Dia Internacional da Democracia e seus paradoxos

A participação nas democracias contemporâneas sofre modificações profundas a partir de meados do século XX e, não há apenas a pluralização de atores políticos, mas também no que se refere aos espaços onde tais processos de mutação ocorrem. De fato, nada é definitivo em política, e são múltiplos os fatores e resultados possíveis a partir de enfrentamento de duas diferentes forças. Os atritos na institucionalidade política impõem a reinvenção da política para a abertura de uma sociedade multifacetada que a obrigue rever seus sujeitos, suas instituições e seus objetivos. Enfim, o Estado, as redes sociais, a mídia, os intelectuais e educação cívica são instâncias e processos vitais para concretização e difusão de metáforas mobilizados para a participação política e reformulação do exercício da ação política.

Fonte: Gisele Leite e Antônio dos Santos Gama Junior

Comentários: (0)




O dia foi devotado para ser o Dia Internacional da Democracia e, em face dos progressos sociais das derradeiras décadas, as exigências referentes à qualidade das políticas públicas majoraram ao mesmo tempo em que se deu uma redução de confiança nas instituições políticas por uma parcela da população, o que representa novo desafio aos partidos políticos.

Ademais, devido ao financiamento privado das campanhas políticas, ocorre intensa ampliação da influência de empresas nas decisões políticas.

Reconhece-se que o sistema político pátrio ainda apresenta uma série de problemas estruturais e debilidades institucionais patológicas. E, tais questões somadas à crise que a democracia ocidental vem sofrendo, deixam evidente a necessidade de se intensificar os debates sobre o futuro da democracia, a participação política e as reformas indispensáveis.

O melhor entendimento sobre o que seja democracia e, dessa forma, abrange princípios e características de uma conduta democrática, incluindo governos e sociedade, como forma de uniformizar os conceitos indispensáveis para o desenvolvimento humano.

Um dos princípios, por exemplo, que compõem a Declaração Universal da Democracia diz: “A democracia é um ideal universalmente reconhecido, uma meta que se baseia em valores comuns partilhados pelos povos de todo o mundo, independentemente de diferenças culturais, políticas, sociais e econômicas”.

“É, portanto, um direito básico de cidadania, a ser exercido em condições de liberdade, igualdade, transparência e responsabilidade, com o devido respeito à pluralidade de pontos de vista, no interesse da comunidade.”

A democracia é o ponto inicial para o desenvolvimento de qualquer sociedade humana, baseada no respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais bem como a liberdade de imprensa e de pensamento[1].

No Dia Internacional da Democracia é dever de todos reafirmar nosso compromisso com a solidificação de uma democracia inclusiva, justa e igualitária e, ainda, enfocar a valorização de nossa diversidade e, na preservação da dignidade humana.

Em nosso país, nesse glorioso dia, há uma cifra estarrecedora apesar de as mulheres serem mais da metade da população brasileira, estas representam somente dezoito por cento do Congresso Nacional, segundo dados do TSE. E, tal sub-representação agrava quando uma maioria de cinquenta e seis por cento se autodeclara preta ou parda.

O acesso aos espaços de poder é dificultado e obstaculizado por muitas questões complexas, que vão desde os estereótipos sobre os papéis sociais da mulher que permeiam a sociabilização e distanciam as mulheres de locais de liderança, às dificuldades de acesso aos recursos para a campanha política. 

Em teoria, os partidos políticos deveriam atender à obrigação de trinta por cento de vagas para candidatas mulheres, como demanda de gênero e imposta pela Lei 9.504/97, a Lei das Eleições e, ainda, sua obrigação derivada, a reserva de pelo menos trinta por cento de recursos do Fundo Eleitoral para financiar campanhas de candidatas mulheres, entendimento firmado pelo STF na ADIn 5.627/2018.

Porém, os obstáculos são colocados firmas para mulheres, principalmente, as negras que continuam com baixo acesso a tais recursos, e como resposta às possíveis punições pelo descumprimento flagrante da legislação, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição que anistia os partidos políticos pelo descumprimento de cotas.

Além disso, nesse cenário há a violência política, pois no Brasil afeta desproporcionalmente as mulheres, principalmente as mulheres negras e LGBTQIA+[2].

A pesquisa do Instituto Marielle Franco, de 2020, identificou que, das 142 (cento e quarenta e duas) entrevistadas, 80% sofreram violência virtual, 60% sofreram violência moral ou psicológica e 50% sofreram violência institucional. 60% foram ofendidas em decorrência de suas campanhas eleitorais. O feminicídio político de Marielle Franco permanece sem identificação de culpados.

No último mês, oito parlamentares foram ameaçadas de estupro. Uma breve consulta em serviços de busca traz casos novos de ameaças e violências contra mulheres na política quase todos os dias.  É altíssima a taxa de feminicídio que é o homicídio qualificado pelo simples fato da vítima ser mulher.

Exemplos como esse não apenas desafiam a promessa democrática, mas também refletem sistemas patriarcais e racistas profundamente enraizados que necessitam de ações efetivas para o seu desmantelamento.

Nesse sentido, tampouco basta que as mulheres acessem mais cargos políticos. Enquanto não for possível garantir a segurança mínima para o exercício profissional das parlamentares, a democracia continuará sendo uma promessa vazia.  

A Lei 14.192/2021 que reconhece a violência política contra mulheres é, de fato, um avanço, mas é um ponto de partida e, está bastante longe de ser um ponto de chegada. Ainda estamos distantes de uma solução.

Comemorados, recentemente, dois anos da lei em agosto de 2023, a violência política continua a ocorrer diuturnamente em todo o país, forçando mulheres a internalizar todos os custos dela para prosseguirem com suas carreiras.  

O Dia Internacional da Democracia erige-se como um compromisso de todos em concretizar uma democracia inclusiva, justa e igualitária.

Cumpre recordar que em 2019 foi apresentado o Projeto de Lei 6.183 para instituir o Dia Nacional da Democracia no dia 13 de dezembro com o objetivo de promover o sentimento democrático positivado pela Constituição Federal brasileira de 1988 e, ainda, com o fito de contribuir com a sensibilização social de forma que se impeça as manifestações de apoio às ditaduras e aos instrumentos como o famigerado Ato Institucional 5 de 1968.

No mais recente pleito, ou seja, as eleições de 2022, mais de 156 (cento e cinquenta e seis) milhões de eleitoras e eleitores estiveram aptos a votar. A maior parte do eleitorado brasileiro é composta por mulheres pois equivalem a 52,65% do total. Já os homens representam 47,33% do eleitorado. E, o TSE atuou de forma firme para garantir que todos participassem do pleito.

