Direito ao Silêncio[1]
Seja o acusado preso ou solto, indiciado ou acusado, ou mesmo a pessoa seja chamada para depor na condição de testemunha, há a ampla proteção ao silêncio de qualquer pessoa, em qualquer processo ou procedimento. A partir da evolução histórica e da jurisprudência, o direito ao silêncio e a não autoincriminação é alçado como direito fundamental. O princípio da não autoincriminação (ou nemo tenetur se detegere) constitui não só um dos mais relevantes princípios aplicáveis ao contexto da produção probatória, mas também, é um dos princípios fundamentais do processo penal brasileiro.
O
princípio nemo tenetur se detegere refere-se realmente ao direito de
todo acusado de não cooperar com a persecução penal contra ele instaurada, é o
direito da não autoincriminação, abstendo-se de fornecer meios probatórios que
possam contribuir para sua incriminação.
É
originário do ius commune europeu, e tem seu equivalente no sistema da common
law, através do privilege against sef-incrimination[2].
Realmente,
é uma conquista da defesa técnica consagrada tanto no Reino Unido como nos EUA
após o esforço incansável dos advogados, que repudiavam a prática arbitrária do
juramento ex officio bem como a presunção de que o silêncio do acusado erigiria
prova de sua culpabilidade.
Enfim,
o direito ao silêncio mostra-se como corolário do abandono do sistema
inquisitório e adoção do modelo acusatório. O princípio em comento materializa
a humanização do direito penal e do processo penal, antes centrado no indivíduo
como objeto e meio de prova, o que admitia a prática de tortura e penas cruéis.
Avalia-se
que a extensão do nemo tenetur se detegere teve peculiar contexto histórico,
quando finalmente a liberdade ergueu-se como valor supremo.
A
máxima latina nemo tenetur prodere se ipsum[3]
conexa à nemo tenetur se detegere, não possui suas origens no direito
romano, mas sim, no ius commune europeu. O direito europeu medieval, o ius
commune, era direito culto e composto por dois direitos, a saber: o direito
civil, originário das compilações do Corpus Iuris Civile de Justiniano; e o
direito canônico, cujos ditames viriam a formar o Corpus Iuris Canonici.
Inicialmente,
o direito canônico se destinava apenas para a administração interna da Igreja
Católica Apostólica Romana, mas sua jurisdição estendeu-se para galgar
objetivamente qualquer leigo que possuísse relação com a Igreja bem como
qualquer matéria concernente à fé.
O
Direito Canônico[4]
(ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana) é formado pelo Corpus Juris Canonici, que resultou do Decretum
Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX (1234), de
Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313).[...]
Primitivamente,
o Direito Penal Canônico teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente
influência da Igreja e consequente
enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se estendendo a religiosos e
leigos, desde que os fatos tivessem
conotação religiosa. (In: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito
penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 76).
Os
canonistas passarão usar a máxima latina de autoria atribuída à São João
Crisóstomo, a qual vinha no popular manual procedimental do ius commune, o speculum
iudiciale.
Ensina
in litteris, Maria Elizabeth Queijo apud Figueiredo: “A regra que
vedava compelir alguém à autoincriminação foi expressa no mais popular manual processual medieval[5] do ius commune, o Speculum
iudiciale, compilado por William
Durantis, em 1296, representada pela máxima nemo tenetur detegere turpitudinem suam,
significando que ninguém pode ser compelido a ser testemunha contra si mesmo
porque ninguém está obrigado a revelar sua própria vergonha.
O princípio foi acolhido pela maior parte dos comentadores medievais e repetido nos manuais de processo penal
europeus dos séculos XVI e XVII. De acordo
com a acepção do princípio, na época, era vedado exigir que alguém respondesse a perguntas específicas sobre seu
comportamento ou atos da sua vida
privada, submetendo-o a risco de infâmia ou persecução penal.
Entendia-se que os homens deveriam
confessar suas faltas a Deus, mas não deveriam ser compelidos a confessar seus crimes a ninguém mais”.
Constata-se
existir uma série de compilações de textos canônicos reconhecendo a proteção
aos acusados, no ano 850, uma compilação oferecia proteção contra os abusos dos
senhores feudais; ii) em 1151, uma
compilação levada a cabo por Graciano, tomando por base o comentário de
São João Crisóstomo[6] a trecho da carta de São
Paulo aos Hebreus viria a repudiar a prática da
tortura e proscrever a obrigatoriedade do juramento dos acusados.
Segundo
Paulo Mário Canabarro Trois Neto apud Figueiredo, a dita proteção perdeu força
a partir do IV Concílio de Latrão em 1215[7], que dentre outros métodos
inquisitórios, incluiu o juramento.
[
...] em 1215, no IV Concílio de Latrão, com a introdução do jusjurandum
de veritate dicenda (juramento
inquisitivo), pelo qual o acusado estava obrigado a dizer a verdade, a Igreja modifica o entendimento
de que a confissão só poderia ser
voluntária.
Em
1252, Inocêncio IV autoriza o emprego de torturas para obtenção da confissão e do arrependimento do acusado em
casos de heresia cátara. Argumentou o Papa
que, se a violência contra os réus era comumente aplicada no direito comum em relação a ladrões assassinos, seria
injustificável conceder tratamento privilegiado aos hereges, que não passariam
de “ladrões e assassinos da alma”. (In: TROIS NETO, Paulo Mário
Canabarro. O direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2010. p.83).
O IV
Concílio de Latrão se tornaria o marco da adoção do sistema inquisitório pelos
canonistas europeus do continente. Afinal, os inquisidores negariam ao acusado
todos os direitos, sendo o procedimento nos casos de heresia realizado através
de audiências[8]
secretas, nas quais as testemunhas não seriam inquiridas na presença do
acusado.
E, no
final do século XIII, o Papa Bonifácio VIII[9] ordenaria também a
supressão de nomes das testemunhas. A adoção do sistema inquisitorial em
detrimento do acusatório influenciaria a jurisdição laica, e, até o final do
século XV[10],
o modelo acusatório estaria completamente em desuso.
O ius
commune europeu lançou as bases para que a Igreja Católica pudesse reavivar
o procedimento inquisitório cujas bases estavam no Direito Romano. A inquisição
para os romanos consistia no procedimento mediante o qual o magistrado procedia
à investigação minuciosa de fatos envolvidos em uma contenda judicial, fosse
ela civil ou criminal.
Até o
advento do Renascimento Cultural, o procedimento inquisitório ainda possuía
suas fundações no Direito Romano. (In: EICHBAUER, Melodie H. Medieval
Inquisitorial Procedure: Procedural Rights and the Question of Due Process in the 13th Century. History Compass.
2014. v. 12. p. 73).
O
procedimento inquisitório, então, destinava-se não apenas à apuração do delito
de heresia, mas também e especialmente aos delitos praticados pelos membros de
clero, tais como condutas sexuais inadequadas e assassinato.
O
procedimento garantia direitos ao acusado, inclusive o de salvaguardar-se da
autoincriminação e de consultar advogados – tais direitos eram referidos como ordo iuris,
ou ordu iudiciorum para o Direito Romano. Entretanto, os julgamentos por crimes
excepcionais - v.g. traição, heresia, feitiçaria – permitiam aos juízes que
suspendessem os direitos procedimentais do acusado.
Com a
chegada da Idade Moderna e o advento do Iluminismo, ocorreu o início do
reconhecimento e da construção de garantias penais e processuais penais. Há com
este movimento sociocultural um combate ao uso da tortura e do juramento, tão
usados no procedimento inquisitorial medieval. Atualmente, configura-se uma
imoralidade as tentativas de compelir o acusado a pronunciar-se de modo
incriminatório.
Cesare
Bonesana, Marquês de Beccaria, em sua famosa obra Dos Delitos e Das Penas,
refutou a extração da confissão do acusado, por meio do juramento e da tortura.
A lei que autoriza a tortura é uma lei
que dizia: “Homens, resisti à dor. A natureza vos deu um amor invencível
ao vosso ser, e o direito inalienável de
vos defenderdes; mas eu quero criar em vós um
sentimento inteiramente contrário; quero inspirar-vos um ódio de vós
mesmos; ordeno-vos que vos torneis
vossos próprios acusadores e digais enfim a verdade ao meio das torturas que vos quebrarão os ossos
e vos dilacerarão os músculos...”.
Lembremos
que no procedimento inquisitório da Idade Média que antevia na confissão a
prova de máximo valor, na qual a linha entre o delito e pecado eram sutil e a
autoincriminação do acusado assumia a forma de expiação e purgação dos pecados.
Foi o
Iluminismo que transformou a justiça penal ao instituir a separação entre as
funções de acusar, defender e julgar, reduzindo a distância entre o
Estado-acusador e o acusado, naquele momento, o réu.
De
fato, o direito a não autoincriminação[11] se manifestou tardiamente
nos Estados de Direito codificado, apresentando-se propriamente, apenas aa
partir do século XIX.
A
partir do século XII a Inglaterra passou a adotar o sistema jurídico conhecido
como common law[12],
tomando os costumes como a fonte única
ou mais importante do direito, como fundamento básico da jurisdição real.
