação legislativa sucedeu com o diploma processual penal de 1941,  elaborado sob a égide do ideário positivista, com enfoque na preponderância dos interesses  repressivos do Estado sobre os interesses individuais. Através do Código Penal de 1941, o  interrogatório do acusado perde sua característica de meio de defesa para tornar-se meio de  prova, nos termos de sua Exposição de Motivos[19].

Outra inovação em matéria de prova diz respeito ao interrogatório do acusado.  Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere (não estando o  acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe pergunta), já não será esse  termo do processo, como atualmente, uma série de perguntas predeterminadas,  sacramentais, a que o acusado dá as respostas de antemão estudadas, para não  se comprometer, uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz

formular ao acusado as quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da  verdade, e se é certo que o silêncio do réu não importará confissão, poderá,  entretanto, servir, em face de outros indícios, à forma do convencimento do juiz.

Com a vinda da Redentora, a Constituição Federal brasileira de 1988 e, a previsão expressa de direitos e garantias fundamentais limitadores do Poder estatal, passou a ser assegurado, frente à disposição do artigo 5º, inciso LXIII, de que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo assegurada a assistência da família e de advogado.

Precisamos ressaltar que o direito a não autoincriminação na esfera constitucional é um direito fundamental, e, também atende ao princípio constitucional implícito que é derivado do devido processo legal e da presunção de inocência e do sistema acusatório.

    [...] o direito à informação da faculdade de manter-se em silêncio ganhou dignidade  constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia  e que, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de  informação ao preso, dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a  nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatória dele  anteriormente obtidas, assim como as provas dele derivadas[...]

Os doutrinadores Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco afirmaram tratar-se de autêntico direito fundamental[20], não sendo autorizado pela via legislativa ou pela interpretação restringir a sua aplicabilidade. E, assim, tendo o acusado optado por intervir ativamente no processo, destacam os autores que o regresso à opção pelo silêncio não mais pode ser considerada.

Os direitos fundamentais os direitos humanos positivados, especialmente, nas Constituições dos Estados. E, assim, ainda explica Canotilho[21] que, enquanto os direitos humanos são aqueles válidos para todos os povos e em todos os tempos, os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente. (In:  CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 3ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 369 apud QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se  detegere e suas decorrências no processo penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 70).

A desconstitucionalização dos direitos fundamentais foi operada do século XIX representou, assim, a maneira de assegurar sua observância e garantir sua permanência no ordenamento jurídico. Portanto, entende-se, que são direitos estimados pelo ordenamento jurídico que refletem o conjunto de princípios norteadores de uma sociedade, legitimando o seu sistema jurídico.

É possível afirmar que se destinam, essencialmente, ao resguardo da dignidade humana, nas relações em sociedade e frente ao Estado.

Por ser direito fundamental, o princípio nemo tenetur se detegere é garantia do acusado no processo penal que tutela a liberdade do indivíduo frente ao Estado. Neste, o indivíduo resta resguardado da coação física e moral, passíveis de serem empregadas de forma a forçar a cooperação do acusado na apuração do delito.

O direito a não autoincriminação do acusado pode ser visto ainda como uma extensão  do direito fundamental à intimidade, de que são titulares os todos os cidadãos. O  reconhecimento do silêncio, lato sensu, do acusado, é uma garantia de sua liberdade moral,  passo fundamental consagrado na Constituição Federal de 1988.

O enunciado normativo contido  no art. 5.º, inciso LXIII[22], da Constituição Federal de 1988, ao se referir ao direito de “permanecer calado” não autoriza uma concepção restritiva.

 Ao contrário, autoriza uma  garantia ampla de uma das manifestações do direito a não autoincriminação, que compreende  a informação pelo Estado de todos os direitos para os quais e exige uma manifestação ou  opção do preso. Igualmente salienta-se que, ainda que o enunciado preveja a garantia do  silêncio ao preso, as demais normas constitucionais autorizam o emprego desta garantia  também às pessoas livres.

Seguindo diferente linha de raciocínio, relembra que os  direitos fundamentais, ainda que dotados de características especiais – v.g. possuem grau  superior na ordem jurídica; somente podem ser alterados por meio de procedimento especial;

constituem, outrora, limites à revisão constitucional; como normas de vinculatividade  imediata constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões e controle dos órgãos  legislativos, administrativos e jurisdicionais – não são absolutos ou ilimitados.

A cláusula que  protege o direito ao silêncio, nessa senda, constituiria norma de eficácia contida, não  impedindo o legislador ordinário de autorizar o juiz criminal a interpretar livremente o uso de  tal direito pelo acusado, não com exclusividade, mas no conjunto das demais provas  produzidas.

O princípio no ordenamento jurídico alemão não encontra base constitucional específica na Lei Fundamental da Alemanha. Entende-se estar compreendida através da disposição do artigo 2, no qual estão resguardados os direitos da liberdade, especialmente, ao livre desenvolvimento da personalidade, o qual é primordial direito de defesa do cidadão perante o Estado.

Igualmente, a Lei Fundamental instituiu a proteção à dignidade da pessoa humana  como o seu mais alto valor, devendo esta permear todas as demais normas que a compõem.

Theodomiro Dias Neto, nesse sentido, destaca que “em síntese, o direito ao silêncio é  expressão da proibição contra a autoincriminação, constitui um direito de personalidade, que  por possuir a dignidade humana em seu núcleo, não está à disposição do legislador”. No plano  internacional, o direito ao silêncio encontra-se positivado no art. 14, inciso III, do Pacto  Internacional[23] de Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pela Alemanha em 17 de  dezembro de 1973.

O acusado no sistema penal alemão situa-se, em dupla-posição, sendo sujeito portador de direitos de participação ativa e objeto e meio de prova. Porém, não se encontra desprotegido pelo ordenamento jurídico, porque admissível o seu silêncio, assim como sendo resguardado seu direito de liberdade da coerção estatal, devendo esta derradeira ser operada em atenção ao princípio da proporcionalidade e à proteção de sua dignidade.