O voto direto, secreto e com o mesmo valor para todas as eleitoras e eleitores – as mulheres passaram a ter o direito de votar em 1932 – é assegurado aos não alfabetizados, às pessoas com deficiência e aos jovens, a partir dos 16 (dezesseis) anos, independentemente de classe social, raça, sexo ou grau de instrução.

Mais recentemente, em 2018, pessoas transgênero, transexuais e travestis passaram a ter garantido o direito ao nome social – aquele pelo qual o eleitor prefere ser designado – impresso no título de eleitor e no caderno de votação. (Portaria Conjunta 1, de 17 de abril de 2018).

Mesmo diante da maior crise sanitária da história, brasileiras e brasileiros não deixaram de votar. Em meio à pandemia de covid-19, o TSE instituiu grupos de trabalho, editou resoluções e adaptou o calendário eleitoral a fim de garantir que as Eleições Municipais de 2020 ocorressem de maneira segura e democrática.

Em nosso país, o processo democrático é algo relativamente novo. Após o surgimento da pseudodemocracia na República Velha, inspirada na constituição de Weimar, entre 1934 e 1937, o governo de Getúlio Vargas seguiu a constituição de 1934, mas, foi interrompido.

Registraram-se novas tentativas de retomada da democracia em 1945, mas isso só durou até 1964, quando um golpe militar estabeleceu a ditadura. Depois disso, foi somente em 1985, com o fim da ditadura militar, que se iniciou a redemocratização do Brasil[3], com a marca das eleições indiretas para presidente. A eleição direta ocorreu apenas em 1989, após 29 anos com eleições presidenciais indiretas.

Somente em 1988 foi promulgada a Constituição Federal, que vigora até hoje e é considerada a guardiã da democracia brasileira. Conforme expresso em seu preâmbulo, ela garante "o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Infelizmente, o país amarga a triste cifra total de nove golpes de Estado, o que torna a tarefa de defender os valores democráticos pertence a cada cidadão e comunidade como um todo, seja direta ou indiretamente, na esfera pública ou privada nas nossas relações e nas instituições às quais pertencemos.

Em uma democracia realmente forte se estabelece a partir do respeito às diferenças e às diversidades, da igualdade de direitos e oportunidades, da saúde, da educação, do emprego e da renda. E, assim, combater a intolerância, o racismo e todo tipo de discriminação é, portanto, consolidar a democracia.

O ocorrida em oito de janeiro desse ano explicitou, por um lado, a dimensão autoritária e violenta de certas pessoas, e, por outro lado, os grandes desafios para o enfrentamento desse problema no âmbito político, institucional, econômico e ideológico. Conforme leciona Marilena Chauí, a democracia propicia uma cultura da cidadania e a luta contra o medo e a violência.

Faz-se necessário que se voltem a vigorar os marcos definidos em 1988 para a vigência dos direitos e para disciplina de disputas políticas. Para mais da metade dos brasileiros (58%), a democracia é sempre a melhor forma de governo. Por outro lado, 17% acreditam que, em algumas situações, um governo autoritário é melhor.

E, 15% dizem que tanto faz um governo democrático ou autoritário. Os dados fazem parte de amplo levantamento sobre assuntos ligados a política, economia e atitudes sociais realizado pelo DataSenado junto à população brasileira. (In:  https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/materias/pesquisas/para-a-maioria-dos-brasileiros-a-democracia-e-a-melhor-forma-de-governo Acesso em 30.9.2023).

Foi pelos meados dos anos oitenta, com o término de ditaduras na América Latina, a Queda do Muro de Berlim em 1989[4], a dissolução da URSS em 1991, o mundo vivenciou um florescimento democrático.

Eram tempos de otimismo conhecido como a terceira onda da democracia e que começou a fenecer a partir dos meados de 2000. Progressivamente, começou-se a 111perceber que a globalização não favorecia a todos, deixando esquecidas parcelas da população de países menos desenvolvidos. Nesse contexto adverso, abriu-se espaço para fortalecimento de movimentos antidemocráticos na Europa, nas Américas (inclusive os EUA) e, em outras partes do mundo, até nosso país.

O doutrinador Oscar Vilhena analisa o comportamento das instituições de defesa da democracia brasileira, especialmente, a postura do Supremo Tribunal Federal, a partir da ascensão ao poder, em 2018, de um Presidente da República ostensivamente hostil à democracia. O referido doutrinador aponta que o STF teve que agir porque outros órgãos federais se omitiram. Adverte, contudo, que o STF não deve "comprar" todas as brigas, pois corre o risco de sucumbir.

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito[5] que entrou em vigor em 2021 e tipificou os crimes contra a democracia representa um marco relevante, porém, ainda suscinta muitas dúvidas. Afinal, o STF ao atuar em defesa do Estado Democrático de Direito, quando necessário, poderá atuar sem ultrapassar os limites constitucionais do que pode fazer do ponto de vista procedimental. Portanto, é preciso haver maior clareza sobre a fronteira entre a proteção da democracia e o respeito aos princípios fundamentais do Estado de Direito.

A obra "Como as Democracias Morrem" de autoria de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt teve grande em impacto em meio a tamanha polarização política, e vem erguendo discussões pontuais e contundentes. Pois os autores se propuseram a contextualizar o processo democrático e, como vem sendo ferido de forma mais intensa nos derradeiros anos.

Até pouco tempo, preocupava-se o fato de que algumas nações e sociedades ainda não vivessem em uma democracia e sim sob regimes autoritários ou monárquicos, mas nos últimos anos vem se tornando pauta o fato de que democracias já consolidadas estão passando por transformações preocupantes e intrigantes.

Levitsky e Ziblatt trabalham exatamente essas democracias, com foco na democracia norte-americana, que vem sendo questionada com mais força desde a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Levitsky e Ziblat fazem, em poucas páginas, um resumo de como funciona a democracia norte-americana, explicam o que e quem seriam os guardiões dessa democracia que se reuniam em salas esfumaçadas e como o sistema foi sendo moldado até que os chamados outsiders pudessem ganhar espaço dentro da política.

A obra é extremamente focada na democracia norte-americana e em suas nuances. Por diversos capítulos os autores vão delineando os passos da democracia norte-americana, explicando contextos históricos e exemplificando com grandes nomes da política estadunidense. Em determinado capítulo os referidos autores demonstram como se fortaleceu a polaridade política nos Estados Unidos, chegando a extremos que podemos facilmente compreender ao olharmos para a nossa própria política.