Esta forma peculiar do exercício de jurisdição,
por certo, afastou o direito inglês do modelo romano-germânico que então vigorara no resto da Europa,
possibilitando a introdução, na Inglaterra, de um mecanismo de recursos a precedentes (casos), condensado nos Year
Books, que serviram de base para o desenrolar dos julgamentos, sempre em
consonância com os costumes adotados nas decisões.
Já no
século XV, o common law cede lugar às
designadas jurisdições de equidade (equity), que aplicava um
processo escrito mais inspirado pelo procedimento do direito canônico.
Entretanto,
por volta do século XVII a equity se integrou à common law,
admitindo-se uma dualidade jurisdicional,
fundida posteriormente, por volta de 1873 e 1875, já na Idade Contemporânea. (In:
VALE, Ionilton Pereira do. O direito ao
silêncio no interrogatório no direito processual penal pátrio e comparado.
Revista dos Tribunais, São Paulo , n.929, p. 419-458, mar. 2013. p. 7).
O
desenvolvimento do privilégio contra a autoincriminação como o conhecemos se
deu através do direito anglo-americano onde a máxima se expressou por meio do privilege
against self-incrimination.
Esse
se consolidou propriamente na common law inglesa, a partir da metade do século
XVII, com a abolição das cortes eclesiásticas de High Comission e Star Chamber
e do procedimento do juramento ex officio, mas também através da busca pela
defesa técnica.
O
juramento ex officio consistia em comparecimento das partes perante
estas cortes, submetendo-se a um juramento de responder quaisquer questões que
lhes fossem feitas. Em geral, as acusações eram desconhecidas.
Assim,
o privilege against self-incrimination desenvolveu-se, inicialmente,
como uma proteção às fisching expeditions, prática por meio da qual os juízes,
através do ato do interrogatório, investigavam os aspectos e procediam a
questionamentos alheios ao objeto da acusação. Os advogados à época já se
insurgiam contra a prática do juramento ex officio, por entender que ele
conduzia ao perjúrio.
Foi
irresignação dos puritanos contra as práticas das Cortes de High Commission
e Star Chamber tornaram-se maiores com relação de que o juramento
conduzia o acusado a responder questões potencialmente incriminatórias,
independemente da existência de um acervo probatório suficiente a comprovar as
acusações formuladas. Os puritanos estavam resistindo às tentativas dos
reinados de Elizabeth (1558-1603) e da Casa Stuart (1603-1640) de impor o credo
anglicano.
Uma
vez que os acusados submetidos à jurisdição de tais cortes eram comumente
acusados de práticas em desconformidade com o anglicanismo, havia resistência
em submeterem-se ao procedimento do juramento ex officio. Ainda assim, o
acusado que se recusasse ao juramento estaria sujeito à prisão pelo contempt
of court (desobediência aos comandos da corte).(In: LANGBEIN, John
H. The historical origins of the privilege against self-incrimination at
Common Law. Michigan: Michigan Law
Review, mar. 1994. n. 05. v. 92. p. 1047-1085. p. 1073).
Passaram
os Puritanos a buscar assistência nas cortes de common law, que se provaram dispostas a intervir, expedindo writs de
proibição contra as práticas de ambas as cortes.
E, o habeas
corpus também se difundiu como instrumento hábil a proteger o acusado
perante a corte de High Commission.
O writ
de proibição e os habeas corpus eram instrumentos jurídicos das
cortes de common law para
interferir nos julgamentos eclesiásticos. Pelo writ de proibição decidia-se que o acusado não podia ser
submetido a julgamento por determinada corte.
Já o habeas corpus era utilizado contra o poder da Court of High Commission
de decretar prisões.
As
cortes de High Comission e Star Chamber foram abolidas por um Ato
do Parlamento Inglês de 1641, com o qual
assentiu o Rei Carlos I24. Os tribunais eclesiásticos foram proibidos de impor juramento que viesse
a provocar a confissão ou a autoacusação.
Nas
cortes de common law, durante o século XVI, contudo, o privilege against
self-incrimination perde parte de seu significado
original, consubstanciado no direito fundamental, não de silenciar, mas de falar, que possuía o
acusado. Maria Elizabeth Queijo explica que a ausência de defesa técnica por advogado
compelia o acusado a contrapor as acusações que lhe eram feitas, sendo o seu silêncio na prática
uma autoacusação.
Deveria
o acusado contestar as acusações porque
não lhe era assegurada a assistência de advogado, já que inadmissível que terceiro se manifestasse em seu lugar. A
declaração do acusado contava então com caráter testemunhal. Havia igualmente restrições à
convocação de testemunhas defensivas as quais, não comparecendo, não seriam intimadas para o
ato. Sobre o tema em lume, ensina o professor
John H. Langbein.
O privilege
against self-incrimination encontrava limitações também no procedimento do pretrial, disciplinado pelo Marian Committal
Statute de 1555, seguido do século XVI ao XVIII, cujo objetivo era conduzir o acusado a
autoincriminação.
Um
magistrado da Justiça de Paz presidia o
ato, transcrevendo tudo quanto fosse dito pelo acusado, a vítima[13] e as testemunhas de acusação. Se o acusado se
recusasse a falar nesta fase, isso era registrado no relatório a ser encaminhado para a corte de
julgamento. No julgamento, portanto, desejando o acusado se retratar, tal proceder seria
utilizado em seu desfavor. O pretrial, sendo assim, constituía etapa decisiva do julgamento
principal.
Ressalte-se que alguns dos pilares de
sustentação do processo criminal na common
law não se encontravam presentes à época. Até o século XVIII, o beyond reasonable-doubt
standard of proof,[14] ou seja, a fórmula da
“dúvida razoável” da prova , que compele o julgador a sanar suas dúvidas favorecendo o
acusado, não possuía formulação adequada, sendo o acusado compelido a falar.
A
máxima que imperava no momento sugeria que, sendo o acusado inocente, deveria ter ele a
capacidade de provar. Igualmente, não lhe era permitido acesso aos termos de seu indiciamento,
desconhecendo os fatos dos quais deveria se defender, vedação essa que iniciou seu relaxamento com a
edição do Treason Act (1696).
Enfim,
o privilege against sef-incrimination é essencialmente criação da defesa
técnica. A vedação da constituição do advogado e foi gradualmente cedente entre
os anos de 1696 a 1837, primeiro com a admissão da defesa por advogado pelo Treason
Trials Act (1696), até o abandono do sistema inquisitório com o Prisoner's
Counsel Act (1836), que permitiu a defesa do acusado em matéria de direito
e de fato.
O
princípio nos EUA[15] e na Quinta Emenda
Constitucional norte-americana promoveu a consolidação do privilege against
self-incrimination no direito norte-americano. De fato, o direito não
autoincriminação desenvolveu-se mais celeremente que na Inglaterra, tornando-se
direito constitucional consubstanciado na quinta Emenda retromencionada e
ratificada em 1791.
In
litteris:
“Ninguém
poderá ser detido para responder por crime capital, ou por outra razão infame, salvo por denúncia ou acusação perante
um grande júri, exceto em se tratando de
casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante
serviço ativo; ninguém poderá ser sujeito, por duas vezes, pelo mesmo crime, a ter sua vida
ou integridade corporal postas em perigo;
nem poderá ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo, nem poderá ser
privado da vida, liberdade ou propriedade,
sem o devido processo legal[16]; nem a propriedade
privada poderá ser expropriada para uso
público, sem justa indenização”.
De
fato, principiou a regra no Novo Mundo, cenário da colônia de New England,
ocasião em que os puritanos, já tendo abandonado sua terra natal, editam em
solo americano, o Massachusetts Body of Liberties, documento que conferia aos
membros das colônias a proteção (em
parte) contra a tortura ou qualquer espécie de juramento que os forçasse a confessar a própria culpabilidade,
enfrentando resistência dos magistrados da colônia.
A
tortura, porém, era permitida em delitos punidos com a pena capital, devendo,
entretanto, não ser “bárbara e inumana.
A
provisão do Massachussets Body of Liberties foi incapaz de satisfazer os
membros das colônias, porque ainda
legitimava a prática da tortura. Nessa senda, quando os colonos americanos deixaram Massachussets para se
dirigir a Connecticut, adotaram provisão semelhante em 1650, desta vez com o intuito de
proibir finalmente a prática da tortura.
É possível afirmar, portanto, que o privilege
against self-incrimination restou estabelecido com solidez certa antes de 1650 nas colônias de New
England e sucessivamente na colônia da Virgínia.
O
sistema processual penal até o século XVII era o do accused speaks, não
havendo espaço para o privilege. A defesa técnica por advogado foi permitida
em Nova York em 1686, e na Virgínia em 1735. E, mesmo assim, não existiam
advogados para atura nas colônias até o final do século XVIII.
A
constitucionalização do privilege against self-incrimination é permeada
ainda por outras razões, em especial, os
procedimentos das cortes de Governor and Council, as quais constituíam as cortes coloniais máximas, cujos
procedimentos visavam a fortalecer as leis de comércio nas colônias.
A
partir da transformação das colônias em províncias reais estas perdiam o controle sobre seu sistema de
justiça, sujeitando-se à vontade do Governador Real, que discricionariamente convocava indivíduos
perante o seu Conselho. Diferentemente das cortes comuns, o procedimento aqui era
inquisitivo e autoritário.