O acusado no direito processual penal alemão está sujeito ao interrogatório em todas  as fases procedimentais, devendo primeiramente ser cientificado do fato que lhe é imputado,  sendo, ato contínuo, interrogado acerca de sua pessoa. O juiz deverá adverti-lo quanto ao  direito ao silêncio, bem como de sua possibilidade de consultar um advogado.

Embora se  entenda, conforme ressalta Maria Elizabeth Queijo apud Figueiredo, que o acusado não possua um dever de  dizer a verdade, a jurisprudência já admitiu a agravação da pena em função da mentira – ao contrário do sustentado pela doutrina. Igualmente, possui o acusado um dever de  comparecimento ao ato de interrogatório, sendo autorizada a sua condução coercitiva para  tanto, a ser determinada pelo juiz ou pelo representante do Ministério Público – sujeita a  controle jurisdicional na última situação.

Ao acusado é resguardado  o direito de não responder às perguntas da autoridade, sendo vedados certos métodos de  interrogatório. A confissão obtida mediante influência corporal ou psíquica, bem como a  coação ilegítima segundo o ordenamento ou outra medida que afete a capacidade de memória  e compreensão não é admitida.

Prevalece o entendimento de que somente o silêncio parcial – quando não são respondidas perguntas específicas – do acusado é passível de valoração,  enquanto seu silêncio total não permite qualquer interpretação.

Destaca-se ainda que o acusado é obrigado a fornecer informações pessoais para fins  de identificação – sua recusa é punível com pena de multa nos termos da Lei de Contravenção  à Ordem Administrativa. Parte da doutrina[24] se manifesta em sentido contrário, por entender  que a identificação do acusado pode equivaler à confissão, nos casos em que é conhecido e  admite sua identidade.

O mesmo princípio no ordenamento jurídico britânico particularizou-se em 1836 com o Prisioner’s Counsel Act tornou-se possível a defesa técnica do  acusado, por advogado que poderia dirigir-se ao júri. Através do Jervis Act de 1848, foi  conferido ao acusado o direito de ser advertido quanto à possibilidade de silenciar no pretrial,  momento do procedimento que, como outrora destacamos era decisivo no julgamento final.

Foi o fim do Marian Committal Statute, aplicável ao pretrial. Pode-se dizer, portanto, que a  consolidação e a efetividade do privilege against self-incrimination deriva da interpretação  analógica da confession rule e do witness privilege.

A pacificação dos limites entre a confession rule e o witness privilege ocorreria com o caso Garbett em 1847. Finalmente, o  Criminal Evidence Act pacificaria o direito ao silêncio do acusado ao prever que a pessoa  acusada não poderia prestar testemunho, salvo em seu próprio benefício.

Na atualidade, a Câmara dos Lordes reconhece o direito ao silêncio do  acusado. Entretanto, não há dever por parte da polícia em informar ao acusado quanto ao  direito ao silêncio. Suas garantias limitam-se ao direito de informar alguém, obter assistência  de defensor técnico, bem como consultar o Codes of Practice.

 Quando observamos a publicação  do Criminal Justice and Public Order Act, o qual, de acordo com Maria Elizabeth Queijo,  vem sendo bastante questionado perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, em especial  porque, ainda que o referido Act não tenha abolido o direito ao silêncio, dele se infere a  possibilidade de interpretar o silêncio do acusado em seu desfavor.

A doutrinadora destaca que antes  do Act, os órgãos policiais intentaram a abolição do direito ao silêncio, porque favoreceria  criminosos profissionais. Ainda assim, destaca Ashworth que é na polícia que os suspeitos  sentem o peso da intimidação, porque se cria um ambiente propício à renúncia de direitos.

O Act de 1994 estabeleceu em sua seção n.º 35 a possibilidade de se fazerem  inferências a partir do silêncio do acusado. Outras seções também limitam o direito de  silenciar: i) a seção n.º 34 prevê a possibilidade de interpretar em desfavor do acusado o seu  silêncio em relação à fato ou circunstância importante para sua defesa, devendo ter sido ele  advertido a esse respeito; ii) a seção n.º 36 permite a valoração negativa no tocante ao silêncio  sobre questões referentes à objetos ou substâncias que estavam em poder do acusado, bem  como a sobre sua presença no local em que foi preso; iii) a seção n.º 37, por fim, permite seja valorado o silêncio do acusado quando deixar de responder perguntas atinentes à sua presença  no lugar e tempo em que ocorreu o crime.

Problemas surgiram quando submetidas as disposições do Act perante a Corte Europeia  de Direitos Humanos. Com efeito, o direito ao silêncio do acusado é entendido como garantia  fundamental do fair procedure, conforme interpretação do artigo 6º da Convenção Europeia  de Direitos Humanos. Alguns casos destacam-se em sua apreciação da matéria:

i) Em Murray versus United Kingdom entendeu a Corte não ser possível a admissão como  meio de prova de uma confissão realizada em circunstâncias intimidatórias, nas quais o  investigado teve negado o acesso a advogado. Na ocasião, foram feitas inferências a partir do  silêncio do acusado, resultando em sua condenação. Neste mesmo sentido também se deu a  apreciação do caso Magee versus United Kingdom.

No caso Saunders versus. United Kingdom, a Corte concluiu que há limitação ao silêncio  do acusado quando um diploma legal prevê a obrigatoriedade de testemunhar frente à  imposição de sanção. A evidência obtida por meio de compulsão não pode ter peso  significativo na aferição da culpabilidade de um acusado.

iii) Por fim, no caso Beckles versus United Kingdom, assentou a Corte que pode o  magistrado deixar o júri fazer inferências a partir do silêncio do acusado. Entretanto, deve este magistrado, primeiramente, demonstrar todas as etapas anteriores do procedimento que  possam levar à conclusão de que o silêncio do acusado é genuíno, e destituído de admissão de  culpa.

Haver um descompasso entre a legislação pertencente  ao Sistema Europeu de Direitos Humanos e as disposições internas do Reino Unido. Maria  Elizabeth Queijo destaca, ainda assim, que na doutrina inglesa, os direitos humanos tiveram  “incremento de seu significado no processo penal” .