O maior paradoxo da democracia é, enfim, um dos três paradoxos que já foram apontados pelo filósofo Karl Popper[6] em seu livro “The Open Society e and its Emnemies” (A sociedade aberta e seus inimigos)[7]. Popper destacou em uma nota de rodapé sobre a possibilidade através de um processo democrático, a maioria decidir ser governada por um tirano.

Todavia, muitos milênios anteriores, com o filósofo grego Platão já se tinha percebido tal paradoxo, pois afirmou: "a democracia pode facilmente se transformar em uma tirania se os governantes receberem demasiada confiança para decidir por um grande número de pessoas, se não forem submetidos a escrutínio".

Outro questionamento foi feito por Bryan Magee, in litteris: "Qual medida a ser tomada quando a maioria leva ao poder, por meio de um sufrágio legítimo, um partido como o fascista ou o comunista, que não creem em instituições livres e quase sempre as destroem ao alcançarem o poder?"

Larry Diamond identificou três paradoxos que são: 1. conflito versus consenso; 2. representatividade versus governabilidade e 3. consenso versus efetividade. Ainda em relação ao primeiro paradoxo, a fórmula democrática é baseada na competição eleitoral, ou seja, no conflito de ideias e propostas. Não obstante, tal conflito não pode ser tão intenso a ponto de polarizar a sociedade, inviabilizando o debate e a convivência social. No dizer de Diamond, “democracia requer conflito, mas não tanto”.    

O segundo paradoxo se estabelece no fato de que se, por um lado, a democracia impede a concentração de poder e demanda a representação plural da sociedade por intermédio de mandatários eleitos, por outro lado, o governo eleito não pode ser “refém” de interesses de grupos de eleitores.         

O terceiro paradoxo é o de que a democracia parte da premissa de que o poder político deve ser legitimado pelo povo, mas a confiança e consenso popular somente se estabilizam no momento em que os regimes democráticos conseguem entregar resultados efetivos no campo econômico e social.          

A dificuldade em lidar com tais paradoxos é um dos fatores que pode explicar o “desencantamento” que atinge o mundo democrático como um todo, em especial os Estados que iniciaram sua transição para a democracia nos anos 1990.

É o registro de pesquisa recente do Centre for the Future of Democracy (2020), da Universidade de Cambridge, que trouxe como conclusão central o fato de que, desde 1990, a parcela da população mundial insatisfeita com a democracia cresceu mais de dez pontos percentuais, alcançando o maior nível de insatisfação global desde o início da série de pesquisas em 1995.

A democracia brasileira bem ilustra nossa notável dificuldade em lidar com os paradoxos, especialmente, nos contemporâneos dias. O primeiro sintoma é a polarização e corresponde ao primeiro paradoxo. Pois, a polarização é resultante do paradoxo versus conflito.

Não obstante o país tenha mantido a institucionalidade na competição eleitoral desde a redemocratização, para o que foi particularmente relevante o bom grau de confiabilidade e idoneidade dos pleitos, a disputa política tem ultrapassado aos limites democráticos vindos a dialogar com sinceros retrocessos autocráticos;

Segundo sintoma, a disputa entre os poderes que é uma constante em toda história do país redemocratizado. O alcunhado fenômeno do presidencialismo de coalizão demonstra a crise de governabilidade constante no Estado brasileiro.

Apesar de que seja salutar, em termos democráticos, a exigência de que o Presidente da República venha a negociar com o Parlamento a condução do país, é bem perceptível, através da análise de políticas públicas vigentes na economia, no setor social, cultural e, ainda, a existência de capturas e privilégios de certos grupos e segmentos.

O terceiro sintoma a ascensão do populismo e a propagação de soluções fáceis. Convém sublinhar que o populismo traz à baila uma tensa complexidade e divergência em seus próprios contornos conceituais, mas há algumas características bem peculiares, como o personalismo do poder e os discursos antissistêmico de seus representantes.

A divisão de mundo entre maus e bons, corruptos e anticorruptos, entre outros tantos maniqueísmos é uma peculiaridade crescente no debate político, especialmente, em redes sociais, o que só favorece a plataforma populista e a exposição de soluções fáceis e ilusórias para tantos problemas complexos.

A democracia não tem tido êxito em entregar resultados concretos para muitas dificuldades humanas, espaço que o populista aproveita para então explorar a relação de parasitismo.

Enfim, Popper realmente questionou[8] até que ponto a sociedade deve ser tolerante com os intolerantes. A liberdade de expressão é um dos pilares de uma sociedade democrática e, essencialmente, esta garante a todo indivíduo o direito de exprimir sua opinião.

Todavia, a incitação à violência e ao ódio revelam-se como crimes. Para o filósofo, a chamada sociedade tolerante pode ser levada a destruição porque uma ilimitada tolerância a torna vulnerável a todo e qualquer ataque intolerante sob o disfarce de que há o exercício da liberdade de expressão.

Winston Churchill afirmava que a democracia é a pior forma de governo, à parte todas as outras antes experimentadas. Assim, sabia que o melhor argumento contra a democracia são alguns minutos de conversa com o eleitor ou político. Já Georges Bernard Shaw definia a democracia como a garantia de não sermos governados melhor do que merecemos. Acrescentou que seu advento substituíra a nomeação de poucos corruptos pela eleição de muitos incompetentes.

A seu turno, Gustave Flaubert identificava o sonho da democracia como a elevação do proletariado ao mesmo nível de estupidez alcançado pela burguesia. O filósofo Bertrand Russel, por sua vez, observava que os eleitos não podem jamais ser mais estúpidos de que seus eleitores.  Diante de tantas provocações literárias, além de questões lógicas e matemáticas, os paradoxos da democracia são, realmente, variados e enganosos, pois nenhum direito fundamental é absoluto, pois nenhuma liberdade é infinita e ilimitada e, assim, a prática democrática exige atenção e monitoramento para que exista uma justiça inclusiva, social e igualitária.

Historicamente, temos o paradoxo de Condorcet cujo nome era Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, porém, mais conhecido apenas como Marquês de Condorcet (1743-1794), Tendo vivido na época da Revolução Francesa, o marquês fora primeiramente enciclopedista e depois girondino.

Com a chegada ao poder dos jacobinos, escondeu-se por vários meses. Quando, finalmente, se decidiu por fugir, travestido pelos campos, traiu a si mesmo pedindo, como bom aristocrata, uma omelete com um número despropositado de ovos. Morreu na prisão três dias depois; talvez suicida, visto que levava veneno sempre consigo.

Em 1785, poucos anos antes que a revolução pretendesse, paradoxalmente, instaurar um sistema democrático com a guilhotina, o marquês descobrira o seguinte problema.