Aqueles
que desejassem invocar seus direitos
enquanto cidadãos ingleses eram reprimidos, sob o pretexto de que a Magna Carta e demais diplomas legais
garantidores de liberdades individuais não eram aplicáveis às colônias. Em 1700, o Governador
Cornbury de Nova Iorque negou a incidência
do Bill of Rights e do Act of Toleration, ambos diplomas
legais ingleses.
Enfim,
os protestos das colônias contra a Lei do Selo, os Atos Townshend e
outras imposições legais comerciais e coercitivas deu origem à luta armada, em
razão das tentativas da Coroa Inglesa de endurecer a ordem social nas colônias
fortalecendo leis que não eram tidas como adequadas, inclusive em seu próprio
território e, negando aos membros das colônias os direitos inerentes ao cidadão
inglês, sujeitava-os a cortes de
prerrogativas, não compostas por jurados e ao procedimento inquisitório.
A
colônia da Virgínia viria a editar sua Bill of Rights em 1776, antes da
Declaração da Independência, a qual garantia o privilege against
self-incrimination diretamente em sua conduziriam à Constituição Federal o
privilege fosse escassamente mencionado, as circunstâncias o incluíram o artigo
quinto do Federal Bill of Rights, servindo de proteção à nação
recém-formada.
O
direito ao silêncio no ordenamento jurídico brasileiro vem do tempo das
Ordenações do Reino de Portugal que vigoraram no país até 1830 com a
promulgação do Código Criminal do Império.
À data
do descobrimento estavam em vigor em Portugal[17], as Ordenações Afonsinas,
mandadas a serem compostas por Dom João I, as quais foram concluídas em 1446,
possuindo vigência até 1521, quando da publicação das Ordenações Manuelinas, deliberadas por Dom Manuel, o
Venturoso, as quais tiveram aplicação no Brasil.
Mas
foram as Ordenações Filipinas, de Felipe II de Espanha, que seriam amplamente aplicadas em território brasileiro. Essas
tiveram o objetivo de reestruturar os velhos códigos por ato de 5 de junho de 1595, sendo
publicadas em 11 de janeiro de 1603, quando já reinava Felipe III , sendo confirmadas por Dom João
IV, em 1643, após a restauração da casa de Bragança ao trono português. O direito penal
estava contido no Livro V, nas três Ordenações, sendo distribuído em: i) 121 títulos nas
Afonsinas; ii) 113 títulos nas Manuelinas; e iii) 143 títulos nas Filipinas.
O
direito pátrio foi regulado por diplomas portugueses até a independência no ano de 1822.
O princípio nemo tenetur se detegere já
encontra sua aplicação em território
brasileiro no período colonial quando da vigência das Ordenações Manuelinas, nas quais se encontra dispositivo
legal a assegurá-lo, em seu Livro III, Título XL, nos termos de que “no feito crime não é a
parte obrigada a depor aos artigos que contra ela forem dados”. O acusado, contudo, ainda
poderia ser submetido a tormentos e ao pagamento de multa, de acordo com a gravidade do caso,
para prestar depoimento.
Em 25
de março de 1824[18],
Dom Pedro I, Imperador Constitucional, outorga a Constituição do Império a qual, inspirada pelo
liberalismo inglês e pelo movimento humanitário
produzido pelo Iluminismo43, proscreveu a prática da tortura.
As
Ordenações Filipinas continuariam a
viger em matéria processual penal até o advento do Código de Processo Criminal de Primeira Instância de
1832, no qual o interrogatório passou a ser tido como ato de defesa, por influência dos ideais
iluministas, entendendo a doutrina da época que o acusado não deveria prestar
juramento e não precisava responder às perguntas feitas pela autoridade.
Nessa
senda, explica Paulo Hamilton Siqueira Júnio, in litteris:
“José
Antônio de Andrade Góes observa que “o Código Imperial, afastando-se do sistema inglês, sofreu visível influência do
Código Napoleônico do ano de 1808, sendo o interrogatório naquele período
realizado em público, depois de conhecidas as peças do processo, limitadas as perguntas a
fazer, caracterizando um autêntico ato de
defesa, eis que ditas perguntas tendem a pedir o acusado as provas de sua inocência [...]”.
Assim,
conclui-se que sob a égide do Código Criminal do Império o interrogatório era ato de defesa, ficando o
magistrado adstrito às perguntas fixadas pelo estatuto processual.
Já na
Constituição Republicana de 1891 foi assegurada ao acusado a plena defesa,
sendo estabelecido por construção
doutrinária que o interrogatório realizado sob coação era proibido.
Ainda,
os Estados-Membros receberam autonomia legislativa, para legislar sobre normas de processo, não sendo o tratamento do
direito ao silêncio uniforme – v.g. os Códigos dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e do
Distrito Federal adotaram posicionamento no sentido de que o silêncio do acusado poderia
ser interpretado em seu desfavor.
As Constituições brasileiras de 1934 e 1937
restauraram a unidade processual, centralizando na União a capacidade para
legislar sobre direito penal e processual penal.
Realmente,
a unificação legislativa sucedeu com o diploma processual penal de 1941, elaborado sob a égide do ideário positivista,
com enfoque na preponderância dos interesses repressivos do Estado sobre os interesses
individuais. Através do Código Penal de 1941, o interrogatório do acusado perde sua característica
de meio de defesa para tornar-se meio de prova, nos termos de sua Exposição de Motivos[19].
Outra
inovação em matéria de prova diz respeito ao interrogatório do acusado. Embora mantido o princípio de que nemo
tenetur se detegere (não estando o acusado na estrita obrigação de responder o
que se lhe pergunta), já não será esse termo
do processo, como atualmente, uma série de perguntas predeterminadas, sacramentais, a que o acusado dá as respostas
de antemão estudadas, para não se
comprometer, uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz
formular
ao acusado as quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da verdade, e se é certo que o silêncio do réu
não importará confissão, poderá, entretanto,
servir, em face de outros indícios, à forma do convencimento do juiz.
Com a
vinda da Redentora, a Constituição Federal brasileira de 1988 e, a previsão
expressa de direitos e garantias fundamentais limitadores do Poder estatal,
passou a ser assegurado, frente à disposição do artigo 5º, inciso LXIII, de que
o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo assegurada a assistência da família e de advogado.
Precisamos
ressaltar que o direito a não autoincriminação na esfera constitucional é um
direito fundamental, e, também atende ao princípio constitucional implícito que
é derivado do devido processo legal e da presunção de inocência e do sistema
acusatório.
[...] o direito à informação da faculdade
de manter-se em silêncio ganhou dignidade constitucional, porque instrumento
insubstituível da eficácia real da vetusta garantia e que, ao invés de constituir desprezível
irregularidade, a omissão do dever de informação
ao preso, dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as
informações incriminatória dele anteriormente
obtidas, assim como as provas dele derivadas[...]
Os
doutrinadores Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco
afirmaram tratar-se de autêntico direito fundamental[20], não sendo autorizado
pela via legislativa ou pela interpretação restringir a sua aplicabilidade. E,
assim, tendo o acusado optado por intervir ativamente no processo, destacam os
autores que o regresso à opção pelo silêncio não mais pode ser considerada.
Os
direitos fundamentais os direitos humanos positivados, especialmente, nas
Constituições dos Estados. E, assim, ainda explica Canotilho[21] que, enquanto os direitos
humanos são aqueles válidos para todos os povos e em todos os tempos, os
direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espácio-temporalmente. (In: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
constitucional. 3ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 369 apud QUEIJO,
Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio
nemo tenetur se detegere e suas
decorrências no processo penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 70).
A
desconstitucionalização dos direitos fundamentais foi operada do século XIX
representou, assim, a maneira de assegurar sua observância e garantir sua
permanência no ordenamento jurídico. Portanto, entende-se, que são direitos
estimados pelo ordenamento jurídico que refletem o conjunto de princípios
norteadores de uma sociedade, legitimando o seu sistema jurídico.
É
possível afirmar que se destinam, essencialmente, ao resguardo da dignidade
humana, nas relações em sociedade e frente ao Estado.
Por
ser direito fundamental, o princípio nemo tenetur se detegere é garantia do
acusado no processo penal que tutela a liberdade do indivíduo frente ao Estado.
Neste, o indivíduo resta resguardado da coação física e moral, passíveis de
serem empregadas de forma a forçar a cooperação do acusado na apuração do
delito.
O
direito a não autoincriminação do acusado pode ser visto ainda como uma
extensão do direito fundamental à
intimidade, de que são titulares os todos os cidadãos. O reconhecimento do silêncio, lato sensu, do
acusado, é uma garantia de sua liberdade moral, passo fundamental consagrado na Constituição
Federal de 1988.
O
enunciado normativo contido no art. 5.º,
inciso LXIII[22],
da Constituição Federal de 1988, ao se referir ao direito de “permanecer
calado” não autoriza uma concepção restritiva.
Ao contrário, autoriza uma garantia ampla de uma das manifestações do
direito a não autoincriminação, que compreende a informação pelo Estado de todos os direitos
para os quais e exige uma manifestação ou opção do preso. Igualmente salienta-se que,
ainda que o enunciado preveja a garantia do silêncio ao preso, as demais normas
constitucionais autorizam o emprego desta garantia também às pessoas livres.