Nos EUA o princípio no ordenamento jurídico o privilege against self-incrimination resta consolidado na Quinta Emenda Constitucional que preleciona que no person shall be compelled in amy criminal case to be a witness against himself. trata-se de proteção extensa, abrangendo: i) acusados; ii) testemunhas; iii) os submetidos à  persecução penal; iv) os que potencialmente possam tornar-se acusados.

São registrados casos  julgados pela Suprema Corte datados de 1884, dentre os quais Hopt versus Utah, nos quais se  afastou a confissão obtida mediante promessa de recompensa, mediante a aplicação da 5ª  Emenda.

O silêncio do acusado engloba a renúncia às perguntas, bem como também o direito de  não testemunhar em seu próprio julgamento, não sendo admitida a imposição de penalidades  em razão do exercício deste direito – como restou decidido pela Suprema Corte em Griffin versus California.

Também possui o acusado o direito de que o julgador informe o júri de que o  silêncio do acusado não deve influenciar em sua decisão sobre, por exemplo, como no caso  Carter versus Kentucky.

Destaque-se que, no início do século XX, a Suprema Corte não  aplicava a 5ª Emenda aos Estados-Membros, porque não poderia prescrever regras sobre  provas para os Estados. Foi com o julgamento do caso Malloy versus Hogan em 1963, que a  Suprema Corte estabeleceu a aplicabilidade da referida emenda aos Estados.

O doutrinador Theodomiro Dias Neto explica que mereceu especial atenção pela Suprema Corte  americana a disciplina do interrogatório policial, pendendo dois questionamentos: i) qual o  papel da confissão na elucidação da verdade; e ii) qual o papel da polícia no interrogatório.

A  Corte passaria, a partir dos anos 30, a buscar a solução para os questionamentos através do  teste de voluntariedade (voluntariness test), o qual preconiza que, analisando todas as  circunstâncias que envolveram a confissão se possa demonstrar ter ela sido feita a partir de  uma determinação voluntária do acusado.

Para isso, o interrogatório deve ter sido realizado em conformidade com due process of law. Eis os casos ilustrativos nesse sentido:

i)             em Bram versus United States, a Suprema Corte atestou a involuntariedade de uma  confissão realizada mediante promessas.  A Corte também definiu ser inadmissível a confissão  mediante influência indevida, envolvendo artimanhas ou engano por parte da polícia.

ii)            em Roger versus Richmond, decidiu-se pela inadmissibilidade de confissão obtida  mediante a ameaça de perda de benefícios previdenciários e da guarda dos filhos. Os agentes  policiais comprometeram-se, no caso em análise, a interceder em favor da acusada, caso ela  confessasse.

Até os anos sessenta, porém, a voluntariedade ou não da confissão seria apurada por meio da análise  das surrounding circunstances, para avaliação da existência de uma conduta abusiva por parte da polícia. Para estes fins, avalia-se não somente o agir policial, mas  também as vulnerabilidades do próprio investigado.

Em razão da amplitude do conceito de  totalidade das circunstâncias que guiava o teste de voluntariedade, passou a Corte a buscar  meios mais precisos de decidir sobre a aplicabilidade do princípio caso a caso – daí a  importância da decisão em Escobedo versus Illinois , na qual foi invalidada uma confissão obtida  em violação ao direito de assistência por defensor.

No ano de 1965, o caso Griffin versus California deixaria assentado que os comentários  feitos pelo juiz ou pelo acusador sobre a recusa do acusado em realizar o juramento violariam  a 5ª Emenda Constitucional.

No mesmo sentido, entendeu-se que qualquer comentário pela  Corte ou pelo acusado acerca do silêncio do mesmo ofenderia o privilege against self-incrimination, entretanto, não estão abarcadas pela proteção do privilege expressões  indicativas de que o caso não foi refutado ou contraditado.

O julgamento de Miranda versus Arizona que a Suprema Corte americana  estabeleceu uma série de regras a serem obedecidas por ocasião do interrogatório policial. A  partir de então a Corte destacou como base para o teste de voluntariedade a 5ª Emenda Constitucional, e não mais a 14ª Emenda (due process clause).

O caso Miranda versou sobre um interrogatório realizado pela polícia com Ernesto A.  Miranda, em uma sala especial, no qual foi obtida confissão na qual o suspeito admitiu ter  sequestrado e estuprado uma jovem de 18 (dezoito) anos.

A Corte levou em consideração a  natureza do interrogatório em sede policial, a qual é naturalmente coercitiva.

Em sua opinião,  o Chief Justice Earl Warren justificou que algumas precauções eram necessárias para  assegurar que a confissão feita em sede policial fosse produto de inequívoca vontade do  suspeito.

Para o julgador, o interrogatório policial possui uma atmosfera capaz de pressionar o  indivíduo, enfraquecendo-o e à sua liberdade pessoal.

Foi considerado também o extenso  tempo pelo qual Miranda foi interrogado – aproximadamente duas horas. O julgador também  destacou que o privilege against self-incrimination ganha especial relevo quando se trata da  esfera policial, porque é dever do Estado buscar os meios probatórios por seu próprio esforço,  ao invés de centrar-se em obter confissão do acusado.

Da decisão em Miranda versus Arizona surge um conjunto de regras a serem adotadas no  interrogatório policial.

Todas buscam, como principal meta, a efetividade da proteção pelo  privilege against self-incrimination, conforme listamos: i) as regras serão aplicadas ao  indivíduo preso ou que esteja com sua liberdade cerceada de modo significativo; ii) o acusado  deve ser informado do direito ao silêncio antes de qualquer questionamento; iii) o acusado  deve ser alertado de que aquilo que disser poderá ser usado em seu desfavor; iv) o acusado  deve ser informado de que possui direito à assistência de advogado, o qual poderá assisti-lo  durante o interrogatório inclusive; v) o acusado deve ser informado de que, não possuindo  condições financeiras, poderá ser-lhe indicado um advogado; vi) o privilege pode ser  invocado em qualquer fase do procedimento, até mesmo antes do interrogatório; vii) sendo  recusada a assistência de advogado bem como a proteção do privilege, é preciso  demonstração clara, não havendo espaço para presunção; viii) as declarações obtidas em violação a essas regras não serão admissíveis como provas; ix) o exercício do privilege não  será passível de penalização de qualquer espécie, e a acusação não poderá empregar o seu  silêncio como argumento.