Ele sabia, mesmo sem a demonstração de May, que a votação por maioria era um método eficiente de escolha entre duas alternativas. Na presença de mais alternativas, uma ideia óbvia seria votar duas de cada vez, optando por aquela que obtivesse a maioria contra todas as remanescentes. Condorcet[9] demonstrou que, infelizmente, não é certo que haveria tal alternativa: mesmo se as preferências dos votantes singulares, em respeito às diversas alternativas, fossem ordenadas linearmente, a votação poderia de fato produzir uma ordem social circular.

Para ilustrar o paradoxo, consideremos outra das eleições presidenciais estadunidenses: aquela de 1976. Na ocasião Jimmy Carter vence Gerald Ford, que obtivera a nomination republicana vencendo Ronald Reagan. Mas, as pesquisas diziam que Reagan teria vencido Carter (como depois acontece efetivamente, não obstante fosse com um outro eleitorado, em 1980).

Uma situação circular, na qual três candidatos têm condições de vencer, é obviamente embaraçante para um sistema no qual os dois candidatos são selecionados em eleições sucessivas, dois a dois.

O vencedor depende, de fato, somente da ordem em que são realizadas as votações. Por exemplo, para que vencesse Ford em 1976 teria bastado fazer primeiro a votação entre Carter e Reagan, e depois a votação entre o vencedor (Reagan) e Ford.

O paradoxo de Condorcet não deixa escolhas. Ou se votam todas as alternativas, umas contra as outras, podendo assim obviamente acontecer que nenhuma obtenha a maioria; ou se votam as várias alternativas em uma certa ordem, caso em que a vencedora dependerá da ordem escolhida. Como se não bastasse, uma ordem particular de votações pode permitir a uma alternativa que vença ainda quando exista outra unanimemente preferida.

Considerando que a votação por maioria sobre mais de duas alternativas é um sistema largamente aplicado em contextos locais, nacionais e supranacionais, a relevância do paradoxo é evidente.

Entre outros, explica as denominadas batalhas procedimentais, por vezes furiosas, sobre a ordem das votações. Distante de assumir bizantinismos, como poderia parecer, são na verdade essenciais para determinar o resultado final segundo a direção desejada, relegando as votações ao papel de cobertura democrática de verdadeiros golpes.

Cumpre destacar para que o paradoxo de Condorcet seja possível, não pode haver uma alternativa a qual ninguém considere como a pior. De fato, se A vence B por maioria, ao menos a metade mais um dos votantes prefere A a B. Se B vence C por maioria, ao menos a metade mais um dos votantes prefere B a C. Logo, ao menos um dos votantes prefere A a B e B a C, e C é considerada a pior alternativa por alguém. Por simetria, o mesmo vale para A e B. Para que a ordem social produzida pela votação por maioria possa ser circular, é, portanto, necessário que cada alternativa seja considerada a pior por alguém.

Expõe-se assim uma incompatibilidade entre liberdade individual, que permite a cada um optar por determinada ordem de preferências, e harmonia social, que por sua vez requer uma certa uniformidade entre as ordens individuais.

E explica, também, tanto a inadequação da votação por maioria nos momentos de instabilidade política como a sua impotência nos momentos de transformação. Nos primeiros, há alternativas que ninguém considera as piores: aquelas de centro. Já nos segundos, a radicalização das preferências cria as condições para o paradoxo.

A votação por maioria proposta no parágrafo anterior não é, obviamente, a única solução possível para a escolha entre mais alternativas. Outra é a votação por pluralidade: apresentam-se todas as alternativas simultaneamente, cada votante escolhe uma, e vence aquela que recebe o maior número de votos.

Em 1781, porém, Jean-Charles de Borda[10] (1733-1799) percebeu que se impunha uma escolha entre os dois métodos, visto que pluralidade e maioria são incompatíveis entre eles. Consideram-se quinze votantes, por exemplo, que devam optar entre alternativas A, B e C. Suponhamos que as ordens de preferências individuais sejam as seguintes:

- 6 Votantes preferem A a B, e B a C.

- 4 Votantes preferem B a C, e C a A.

- 5 Votantes preferem C a B, e B a A.

Quando se coloca em votação as alternativas por pluralidade, A vence C por 6 a 5, e C vence B por 5 a 4. Já quando se coloca a votação por maioria, B vence C por 10 a 5, e C vence A por 9 a 6. Os dois sistemas de votação produzem, portanto, ordens sociais contrapostas.

Borda não se deu conta que a votação por maioria poderia não ser transitiva, mesmo porque no exemplo precedente o é: B vence A por 9 a 6. Mas identificou um problema no fato de que na votação por pluralidade se considera somente uma parte das informações contidas nas várias ordens de preferência individuais: precisamente, a primeira alternativa.

A coisa pode ser remediada com sistemas de voto por peso, no qual os votantes associam, direta ou indiretamente, pesos numéricos às várias alternativas. Por exemplo, no assegnamento canônico se dão N pontos à primeira de N alternativas, N-1 pontos à segunda, e assim por diante.

A construção da ordem social se efetua, neste caso, somando os pesos das alternativas nas várias ordens individuais. Mas, já como no caso da votação por maioria, também os sistemas de voto por peso apresentam situações paradoxais.

Estabelecer a atribuição dos pesos coloca de imediato várias dificuldades. Em primeiro lugar, psicológicas: como medir as intensidades das preferências de cada indivíduo? Em segundo lugar, sociológicas: como equiparar, entre si, os vários sistemas de medida individuais? Em terceiro lugar, e sobretudo, lógicas: o resultado pode, de fato, depender da atribuição dos pesos.

Por exemplo, considere-se cinco votantes, que devam optar entre alternativas A, B e C. Suponhamos que as ordens das preferências individuais sejam as seguintes:

- 3 Votantes preferem A a B, e B a C.

- 2 Votantes preferem B a C, e C a A.

Caso se assinale um ponto à primeira de cada lista e nenhum às demais, como na votação por pluralidade, A vence B por 3 a 2. Mas se forem assinalados dois pontos à primeira, um à segunda e nenhum à terceira opção, de cada lista, B vence A por 7 a 6.

De qualquer forma, quando estiverem fixadas a atribuição dos pesos e as ordenações individuais, a ordem social entre duas alternativas dependerá da presença ou não de outras alternativas em jogo.