Seguindo
diferente linha de raciocínio, relembra que os direitos fundamentais, ainda que dotados de
características especiais – v.g. possuem grau superior na ordem jurídica; somente podem ser
alterados por meio de procedimento especial;
constituem,
outrora, limites à revisão constitucional; como normas de vinculatividade imediata constituem parâmetros materiais de
escolhas, decisões e controle dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais
– não são absolutos ou ilimitados.
A
cláusula que protege o direito ao silêncio,
nessa senda, constituiria norma de eficácia contida, não impedindo o legislador ordinário de autorizar
o juiz criminal a interpretar livremente o uso de tal direito pelo acusado, não com
exclusividade, mas no conjunto das demais provas produzidas.
O
princípio no ordenamento jurídico alemão não encontra base constitucional
específica na Lei Fundamental da Alemanha. Entende-se estar compreendida
através da disposição do artigo 2, no qual estão resguardados os direitos da
liberdade, especialmente, ao livre desenvolvimento da personalidade, o qual é
primordial direito de defesa do cidadão perante o Estado.
Igualmente,
a Lei Fundamental instituiu a proteção à dignidade da pessoa humana como o seu mais alto valor, devendo esta
permear todas as demais normas que a compõem.
Theodomiro
Dias Neto, nesse sentido, destaca que “em síntese, o direito ao silêncio é expressão da proibição contra a autoincriminação,
constitui um direito de personalidade, que por possuir a dignidade humana em seu núcleo,
não está à disposição do legislador”. No plano internacional, o direito ao silêncio
encontra-se positivado no art. 14, inciso III, do Pacto Internacional[23] de Direitos Civis e
Políticos de 1966, ratificado pela Alemanha em 17 de dezembro de 1973.
O
acusado no sistema penal alemão situa-se, em dupla-posição, sendo sujeito
portador de direitos de participação ativa e objeto e meio de prova. Porém, não
se encontra desprotegido pelo ordenamento jurídico, porque admissível o seu
silêncio, assim como sendo resguardado seu direito de liberdade da coerção
estatal, devendo esta derradeira ser operada em atenção ao princípio da
proporcionalidade e à proteção de sua dignidade.
O
acusado no direito processual penal alemão está sujeito ao interrogatório em
todas as fases procedimentais, devendo
primeiramente ser cientificado do fato que lhe é imputado, sendo, ato contínuo, interrogado acerca de sua
pessoa. O juiz deverá adverti-lo quanto ao direito ao silêncio, bem como de sua
possibilidade de consultar um advogado.
Embora
se entenda, conforme ressalta Maria
Elizabeth Queijo apud Figueiredo, que o acusado não possua um dever de dizer a verdade, a jurisprudência já admitiu a
agravação da pena em função da mentira – ao contrário do sustentado pela
doutrina. Igualmente, possui o acusado um dever de comparecimento ao ato de interrogatório, sendo
autorizada a sua condução coercitiva para tanto, a ser determinada pelo juiz ou pelo
representante do Ministério Público – sujeita a controle jurisdicional na última situação.
Ao acusado
é resguardado o direito de não responder
às perguntas da autoridade, sendo vedados certos métodos de interrogatório. A confissão obtida mediante
influência corporal ou psíquica, bem como a coação ilegítima segundo o ordenamento ou
outra medida que afete a capacidade de memória e compreensão não é admitida.
Prevalece
o entendimento de que somente o silêncio parcial – quando não são respondidas
perguntas específicas – do acusado é passível de valoração, enquanto seu silêncio total não permite qualquer
interpretação.
Destaca-se
ainda que o acusado é obrigado a fornecer informações pessoais para fins de identificação – sua recusa é punível com
pena de multa nos termos da Lei de Contravenção à Ordem Administrativa. Parte da doutrina[24] se manifesta em sentido
contrário, por entender que a
identificação do acusado pode equivaler à confissão, nos casos em que é
conhecido e admite sua identidade.
O
mesmo princípio no ordenamento jurídico britânico particularizou-se em 1836 com
o Prisioner’s Counsel Act tornou-se possível a defesa técnica do acusado, por advogado que poderia dirigir-se
ao júri. Através do Jervis Act de 1848, foi conferido ao acusado o direito de ser
advertido quanto à possibilidade de silenciar no pretrial, momento do procedimento que, como outrora
destacamos era decisivo no julgamento final.
Foi o
fim do Marian Committal Statute, aplicável ao pretrial. Pode-se dizer,
portanto, que a consolidação e a
efetividade do privilege against self-incrimination deriva da interpretação analógica da confession rule e do witness
privilege.
A
pacificação dos limites entre a confession rule e o witness privilege
ocorreria com o caso Garbett em 1847. Finalmente, o Criminal Evidence Act pacificaria o
direito ao silêncio do acusado ao prever que a pessoa acusada não poderia prestar testemunho, salvo
em seu próprio benefício.
Na
atualidade, a Câmara dos Lordes reconhece o direito ao silêncio do acusado. Entretanto, não há dever por parte da
polícia em informar ao acusado quanto ao direito ao silêncio. Suas garantias limitam-se
ao direito de informar alguém, obter assistência de defensor técnico, bem como consultar o Codes
of Practice.
Quando observamos a publicação do Criminal Justice and Public Order
Act, o qual, de acordo com Maria Elizabeth Queijo, vem sendo bastante questionado perante a Corte
Europeia de Direitos Humanos, em especial porque, ainda que o referido Act não
tenha abolido o direito ao silêncio, dele se infere a possibilidade de interpretar o silêncio do
acusado em seu desfavor.
A doutrinadora
destaca que antes do Act, os
órgãos policiais intentaram a abolição do direito ao silêncio, porque
favoreceria criminosos profissionais.
Ainda assim, destaca Ashworth que é na polícia que os suspeitos sentem o peso da intimidação, porque se cria
um ambiente propício à renúncia de direitos.
O Act
de 1994 estabeleceu em sua seção n.º 35 a possibilidade de se fazerem inferências a partir do silêncio do acusado.
Outras seções também limitam o direito de silenciar: i) a seção n.º 34 prevê a
possibilidade de interpretar em desfavor do acusado o seu silêncio em relação à fato ou circunstância
importante para sua defesa, devendo ter sido ele advertido a esse respeito; ii) a seção n.º 36
permite a valoração negativa no tocante ao silêncio sobre questões referentes à objetos ou
substâncias que estavam em poder do acusado, bem como a sobre sua presença no local em que foi
preso; iii) a seção n.º 37, por fim, permite seja valorado o silêncio do
acusado quando deixar de responder perguntas atinentes à sua presença no lugar e tempo em que ocorreu o crime.
Problemas
surgiram quando submetidas as disposições do Act perante a Corte
Europeia de Direitos Humanos. Com
efeito, o direito ao silêncio do acusado é entendido como garantia fundamental do fair procedure, conforme
interpretação do artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Alguns casos destacam-se
em sua apreciação da matéria:
i) Em Murray
versus United Kingdom entendeu a Corte não ser possível a admissão como meio de prova de uma confissão realizada em
circunstâncias intimidatórias, nas quais o investigado teve negado o acesso a advogado.
Na ocasião, foram feitas inferências a partir do silêncio do acusado, resultando em sua
condenação. Neste mesmo sentido também se deu a apreciação do caso Magee versus United
Kingdom.
No
caso Saunders versus. United Kingdom, a Corte concluiu que há limitação
ao silêncio do acusado quando um diploma
legal prevê a obrigatoriedade de testemunhar frente à imposição de sanção. A evidência obtida por
meio de compulsão não pode ter peso significativo
na aferição da culpabilidade de um acusado.
iii)
Por fim, no caso Beckles versus United Kingdom, assentou a Corte que
pode o magistrado deixar o júri fazer
inferências a partir do silêncio do acusado. Entretanto, deve este magistrado,
primeiramente, demonstrar todas as etapas anteriores do procedimento que possam levar à conclusão de que o silêncio do
acusado é genuíno, e destituído de admissão de culpa.
Haver um
descompasso entre a legislação pertencente
ao Sistema Europeu de Direitos Humanos e as disposições internas do
Reino Unido. Maria Elizabeth Queijo
destaca, ainda assim, que na doutrina inglesa, os direitos humanos tiveram “incremento de seu significado no processo
penal” .
Nos
EUA o princípio no ordenamento jurídico o privilege against self-incrimination
resta consolidado na Quinta Emenda Constitucional que preleciona que no
person shall be compelled in amy criminal case to be a witness against
himself. trata-se de proteção extensa, abrangendo: i) acusados; ii)
testemunhas; iii) os submetidos à persecução
penal; iv) os que potencialmente possam tornar-se acusados.
São
registrados casos julgados pela Suprema
Corte datados de 1884, dentre os quais Hopt versus Utah, nos quais se afastou a confissão obtida mediante promessa
de recompensa, mediante a aplicação da 5ª Emenda.
O
silêncio do acusado engloba a renúncia às perguntas, bem como também o direito
de não testemunhar em seu próprio
julgamento, não sendo admitida a imposição de penalidades em razão do exercício deste direito – como
restou decidido pela Suprema Corte em Griffin versus California.