 Afirma-se, nesse sentido, que Miranda versus Arizona é o  leading case em matéria de efetividade das garantias inerentes ao privilege against self-incrimination.

Deve ser ressalvado que as Miranda Rules são passíveis de utilização quando do  interrogatório sob custódia. Em face da dificuldade para estabelecer o momento em que o  indivíduo se encontra custodiado, é necessário que sejam avaliadas as circunstâncias que  envolveram aquele interrogatório, como a existência de restrições físicas ao acusado, o local  de sua realização bem como, também, o tempo de sua realização.

Concluindo, o direito ao silêncio é oriundo do ius commune europeu, advindo do manual popular o Speculum Iudiciale. Registrou-se retrocesso com a realização do IV Concílio de Latrão pela Igreja Católica, onde se instaurou o procedimento inquisitório medieval.

Só com o Iluminismo veio o retorno das garantias do imputado, em se tratando de Europa Central. Porém, foi no direito inglês que o princípio através do privilege against self-incrimination encontrou sua proteção, sendo uma conquista da defesa técnica. Com o direito norte-americano se estendeu a proteção dada pelo privilege disciplinando-o constitucionalmente em 1791.

No direito pátrio, no período colonial, havia disposição expressão nas Ordenações Manuelinas. A Constituição brasileira de 1824 sob a inspiração do liberalismo inglês proscreveria a prática de tortura, mas as Ordenações Filipinas continuariam a vigorar até 1832, na matéria penal. Somente com a Redentora, 1988, que o princípio galgaria o status de direito fundamental por meio de dispositivo expresso.

No direito alemão, o direito ao silêncio constitui direito da personalidade com função dúplice: sujeito de direito e meio de prova e, existir a proteção ao silêncio do acusado, contudo, não existe o dever de advertência do policial quanto tal possibilidade, sendo passível de valoração o seu silêncio, conforme o Criminal Justice and Public Order Act, o qual vem sendo firmemente questionado pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

 Já o direito norte-americano protege o silêncio do acusado desde suas origens, sendo bem amplo seu espectro, e consolidado na Quinta Emenda e, ratificado nos precedentes jurisprudenciais da Suprema Corte, especialmente, o caso Griffin versus California, Escobedo versus Illinois e o conhecido Miranda versus Arizona.

Pela jurisprudência pátria, o Habeas Corpus nº 171.438, a Segunda Turma do STF, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, trouxe os termos da abrangência do princípio da não autoincriminação, e por consequência o direito ao silêncio, de pacientes convocados na condição de investigados na CPI que tratou do rompimento de barragem da companhia Vale em Brumadinho.

“Referenciando o direito ao silêncio como ‘[…] pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressõe0s do princípio da dignidade da pessoa humana’, a Segunda Turma do STF reconheceu, a partir de um julgamento acirrado, em que se vislumbrou empate de votação, o direito de o investigado recusar-se ao comparecimento ao órgão competente (Câmara dos Deputados) para prestar depoimento.” A partir disso, o entendimento firmado com o Habeas Corpus nº 171.438 conferiu um espectro mais amplo ao direito ao silêncio dos investigados e testemunhas convocadas em CPIs.

 Um caso em que o posicionamento da Suprema Corte seguiu um caminho oposto. Trata-se do Habeas Corpus nº 204.422 de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso publicado em julho de 2021 no contexto da CPI da Covid-19. Inicialmente assegurou-se à diretora técnica da empresa “Precisa Medicamentos” o direito de permanecer em silêncio em seu depoimento na comissão, condição na qual a testemunha deixou de responder questionamentos a ela dirigidos pelos senadores durante a sessão. Incomodado com essa postura, o presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz, consultou a presidência do STF[25] sobre como proceder em relação ao caso.

“Em sede de embargos de declaração e em resposta, o ministro Luiz Fux reconheceu à CPI o poder jurisdicional de decidir o caso e conduzir a sessão com ampla autonomia, a quem, segundo seu alvedrio, caberia avaliar se nos questionamentos endereçados à testemunha, orientada pela defesa constituída, atuava a interpelada nos limites constitucionais ou em excesso ao direito ao silêncio. Por conseguinte, assegurado, neste julgado, que o direito ao silêncio não é absoluto.”

A manutenção da tradição do silêncio foi aprovada mais uma vez pela Lei 10.792/2003 que, sem discussão prévia sobre a sua relevância ou não, traz importantes e, significativas alterações em  alguns procedimentos processuais penais já consolidados.

Nessa primeira aproximação ao tema, que não tem a pretensão de esgotá-lo, vamos  analisar dois aspectos: a) em um, a nova redação dada ao artigo 186 do CPP[26], redação essa que vai ao  encontro do texto constitucional que já defendia o direito do acusado ao silêncio (artigo  5º, inciso LXIII, da Carta Magna de 1988);  b) em dois, a profunda e substancial modificação do antigo artigo 187, agora artigo  188 CPP, em relação ao procedimento no interrogatório do acusado por parte do juízo  do conhecimento.

Também, um importante parágrafo único com a  seguinte redação: "O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser  interpretado em prejuízo da defesa". Inegavelmente se trata aqui de harmonizar, formal  e positivamente, aquilo que já estava sendo determinado pelo texto constitucional,  resolvendo-se, dessa forma, uma questão que apesar de tudo criava algumas situações  constrangedoras, já que não raro, muitos juízes deixavam de aplicar o comando  constitucional para fazer valer a regra do ordenamento infraconstitucional.

A Lei 10.792/03, na nova redação dada ao art. 188 do CPP, traz uma nova oxigenação ao  procedimento do interrogatório: "Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas  correspondentes se o entender pertinente e relevante".

Desde logo se entende que, agora, as partes (isto é, o defensor do acusado, mas,  igualmente o Ministério Público ou o querelante), como quer a lei quando afirma "... o  juiz indagará das partes...", poderão influenciar, por se fazerem ativamente presentes de  algum modo, ao menos nas perguntas a serem feitas, mesmo que nesse momento inicial,  o instituto do contraditório no interrogatório[27].

Na verdade, a Lei 10.792/03 apenas autoriza às partes a "intervirem ou influírem" diretamente  nas perguntas feitas, mas feitas, ainda, pelo juiz ou nas respostas apresentadas pelo  acusado, de forma a procurar mudar um ou outro elemento, para melhor propiciar o  trabalho da defesa ou do órgão acusador.

A lei processual estabelece ao réu a possibilidade de quatro condutas quando de seu  interrogatório de mérito: confessar; negar; mentir e silenciar.

Já as Leis nº. 11.689/2008 e nº. 11.719/2008 estabeleceram que tanto no procedimento comum como no do júri o acusado a primeira pessoa a ser ouvida na instrução, mas a última, permitindo-lhe que rebatesse todos os fatos alegados em audiência pela vítima e testemunhas em privilégio à ampla defesa, de modo a demonstrar, mais uma vez, que o interrogatório deixou de ser meio de prova e se tornou meio de defesa.

Assim, aliás foi o entendimento do STJ analisando a impossibilidade de prejuízo ao réu  pelo seu silêncio:

“O fato do juiz da causa ter advertido o paciente de que seu silêncio poderia prejudicá-lo, é irrelevante, na medida em que, se calado tivesse ficado, tal situação em nada  poderia agravá-lo, sendo o silêncio, hoje, constitucionalmente protegido”. (6ª Turma – H.C. n.º2571 – 1/PE – Rel. Pedro Acioli – Ementário STJ, 10/671. Grifo meu.

No julgamento do HC n° 79.812-8-SP, em medida liminar concedida pelo Ministro  Celso de Mello, temos a síntese de todos os Julgados do STF[28] no sentido do direito ao  silêncio, bem como a análise de um aspecto até pouco ou quase nada discutido: “A  possibilidade de a testemunha silenciar”.

No aspecto do direito ao silêncio, assim preleciona referido julgado com propriedade: “(...) ora paciente que é investigador de polícia, em Campinas foi convocado a depor, na  ‘condição de testemunha’ (fls. 21), perante a CPI / Narcotráfico, no próximo dia 1° de  dezembro”. “impõe-se ao ora paciente, a obrigação perante a CPI / Narcotráfico, incumbindo-lhe  ainda, o dever de responder às perguntas que lhe forem feitas, ressalvadas aquelas cuja  resposta possa acarretar-lhe ‘graves danos’”. (CPC. Art. 406, I, c.c. CPP, art.3°, c.c a Lei  n° 1.572/52, art 6°).

Assim dispõe o Venerando Julgado, com relação ao direito ao silêncio, e no caso sub judice,  mais notadamente ao da testemunha:

“Sabe-se que, embora comparecendo, assiste ao ora paciente o direito de se manter em  silêncio, sem se expor – em virtude do exercício legítimo dessa faculdade – a qualquer  restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às indagações que lhe  venham a ser feitas pelos membros da CPI / Narcotráfico, possam acarretar-lhe grave  dano (nemo tenetur se detegere)”. Grifo meu

Este entendimento, no caso em questão, também é alicerçado por outros trazidos a  colação pela jurisprudência pátria[29], tais como:

“A condição de testemunha não afasta a garantia constitucional do direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII: o preso será informado de seus direitos, entre as quais o de  permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado).  Com  este entendimento, o Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu habeas corpus  para assegurar ao paciente – inicialmente convocado à CPI/Narcotráfico, como  indiciado, na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento, ainda que na  condição de testemunha, o direito de recusar-se a responder perguntas quando  impliquem possibilidade de autoincriminação (HC. 79.589-DF. Relator Min Octávio  Galotti, data 05.04.2000)”[30].

O conceito de silêncio repousa na possibilidade constitucional de o réu permanecer  calado, não advindo qualquer prejuízo ao mesmo por tal fato. Há vários outras conceituações  devem ser analisadas para suporte ao conceito constitucional e processual penal, como o  conceito no Direito Civil, Filosofia, Direito Processual Civil e na linguagem comum.

O silêncio na acepção filosófica, é uma palavra que designa o estado da pessoa que se cala, que se abstém de falar, seja pela cessação do comércio epistolar, seja pela falta de resposta. O silêncio é um ato moral e voluntário, sendo uma manifestação de vontade. Seu grau de valor moral é medido dependendo do grau de liberdade.

Em suma, o garantismo penal traduz-se na proteção dos direitos e, não somente, na  observância das garantias do cidadão envolvido em uma situação penal.

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Notas:

[1] Silêncio, do latim Silentium ii (do verbo sileo). Nos clássicos latinos, o termo apresenta  as seguintes conotações: atenção, repouso, inatividade, sombra, obscuridade, olvido,  etc. É notório que a palavra silêncio possui vários sentidos, de acordo com a forma  empregada. Entretanto, juridicamente, quem apresenta o seu significado, é o Dicionário  Jurídico de Plácido e Silva: SILÊNCIO: do latim silentium, de silere – calar-se, não dizer palavra, em sentido  comum exprime a quietude, a abstenção de falar, para não se dizer o que se sabe, ou o  que se sente. Assim, silêncio, em acepção gramatical, é a falta ou ausência de sons, de  vozes ou de palavras.

[2] Na prática, os sistemas de common law são consideravelmente mais complexos do que o funcionamento idealizado descrito acima. As decisões de um tribunal são vinculantes apenas numa jurisdição em particular e, mesmo dentro de uma certa jurisdição, alguns tribunais detêm mais poderes do que outros. Por exemplo, na maior parte das jurisdições, as decisões de um tribunal de recursos são obrigatórias para os juízos inferiores daquela jurisdição e para as futuras decisões do próprio tribunal de recursos, mas as decisões dos juízos inferiores são apenas "persuasivas", não vinculantes. Ademais, a interação entre o common law, o direito constitucional, o direito legislado e os regulamentos administrativos causam considerável complexidade. Todavia, o stare decisis, o princípio de que os casos semelhantes devem ser decididos conforme as mesmas regras, está no cerne de todos os sistemas de common law.