Por exemplo, se a atribuição é da maneira canônica e as ordens individuais são aquelas do exemplo precedente, então A perde de B por 11 a 12. Sendo a alternativa C não apenas a última em absoluto, com 7 pontos, mas também não sendo a preferida por nenhum votante de B, que é a primeira opção em absoluto, poder-se-ia pensar que a presença de C fosse irrelevante para a vitória de B. Ela resulta, porém, determinante. Se a alternativa C for efetivamente eliminada, permanece-se com três votantes que preferem A a B e dois que preferem B a A. Desta vez, portanto, A vence B por 8 a 7.

Os problemas de tal gênero tornaram os sistemas de voto por peso, em regra mais complicados que os sistemas de voto por maioria, pouco praticáveis. São usados, hoje, quase exclusivamente em multicompetições esportivas, como o decatlon.

Neste caso, as alternativas são os atletas participantes, os votantes são as várias competições, as preferências são as ordens de chegada, e os pesos são os pontos assinalados.

Os paradoxos de Condorcet e Borda expuseram algumas dificuldades dos sistemas de votação então conhecidos, sem, porém, parar a história. A guilhotina era, de fato, tema dos mais afiados dentre os paradoxos, e a democracia se mostrou historicamente inevitável, não obstante logicamente inconsistente.

A discussão de Condorcet caiu no esquecimento, sendo redescoberta periodicamente, de Lewis Carroll em 1876 a Duncan Black em 1948, para ser pontualmente esquecida novamente.

Foi, enfim, retomada em 1951 por Kenneth Arrow, um jovem economista que havia estudado lógica matemática com Alfred Tarski. Sua formação o estimulou a não parar diante do paradoxo e ir além, fazendo-o perguntar se era tudo fruto do acaso ou da necessidade.

Em outras palavras, Arrow se questionou sobre a possibilidade de se encontrar ao menos um sistema de votação que permitisse estender a transitividade das preferências individuais àquelas sociais.

Até então, tanto os idealistas à la Kant como os racionalistas à la Bentham haviam suposto que a ordem social existisse, e divergiam somente na crença que essa fosse, respectivamente, independente ou deduzível das ordens individuais.

Já o realista Arrow descobriu que ambos se equivocavam, porque a ordem social não existe. Mais precisamente, demonstrou que nenhum sistema de votação que satisfaça as seguintes condições preserva a transitividade das preferências:

1) Liberdade de escolha: toda ordem transitiva de preferências individuais é aceitável.

2) Dependência do voto: o resultado da votação entre duas alternativas é determinado univocamente pelos votos a elas conferido.

3) Monotonicidade: se uma alternativa vence uma votação, continua a vencer em toda votação na qual obtenha mais votos.

4) Rejeição da ditadura: não existe ninguém cujas preferências individuais ditem o resultado de cada votação, independentemente das preferências dos demais votantes.

A analogia com as condições de May salta aos olhos. Em particular, dado que o anonimato implica a rejeição da ditadura, o teorema de Arrow demonstra que o teorema de May não pode ser estendido a mais de duas alternativas.

Não obstante o resultado seja exatamente um teorema, para exorcizá-lo se costuma o chamar de paradoxo. Em inglês soa bem, pois Arrow’s paradox é traduzido como “paradoxo da Flecha[11]”, invocando um outro homônimo: aquele de Zenão[12], segundo o qual uma flecha em movimento não pode se mover, porque em cada instante está parada.

Isto não impediu que o teorema de Arrow fosse objeto de estudos aprofundados, que agora compõem a denominada teoria das escolhas sociais. Nem descuidou o comitê de Estocolmo, que em 1972 conferiu a Arrow o prêmio Nobel de economia (paradoxalmente, com uma votação).

O fato de que um teorema de ciência política como o de Arrow, sobre a impossibilidade de um sistema democrático de votações, tenha lhe concedido um prêmio Nobel de economia, não deve surpreender. À parte as óbvias e hoje evidentes conexões e acordos entre economia e política, pela sua natureza abstrata o resultado se aplica a qualquer situação na qual seja necessária uma escolha coletiva entre um conjunto limitado de alternativas.

Por exemplo: de produtos em um mercado, de políticas comerciais em um conselho de administração, de representantes em uma assembleia de acionistas... O teorema de Arrow torna manifesta, portanto, uma dificuldade na passagem da microeconomia dos sujeitos individuais, tais como produtores e consumidores, à macroeconomia dos grupos, como os mercados

Exemplificando26, mais genericamente, uma série de situações análogas, nas quais fica difícil, ou impossível, justificar o comportamento global de um sistema sob a base dos comportamentos individuais de seus componentes.

Quanto às consequências filosóficas do teorema de Arrow, não se pode tratar de maneira melhor da que fez Paul Samuelson[13], prêmio Nobel de economia em 1970.

Em primeiro lugar, ele admite candidamente que “a busca da democracia perfeita por parte das grandes cabeças da história se mostrou como a busca de uma quimera, de uma autocontradição lógica”. Sem querer ofender os políticos e meios de informação mundiais que hoje apenas cantam, incessantemente, o mantra do suposto triunfo da referida quimera.

Em segundo lugar, Samuelson traça um paralelo que é para nós extremamente significativo: “A devastadora descoberta de Arrow é, para a política, o que o teorema de Gödel[14] é para a matemática”.

Em particular, ambos os resultados mostram limitações intrínsecas de seus respectivos âmbitos de maneira simples e inequívoca, destruindo assim ingênuas ilusões.

Nem mesmo o teorema de Arrow[15] é, porém, a última palavra em termos de limitações da democracia. Um resultado igualmente impressionante, se não mais, foi obtido em 1970 por Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia em 1998. Partindo de hipóteses análogas àquelas de Arrow, Sen efetivamente demonstrou que, em uma sociedade, um indivíduo pode no máximo ter direitos!

Os teoremas de Arrow e de Balinsky e Young impuseram golpes mortais ao princípio de proporcionalidade. Muitas democracias o abandonaram, por isso, com mais ou menos pudor. Também a democracia italiana, sob o golpe de referendum e mattarellum, por alguns anos pensou que a solução dos problemas da democracia estivesse na adoção de alguma forma de sistema majoritário.

Infelizmente para tais pensadores, os sistemas majoritários não estão em melhor situação que os proporcionais. No majoritário puro, por exemplo, é possível que um partido com quase 50 (cinquenta) por cento dos votos nacionais não obtenha nem mesmo uma cadeira, ao passo que cada posto pode ir para partidos locais de representação mínima.

Portanto, é suficiente de fato, que em cada colégio um mesmo partido nacional obtenha 50 (cinquenta) por cento dos votos menos um, e que um partido local obtenha 50 (cinquenta) por cento dos votos mais um, para que o lugar fique com o segundo.