Também
possui o acusado o direito de que o julgador informe o júri de que o silêncio do acusado não deve influenciar em
sua decisão sobre, por exemplo, como no caso Carter versus Kentucky.
Destaque-se
que, no início do século XX, a Suprema Corte não aplicava a 5ª Emenda aos Estados-Membros,
porque não poderia prescrever regras sobre
provas para os Estados. Foi com o julgamento do caso Malloy versus
Hogan em 1963, que a Suprema Corte
estabeleceu a aplicabilidade da referida emenda aos Estados.
O
doutrinador Theodomiro Dias Neto explica que mereceu especial atenção pela
Suprema Corte americana a disciplina do
interrogatório policial, pendendo dois questionamentos: i) qual o papel da confissão na elucidação da verdade;
e ii) qual o papel da polícia no interrogatório.
A Corte passaria, a partir dos anos 30, a
buscar a solução para os questionamentos através do teste de voluntariedade (voluntariness
test), o qual preconiza que, analisando todas as circunstâncias que envolveram a confissão se
possa demonstrar ter ela sido feita a partir de
uma determinação voluntária do acusado.
Para
isso, o interrogatório deve ter sido realizado em conformidade com due
process of law. Eis os casos ilustrativos nesse sentido:
i)
em Bram versus United States, a Suprema
Corte atestou a involuntariedade de uma
confissão realizada mediante promessas.
A Corte também definiu ser inadmissível a confissão mediante influência indevida, envolvendo
artimanhas ou engano por parte da polícia.
ii)
em Roger versus Richmond, decidiu-se
pela inadmissibilidade de confissão obtida
mediante a ameaça de perda de benefícios previdenciários e da guarda dos
filhos. Os agentes policiais
comprometeram-se, no caso em análise, a interceder em favor da acusada, caso
ela confessasse.
Até os
anos sessenta, porém, a voluntariedade ou não da confissão seria apurada por
meio da análise das surrounding
circunstances, para avaliação da existência de uma conduta abusiva por
parte da polícia. Para estes fins, avalia-se não somente o agir policial,
mas também as vulnerabilidades do
próprio investigado.
Em
razão da amplitude do conceito de
totalidade das circunstâncias que guiava o teste de voluntariedade,
passou a Corte a buscar meios mais
precisos de decidir sobre a aplicabilidade do princípio caso a caso – daí
a importância da decisão em Escobedo
versus Illinois , na qual foi invalidada uma confissão obtida em violação ao direito de assistência por
defensor.
No ano
de 1965, o caso Griffin versus California deixaria assentado que os
comentários feitos pelo juiz ou pelo
acusador sobre a recusa do acusado em realizar o juramento violariam a 5ª Emenda Constitucional.
No
mesmo sentido, entendeu-se que qualquer comentário pela Corte ou pelo acusado acerca do silêncio do
mesmo ofenderia o privilege against self-incrimination, entretanto, não
estão abarcadas pela proteção do privilege expressões indicativas de que o caso não foi refutado ou
contraditado.
O
julgamento de Miranda versus Arizona que a Suprema Corte americana estabeleceu uma série de regras a serem
obedecidas por ocasião do interrogatório policial. A partir de então a Corte destacou como base
para o teste de voluntariedade a 5ª Emenda Constitucional, e não mais a 14ª
Emenda (due process clause).
O caso
Miranda versou sobre um interrogatório realizado pela polícia com Ernesto
A. Miranda, em uma sala especial, no
qual foi obtida confissão na qual o suspeito admitiu ter sequestrado e estuprado uma jovem de 18
(dezoito) anos.
A
Corte levou em consideração a natureza
do interrogatório em sede policial, a qual é naturalmente coercitiva.
Em sua
opinião, o Chief Justice Earl Warren
justificou que algumas precauções eram necessárias para assegurar que a confissão feita em sede
policial fosse produto de inequívoca vontade do
suspeito.
Para o
julgador, o interrogatório policial possui uma atmosfera capaz de pressionar
o indivíduo, enfraquecendo-o e à sua
liberdade pessoal.
Foi
considerado também o extenso tempo pelo
qual Miranda foi interrogado – aproximadamente duas horas. O julgador
também destacou que o privilege
against self-incrimination ganha especial relevo quando se trata da esfera policial, porque é dever do Estado
buscar os meios probatórios por seu próprio esforço, ao invés de centrar-se em obter confissão do
acusado.
Da
decisão em Miranda versus Arizona surge um conjunto de regras a serem
adotadas no interrogatório policial.
Todas
buscam, como principal meta, a efetividade da proteção pelo privilege against self-incrimination,
conforme listamos: i) as regras serão aplicadas ao indivíduo preso ou que esteja com sua
liberdade cerceada de modo significativo; ii) o acusado deve ser informado do direito ao silêncio
antes de qualquer questionamento; iii) o acusado deve ser alertado de que aquilo que disser
poderá ser usado em seu desfavor; iv) o acusado deve ser informado de que possui direito à
assistência de advogado, o qual poderá assisti-lo durante o interrogatório inclusive; v) o
acusado deve ser informado de que, não possuindo condições financeiras, poderá ser-lhe indicado
um advogado; vi) o privilege pode ser invocado
em qualquer fase do procedimento, até mesmo antes do interrogatório; vii) sendo
recusada a assistência de advogado bem
como a proteção do privilege, é preciso demonstração
clara, não havendo espaço para presunção; viii) as declarações obtidas em violação
a essas regras não serão admissíveis como provas; ix) o exercício do privilege
não será passível de penalização de
qualquer espécie, e a acusação não poderá empregar o seu silêncio como argumento.
Afirma-se, nesse sentido, que Miranda versus
Arizona é o leading case em
matéria de efetividade das garantias inerentes ao privilege against self-incrimination.
Deve
ser ressalvado que as Miranda Rules são passíveis de utilização quando
do interrogatório sob custódia. Em face
da dificuldade para estabelecer o momento em que o indivíduo se encontra custodiado, é necessário
que sejam avaliadas as circunstâncias que envolveram aquele interrogatório, como a
existência de restrições físicas ao acusado, o local de sua realização bem como, também, o tempo de
sua realização.
Concluindo,
o direito ao silêncio é oriundo do ius commune europeu, advindo do manual
popular o Speculum Iudiciale. Registrou-se retrocesso com a realização
do IV Concílio de Latrão pela Igreja Católica, onde se instaurou o procedimento
inquisitório medieval.
Só com
o Iluminismo veio o retorno das garantias do imputado, em se tratando de Europa
Central. Porém, foi no direito inglês que o princípio através do privilege
against self-incrimination encontrou sua proteção, sendo uma
conquista da defesa técnica. Com o direito norte-americano se estendeu a
proteção dada pelo privilege disciplinando-o constitucionalmente em 1791.
No
direito pátrio, no período colonial, havia disposição expressão nas Ordenações
Manuelinas. A Constituição brasileira de 1824 sob a inspiração do liberalismo
inglês proscreveria a prática de tortura, mas as Ordenações Filipinas
continuariam a vigorar até 1832, na matéria penal. Somente com a Redentora,
1988, que o princípio galgaria o status de direito fundamental por meio
de dispositivo expresso.
No
direito alemão, o direito ao silêncio constitui direito da personalidade com
função dúplice: sujeito de direito e meio de prova e, existir a proteção ao
silêncio do acusado, contudo, não existe o dever de advertência do policial
quanto tal possibilidade, sendo passível de valoração o seu silêncio, conforme
o Criminal Justice and Public Order Act, o qual vem sendo
firmemente questionado pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Já o direito norte-americano protege o
silêncio do acusado desde suas origens, sendo bem amplo seu espectro, e
consolidado na Quinta Emenda e, ratificado nos precedentes jurisprudenciais da
Suprema Corte, especialmente, o caso Griffin versus California, Escobedo
versus Illinois e o conhecido Miranda versus Arizona.
Pela
jurisprudência pátria, o Habeas Corpus nº 171.438, a Segunda Turma do
STF, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, trouxe os termos da abrangência
do princípio da não autoincriminação, e por consequência o direito ao silêncio,
de pacientes convocados na condição de investigados na CPI que tratou do
rompimento de barragem da companhia Vale em Brumadinho.
“Referenciando
o direito ao silêncio como ‘[…] pedra angular do sistema de proteção dos
direitos individuais e materializa uma das expressõe0s do princípio da
dignidade da pessoa humana’, a Segunda Turma do STF reconheceu, a partir de um
julgamento acirrado, em que se vislumbrou empate de votação, o direito de o
investigado recusar-se ao comparecimento ao órgão competente (Câmara dos
Deputados) para prestar depoimento.” A partir disso, o entendimento firmado com
o Habeas Corpus nº 171.438 conferiu um espectro mais amplo ao direito ao
silêncio dos investigados e testemunhas convocadas em CPIs.