[3] Outro brocardo que visava proteger a esfera pessoal do indivíduo era o nemo tenetur  detegere turpitudinem suam. Resumidamente, estabelecia a obrigação do homem confessar  seus pecados, vergonhas, e eventuais crimes somente perante a Deus. Embora seja um pouco  forçoso denominar tal princípio como algo próximo ao moderno direito à privacidade, inegável  é reconhecer que, de certa forma, trata-se de primitiva fonte da referida garantia moderna.

[4] O Direito Canônico precede o direito comum, dos povos, sendo assim muitas Instituições que são hoje do direito nacional do direito brasileiro, principalmente do direito civil e processual, elas foram “inspiradas” nas regras nas normas do direito canônico. Ao descobrir o Brasil, os portugueses trouxeram na bagagem todo um  ordenamento canônico, que logicamente, predominava naquela época. Ao longo dos  anos essa moralidade foi precursora na elaboração das leis que regiam o país há séculos atrás, a forma de casamento entre um homem e  uma mulher é uma delas que consiste até hoje pelo código Civil brasileiro. Na Constituição de 1891, houve uma total ruptura ao  reconhecimento estatal sobre o casamento religioso (p. 251-252). Assim dizia o art. 72,  § 4º da citada Carta: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração  será gratuita.”. Tal atitude do legislador caracterizava-se como uma antítese à realidade  social, pois a sociedade brasileira, praticamente toda católica, tinha o casamento  religioso como o que deveria ser reconhecido.

[5] O banimento das ordálias e demais métodos de provas herdados dos povos  germânicos e normandos abriu caminho para criação de método distinto, focado no  contraditório, denominado adversary system, sistema adversarial.

[6] João Crisóstomo (Antioquia, c. 347 — Comana Pôntica, 14 de setembro de 407) foi um arcebispo de Constantinopla e um dos mais importantes patronos do cristianismo primitivo. É conhecido por suas poderosas homilias, por sua habilidade em oratória, por sua denúncia dos abusos cometidos por líderes políticos e eclesiásticos de sua época, por sua "Divina Liturgia" e por suas práticas ascetas. O epíteto Χρυσόστομος ("Chrysostomos", em português "Crisóstomo") significa "da boca de ouro" em língua grega e lhe foi dado por conta de sua lendária eloquência. O título apareceu pela primeira vez na "Constituição" do papa Virgílio em 553, sendo João Crisóstomo considerado o maior pregador cristão da história.

[7] O IV Concílio de Latrão celebrado em 1215 sob liderança do papa Inocêncio III foi o maior dos concílios ecumênicos da Idade Média. Desta reunião conciliar, resultaram 70 cânones que legislavam sobre as heresias, previa punições, exclusões e diversas modificações na organização eclesial. O IV Concílio de Latrão celebrado em 1215 sob liderança do papa Inocêncio III foi o  maior dos concílios ecumênicos da Idade Média. Desta reunião conciliar, resultaram 70  cânones que legislavam sobre as heresias, previa punições, exclusões e diversas modificações  na organização eclesial. Seu caráter reformador representou um importante instrumento para a  manutenção da unidade da Igreja Católica, diante da crise espiritual característica do século  XII e, para isso, contou com as suas determinações que fortaleceram o trabalho pastoral da  Igreja. Para entender essa dimensão do concílio, é necessário analisar o seu contexto de crise  que estimulou esse ímpeto pastoral por parte da Igreja.

[8] O Código de Processo Penal brasileiro só autoriza a retirada do réu da sala de audiência quando o juiz verifica que a sua presença pode causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, prejudicando a verdade do depoimento. Nesses casos, recomenda-se realizar a inquirição por videoconferência, e somente quando não se puder inquirir por videoconferência é que se manda retirar o réu do recinto (art. 217 do CPP, com a redação determinada pela Lei 11.690/2008).

[9] Papa Bonifácio VIII (c. 1235 – 11 de outubro de 1303) foi papa de 1294 até à data da sua morte. Nasceu com o nome Benedetto Gaetani. Atualmente, Bonifácio VIII é provavelmente lembrado por seus conflitos com Dante Alighieri, que o retratou no inferno em sua Divina Comédia, e a publicação da bula Unam Sanctam na disputa contra o rei Filipe IV de França. Bonifácio VIII defendeu algumas das mais fortes afirmações da supremacia espiritual dos papas sobre o temporal dos reis e dos senhores feudais, vinculando-se em grande parte aos ideais da Reforma gregoriana que tinha sido delineada 250 anos antes, demonstrando-a na sua política externa. O conflito entre Bonifácio VIII e os reis europeus ocorreu em um momento de expansão dos Estados-nação e o desejo de consolidação do poder pelos monarcas. A intervenção de Bonifácio nos assuntos temporais levou a muitas disputas com o imperador Alberto I da Germânia (1291–1298), com a poderosa família dos Colonna, com Filipe IV de França (1285–1314) e estranhamente com Dante Alighieri (que escreveu De Monarchia para argumentar contra ele).

[10] Ao final do século XV, o Papa Inocêncio VIII designou dois homens de sua confiança,  a saber, Henry Kramer e James Sprenger, como inquisidores oficiais, por intermédio das  chamadas cartas apostólicas. Não somente, incumbiu-lhes a tarefa de escrever o que talvez  seria, na opinião de estudiosos do assunto, um dos mais infames livros produzidos, o chamado  Malleus Malleficarum (comumente traduzido como Martelo das Bruxas), datado de 1487. Este livro serviria como verdadeiro manual, que possuía como objetivo precípuo a  padronização do procedimento pelo qual a Santa Inquisição deveria ser conduzida, com ênfase  no tratamento destinado àquelas pessoas acusadas de bruxaria, baseado no conhecimento  operacional e técnico adquirido ao longo dos dois últimos séculos em que a Inquisição se fez presente, de forma a condensar as práticas já corriqueiras na obtenção das provas necessárias a  condenar aqueles acusados pelos mais diversos crimes De forma breve e resumida, o Malleus revogava os (poucos) direitos do réu: se alguém  garantias que hoje, para nós, demonstram-se indissociáveis da figura do réu, tal como a  presunção de inocência, ou o direito de não produzir provas contra si mesmo. A identidade  daqueles que acusam, tal como as investigações e a produção de provas, seguiam no mais estrito  sigilo. A confissão, que durante muito tempo foi considerada a “rainha das provas”, era  arrancada do acusado, por intermédio de cruéis (e deveras criativas) torturas, estas quais a  história viria a revelar para a posteridade. por acaso viesse a ser acusado de bruxaria, bruxo era.

[11]  A Constituição procurou assegurar ao preso, ao investigado e ao réu, outras garantias e  outros direitos que, de maneira indireta, também servem para resguardá-lo e, assim,  proporcionar-lhe maior amplitude de defesa. Já era sensível a evolução da doutrina brasileira no sentido de extrair da cláusula da  ampla defesa e de outros preceitos constitucionais, como o da presunção de inocência, o  princípio de que ninguém é obrigado a se autoincriminar, não podendo o suspeito ou o  acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo.

[12] A principal característica do common law é não ser codificado (não existe código civil ou código penal, como no Brasil). Assim, a sua aplicação é mais objetiva e as regras vão se desenvolvendo conforme avançam as complexas relações na sociedade. Por esses motivos, há um forte protagonismo na figura dos juízes. O sistema jurídico Common Law é utilizado no Reino Unido, nos Estados Unidos e em diversos outros países que foram colônias britânicas. No Common Law, a fonte primária do Direito é a jurisprudência, isto é, as decisões que foram tomadas em julgamentos anteriores. As leis escritas servem como embasamento apenas quando a jurisprudência não é capaz de solucionar a questão. As decisões judiciais no Common Law têm caráter ambivalente, pois além de resolverem litígios, servirão como normas para casos futuros. Esse sistema utiliza o processo indutivo de análise.

[13] Inicialmente, cabe registrar que nem na Constituição Federal nem no Código de Processo Penal – CPP, tampouco na Lei Maria da Penha, há a consagração do direito da vítima em permanecer em silêncio. A previsão dessa garantia em nosso ordenamento jurídico é taxativa em benefício do acusado, regra consentânea, aliás, com o sistema acusatório, pelo qual, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo (art. 186 do CPP). Aliás, o protagonismo processual da vítima vem sendo largamente consagrado pela jurisprudência, ao consolidar o entendimento de que “em crimes cometidos em cenário de violência doméstica, a palavra [não o silêncio] da vítima assume especial relevância”. A propósito, em ano de Eleições Gerais, vale destacar que recentes alterações no sistema eleitoral prestigiaram essa tendência e trouxeram expressamente em texto de lei semelhante orientação, ao introduzir o tema da violência política contra a mulher (Lei 14.192/2021, reproduzida, no ponto, no art. 93-C, § 3º, Resolução TSE nº 23.671/2021).

[14] Susan Haack apud Reis, professora na Universidade de Miami (EUA), afirma que um julgamento não é como uma investigação científica, na qual se pode tomar o tempo necessário para esmiuçar todas as provas possíveis. Afinal, as determinações jurídicas dos fatos estão sujeitas a limitações de tempo e de restrições a respeito da forma de obtenção e do tipo de provas que podem ser legalmente apresentadas. Conclui asseverando que o que se exige do julgador dos fatos não é que determine se o acusado é culpado, mas, sim, que defina se a culpabilidade do acusado foi estabelecida pelas provas produzidas no grau exigido.

[15] Nos EUA, o policial que efetua a prisão do cidadão tem o dever (obrigação funcional e requisito para o regular aprisionamento) de ler todos os direitos dele, sob pena de prejuízo à colheita de eventual material probatório. Do artigo constitucional acima apontado, pode-se aferir também um “direito fundamental de ADVERTÊNCIA“! E é esse direito constitucional de advertência que no direito norte americano é chamado de “AVISO DE MIRANDA” (Miranda Warnings). De acordo com a Suprema Corte dos EUA, a mera ausência dessa formalidade seria suficiente para inquinar de vício (nulidade) as declarações exaradas pelo preso, mormente quanto à confissão, bem como as provas daí decorrentes (ou derivadas).

[16] O devido processo legal substantivo preceitua que a lei, além de possuir os caracteres de  abstração generalidade e impessoalidade, deve ainda ser razoável e racional. Essa  razoabilidade e racionalidade decorrem da observância do processo de formação das  leis, não apenas do procedimento previsto na Constituição, mas também dos princípios  por ela adotados. Lei que não respeita o preceituado pela Constituição pode ser lei em  sentido formal, mas não no sentido material, pois viola o princípio do devido processo  legal substantivo

[17] A Constituição lusitana vigente, nos direitos e garantias do indivíduo no processo, exalta a  defesa, bem como faz menção expressa à ilegalidade das provas obtidas por meios  ilícitos, proclamando sua ineficácia como prova, implicitamente defendendo o direito ao  silêncio no momento em que impede a obtenção de provas que afrontam a integridade  física, o direito de liberdade e propriedade, além da vida privada e da intimidade

[18] Tal dispositivo tem sua origem histórica desde a Constituição do  Império de 1824 que, em seu artigo 179, assim prescrevia: “A exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita  da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu e quem a tiver referido  serão punidos, com as penas que a lei determinar”. E não foi diferente a previsibilidade de tal fato nas Constituições posteriores, em sua  totalidade. A primeira Constituição da República, de 1891, assim definia em seu artigo  72, § 13: “a exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de  pronúncia do indiciado, salvo os casos determinantes em lei, e mediante ordem escrita  da autoridade competente”.

[19] Na Constituição brasileira de 1934, no inciso 21 do artigo 113, a possibilidade da supressão da  liberdade veio assim estabelecida: “Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade  competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa  imediatamente comunicada ao juiz competente que a relaxará, se não for legal e  promoverá sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora”. A Constituição brasileira de 1967 (artigo 150,§ 12) e Emenda Constitucional n° 01 de 1969  (artigo 153,§ 12) prescreviam que: “Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou pro ordem escrita de autoridade  competente. A lei disporá sobre a prestação da fiança. A prisão ou detenção de qualquer  pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará se não for  legal” Na ordem constitucional atual, os dispositivos passados foram encartados na Carta  Magna em separado, sem contudo perder seus objetivos de garantias dos direitos  individuais quando da supressão da liberdade. Vide neste sentido os direitos subjetivos  públicos do preso já analisados, sendo dispensável, portanto, a bem do próprio  entendimento e interesse da obra, sua repetição.

[20] Estabelecido que o direito ao silêncio, uma das vertentes do princípio nemo tenetur se detegere, trata-se de direito público subjetivo do indivíduo de estatura constitucional e de aplicabilidade imediata, sendo plenamente oponível ao Estado em virtude de ser uma das mais expressivas consequências derivadas da cláusula do devido processo legal, e que o interrogatório no processo penal é meio de defesa, questiona-se: caso o acusado manifeste à autoridade judicial, na ocasião do interrogatório, que pretende responder apenas aos questionamentos formulados pelo seu defensor, é viável que o juiz encerre o ato, sob o argumento de que o acusado não pode escolher quais perguntas irá ou não responder? A resposta é negativa. A referida conduta viola o disposto no art. 5º, LIV, LV e LXIII, da Constituição Federal, vulnera o disposto nos artigos 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 8, 2, g da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), implica mácula ao art. 186, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal e é contrária aos precedentes do Supremo Tribunal Federal acima destacados.

[21] Com efeito, ressalta J.J. Gomes Canotilho que A Constituição contém regras e princípios que, na sua globalidade, consagram uma  disciplina jurídico-constitucional específica para esta categoria de direitos  fundamentais. Ainda assim, a garantia trazida à baila pela Constituição Federal, visa uma proteção  jurídica do indivíduo, através da permanência do silêncio, pressupondo que o contrário,  seria uma lesão dos direitos subjetivos ou aos direitos legalmente protegidos.

[22] Referido dispositivo constitucional brasileiro abriga em seu bojo o direito do indivíduo, quando da ocorrência da privação de sua liberdade, de permanecer em silêncio. Tal dogma  constitucional constitui-se em direito subjetivo público. Tal direito, da permanência em  estado de silêncio quando de sua prisão erigido à condição de dogma constitucional é  tido por J. Crettella Júnior como direito subjetivo público inerente tão somente a  prisão.

[23] O primeiro documento internacional foi o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que foi adotado na XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e que entrou em vigor no Brasil no dia 24 de abril de 1992, por força do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992. Este pacto dispõe no seu artigo 14, 3, g, que “toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias […] De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.” O segundo foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, e que entrou em vigor no Brasil em 25 de setembro de 1992, conforme o Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. De acordo com a Convenção em comento, toda pessoa acusada de um delito tem direito à garantia de “[…] não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;” (art. 8, 2, g).

[24] O jurista Luiz Flávio GOMES entende que o direito ao silêncio compreende 4 (quatro) dimensões essenciais, notadamente: O direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; O direito de não declarar contra si mesmo; O direito de não confessar e; O direito de não falar a verdade, tendo como base para o seu raciocínio o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º, CF), que jamais devem ser interpretados restritivamente.

[25] Quanto ao “aviso de Miranda” (advertência dos policiais quanto ao direito constitucional ao silêncio), o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de NULIDADE RELATIVA, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (STJ, HC 614.339, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 09.02.2021). A falta de advertência sobre o direito ao silêncio não conduz à anulação automática do interrogatório ou depoimento, restando mister observar as demais circunstâncias do caso concreto para se verificar se houve ou não o constrangimento ilegal (STF, RHC 107.915, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 25.10.2011).

[26] A Lei Processual penal brasileira também efetiva o direito ao silêncio em seu artigo 186 , tonificando que este não será manipulado juridicamente em desfavor do réu. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos seguintes precedentes: HC 79.589/DF , HC 73.035/DF , HC 79.244/DF , HC 101.909/MG e HC 79.812/SP .

[27] O acusado no decorrer do interrogatório poderá permanecer em silêncio ou escolher responder aos questionamentos que lhe forem feitos e neste último caso o Direito Penal brasileiro lhe assegura o direito de falar a verdade, uma vez que, não existir o crime de perjúrio no ordenamento pátrio, diz-se que o comportamento de dizer verdade não é exigível do acusado, dessa forma a mentira torna-se tolerada, porque dela não pode resultar nenhum prejuízo ou imputação de crime ao acusado. Como o dever de dizer a verdade não é provido de coercibilidade e  por não se ter no ordenamento brasileiro sanção contra a mentira, quando o acusado inventa  um álibi que não condiz com a verdade, simplesmente para criar uma obscuridade de  entendimento para o órgão julgador é possível extrair que a „mentira‟ contada por ele é  perfeitamente tolerável em decorrência do princípio nemo tenetur se detegere . Há ainda importante fator a ser considerado sobre o acusado não fazer o juramento de dizer a verdade - como no caso das testemunhas.

[28] Tema 1185 STF - Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não autoincriminação e do devido processo legal.

[29] Segundo a Corte, não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito. A falta da advertência ao direito ao silêncio, no momento em que o dever de informação se impõe, torna ilícita a prova. Isso porque o privilégio contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), erigido em garantia fundamental pela Constituição, importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado acerca da possibilidade de permanecer calado. Dessa forma, qualquer suposta confissão firmada, no momento da abordagem, sem observação ao direito ao silêncio, é inteiramente imprestável para fins de condenação e, ainda, invalida demais provas obtidas através de tal interrogatório. No caso, a leitura dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão da paciente demonstra que não foi observado o citado comando constitucional. In:  STF, AgR no RHC 170.843, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 04.05.2021.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito ao Silêncio Direito a não Autoincriminação Direito Processual Penal CFRB/1988

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