Um outro paradoxo dos sistemas que, assim como o majoritário, apresentam a opção entre somente dois candidatos ou grupos, pode ser eficazmente ilustrado com o exemplo dos sorveteiros (sem o intento de denegrir ninguém).

Imaginemos, assim, que nos encontramos em uma praia ensolarada ao longo de um quilômetro, plena de banhistas acalorados, quando chegam dois sorveteiros vendendo seus produtos.

Para os banhistas, o mais sensato seria que ambos se colocassem a 250 (duzentos e cinquenta) metros do extremo da praia, ou seja, a um quatro e três quartos. Dessa maneira, de fato, nenhum banhista teria de caminhar mais de 250 (duzentos e cinquenta) metros para alcançar o mais próximo dos sorveteiros.

A verdade eleitoral é expressão digna de maior mérito do sistema majoritário, na eleição de parlamentares, onde os candidatos mais votados são sempre os eleitos[16]. Por outro lado, os sistemas proporcionais, de lista aberta ou fechada, carecem dessa desejável propriedade, uma vez que, por esses mecanismos, nem sempre os candidatos mais votados ascendem ao legislativo, enquanto outros, menos votados, podem fazê-lo.

Todos os sistemas eleitorais têm distorções. Não existe nenhum sistema perfeito e não há nenhum método de divisão proporcional justo (teorema de Arrow e teorema da impossibilidade de Balinsky e Young, respectivamente). Concluindo, a mudança de um sistema para outro envolve ganhos e perdas, já que todos os sistemas têm méritos e deméritos.

A proposta de Popper considerou a noção de que é preciso romper com qualquer ideia dogmática. E, o modo como o filósofo propôs sua teoria da história parte do pressuposto de que precisamos assumir o controle de nossas ações.  Popper preconizou a ação humana como valor, propondo a luta por uma sociedade aberta e democrática sendo guiada pela razão e pelo ideal de justiça.

Referências

ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de Coalizão. Raízes e evolução do modelo político brasileiro. Companhia das Letras, São Paulo, 2018.

BORDA, J.C. de. Mémoire sur les élections au scrutin. Mémoires de l' Académie Royale des Sciencces, Paris, 1781.

DE CONDORCET, Marquês. Essai sur l'applicatiom de l'analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix. Paris: Voix, 1785.

DIAMOND, Larry. Journal of Democracy. Vol. 1, N. 3. Summer 1990.

DIAS, Otávio.  O papel do STF na defesa da democracia https://fundacaofhc.org.br/debates/debates/o-papel-do-stf-na-defesa-da-democracia Acesso em 30.9.2023.

HUTTINGTON, Samuel. P. The Third Wave. Democratization in the Late Twentieth Century. University of Oklahoma, 1993.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

MAGEE, Bryan. The Philosophy of Schopenhauer. New York: Oxford University Press, 1997.

MESSENBERG, Debora. O paradoxo da democracia. Disponível em:b75eb1be-dd2f-4ba0-8432-7a8c6b59adc8/admin,+Civit+v15n1+-+08+enc+01+-+final+doi.pdf Acesso em 30.9.2023.

ODIFREDDI, Piergiorgio. Os Paradoxos da Democracia. Disponível em: https://www.emporiododireito.com.br/leitura/os-paradoxos-da-democracia Acesso em 30.9.2023.

PELUSO, Luis Alberto. A filosofia de Karl Popper: epistemologia e racionalismo crítico. Campinas, SP: Papirus, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 1995.

POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos: o Sortilégio de Platão (Volume 1).  Prefácio de João Carlos Espada. São Paulo: Editora 70, 2012.

________________. A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos: Hegel e Marx (Volume 2). Prefácio de João Carlos Espada. São Paulo: Editora 70, 2013.

_________. O racionalismo crítico de Karl R. Popper. In: REALE, G; ANTISERI, D. História da filosofia, v. 7: de Freud a atualidade [tradução de Ivo Storniolo]. – São Paulo: Paulus, 2006.

__________. The Open Society and Its Enemies. First single-volume Princeton University Press printing, 2013.

_________. The Poverty of Historicism. New York: Routledge, 2002

___________. Conjectures and Refutations. New York: Routledge, 2002.

ROMÃO, Maurício Costa. A "Verdade Eleitoral". Disponível em: https://mauricioromao.blog.br/a-%E2%80%9Cverdade-eleitoral%E2%80%9D/ Acesso em 30.9.2023.

SEN, A. Collective choice and social welfare. New York: Holden-Day, 1970.

SOUZA, N. R. “O sentido da história: considerações sobre o historicismo em Karl Popper”. Intelligere, Revista de História Intelectual, nº 12, pp. 103-129. 2021. Disponível em http://revistas.usp.br/ revistaintelligere.  Acesso em 30.9.2023.

SNYDER, Timothy. Sobre a tirania: vinte lições tiradas do século XX para o presente. Tradução de Donaldson M. Garschagen. – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

VIEIRA, Oscar Vilhena.  O STF e a defesa da democracia no Brasil. Disponível em: https://fundacaofhc.org.br/repositorio/o-stf-e-a-defesa-da-democracia-no brasil.pdf?utm_campaign=artigo_em_debate_o_stf_e_a_defesa_da_democracia_no_brasil&utm_medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 30.9.2023.

Notas:

[1] As experiências traumáticas desencadeadas pelos regimes totalitários na  primeira metade do século XX deram impulso à crítica de Karl Popper (1992 – 1994)  aos sistemas de ideias que abrigam a crença, quer por leis ou por alguma razão histórica, no ordenamento dos destinos dos indivíduos. Objetivamos apresentar a crítica de Popper ao conjunto de ideias nomeadas por ele de historicismo, isto é, a visão de que caberia às Ciências Sociais a função de fazer predições a partir da compreensão das e  leis de uma história teleológica.

[2] Cada letra representa um grupo de pessoas. A seguir, o que cada uma dessas sete letras e o sinal de soma + representam: L: Lésbicas; G: Gays; B: Bissexuais: Transgêneros: Queer ou Questionando; I: Intersexuais. A: Assexuais ou Aliados+: Outras identidades de gênero e orientações sexuais.