Um caso em que o posicionamento da Suprema
Corte seguiu um caminho oposto. Trata-se do Habeas Corpus nº 204.422 de
relatoria do ministro Luís Roberto Barroso publicado em julho de 2021 no
contexto da CPI da Covid-19. Inicialmente assegurou-se à diretora técnica da
empresa “Precisa Medicamentos” o direito de permanecer em silêncio em
seu depoimento na comissão, condição na qual a testemunha deixou de responder
questionamentos a ela dirigidos pelos senadores durante a sessão. Incomodado
com essa postura, o presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz,
consultou a presidência do STF[25] sobre como proceder em
relação ao caso.
“Em
sede de embargos de declaração e em resposta, o ministro Luiz Fux reconheceu à
CPI o poder jurisdicional de decidir o caso e conduzir a sessão com ampla
autonomia, a quem, segundo seu alvedrio, caberia avaliar se nos questionamentos
endereçados à testemunha, orientada pela defesa constituída, atuava a interpelada
nos limites constitucionais ou em excesso ao direito ao silêncio. Por
conseguinte, assegurado, neste julgado, que o direito ao silêncio não é
absoluto.”
A
manutenção da tradição do silêncio foi aprovada mais uma vez pela Lei
10.792/2003 que, sem discussão prévia sobre a sua relevância ou não, traz
importantes e, significativas alterações em
alguns procedimentos processuais penais já consolidados.
Nessa
primeira aproximação ao tema, que não tem a pretensão de esgotá-lo, vamos analisar dois aspectos: a) em um, a nova
redação dada ao artigo 186 do CPP[26], redação essa que vai
ao encontro do texto constitucional que
já defendia o direito do acusado ao silêncio (artigo 5º, inciso LXIII, da Carta Magna de 1988); b) em dois, a profunda e substancial
modificação do antigo artigo 187, agora artigo
188 CPP, em relação ao procedimento no interrogatório do acusado por
parte do juízo do conhecimento.
Também,
um importante parágrafo único com a
seguinte redação: "O silêncio, que não importará em confissão, não
poderá ser interpretado em prejuízo da
defesa". Inegavelmente se trata aqui de harmonizar, formal e positivamente, aquilo que já estava sendo
determinado pelo texto constitucional,
resolvendo-se, dessa forma, uma questão que apesar de tudo criava
algumas situações constrangedoras, já
que não raro, muitos juízes deixavam de aplicar o comando constitucional para fazer valer a regra do
ordenamento infraconstitucional.
A Lei
10.792/03, na nova redação dada ao art. 188 do CPP, traz uma nova oxigenação
ao procedimento do interrogatório:
"Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e
relevante".
Desde
logo se entende que, agora, as partes (isto é, o defensor do acusado, mas, igualmente o Ministério Público ou o
querelante), como quer a lei quando afirma "... o juiz indagará das partes...", poderão
influenciar, por se fazerem ativamente presentes de algum modo, ao menos nas perguntas a serem
feitas, mesmo que nesse momento inicial,
o instituto do contraditório no interrogatório[27].
Na
verdade, a Lei 10.792/03 apenas autoriza às partes a "intervirem ou influírem"
diretamente nas perguntas feitas, mas
feitas, ainda, pelo juiz ou nas respostas apresentadas pelo acusado, de forma a procurar mudar um ou
outro elemento, para melhor propiciar o
trabalho da defesa ou do órgão acusador.
A lei
processual estabelece ao réu a possibilidade de quatro condutas quando de
seu interrogatório de mérito: confessar;
negar; mentir e silenciar.
Já as
Leis nº. 11.689/2008 e nº. 11.719/2008 estabeleceram que tanto no procedimento
comum como no do júri o acusado a primeira pessoa a ser ouvida na instrução,
mas a última, permitindo-lhe que rebatesse todos os fatos alegados em audiência
pela vítima e testemunhas em privilégio à ampla defesa, de modo a demonstrar,
mais uma vez, que o interrogatório deixou de ser meio de prova e se tornou meio
de defesa.
Assim,
aliás foi o entendimento do STJ analisando a impossibilidade de prejuízo ao
réu pelo seu silêncio:
“O
fato do juiz da causa ter advertido o paciente de que seu silêncio poderia
prejudicá-lo, é irrelevante, na medida em que, se calado tivesse ficado, tal
situação em nada poderia agravá-lo,
sendo o silêncio, hoje, constitucionalmente protegido”. (6ª
Turma – H.C. n.º2571 – 1/PE – Rel. Pedro Acioli – Ementário STJ, 10/671. Grifo
meu.
No
julgamento do HC n° 79.812-8-SP, em medida liminar concedida pelo Ministro Celso de Mello, temos a síntese de todos os
Julgados do STF[28]
no sentido do direito ao silêncio, bem
como a análise de um aspecto até pouco ou quase nada discutido: “A possibilidade de a testemunha silenciar”.
No
aspecto do direito ao silêncio, assim preleciona referido julgado com
propriedade: “(...) ora paciente que é investigador de polícia, em Campinas foi
convocado a depor, na ‘condição de
testemunha’ (fls. 21), perante a CPI / Narcotráfico, no próximo dia 1° de dezembro”. “impõe-se ao ora paciente, a
obrigação perante a CPI / Narcotráfico, incumbindo-lhe ainda, o dever de responder às perguntas que
lhe forem feitas, ressalvadas aquelas cuja
resposta possa acarretar-lhe ‘graves danos’”. (CPC. Art. 406, I, c.c.
CPP, art.3°, c.c a Lei n° 1.572/52, art
6°).
Assim
dispõe o Venerando Julgado, com relação ao direito ao silêncio, e no caso sub
judice, mais notadamente ao da
testemunha:
“Sabe-se
que, embora comparecendo, assiste ao ora paciente o direito de se manter
em silêncio, sem se expor – em virtude
do exercício legítimo dessa faculdade – a qualquer restrição em sua esfera jurídica, desde que
as suas respostas, às indagações que lhe
venham a ser feitas pelos membros da CPI / Narcotráfico, possam
acarretar-lhe grave dano (nemo tenetur
se detegere)”. Grifo meu
Este
entendimento, no caso em questão, também é alicerçado por outros trazidos
a colação pela jurisprudência pátria[29], tais como:
“A
condição de testemunha não afasta a garantia constitucional do direito ao
silêncio (CF, art. 5°, LXIII: o preso será informado de seus direitos, entre as
quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado). Com este
entendimento, o Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu habeas
corpus para assegurar ao paciente –
inicialmente convocado à CPI/Narcotráfico, como
indiciado, na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento,
ainda que na condição de testemunha, o
direito de recusar-se a responder perguntas quando impliquem possibilidade de autoincriminação
(HC. 79.589-DF. Relator Min Octávio
Galotti, data 05.04.2000)”[30].
O
conceito de silêncio repousa na possibilidade constitucional de o réu permanecer calado, não advindo qualquer prejuízo ao
mesmo por tal fato. Há vários outras conceituações devem ser analisadas para suporte ao conceito
constitucional e processual penal, como o
conceito no Direito Civil, Filosofia, Direito Processual Civil e na
linguagem comum.
O
silêncio na acepção filosófica, é uma palavra que designa o estado da pessoa
que se cala, que se abstém de falar, seja pela cessação do comércio epistolar,
seja pela falta de resposta. O silêncio é um ato moral e voluntário, sendo uma
manifestação de vontade. Seu grau de valor moral é medido dependendo do grau de
liberdade.
Em suma, o garantismo penal traduz-se na proteção dos direitos e, não somente, na observância das garantias do cidadão envolvido em uma situação penal.
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Notas:
[1]
Silêncio, do latim Silentium ii (do verbo sileo). Nos clássicos
latinos, o termo apresenta as seguintes
conotações: atenção, repouso, inatividade, sombra, obscuridade, olvido, etc. É notório que a palavra silêncio possui
vários sentidos, de acordo com a forma
empregada. Entretanto, juridicamente, quem apresenta o seu significado,
é o Dicionário Jurídico de Plácido e
Silva: SILÊNCIO: do latim silentium, de silere – calar-se, não
dizer palavra, em sentido comum exprime
a quietude, a abstenção de falar, para não se dizer o que se sabe, ou o que se sente. Assim, silêncio, em acepção
gramatical, é a falta ou ausência de sons, de
vozes ou de palavras.
[2]
Na prática, os sistemas de common law são consideravelmente mais
complexos do que o funcionamento idealizado descrito acima. As decisões de um
tribunal são vinculantes apenas numa jurisdição em particular e, mesmo dentro
de uma certa jurisdição, alguns tribunais detêm mais poderes do que outros. Por
exemplo, na maior parte das jurisdições, as decisões de um tribunal de recursos
são obrigatórias para os juízos inferiores daquela jurisdição e para as futuras
decisões do próprio tribunal de recursos, mas as decisões dos juízos inferiores
são apenas "persuasivas", não vinculantes. Ademais, a interação entre
o common law, o direito constitucional, o direito legislado e os
regulamentos administrativos causam considerável complexidade. Todavia, o stare
decisis, o princípio de que os casos semelhantes devem ser decididos conforme
as mesmas regras, está no cerne de todos os sistemas de common law.
[3]
Outro brocardo que visava proteger a esfera pessoal do indivíduo era o nemo
tenetur detegere turpitudinem
suam. Resumidamente, estabelecia a obrigação do homem confessar seus pecados, vergonhas, e eventuais crimes
somente perante a Deus. Embora seja um pouco
forçoso denominar tal princípio como algo próximo ao moderno direito à privacidade,
inegável é reconhecer que, de certa
forma, trata-se de primitiva fonte da referida garantia moderna.
