Dilemas Morais
Por Gisele Leite
Os
dilemas morais como, por exemplo, falar a verdade à polícia nazista ou salvar
Anne Frank[1] são éticos e envolvem
obrigações e conflitos e, não são de resposta fácil. Temos grande dificuldade
de justificar tanto o bem como o mal.
Em verdade,
os juízos morais não precisam ser comprovados ou validados como as afirmações
científicas. É trivial afirmar que, por vezes, é mera questão de opinião pessoal.
E, se existem várias opiniões e nem precisa passear pela história, geografia e,
quiçá pela filosofia.
O
método de inquérito ético não envolve laboratórios, provetas e teorias
matemáticas ou estatísticas. O que não significa afirmar que não valha o
esforço em prosseguir no exame de questões morais, ou que a razão esteja desprovida
de recursos para elucidar as questões. Positivamente, o inquérito em questão
pode sofrer vários critérios, e nem sempre, são compatíveis.
Mas,
não cabe desistir de argumentar, seja para defender as nossas convicções, como
também para deliberar. Os filósofos, a seu turno, procuram recorrer às
experiências morais e ficções para persuadir da bondade de uma solução ou, até
para abstrair certos aspectos complexos. Tais experiências incluem cidades
feitas de palavras, o estado de natureza, contratos hipotéticos e, outras abstrações
cujas contundências são mais potentes que a bomba nuclear.
Philippa
Foot, uma filósofa analítica americana de grande humor e ironia, propôs uma
famosa experiência mental conhecida como o “problema dos tróleis” (onde cogitou
sobre carruagens ou comboios, mas, nalgum momento houve uma mudança na literatura
académica que transformou carruagens em tróleis: podemos dar-nos por felizes
por não se transformarem em abóboras).
Os
raciocínios morais procedem relativamente e o seu condutor poderá viajar em
grande velocidade e, descobre que os travões não funcionam adequadamente e, vê
diante de si cinco pessoas trabalhando na linha, e que o desastre é inevitável,
porém, podem ser minorados seus efeitos.
Qualquer
que seja a rota escolhida, alguém irá ser atropelado e, até possivelmente
morto. A maior parte dos estudantes de filosofia, escolhendo o mal menor,
decide virar a manivela. O caso muda completamente, se não formos o condutor,
mas antes um observador que vê o desfecho inevitável do alto de uma ponte.
Do alto
da ponte, o observador (imparcial) poderá controlar o desfecho da situação se
empurrar uma pessoa gorda para salvar várias (talvez, usando um alçapão, que se
controla também com uma manivela igual à anterior). Os estudantes de filosofia
reagem diferentemente e, veem isto como um assassinato deliberado do homem
gordo. Ato de pura gordofobia.
Infelizmente,
a diferença não se situa no resultado, aparentemente, reside na intenção
direta, como falou Bentham ou, no objeto do ato, conforme apontou Aquino.
E, o
condutor não queria matar um só trabalhador, era um efeito previsto apesar que
não era o desejado e, o observador, ao revés, mesmo que o gesto fisicamente
seja idêntico, como o de girar a manivela, sabe não só que o efeito certo de
sua ação é matar o gordo, com essa é a sua intenção direta.
Michael Sandel[2], um filósofo norte-americano
bem conhecido, apresentou outro caso: há cinco pacientes com falta de órgãos
num hospital e, (talvez dormitando na sala de espera) há um homem saudável que
veio só para a revisão médica anual e, tem disponíveis os cinco órgãos que
permitem salvar todos os pacientes.
Poderá
o médico resolver- se a “sacrificar” um só para salvar vários? E, se forem
salvas mil vidas ou dois milhões e não “apenas” cinco?
Os
dilemas morais permitem decifrar as diferentes espécies de princípios as
máximas morais que tanto nos atormentam e, salvar muitos sempre é melhor que
salvar um só.
Não
matar é sempre melhor opção que matar, no fundo o que importa são deveres e
direitos. No fundo o raciocínio moral
traz uma complexidade real e a incerteza sobre os resultados das nossas ações.
E, raramente, estamos em face de situações cristalinas, porque a vida é confusa
e porque não sabemos os resultados.
Mas,
os exemplos hipotéticos têm limites: não revelam a incerteza dos eventos, muito
menos revelam a incerteza dos motivos e quase sempre ignoram as assimetrias
(morais) de informação que temos antes e depois das ações, quer dizer, a
“complexidade” e desordem da vida.
Por
exemplo, se os trabalhadores saltassem todos fora da linha do comboio a tempo,
mudava o modo como “resolveríamos” o dilema do trólei. Só a possibilidade de
que isso fosse uma hipótese séria, já nos faria hesitar?
E, se
sentíssemos um prazer cruel em prejudicar gordos? Ou outras pessoas que se
mostrem serem diferentes de nós. Não saber o que aconteceria ao certo é uma
limitação das situações hipotéticas que parece de aplicação quase universal à
vida.
A
mensura de prejuízos e exclusões promovidas atingem a todos indistintamente. Os
dilemas morais não podem ser resolvidos com espírito geométrico e resultam em
guias imperfeitos para a ação, apesar de serem úteis para prover uma análise
imparcial.
Infelizmente,
os valores das sociedades contemporâneas são tais como a segurança,
individualismo, desmanche das instituições tradicionais, flexibilização das
relações interpessoais, entre as classes sociais, entre culturas, entre
sociedades e, etc. Mas, afinal qual será o nosso bem ou valor supremo?
Lembremos
que um princípio é padrão a ser observado, não porque promoverá ou assegurará
certa situação econômica, social ou policial julgada apreciável, mas porque é
uma exigência da justiça, da imparcialidade ou alguma outra dimensão da
moralidade. (Dworkin)[3].
As
normas morais são somente esquadros ou ferramentas com as quais poderemos
construir qualquer tipo de sociedade e não devem ser sagradas nem serem
sacralizadas, ou recorrer às estas apenas para o âmbito da moralidade.
Para a
norma ser dita moral, uma ação não deverá se reduzir a uma série de atos
conformes aos valores e normas, esta implica igualmente na constituição de si
enquanto sujeito moral, nos ensinou Foucault[4].
O
dilema ético é aquele que nos apresenta uma bifurcação do lema ou da norma.
Aponta para uma situação onde teremos que escolher entre alternativas
contraditórias e, igualmente, insatisfatórias. Em verdade, jamais conseguiremos
resolver definitivamente um dilema moral ou dilema ético. Afinal, as nossas
escolhas são apenas opções, mas nem sempre serão a pura expressão da verdade.
Um dos
dilemas éticos atuais é saber até onde ir na relação com outro. Devemos buscar
eficiência econômica ou solidariedade? Devemos interferir nos costumes de
outras sociedades e culturas? Os animais possuem direitos? Os afetos merecem a
tutela jurídica?
Os
dilemas perpassam pela identidade, origens, tradição, motivações, objetivos e
propósitos. E, nos levam até os limites longínquos e as fronteiras mais
desafiadoras. Somente poderemos responder aos dilemas morais quando o fazemos em
sociedade, por meio do diálogo, por meio do entendimento e partilha do que nos
seja comum, principalmente, nossa natureza humana e nossa fome de dignidade.
Os principais temas relacionados com os dilemas éticos da filosofia contemporânea são: aborto, eutanásia, pena de morte, corrupção, legalização de drogas, bioética, bioética e religião. Todos esses dilemas nos impõem uma reflexão sobre os valores e conceitos de justiça presente na sociedade contemporânea.
Referências
COLEN,
J.A. Dilemas Morais. Texto1. Disponível em: https://www.academia.edu/107020206/Texto_1_Dilemas?email_work_card=thumbnail
Acesso em 20.11.2023.
DWORKIN,
Ronald. Justice for Hedgehogs. Cambridge: Belknap Harvard.
(1996).
_______________.O
império do direito. São Paulo: Martins Fontes.
HARARI,
Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Companhia das Letras, 2018.
FOUCAULT,
Michel. Ética, Sexualidade, Política. /Ditos e Escritos: Michel Foucault:
organização e seleção de texto, Manoel Barros da Mota; Tradução de Elisa
Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006a.
Notas:
[1]
Anne Frank foi uma jovem judia que passou por um confinamento entre 1942 e
1944, em razão da perseguição nazista aos judeus na Europa durante os anos da
Segunda Guerra Mundial. Ela e sua família viveram em um esconderijo, que foi chamado
por ela de Anexo Secreto. O período de confinamento dela foi registrado em um
diário, internacionalmente conhecido.
[2]
Michael J. Sandel (1953) é filósofo, escritor, professor universitário,
ensaísta, conferencista e palestrante estadunidense que ficou
internacionalmente reconhecido pelos seus livros intitulados "Justiça: O
que é fazer a coisa certa"(2009) e o "Liberalismo e os limites da
Justiça" (1982). Seu mais recente livro chama-se a " Tirania do
Mérito: O que aconteceu com o bem comum?"(2020). É responsável pelo curso Justice e
desde 1980 é professor de filosofia política da Universidade Havard, fazendo
palestrar e aulas no mundo inteiro, sempre questionado a respeito dos
princípios contemporâneos de justiça com frases e aforismos instigantes e
reflexivos. Sofreu como principais influências de John Locke, Immanuel Kant,
John Stuart, Robert Nozick, Charles Taylor e Michael Walzer. Para ele, a
filosofia não está nas doutrinas ou nas palavras requintadas, mas sim na
sociedade, no cotidiano, no bairro Jardins ou na favela da Rocinha e, segundo
ele, o fato de aproximarmos a filosofia da realidade, faz com que o interesse
seja despertado em mais pessoas.
[3]
Já Dworkin sustenta que a existência dos valores objetivos é uma necessidade
moral, pois a obrigação de levar a moral a sério exige de nós a suposição de
que “são objetivamente verdadeiros os princípios, morais ou de outra ordem, a
partir dos quais agimos ou votamos”.
[4]
A ética do cuidado de si proposta por Foucault monstra que a moral chama o
indivíduo a se compor como sujeito moral, através de modelos propostos e do
desenvolvimento das relações para consigo, para reflexão, conhecimento e
transformação em si e para si. Da mesma forma, ele reflete sobre a formação
ética dos gregos antigos, estabelecendo a diferença entre ética e moral. A
primeira fundamenta-se na escolha da forma de vida, enquanto a segunda
baseia-se na obediência a preceitos impostos.