[3] A redemocratização é o processo de reconstrução da democracia em países que passaram por um regime político ditatorial. No caso brasileiro, houve dois momentos de redemocratização: em 1945 após o Estado Novo e outra entre 1974 e 1985 que ocorreu, progressivamente, durante o fim do Regime Militar. O processo de redemocratização do Brasil envolve uma série de medidas que ocorreram entre os anos 1975 e 1985 Foi um período em que, progressivamente, foram ampliadas novamente as garantias individuais e a liberdade de imprensa, levando a eleição do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Contudo, é importante pontuarmos que esse processo foi composto por momentos de avanço e recuo dos militares. Afinal, eles desejavam garantir uma transição controlada, sem que os setores mais radicais da oposição chegassem ao poder. Por isso, é comum ver nesse momento da história medidas de distensão, como a Lei da Anistia, convivendo com medidas de repressão, como o Pacote de Abril e a recusa da Emenda Dante de Oliveira, que pedia eleições diretas para presidente da república — veremos mais à frente esse fato. Dentre as principais medidas que caracterizaram o processo de distensão, encontram-se: O fim da censura prévia à espetáculos e publicações; A revogação do AI-5; O retorno ao pluripartidarismo; A Lei da Anistia.

[4] A queda do Muro de Berlim foi um ato apenas simbólico, mas marcou o início de um processo político que culminou com a reunificação da Alemanha. O chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, engajou-se para isso e, no dia 3 de outubro de 1990, a Alemanha reunificava-se e o lado socialista deixaria de existir. A queda do Muro de Berlim foi consequência da crise enfrentada pelo bloco socialista na década de 1980. Levando em consideração o contexto da Alemanha Oriental, a população do país estava insatisfeita, pois o país enfrentava uma grande crise econômica. A insatisfação era amplificada pela repressão e censura do governo. O Muro de Berlim caiu dia 9 de novembro de 1989. A Queda do Muro de Berlim significou o fim da Guerra Fria, a reunificação das duas Alemanhas, o término dos regimes socialistas e o início da globalização. Simbolicamente, representa a vitória do capitalismo sobre o socialismo. Sua queda foi possível devido à pressão internacional, e às manifestações registradas nas duas Alemanhas.

[5] LEI Nº 14.197, DE 1º DE SETEMBRO DE 2021 Acrescenta o Título XII na Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito; e revoga a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional), e dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14197.htm Acesso em 30.9.2023.

[6] Na conferência proferida por Karl Popper, no Congresso Internacional de Filosofia, em 1948, Amsterdam, o autor demarca o significado do que ele nomeou de historicismo. A crítica de Popper se dirige à necessidade que as ciências sociais têm de instrumentalizar as análises sociais por meio de profecia histórica como racionalização da atividade política. Para o autor, tal postura é considerada “relíquia de antiga superstição, embora os historicistas estejam convencidos de que se trata de uma teoria nova, progressista, revolucionária e científica” (POPPER, 2002, p. 512).

[7] É uma obra de filosofia política de autoria de Karl Popper, em dois volumes, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi publicada pela primeira vez em Londres, pela Editora Routledge, em 1945. A obra integrou a lista dos modernos cem melhores livros de não-ficção da Modern Library. Popper criticou as teorias do historicismo teleológico em que a história se desenrolaria inexoravelmente de acordo com leis universais. Acusou Platão, Hegel e Marx de totalitários, por confiarem cegamente no historicismo para sustentar as suas filosofias políticas. O filósofo debruçou-se sobre três paradoxos: o da tolerância, o da liberdade e o da democracia. O principal inimigo da sociedade aberta, de acordo com Popper, é Karl Marx. Popper admite que, ao contrário de Hegel, Marx se preocupava profundamente com a situação das pessoas comuns e com as injustiças que prevaleciam em sua época nas sociedades capitalistas. Da mesma forma, os escritos de Marx oferecem perspicácias econômicas, sociológicas e históricas. No entanto, mesmo onde Popper considera as opiniões de Marx como tendo valor, Popper considera que o historicismo de Marx o levou a exagerar - por exemplo, a importância da luta de classes. Popper rejeita abertamente a visão historicista, antirracional e totalitária de Marx.

[8] O historicismo, como foi mostrado, é um conjunto de pensamentos e ideias onde não se encontra uma estrutura coesa, homogênea, mas multifacetada. Procuramos mostrar, neste artigo, que o historicismo de Karl Popper é de outra dimensão, se comparado com a Escola Alemã. Karl Popper parte de seu próprio campo teórico, a saber, que é impossível elevar qualquer teoria à categoria de verdade absoluta em termos epistemológicos. Ao propor que a possibilidade do erro é um elemento central para a constituição científico, Popper indica o mesmo caminho na sua análise acerca da natureza do conhecimento histórico.

[9] Em discursos e escritos, argumentava contra a discriminação a protestantes e judeus e pregava o fim da escravidão e o direito de cidadania dos negros. Educação, dizia Condorcet, era uma questão política. Em 1791, Condorcet defendia que o sistema de instrução da França precisava ser gratuito, universal e independente, fixando as bases teóricas e ideológicas de um projeto pedagógico que ainda hoje soa arrojado e inspirador. As ideias de Condorcet a favor da liberdade econômica, da tolerância religiosa, das reformas legais e educacionais e contra a escravidão fazem dele uma figura típica do Iluminismo, ainda que pertencente à nobreza.

[10] Jean-Charles, Chevalier de Borda (4 de maio de 1733 - 19 de fevereiro de 1799) foi um matemático, físico e oficial da Marinha francesa. Com o advento do sistema métrico, após a Revolução Francesa, decidiu-se que o quarto círculo deveria ser dividido em 100 unidades angulares, atualmente conhecido como gradiano, em vez de 90 graus, e o gradiano em 100 minutos centesimais de arco (centígrados) em vez de 60 minutos de arco.  Isso exigiu o cálculo de tabelas trigonométricas e logaritmos correspondentes à nova unidade e instrumentos para medir ângulos no novo sistema. Borda construiu instrumentos para medir ângulos nas novas unidades (o instrumento não poderia mais ser chamado de "sextante") que mais tarde foi usado na medição do arco do meridiano entre Dunquerque e Barcelona por Delambre para determinar o raio da Terra e, assim, definir o comprimento do metro. As tabelas de logaritmos de sines, secantes e tangentes também eram necessários para fins de navegação. Borda era um entusiasta do sistema métrico e construiu tabelas desses logaritmos a partir de 1792, mas sua publicação foi adiada para depois de sua morte e só publicada no Ano IX (1801) como Tabelas de Logaritmos de sines, secantes e tangentes, cossecantes, cosseno, e cotangente para o Quarto do Círculo dividido em 100 graus, o grau em 100 minutos, e o minuto em 100 segundos a dez decimais, e incluindo suas tabelas de logaritmos a 7 decimais de 10.000 a 100.000 com tabelas para obtenção de resultados a 10 decimais.