[4]
O Direito Canônico precede o direito comum, dos povos, sendo assim muitas
Instituições que são hoje do direito nacional do direito brasileiro,
principalmente do direito civil e processual, elas foram “inspiradas” nas regras
nas normas do direito canônico. Ao descobrir o Brasil, os portugueses trouxeram
na bagagem todo um ordenamento canônico,
que logicamente, predominava naquela época. Ao longo dos anos essa moralidade foi precursora na
elaboração das leis que regiam o país há séculos atrás, a forma de casamento
entre um homem e uma mulher é uma delas
que consiste até hoje pelo código Civil brasileiro. Na Constituição de 1891,
houve uma total ruptura ao
reconhecimento estatal sobre o casamento religioso (p. 251-252). Assim
dizia o art. 72, § 4º da citada Carta:
“A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.”. Tal atitude do legislador
caracterizava-se como uma antítese à realidade
social, pois a sociedade brasileira, praticamente toda católica, tinha o
casamento religioso como o que deveria
ser reconhecido.
[5]
O banimento das ordálias e demais métodos de provas herdados dos povos germânicos e normandos abriu caminho para
criação de método distinto, focado no
contraditório, denominado adversary system, sistema adversarial.
[6]
João Crisóstomo (Antioquia, c. 347 — Comana Pôntica, 14 de setembro de 407) foi
um arcebispo de Constantinopla e um dos mais importantes patronos do
cristianismo primitivo. É conhecido por suas poderosas homilias, por sua
habilidade em oratória, por sua denúncia dos abusos cometidos por líderes
políticos e eclesiásticos de sua época, por sua "Divina Liturgia" e
por suas práticas ascetas. O epíteto Χρυσόστομος ("Chrysostomos", em
português "Crisóstomo") significa "da boca de ouro" em
língua grega e lhe foi dado por conta de sua lendária eloquência. O título
apareceu pela primeira vez na "Constituição" do papa Virgílio em 553,
sendo João Crisóstomo considerado o maior pregador cristão da história.
[7]
O IV Concílio de Latrão celebrado em 1215 sob liderança do papa Inocêncio III
foi o maior dos concílios ecumênicos da Idade Média. Desta reunião conciliar,
resultaram 70 cânones que legislavam sobre as heresias, previa punições,
exclusões e diversas modificações na organização eclesial. O IV Concílio de
Latrão celebrado em 1215 sob liderança do papa Inocêncio III foi o maior dos concílios ecumênicos da Idade
Média. Desta reunião conciliar, resultaram 70
cânones que legislavam sobre as heresias, previa punições, exclusões e diversas
modificações na organização eclesial.
Seu caráter reformador representou um importante instrumento para a manutenção da unidade da Igreja Católica,
diante da crise espiritual característica do século XII e, para isso, contou com as suas determinações
que fortaleceram o trabalho pastoral da
Igreja. Para entender essa dimensão do concílio, é necessário analisar o
seu contexto de crise que estimulou esse
ímpeto pastoral por parte da Igreja.
[8]
O Código de Processo Penal brasileiro só autoriza a retirada do réu da sala de
audiência quando o juiz verifica que a sua presença pode causar humilhação,
temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, prejudicando a
verdade do depoimento. Nesses casos, recomenda-se realizar a inquirição por videoconferência,
e somente quando não se puder inquirir por videoconferência é que se manda
retirar o réu do recinto (art. 217 do CPP, com a redação determinada pela Lei
11.690/2008).
[9]
Papa Bonifácio VIII (c. 1235 – 11 de outubro de 1303) foi papa de 1294 até à
data da sua morte. Nasceu com o nome Benedetto Gaetani. Atualmente, Bonifácio
VIII é provavelmente lembrado por seus conflitos com Dante Alighieri, que o
retratou no inferno em sua Divina Comédia, e a publicação da bula Unam Sanctam
na disputa contra o rei Filipe IV de França. Bonifácio VIII defendeu algumas
das mais fortes afirmações da supremacia espiritual dos papas sobre o temporal
dos reis e dos senhores feudais, vinculando-se em grande parte aos ideais da
Reforma gregoriana que tinha sido delineada 250 anos antes, demonstrando-a na
sua política externa. O conflito entre Bonifácio VIII e os reis europeus
ocorreu em um momento de expansão dos Estados-nação e o desejo de consolidação
do poder pelos monarcas. A intervenção de Bonifácio nos assuntos temporais
levou a muitas disputas com o imperador Alberto I da Germânia (1291–1298), com
a poderosa família dos Colonna, com Filipe IV de França (1285–1314) e
estranhamente com Dante Alighieri (que escreveu De Monarchia para argumentar
contra ele).
[10]
Ao final do século XV, o Papa Inocêncio VIII designou dois homens de sua
confiança, a saber, Henry Kramer e James
Sprenger, como inquisidores oficiais, por intermédio das chamadas cartas apostólicas. Não somente,
incumbiu-lhes a tarefa de escrever o que talvez
seria, na opinião de estudiosos do assunto, um dos mais infames livros
produzidos, o chamado Malleus
Malleficarum (comumente traduzido como Martelo das Bruxas), datado de 1487.
Este livro serviria como verdadeiro manual, que possuía como objetivo precípuo
a padronização do procedimento pelo qual
a Santa Inquisição deveria ser conduzida, com ênfase no tratamento destinado àquelas pessoas
acusadas de bruxaria, baseado no conhecimento
operacional e técnico adquirido ao longo dos dois últimos séculos em que
a Inquisição se fez presente, de forma a condensar as práticas já corriqueiras
na obtenção das provas necessárias a
condenar aqueles acusados pelos mais diversos crimes De forma breve e
resumida, o Malleus revogava os (poucos) direitos do réu: se alguém garantias que hoje, para nós, demonstram-se
indissociáveis da figura do réu, tal como a
presunção de inocência, ou o direito de não produzir provas contra si
mesmo. A identidade daqueles que acusam,
tal como as investigações e a produção de provas, seguiam no mais estrito sigilo. A confissão, que durante muito tempo
foi considerada a “rainha das provas”, era
arrancada do acusado, por intermédio de cruéis (e deveras criativas)
torturas, estas quais a história viria a
revelar para a posteridade. por acaso viesse a ser acusado de bruxaria, bruxo
era.
[11] A Constituição procurou assegurar ao preso,
ao investigado e ao réu, outras garantias e
outros direitos que, de maneira indireta, também servem para
resguardá-lo e, assim, proporcionar-lhe
maior amplitude de defesa. Já era sensível a evolução da doutrina brasileira no
sentido de extrair da cláusula da ampla
defesa e de outros preceitos constitucionais, como o da presunção de inocência,
o princípio de que ninguém é obrigado a
se autoincriminar, não podendo o suspeito ou o
acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo.
[12]
A principal característica do common law é não ser codificado (não
existe código civil ou código penal, como no Brasil). Assim, a sua aplicação é
mais objetiva e as regras vão se desenvolvendo conforme avançam as complexas
relações na sociedade. Por esses motivos, há um forte protagonismo na figura
dos juízes. O sistema jurídico Common Law é utilizado no Reino Unido,
nos Estados Unidos e em diversos outros países que foram colônias britânicas.
No Common Law, a fonte primária do Direito é a jurisprudência, isto é,
as decisões que foram tomadas em julgamentos anteriores. As leis escritas
servem como embasamento apenas quando a jurisprudência não é capaz de
solucionar a questão. As decisões judiciais no Common Law têm caráter
ambivalente, pois além de resolverem litígios, servirão como normas para casos
futuros. Esse sistema utiliza o processo indutivo de análise.
[13]
Inicialmente, cabe registrar que nem na Constituição Federal nem no Código de
Processo Penal – CPP, tampouco na Lei Maria da Penha, há a consagração do
direito da vítima em permanecer em silêncio. A previsão dessa garantia em nosso
ordenamento jurídico é taxativa em benefício do acusado, regra consentânea,
aliás, com o sistema acusatório, pelo qual, ninguém é obrigado a produzir
provas contra si mesmo (art. 186 do CPP). Aliás, o protagonismo processual da
vítima vem sendo largamente consagrado pela jurisprudência, ao consolidar o
entendimento de que “em crimes cometidos em cenário de violência doméstica, a
palavra [não o silêncio] da vítima assume especial relevância”. A propósito, em
ano de Eleições Gerais, vale destacar que recentes alterações no sistema
eleitoral prestigiaram essa tendência e trouxeram expressamente em texto de lei
semelhante orientação, ao introduzir o tema da violência política contra a
mulher (Lei 14.192/2021, reproduzida, no ponto, no art. 93-C, § 3º, Resolução
TSE nº 23.671/2021).
[14]
Susan Haack apud Reis, professora na Universidade de Miami (EUA), afirma
que um julgamento não é como uma investigação científica, na qual se pode tomar
o tempo necessário para esmiuçar todas as provas possíveis. Afinal, as
determinações jurídicas dos fatos estão sujeitas a limitações de tempo e de
restrições a respeito da forma de obtenção e do tipo de provas que podem ser legalmente
apresentadas. Conclui asseverando que o que se exige do julgador dos fatos não
é que determine se o acusado é culpado, mas, sim, que defina se a culpabilidade
do acusado foi estabelecida pelas provas produzidas no grau exigido.
[15] Nos EUA, o policial que efetua a prisão do cidadão tem o dever (obrigação funcional e requisito para o regular aprisionamento) de ler todos os direitos dele, sob pena de prejuízo à colheita de eventual material probatório. Do artigo constitucional acima apontado, pode-se aferir também um “direito fundamental de ADVERTÊNCIA“! E é esse direito constitucional de advertência que no direito norte americano é chamado de “AVISO DE MIRANDA” (Miranda Warnings). De acordo com a Suprema Corte dos EUA, a mera ausência dessa formalidade seria suficiente para inquinar de vício (nulidade) as declarações exaradas pelo preso, mormente quanto à confissão, bem como as provas daí decorrentes (ou derivadas).
[16]
O devido processo legal substantivo preceitua que a lei, além de possuir os
caracteres de abstração generalidade e
impessoalidade, deve ainda ser razoável e racional. Essa razoabilidade e racionalidade decorrem da
observância do processo de formação das
leis, não apenas do procedimento previsto na Constituição, mas também
dos princípios por ela adotados. Lei que
não respeita o preceituado pela Constituição pode ser lei em sentido formal, mas não no sentido material,
pois viola o princípio do devido processo
legal substantivo
[17]
A Constituição lusitana vigente, nos direitos e garantias do indivíduo no
processo, exalta a defesa, bem como faz
menção expressa à ilegalidade das provas obtidas por meios ilícitos, proclamando sua ineficácia como
prova, implicitamente defendendo o direito ao
silêncio no momento em que impede a obtenção de provas que afrontam a
integridade física, o direito de
liberdade e propriedade, além da vida privada e da intimidade
[18]
Tal dispositivo tem sua origem histórica desde a Constituição do Império de 1824 que, em seu artigo 179, assim
prescrevia: “A exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada
senão por ordem escrita da autoridade
legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu e quem a tiver referido serão punidos, com as penas que a lei
determinar”. E não foi diferente a previsibilidade de tal fato nas
Constituições posteriores, em sua
totalidade. A primeira Constituição da República, de 1891, assim definia
em seu artigo 72, § 13: “a exceção do
flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos
determinantes em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente”.
[19]
Na Constituição brasileira de 1934, no inciso 21 do artigo 113, a possibilidade
da supressão da liberdade veio assim
estabelecida: “Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem
escrita da autoridade competente, nos
casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa imediatamente comunicada ao juiz competente
que a relaxará, se não for legal e
promoverá sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade
coatora”. A Constituição brasileira de 1967 (artigo 150,§ 12) e Emenda
Constitucional n° 01 de 1969 (artigo
153,§ 12) prescreviam que: “Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou
pro ordem escrita de autoridade
competente. A lei disporá sobre a prestação da fiança. A prisão ou
detenção de qualquer pessoa será
imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará se não for legal” Na ordem constitucional atual, os
dispositivos passados foram encartados na Carta
Magna em separado, sem contudo perder seus objetivos de garantias dos
direitos individuais quando da supressão
da liberdade. Vide neste sentido os direitos subjetivos públicos do preso já analisados, sendo
dispensável, portanto, a bem do próprio
entendimento e interesse da obra, sua repetição.
[20]
Estabelecido que o direito ao silêncio, uma das vertentes do princípio nemo
tenetur se detegere, trata-se de direito público subjetivo do indivíduo de
estatura constitucional e de aplicabilidade imediata, sendo plenamente oponível
ao Estado em virtude de ser uma das mais expressivas consequências derivadas da
cláusula do devido processo legal, e que o interrogatório no processo penal é
meio de defesa, questiona-se: caso o acusado manifeste à autoridade judicial,
na ocasião do interrogatório, que pretende responder apenas aos questionamentos
formulados pelo seu defensor, é viável que o juiz encerre o ato, sob o
argumento de que o acusado não pode escolher quais perguntas irá ou não
responder? A resposta é negativa. A referida conduta viola o disposto no art.
5º, LIV, LV e LXIII, da Constituição Federal, vulnera o disposto nos artigos
14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 8, 2, g da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
implica mácula ao art. 186, caput e parágrafo único, do Código de Processo
Penal e é contrária aos precedentes do Supremo Tribunal Federal acima
destacados.
[21]
Com efeito, ressalta J.J. Gomes Canotilho que A Constituição contém regras e
princípios que, na sua globalidade, consagram uma disciplina jurídico-constitucional específica
para esta categoria de direitos
fundamentais. Ainda assim, a garantia trazida à baila pela Constituição
Federal, visa uma proteção jurídica do
indivíduo, através da permanência do silêncio, pressupondo que o
contrário, seria uma lesão dos direitos
subjetivos ou aos direitos legalmente protegidos.
[22] Referido dispositivo constitucional brasileiro abriga em seu bojo o direito do indivíduo, quando da ocorrência da privação de sua liberdade, de permanecer em silêncio. Tal dogma constitucional constitui-se em direito subjetivo público. Tal direito, da permanência em estado de silêncio quando de sua prisão erigido à condição de dogma constitucional é tido por J. Crettella Júnior como direito subjetivo público inerente tão somente a prisão.
[23] O primeiro documento internacional foi o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que foi adotado na XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e que entrou em vigor no Brasil no dia 24 de abril de 1992, por força do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992. Este pacto dispõe no seu artigo 14, 3, g, que “toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias […] De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.” O segundo foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, e que entrou em vigor no Brasil em 25 de setembro de 1992, conforme o Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. De acordo com a Convenção em comento, toda pessoa acusada de um delito tem direito à garantia de “[…] não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;” (art. 8, 2, g).
[24] O jurista Luiz Flávio GOMES entende que o direito ao silêncio compreende 4 (quatro) dimensões essenciais, notadamente: O direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; O direito de não declarar contra si mesmo; O direito de não confessar e; O direito de não falar a verdade, tendo como base para o seu raciocínio o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º, CF), que jamais devem ser interpretados restritivamente.
[25]
Quanto ao “aviso de Miranda” (advertência dos policiais quanto ao direito
constitucional ao silêncio), o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando
posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento
de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em
silêncio é causa de NULIDADE RELATIVA, cujo reconhecimento depende da
comprovação do prejuízo (STJ, HC 614.339, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
5ª Turma, julgado em 09.02.2021). A falta de advertência sobre o direito ao
silêncio não conduz à anulação automática do interrogatório ou depoimento,
restando mister observar as demais circunstâncias do caso concreto para se
verificar se houve ou não o constrangimento ilegal (STF, RHC 107.915, Rel. Min.
Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 25.10.2011).
[26]
A Lei Processual penal brasileira também efetiva o direito ao silêncio em seu
artigo 186 , tonificando que este não será manipulado juridicamente em desfavor
do réu. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a
exemplo dos seguintes precedentes: HC 79.589/DF , HC 73.035/DF , HC 79.244/DF ,
HC 101.909/MG e HC 79.812/SP .
[27]
O acusado no decorrer do interrogatório poderá permanecer em silêncio ou
escolher responder aos questionamentos que lhe forem feitos e neste último caso
o Direito Penal brasileiro lhe assegura o direito de falar a verdade, uma vez
que, não existir o crime de perjúrio no ordenamento pátrio, diz-se que o
comportamento de dizer verdade não é exigível do acusado, dessa forma a mentira
torna-se tolerada, porque dela não pode resultar nenhum prejuízo ou imputação
de crime ao acusado. Como o dever de dizer a verdade não é provido de
coercibilidade e por não se ter no ordenamento
brasileiro sanção contra a mentira, quando o acusado inventa um álibi que não condiz com a verdade,
simplesmente para criar uma obscuridade de
entendimento para o órgão julgador é possível extrair que a „mentira‟
contada por ele é perfeitamente
tolerável em decorrência do princípio nemo tenetur se detegere . Há ainda
importante fator a ser considerado sobre o acusado não fazer o juramento de
dizer a verdade - como no caso das testemunhas.
[28]
Tema 1185 STF - Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso,
no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em
vista os princípios da não autoincriminação e do devido processo legal.
[29]
Segundo a Corte, não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações
informais prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. A
Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu
direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da
abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante
delito. A falta da advertência ao direito ao silêncio, no momento em que o
dever de informação se impõe, torna ilícita a prova. Isso porque o privilégio
contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), erigido em garantia
fundamental pela Constituição, importou compelir o inquiridor, na polícia ou em
juízo, ao dever de advertir o interrogado acerca da possibilidade de permanecer
calado. Dessa forma, qualquer suposta confissão firmada, no momento da
abordagem, sem observação ao direito ao silêncio, é inteiramente imprestável
para fins de condenação e, ainda, invalida demais provas obtidas através de tal
interrogatório. No caso, a leitura dos depoimentos dos policiais responsáveis
pela prisão da paciente demonstra que não foi observado o citado comando
constitucional. In: STF, AgR no
RHC 170.843, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 04.05.2021.