[11] O Paradoxo da Flecha: Se o espaço e o tempo são discretos, então uma flecha não pode se mover através do ar, pois a cada instante de tempo ela está em um ponto definido e, portanto, em repouso naquele instante. Assim, ela está sempre em repouso.

[12]  Zenão de Eleia (490-430 a.C) é bem conhecido por causa de seus paradoxos, como aquele da corrida de Aquiles com a tartaruga. De fato, escreveu um livro com em torno de 40 paradoxos, mas este se perdeu. O que sabemos de Zenão nos foi transmitido por Platão, Aristóteles e pelo comentador Simplício do séc. VI a.C. Oque Zenão queria provar com seus paradoxos?  Como eles foram encarados na Antiguidade? Como eles são resolvidos hoje em dia?  Zenão era discípulo do grande filósofo Parmênides (515-450 a.C), da cidade de Eleia (atual Itália), que defendia que a pluralidade (o estado de haver muitas coisas distintas, ao invés de uma só) não existe e que qualquer mudança é impossível. O ponto de partida de Parmênides era a razão, o intelecto, em oposição à observação. É verdade que nossos sentidos veem uma aparente mudança, mas isso seria pura ilusão, pois a realidade não poderia mudar. Afinal, “o que é não pode deixar de ser”: se alguma coisa tem uma essência, como é que essa essência pode desaparecer desta coisa? Por outro lado, “do não-ser não pode surgir o ser”: como é que algo pode surgir do nada? Assim, o Universo seria uno, e não mudaria (algo parecido com a ideia de um único Deus imutável).

[13] Paul Anthony Samuelson (Gary, 15 de maio de 1915 — Middlesex, Massachusetts, 13 de dezembro de 2009) foi um economista norte-americano, amplamente reconhecido como um dos formuladores mais importantes da ciência economia moderna e figura de particular relevância na história do pensamento econômico em geral. Samuelson obteve seu doutorado em economia na universidade de Harvard, onde também lecionou por um tempo e, mais tarde, foi para o MIT. Muito basicamente, a economia contemporânea pode ser definida como uma espécie de síntese da microeconomia neoclássica com a macroeconomia keynesiana; e foi Samuelson, a partir de sua busca em encontrar pontos de coerência entre as duas disciplinas, quem construiu essa unidade.[6] Por isso, o historiador econômico Randall E. Parker o chamou de "Pai da Economia Moderna". Samuelson é peça-chave no estabelecimento da matemática como o método analítico principal da ciência econômica. Em sua obra Fundamentos de Análise Económica, revelou a presença de estruturas comuns em diversos ramos da economia, as quais poderiam ser representadas por meio de expressões matemáticas. Já com o Economics (livro), de longe o livro-texto de introdução à economia mais vendido e utilizado nos cursos de nível superior, Samuelson fez-se um dos mais famosos e bem sucedidos autores da área. Samuelson foi o primeiro norte-americano a receber o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, fato que ocorreu na segunda edição do evento, em 1970. A designação do trabalho de Samuelson feita pela instituição na ocasião da premiação ressalta a importância múltipla de sua contribuição à disciplina econômica: "pelo trabalho científico através do qual desenvolveu teoria nos campos da economia estática e dinâmica, contribuindo ativamente para aumentar o nível da análise da ciência econômica".[8] Seu trabalho gerou impacto importante sobre a teoria do consumo, a a teoria do capital, o comércio internacional, o mecanismo de preços, a economia matemática, o equilíbrio geral e a dinâmica da economia, as finanças públicas e outras áreas mais, fato que o fez ser considerado um dos grandes economistas generalistas, isto é, um economista cujas pesquisas foram úteis para variados ramos da economia.

[14] O Teorema de Gödel foi provado por Kurt Gödel em 1936, demonstrou que existem teoremas cujas provas podem ser drasticamente reduzidas ao se trabalhar em sistemas axiomáticos mais fortes. Em qualquer sistema formal axiomático consistente que possa expressar feitos sobre aritmética básica, existem enunciados verdadeiros que não podem ser provados, e que a consistência do sistema não pode ser provada dentro do mesmo sistema. Esses são teoremas da incompletude.

[15] É um teorema atribuída ao economista Kenneth Arrow, geralmente aplicável aos sistemas de votação. Reflete o fato de que a agregação de ordens de preferência individuais não produz uma ordem de preferência coletiva obedecendo, todas, a certos critérios desejáveis. E, Arrow afirmou que se o corpo de tomada de decisão tiver pelo menos dois membros e pelo menos três opções para decidir, então será impossível projetar uma função de bem-estar social que satisfaça a todas essas condições, assumidas como um requisito razoável de um sistema eleitoral justo de uma só vez.

[16]  A teoria da escolha social ou a escolha social é uma estrutura teórica para a análise da combinação de opiniões, preferências, interesses ou bem-estar individuais para alcançar uma decisão coletiva ou bem-estar social em algum sentido.  Um exemplo não-teórico de uma decisão coletiva é a promulgação de uma lei ou conjunto de leis sob uma constituição. A teoria da escolha social data da formulação de Condorcet do Paradoxo de Condorcet. A Escolha Social e os Valores Individuais (1951) de Kenneth Arrow e o teorema da impossibilidade de Arrow são geralmente reconhecidos como a base da teoria da escolha social moderna. Além do teorema de Arrow e do paradoxo da votação, o teorema de Gibbard-Satterthwaite, o teorema do júri de Condorcet, o teorema do eleitor mediano e o teorema de May estão entre os resultados mais conhecidos da teoria da escolha social. A escolha social combina elementos da economia do bem-estar e da teoria do voto. É metodologicamente individualista, na medida em que agrega preferências e comportamentos de membros individuais da sociedade. Usando elementos da lógica formal para a generalidade, a análise procede de um conjunto de axiomas aparentemente razoáveis da escolha social para formar a função do bem-estar social (ou constituição).  Os resultados revelaram a incompatibilidade lógica de vários axiomas, como no teorema de Arrow, revelando um problema de agregação e sugerindo reformulação ou triagem teórica ao eliminar alguns axiomas.

*Antônio dos Santos Gama Junior, advogado há dezessete anos. Professor universitário de Direito, Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Colunista na Rádio CBN, colunista em Direito do consumidor. Jurista da cidade de Belém do Pará- PA.

*Gisele Leite. Mestre em Direito, Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Articulista e colunistas dos principais sites jurídicos brasileiros. 34 obras jurídicas.  Presidente da Seccional RJ da ABRADE (Associação Brasileira de Direito Educacional).

Palavras-chave: Democracia Estado Democrático de Direito Liberdade de Expressão Participação Política

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/dia-internacional-da-democracia-e-seus-paradoxos

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid