Da Hermenêutica para a compreensão da lei e do Direito
A angústia da hermenêutica jurídica constitucional é apontar qual critério é realmente seguro para prover a interpretação textual e ainda promover a aplicação da justiça com eficácia.
Em verdade, o problema da compreensão
adquiriu peculiar perspectiva tão promissora quanto polêmica a partir de
desenvolvimentos da hermenêutica jurídica.
Aliás, a depuração dos estudos sobre
interpretação e aplicação de textos jurídicos é notória além de progressiva. E
abriu diversas sendas que abriga não apenas o sentido possível, mas
principalmente, o sentido adequado e escorreito.
Sempre foi angustiante ao jurista o
identificar de critério seguro para prover a interpretação textual. E,
contemporaneamente restam bem atualizadas algumas teorias que se esforçam por
desenvolver métodos que garantam com certa objetividade e destreza a
interpretação. É o caso do intencionalismo.
Por segurança, não podemos desconsiderar
aquilo que está por detrás de todo ato de compreensão, ou seja, toda a
estrutura pré-conceitual, teorética, histórica que pode derrubar algumas dessas
teorias do sentido.
O que não implica em postura
relativista, mas sim, no reconhecimento de que a compreensão pode não ser
arbitrária. Desse modo, há de se considerar a contribuição da hermenêutica
filosófica para a hermenêutica jurídica. A axiologia e o estudo dos princípios[1] jurídicos enquanto normas
aprofundaram os liames entre as hermenêuticas filosófica e jurídica, partindo
de premissas contemporâneas, para dirimir conflitos contemporâneos cada vez
mais dinâmicos e complexos.
Permitam-me citar o notável Luís
Fernando Veríssimo:
“Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita
de andarilhos herméticos.
Aonde eles chegassem, tudo se
complicaria.
- Os hermeneutas estão chegando!
- lh, agora é que ninguém vai entender
mais nada...
Os hermeneutas ocupariam a cidade e
paralisariam todas as atividades
produtivas
com seus enigmas e frases ambíguas.
Ao se retirarem deixariam a população
prostrada pela
confusão. Levaria semanas até que as
coisas
recuperassem o seu sentido óbvio.
Antes disso, tudo pareceria ter um
sentido oculto.
- Alô... - O que é que você quer dizer
com isso?”
(Trecho de Defenestração, crônica de
Luis Fernando Veríssimo).
Ao pensar em hermenêutica, precisa-se ir
até Hermes, o deus mensageiro dos deuses. Possuía a importante missão de
entregar as mensagens e ainda decifrar seus desígnios. Hermes é o deus grego da
riqueza, da sorte, da fertilidade, do sono, da magia, das viagens, das
estradas, do comércio, da linguagem e dos ladrões.
Mensageiro dos deuses e muito venerado
pelos gregos, Hermes é considerado um dos deuses mais irreverentes da mitologia
grega. O nome Hermes significa "marcador de fronteira" sendo que uma
de suas funções era guiar os mortos para o submundo, o reino de Hades. Como
guardião da entrada do submundo, Hermes também é chamado de deus dos viajantes
e protetor das estradas. Na mitologia romana, Hermes recebe o nome de Mercúrio.
Hermes é considerado um deus astuto e
malandrim, que usaria essa característica para fazer o bem e o mal. Usava suas
habilidades diplomáticas e de tradutor para fazer um contraponto entre deuses e
os homens. Entre seus memoráveis feitos e mais comentados está a derrota da
Medusa por Perseu, que recebeu auxílio de Hermes.
O deus teria emprestado suas sandálias
voadoras a Perseu, que conseguiu derrotar a mulher com cabelos de cobra
evitando a maldição que o faria virar pedra, caso a olhasse.
Afinal, a boa interpretação da norma
legal deve: 1. esclarecer seu significado, mostrando sua validade; 2.
demonstrar o alcance social da norma; 3. demonstrar que o conflito pode ser
resolvido conforme os fins sociais da norma e concretizando valores que levam
ao bem comum. Existem, para cada um desses pontos, um conjunto de métodos de
interpretação.
Para destrinchar o problema sobre o
significado e a validade da norma, existem os métodos de interpretação
gramatical, lógica e sistemática.
A interpretação gramatical permite
desvendar o significado da norma jurídica, enfrentando dificuldades léxicas e
de relações entre as palavras. Podem surgir questões quanto ao sentido
dicionarizado de uma palavra ou quanto a relações entre substantivos e
adjetivos ou, ainda, no uso de pronomes relativos.
Um exemplo clássico deu-se quando Rui
Barbosa recebeu uma condecoração estrangeira. Seus adversários alegaram que ele
deveria perder seus direitos políticos, conforme disposição da Constituição de
1891: “os que aceitarem condecorações ou títulos nobiliárquicos estrangeiros
perderão todos os direitos políticos”.
A defesa do jurista recorreu ao método
gramatical, demonstrando que o adjetivo nobiliárquico se refere não apenas a
títulos, mas também a condecorações. Rui estaria, portanto, proibido de aceitar
condecoração nobiliárquica estrangeira e, não uma condecoração simples, como a
que aceitara na época.
A interpretação lógica permite resolver
contradições entre termos contidos na norma jurídica, chegando-se a um
significado coerente. Adotando-se o princípio da identidade, por exemplo, não
se admite o uso de um mesmo termo com significados diferentes.
A interpretação sistemática, por sua
vez, analisa normas jurídicas entre si. Pressupondo que o ordenamento é um todo
unitário e harmônico, sem incompatibilidades, permite escolher o significado da
norma que seja coerente com o conjunto. Principalmente devem ser evitadas as
contradições com normas superiores e com os princípios[2] gerais do direito.
O método sistemático impede que as
normas jurídicas sejam interpretadas de modo isolado, exigindo que todo o
conjunto seja analisado simultaneamente à interpretação de qualquer texto
normativo.
Desta forma, não podemos buscar o
significado de um artigo, de uma lei ou de um código. Ambos devem ser
analisados em sintonia com a Constituição e as demais normas jurídicas.
Para demonstrar o alcance da norma jurídica,
devemos precisar a quais fatos esta se refere. Para tanto, por vezes,
precisaremos identificar os fenômenos contidos nos significados de algumas
palavras ou expressões. Os principais problemas podem ser de ambiguidade ou
vagueza.
Um signo é ambíguo quando possui mais de
um significado possível; é vago quando não conseguimos determinar seu significado.
No caso das normas, um termo ambíguo deixa dúvidas quanto ao fato a que se
refere e, ao passo que o termo vago não permite identificá-lo.
As palavras de uma lei podem ser:
indeterminadas – não identificamos os fenômenos (ex:
repouso noturno: o que é repouso? quando é noturno?);
valorativas – não sabemos quais os atributos que
preenchem significado (ex: honestidade: quando uma pessoa é considerada
honesta?);
discricionárias – há uma gradação que deve ser
preenchida no momento de análise do caso (ex: grave/leve;
preponderante/secundário).
O preenchimento do significado dessas
palavras varia conforme o momento histórico ou as condições sociais. A
interpretação histórica assemelha-se à busca da vontade do legislador.
Recorrendo aos precedentes normativos e
aos trabalhos preparatórios que antecedem a aprovação da lei, tenta-se
encontrar o significado das palavras no contexto de criação da norma (occasio
legis[3]).
A interpretação sociológica[4], por seu turno,
assemelha-se à busca da vontade da lei. Focando o presente, tenta verificar o
sentido das palavras imprecisas, analisando-se os costumes e os valores atuais
da sociedade.
Após determinar-se um significado válido
para a norma e encontrarem-se os fatos a que se refere, resta mostrar que sua
aplicação concretizará seus fins sociais e, levará ao bem comum, como determina
o art.5° da LINDB.
A interpretação teleológica busca os
fins da norma jurídica e a interpretação axiológica busca explicitar os valores
que serão concretizados pela norma.
A eficiente interpretação, assim, chega
a um significado jurídico (métodos gramatical, lógico e sistemático) para a
norma jurídica, demonstra seu alcance social (métodos histórico e sociológico)
e sua efetividade (métodos teleológico e axiológico). Esta deve cessar no
momento em que o conflito puder ser resolvido por uma decisão (sentença).
O resultado do processo advém de um dos
tipos de interpretação: literal, restritiva ou extensiva. Para entendê-los,
devemos classificar as palavras como códigos fracos ou códigos fortes.
Uma palavra corresponde a um código
forte se seu significado corresponder a um fenômeno determinado (ex. agravo de
instrumento é um tipo único de recurso); corresponderá ao código fraco quando
seu significado referir-se a mais de um fenômeno (ex: tributo é conceito que
pode referir-se a várias coisas, tal como contribuição, imposto e taxa).
A interpretação literal mantém a força
do código: se forte, é interpretado como forte; se fraco, é interpretado como
fraco. A interpretação mantém o mesmo número de fatos sociais sob alcance da
lei.
A interpretação restritiva fortalece o
código. Um código fraco, por exemplo, pode ser interpretado como código forte.
Uma lei pode usar a palavra recurso, que se refere a vários objetos. Sua
interpretação pode reduzir o alcance da palavra, traduzindo-a como apenas
apelação, um tipo de recurso.
A interpretação extensiva enfraquece o
código. O significado da norma jurídica é ampliado, passando a englobar mais
objetos do que seu sentido literal. Por exemplo, uma lei que proíbe o
estacionamento de carros pode ser enfraquecida e ser interpretada como
proibindo também o estacionamento de motocicletas.
Cabe observar que o vocábulo
“hermenêutica” advém do grego, provém do verbo hermeneuein (interpretar)
e do substantivo hermeneia (interpretação). Alguns doutrinadores apontam
que a origem do termo advém da figura mitológica Hermes, filho de Zeus,
responsável por interpretar e traduzir as mensagens do mundo dos Deuses, tornando-as
acessíveis ao intelecto humano.
Exegese, etimologicamente, se origina a
partir do grego exégésis, que significa interpretação, tradução ou expor
os fatos. Normalmente, a exegese é utilizada para a interpretação e explicação
crítica de obras artísticas e literárias de cunho religioso. Por sua vez, a
interpretação, por sua vez, nasce da palavra latina interpres, que
significa a pessoa apta a prever acontecimentos futuros pelo exame das
condições presentes.
Ainda nas palavras de Carlos Maximiliano:
“A hermenêutica se aproveita das conclusões da filosofia jurídica, criando
novos processos de interpretação e organizando-os de forma sistemática. A
interpretação é a aplicação da hermenêutica. A hermenêutica descobre e fixa os
princípios que regem a interpretação.”
A hermenêutica jurídica é a ciência da
interpretação das leis, da doutrina e a jurisprudência[5] é sua filha dileta[6].
A hermenêutica clássica[7] teve origem na França,
particularmente com a Escola da Exegese, juntamente com a Escola Dogmática,
oriunda da Alemanha.
Nessa hermenêutica, temos como
pensamento dominante que a interpretação e a aplicação do Direito são etapas
distintas, esta precedendo aquela. Ex vi, extrai-se, primeiramente, o
sentido da norma, para depois aplicá-la ao caso concreto.
Savigny, jurista alemão do século XIX,
estabeleceu um sistema interpretativo, baseado em alguns métodos, quais sejam:
método gramatical, sistemático, histórico, sociológico, teleológico[8] ou finalista.
Maria da Conceição Ferreira Magalhães
acerta ao dizer que “a Hermenêutica não se refere somente à lei, mas ao
direito; seu escopo é compreender o conteúdo das formas de expressão do
direito.”
A ampliação dos métodos interpretativos
e sua flexibilização baseados na transformação histórico-cultural da sociedade
dão o marco da hermenêutica contemporânea.
Podemos exemplificar a hermenêutica
contemporânea com o surgimento dos seguintes métodos interpretativos, quais
sejam:
i. Método Tópico-problemático[9]
– criado por Viehweg – pensador alemão da segunda metade do século XX. Tal
método inicia-se com a análise do caso concreto para depois buscar a melhor
norma jurídica. Método contrário ao positivismo jurídico;
A tópica[10] por Viehweg possui
conteúdo assistemático, caracterizando-se por três elementos:
“(...) por um lado a tópica é, do ponto
de vista de seu objeto, uma técnica do pensamento problemático; por outro lado,
do ponto de vista do instrumento com que opera, o que se torna central é a
noção de topos ou lugar-comum; finalmente, do ponto de vista do tipo de
atividade, a tópica é uma busca e exame de premissas: o que a caracteriza é ser
um modo de pensar no qual a ênfase recai nas premissas, e não nas conclusões”.
Luiz Roberto Barroso conclui
brilhantemente que “a tópica representa a expressão máxima da tese segundo a
qual o raciocínio jurídico deve orientar-se pela solução do problema, e não
pela busca de coerência interna para o sistema”. Todavia, é justamente essa premissa
metodológica que suscita críticas ao método.
ii. Método Hermenêutico-concretizador
– criado por Konrad Hesse – autor da obra “A força Normativa da Constituição”.
Este método seria conduzido pelo que ele denomina de pré-compreensão – conjunto
de valores, visões de mundo, crenças que o intérprete incorpora na sua própria
consciência dentro de seu espaço interpretador, mergulhado numa cultura, num
conjunto de valores num dado contexto histórico-cultural.
Assim, além dos elementos objetivos,
devem-se somar elementos subjetivos para a aplicação da norma;
Konrad Hesse (1919 – 2005), defensor do
Constitucionalismo normativo, desenvolveu o método hermenêutico-concretizador a
partir da premissa de que a interpretação da Constituição deve considerar tanto
o texto constitucional quanto a realidade em que será aplicada a norma, em um
processo de concretização.
Não existe interpretação desvinculada do
problema concreto. Inspirado na doutrina de Theodor Viehweg sobre o método
tópico-problemático, Hesse assevera que a realidade a ser ordenada deve ser
considerada no processo de busca pelo conteúdo plurissignificativo da
Constituição.
O teor da norma só se completa no ato
interpretativo diante de um caso real a ser solucionado. Desta forma, o
intérprete constitucional não pode estar alheio ao problema concreto, uma vez
que interpretação e aplicação integram um processo unitário de concretização[11] da norma.
Entretanto, diferentemente do método
tópico-problemático, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco
enfatizam que a hermenêutica concretizadora de Hesse confere primazia não ao
problema, mas ao texto constitucional.
A interpretação para Hesse parte da
concretização da norma constitucional para a solução do problema concreto. A
atividade hermenêutica é provocada a partir de um problema concreto, mas, para
solucioná-lo, o intérprete deve observar as possibilidades que o texto
constitucional comportar.
Desse modo, o método de Hesse não
autoriza a interpretação livre, baseada exclusivamente nos conceitos prévios do
intérprete.
No método normativo-estruturante a
primeira ideia é a de que a norma jurídica não se identifica com seu texto, esta
é o resultado de um processo de concretização (Fernandes, Bernardo Gonçalves.
Curso de direito constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011).
A norma é composta pelo seu texto
(conteúdo normativo) e o trecho da realidade social sobre a qual incide (o
domínio normativo). Conforme o mesmo doutrinador, o texto da norma deve ser
tomado apenas como ponto inicial do programa normativo, sendo este entendido
como “conjunto de domínios linguísticos resultantes da abertura semântica
proporcionada pelo texto do preceito jurídico”, sendo imprescindível que se
passe pela análise do domínio normativo, vale dizer, o “conjunto de domínios
reais fáticos, abrangidos em função do programa normativo, ou seja, a porção da
realidade social tomada como estrutura fundamental e que o próprio programa
normativo autoriza a recortar”.
A norma jurídica, portanto, resulta da
união desses dois aspectos[12]. Algo extremamente
relevante para a compreensão desse método é que, segundo Müller, o texto de uma
norma deve ser visto apenas como a “ponta do iceberg”.
Para concretizar o conteúdo e o alcance
da norma, o intérprete utiliza sua pré-compreensão (pressuposto subjetivo)
sobre o enunciado positivado, influenciado pelo contexto social e histórico
concreto (pressuposto objetivo). Este atua como mediador entre o texto e o
problema prático sobre o qual a norma incidirá.
Canotilho observa que a “relação entre o
texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete [transforma] a
interpretação em ‘movimento de ir e vir’ (círculo hermenêutico[13])”
Esse método orbita ao redor de três
elementos-base: a norma que será concretizada, a pré-compreensão do aplicador e
o problema a ser resolvido no caso concreto. Conforme destaca Marcelo Novelino,
a hermenêutica concretizadora demanda do intérprete uma compreensão prévia
justificada e consciente.
Para Hesse, a teoria da Constituição
fornece parâmetros objetivos de interpretação cujo domínio pelo aplicador é
condição necessária para o entendimento da norma e do problema.
Assim, não poderá ser considerado um
intérprete legítimo da Constituição quem não conhece a teoria da constituição.
Essa premissa de Hesse é um elemento diferenciador marcante para o método
concretista de Häberle[14] da Constituição aberta[15].
. O paradigma clássico da interpretação
se fundamenta na premissa de que o círculo de intérpretes das normas constitucionais
e legais é fechado, limitado.
No método hermenêutico-concretizador o
intérprete deve começar o caminho interpretativo pela Constituição. O
intérprete faz a interpretação com vistas a resolução de um caso concreto,
porém, vinculado ao texto constitucional.
Se inicia a partir das pré-compreensões
do intérprete (pressuposto subjetivo) sobre o tema, sendo que terá que
intermediar o texto constitucional com o contexto fático (pressupostos
objetivos), num movimento de ir e vir, denominado pela doutrina de círculo
hermenêutico.
Para esse método, a interpretação
somente estará completa com a aplicação, a concretização da norma, seja através
como fundamento a regulamentação legal ou administrativa, ou com fundamento de
uma decisão judicial (Puccinelli Júnior, André. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2012.).
Conforme lição de Kelly Susane Alflen da Silva, os princípios propostos por Hesse são: a) força normativa da Constituição; b) unidade da Constituição; c) concordância prática; c) efeito integrador; e d) exatidão funcional.
No método tópico-problemático a
interpretação constitucional parte de um problema concreto. Conforme Gilmar
Ferreira Mendes (Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2012): “método da tópica toma a Constituição como um conjunto
aberto de regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele que
seja mais adequado para a promoção de uma solução justa ao caso concreto que
analisa”.
Sua denominação decorre da utilização dos
topoi (pontos de vistas comuns, lugares comuns, formas de argumentação), isto
é, pontos de vista comum acerca de normas constitucionais, na resolução de
casos concretos, escolhendo aqueles que possibilite a solução mais justa.
Críticas: risco de um casuísmo ilimitado, enfraquece a visão da força normativa
da constituição.
iii. Método Científico-cultural –
método criado por Rudolph Smend, busca apaziguar conflitos sociais por meio da
conciliação. Assim, o interprete deve-se atentar às medidas conciliatórias para
aplicar a melhor solução jurídica ao caso;
Rudolf Smend (1882-1975) foi o precursor
do método integrativo ou científico-espiritual, que parte da premissa de que há
uma ordem de valores e um sistema cultural que precedem o texto constitucional,
os quais devem ser o objeto maior de proteção do intérprete.[16]
A lex fundamentalis é mais do que
o diploma jurídico no ápice do ordenamento estatal, sendo um instrumento de
integração social, econômica e política da sociedade. Suas normas devem ser
interpretadas, portanto, a partir de uma visão sistêmica, considerando-se
fatores extraconstitucionais, captando a realidade social que define o
“espírito da Constituição”. As normas constitucionais estão para o corpo da
Constituição assim como os valores estão para o espirito constitucional.
Para Smend, a Constituição é
caracterizada como um “processo de integração”, em consonância com a dinâmica
da sociedade. Assim, o melhor significado e alcance atribuído à norma
constitucional será aquele que, no caso concreto enfrentado, melhor privilegia
os valores do povo que conferem legitimidade à sua Carta Magna.
À medida que tais valores se modificam
ao longo da história, caberá ao operador do Direito conferir elasticidade e
flexibilidade à atividade interpretativa do texto constitucional.
Conforme observa a doutrina, o termo “científico-espiritual” decorre da expressão Geisteswissenschaftliche Methode, empregada por Ernst Forsthoff, defensor do método hermenêutico clássico[17], ao se referir de forma crítica ao método integrativo proposta por Rudolf Smend.
O método integrativo leva o intérprete a
atentar para a acentuada carga axiológica das normas constitucionais e para a
necessidade de integração entre o sentido a ser atribuído ao texto e a
realidade constitucional. Conforme lição de J.J. Gomes Canotilho, exige-se uma
“captação espiritual” dos vetores axiológicos da Constituição.
Ao abordar a doutrina integrativa, Paulo
Bonavides assevera em sua obra que "a concepção de Smend é precursoramente
sistêmica e espiritualista: vê na Constituição um conjunto de distintos fatores
integrativos com distintos graus de legitimidade. Esses fatores são a parte
fundamental do sistema, tanto quanto o território é a sua parte mais concreta.
[...]
O intérprete constitucional deve
prender-se sempre à realidade da vida, à "concretude" da existência,
compreendida esta sobretudo pelo que tem de espiritual, enquanto processo
unitário e renovador da própria realidade, submetida à lei de sua integração”.[18]
iv. Método Normativo-estruturante
– criado por Müller, defende-se que o conceito de norma abarca uma dúplice
perspectiva, a de norma constitucional como texto normativo e, a de norma
constitucional com âmbito normativo. Assim, a norma jurídica deve ser, também,
instrumento do cidadão para que este evite abusos do Poder Público.
Para Friedrich Müller, a justiça,
considerada a estrela polar comum ao direito em todos os tempos, não obteve da
ciência do direito uma definição sobre o seu fundamento, a qual pudesse ser
confiável e amplamente aceita entre os juristas.
A posição da ciência jurídica perante o
direito natural também não é capaz de definir as transformações históricas do
direito. O direito natural em si, a partir do ponto de vista científico, nada
mais é do que um caos catalogado pela ciência jurídica, e, por isso, não está a
merecer a atenção dos juristas.
Para o doutrinador, a ciência jurídica
efetiva e se ocupa das diferentes concepções e métodos de reflexão e
interpretação da norma jurídica. Este é o fundamental enfoque principal da
ciência jurídica: os vários tipos de concepção sobre a norma jurídica.
Na democracia, a lei é o centro
sistêmico da ação jurídica, vinculando todas as pessoas, tanto os juristas como
não juristas, e deve, ao menos em princípio, emanar do povo. Disso, decorrem duas
conclusões: a manutenção do respeito à lei; o compromisso dos juristas principalmente os juízes com a concretização
dos objetivos da lei.
Ao avaliarmos a intensidade da
judicialização da política ou de outras dimensões das relações sociais
refere-se a uma contradição secundária. Pois a grande questão não é quanto a
judicialização mas como as questões judicializadas devem ser decididas.
Qual tipo de controle deve ser exercido
uma vez que a Constituição conforme afirma Streck é o alfa e o ômega da ordem
jurídica e, oferece os marcos que devem pautar as decisões da comunidade
política. In: STRECK, L.L. O ativismo judicial existe ou é imaginação.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-jun-13/senso-incomum-ativismo-existe-ou-imaginacao-alguns
Acesso em 14.8.2020.
Observa-se que a Teoria Estruturante do Direito admite a existência de um sistema jurídico aberto[19] a valores focando seu objeto de estudo na norma jurídica, que seria composta não somente por elementos do sistema jurídico, mas elementos interdisciplinares.
Referida concepção de pensamento se opõe
a concepção lógica silogística que norteia o pensamento positivista e, ainda, à
Tópica, que buscava uma solução justa, baseada no consenso, a partir dos topoi
que circundavam o caso.
Dentre os teóricos das posições
neoconstitucionalistas[20] ou pós-positivistas,
Friedrich Müller e Robert Alexy despontam como profícuos expoentes.
A norma jurídica, compreendida pelo
positivismo unicamente como produto de um juízo hipotético, passa a ser
percebida como resultado de uma interação que considera o direito e a realidade
social como elementos da ação jurídica, operacionalizada por meio da linguagem
na construção democrática do Estado de Direito.
Desse modo, inaugura este ensaio o
traçado das linhas gerais da Teoria Estruturante do Direito (ou “metódica
estruturante”), através da qual Friedrich Müller desenvolve uma abordagem
pragmática que considera, no significado do texto normativo, as diversas
variáveis porventura ocorrentes no caso concreto específico.
Seja como for, a pós-modernidade[21] e suas sociedades
complexas exigiram da interpretação constitucional mais do que a simplória
subsunção mecânica e o avanço para além da aplicação restrita. Era inexorável,
assim, o divórcio com o sistema de ideias que considerava o direito – e a
Constituição – um sistema engessado, pronto e acabado, ausente de lacunas e
cuja decisão se restringia a uma subsunção.
A Teoria Estruturante do Direito[22] emerge e se insere
exatamente no terreno dessas modernas correntes do pensamento jurídico que
advogam uma conjuntura detrespasse da legalidade estrita, sem ignorar, todavia,
o direito posto.
A construção desse novo paradigma
pressupõe o reconhecimento da normatividade dos princípios e a sua interação
com valores e regras. Afora isso, se faz necessária a construção de uma teoria
dos direitos fundamentais fulcrada na dignidade da pessoa.
É necessário se ter em mente que os
métodos tópico-problemático, hermenêutico concretizador e
normativo-estruturante foram concebidos com o objetivo de superar as
deficiências do método jurídico clássico (baseado nos critérios: gramatical,
lógico, teleológico, histórico e sistemático).
Partem da noção de que a interpretação
constitucional deve buscar resolver problemas concretos, às vezes se
distinguindo entre si quanto à importância do problema e da Constituição para a
resolução do caso.
Diante do exposto, podemos inferir que a
hermenêutica contemporânea se preocupa com o perfeito ajuste das normas
jurídicas às complexas necessidades sociais.
A hermenêutica contemporânea, porém,
representa algo maior e mais significativa do que simplesmente um repositório
de métodos auxiliadores ao intérprete em sua tarefa de compreensão do direito.
Erguendo-se como autêntica filosofia e,
portanto, não se trata de disciplina acessória e, sim, fundante, vinculados à
própria existência do Direito e sua vinculação com a linguagem.
Lembremos que a hermenêutica atingirá
pela prima vez o status de filosofia somente na modernidade, especificadamente,
no romantismo alemão, com Schleiermacher, que era também teólogo e estabeleceu
as premissas iniciais para se cogitar a hermenêutica enquanto teoria universal
do compreender e do interpretar, desvencilhando-a daqueles saberes dogmáticos
que a impulsionaram no contexto do século XVIII.
Assim o problema hermenêutico emerge
para fora do polo da subjetividade[23], abrindo caminho para uma
série de filosofias que compartilham esse pressuposto e que podemos nomear como
paradigma da intersubjetividade.
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ROSSI, Júlio César. Neoconstitucionalismo e o pós-positivismo à brasileira. Disponível: https://www.conjur.com.br/2019-out-12/diario-classe-neoconstitucionalismo-pos-positivismo-brasileira Acesso 14.8.2020.
Notas:
[1] O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. (ALEXY).
[2] Miguel Reale afirma que os princípios jurídicos são balizas que regem a atividade legislativa e que norteiam a atividade do intérprete, nos seguintes termos: Ao nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão de ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. In: REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
[3] São os motivos que inspiram o legislador na elaboração da lei, embora devam ser auscultados, não constituem elementos decisivos para a interpretação. Vide interpretação. Circunstâncias do momento em que se originou a lei utilizada na interpretação lógica.
[4] A Escola Sociológica do Direito tem uma postura mais radical, busca nos fatos sociais a fonte direta o direito aplicável ao caso, uma vez que entende que o ordenamento jurídico positivo é insuficiente para a solução dos litígios levados ao Judiciário. Como Geny, Eugen Enrlich afasta a interpretação do direito da aplicação de pensamento silogístico, ressaltando o caráter ficcional deste tipo de atividade. A partir dessa perspectiva, o direito passa a ser visto como fato social, inaugurando uma frente de pensamento jurídico que compreende o direito positivo apenas como uma tecnologia condicionada ao ramo da sociologia jurídica.
[5] Vige forte tendência atual brasileira em prol do protagonismo judicial na frenética busca de concretização de direitos. Decorre daí, uma equivocada recepção da Jurisprudência dos Valores, um movimento ocorrido na Alemanha do pós-segunda guerra. Essa metodologia serviu para equalizar a tensão produzida depois da outorga da Lei Fundamental. Houve considerável esforço do Tribunal Constitucional para legitimar uma Carta Magana que não tinha sido constituída por ampla participação do povo alemão. O que justifica a afirmação do jus que é distinto da lex, isto é, a invocação de argumentos que permitisse ao Tribunal alemão recorrer aos critérios decisórios que se encontravam fora da rígida estrutura da legalidade. Dessa forma, a referência aos valores aparece como mecanismo de abertura de uma legalidade estreita e muito fechada que possibilitaria o totalitarismo nazista.
[6] Apesar da jurisprudência dos valores em muito se aproximar de sua antecessora, a jurisprudência dos interesses, mas com esta não se confunde. De qualquer modo, essas metodologias se formam em torno do positivismo e são tropicalizados para o Brasil, através da doutrina que se autodenomina “neoconstitucionalista”, sem se preocupar com o efeito colateral de continuar adotando variações do velho positivismo normativista, cujo ponto de maior destaque era a preocupação com a semântica, atribuindo ao julgador, a vontade (subjetivismo) em decidir os casos que lhes são submetidos à análise.
A jurisprudência dos valores leva à criação de padrões decisórios calcados no subjetivismo (enraizado no ideal valorativo individual), os quais, como sabemos, são lançados pelo sujeito encarregado de decidir, denunciando a máxima de que “primeiro se tem a solução e depois se busca a lei para fundamentá-la”.
[7] A Escola Dogmática, Exegese ou Clássica surgiu na França em torno do ano de 1804, juntamente com o Código Civil Francês de Napoleão. Também conhecido como o Código de Napoleão esta compilação de ditames do direito da época foi um conjunto notavelmente estruturado contando com regras de dedução que se impunha com a tentativa de uniformização através de um corpo sistemático de normas com o objetivo de evitar a obscuridade e a ambiguidade do direito da época. Com a Escola Dogmática vigeu a era da jurisprudência dos conceitos, valendo-se os juízes, como meros aplicadores do Direito, por meio de processos lógicos para desvelar o sentido da norma.
[8] Escola Teleológica (Alemanha) foi criada por Rudolf Von Ihering, segundo a qual, para se chegar ao espírito da lei, seria necessário buscar a finalidade do legislador ao editar determinada norma jurídica, considerando que a interpretação histórica não seria capaz de intuir a vontade do legislador, a mens legis caberia ao intérprete, para além da análise dos projetos de lei e sua contextualização em determinado período, a tarefa fundamental de extrair o que pretendia de fato o legislador ao criar a norma. Segundo Perelman, o direito é um meio do qual se serve o legislador para atingir seus fins, promover certos valores. Logo, o juiz deve remontar do texto à intenção que guiou sua redação, à vontade do legislador, interpretar o texto em conformidade com essa vontade, pois o que conta, acima de tudo, é o fim perseguido, mais o espírito do que a letra da lei. Considera-se tudo aquilo que causa maior quantidade de prazer para o maior número de pessoas possível.
[9] O método tópico-problemático foi desenvolvido por Theodor Viehweg (1907-1988), em sua obra Topik und Jurisprudenz (Tópica e Jurisprudência), de 1953. Viehweg retomou a tópica no meio jurídico, reagindo ao juspositivismo que predominava no século XX. Apesar de o método tópico ter sido concebido por Viehweg no âmbito do direito civil, suas premissas metodológicas repercutiram em outros ramos do direito.
Diferentemente do método hermenêutico clássico, o tópico-problemático está centrado no problema e não na norma jurídica ou no sistema normativo. A técnica de interpretação sugerida por Viehweg se fundamenta em considerações pragmáticas a partir do problema a ser resolvido no caso concreto. O intérprete verifica os diversos topoi (pontos de vista) a respeito daquele problema, analisando-os a fim de obter a solução normativa adequada ao caso. Enquanto os demais métodos hermenêuticos adotam o modelo dedutivo, partindo da norma em direção ao problema, o pensamento tópico-problemático trilha em sentido oposto, ou seja, do particular (problema) para o geral (norma), adotando o modelo indutivo. Dessa forma, a tópica considera o problema em primazia sobre a norma. Conforme salienta Daniel Sarmento, a solução do problema apresentado se torna o objetivo central do intérprete, cujo compromisso com o sistema jurídico deixa de ser absoluto. A Constituição é concebida como um sistema aberto de princípios e regras a serem selecionados pelo intérprete segundo critérios de conveniência e oportunidade para alcançar a solução mais justa para o problema concreto a ser enfrentado.
[10] Segundo Daniel Sarmento, “os topoi (plural de topos) são diretrizes que podem eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o caso concreto. Eles não são certos ou errados, mas apenas mais ou menos adequados para a solução do problema; mais ou menos capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso, que se mostre persuasiva à comunidade de intérpretes. Dentre os topoi podem figurar elementos heterogêneos como o texto normativo, princípios morais, tradições compartilhadas etc.
[11] Uma conceituação de “concretização” a partir da Teoria Estruturante do Direito, Adeodato bem sintetiza: O procedimento genérico através do qual se procura adequar normas e fatos e decidir, tradicionalmente conhecido por “interpretação” ou “interpretação e aplicação do direito”, Müller denomina “concretização da norma”(Normkonkretisierung), procurando justamente afastar-se da hermenêutica tradicional e determinar mais precisamente seus conceitos e procedimentos. Nessa tarefa insiste que concretização não significa silogismo, subsunção, efetivação, aplicação ou individualização concreta do direito a partir da norma gera. In: ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.
[12] O recurso ao texto para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termos linguísticos: o texto da norma é o sinal linguístico; a norma é o que se revela ou designa. No mesmo sentido é o ensinamento de Humberto Ávila: Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que nem sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.
[13] O círculo hermenêutico serve como um argumento padrão para aqueles que querem sustentar a autonomia das ciências humanas. Os defensores de uma metodologia alternativa para as ciências humanas o apresentam ou como um problema ontológico ou como um problema metodológico, ambos específicos das ciências sociais e das humanidades. O filólogo Friedrich Ast foi provavelmente o primeiro a chamar a atenção para a circularidade da interpretação. Ele assinalou a “lei que fundamenta a compreensão e o conhecimento”: “encontrar o espírito do todo por meio dos componentes individuais e por meio do todo captar o individual”. Vários filósofos apresentam o círculo hermenêutico como um problema ontológico. O locus classicus ao qual eles se referem é Heidegger: “Este círculo da compreensão não é uma órbita em que qualquer tipo aleatório de conhecimento pode se mover; é a expressão da pré-estrutura existencial do próprio Dasein. Não deve ser reduzido ao nível de um círculo vicioso ou mesmo de um círculo tolerado”. Cabe perguntar: o que isso quer dizer e se o círculo hermenêutico constitui um problema desse tipo. Segundo a visão tradicional, a ontologia diz respeito ao que existe, e os argumentos ontológicos usualmente apresentados sustentam que o mundo deve conter coisas deste ou daquele tipo, por exemplo, seres necessários, coisas não extensas, coisas simples etc
[14] O método concretista da Constituição aberta se desenvolve em torno de três premissas: a) a abertura do círculo de intérpretes das normas constitucionais; b) a concepção de que o processo interpretativo é essencialmente público e aberto; e c) a correlação desse processo público e aberto com a construção da realidade. Häberle critica a hermenêutica constitucional clássica por estruturara interpretação constitucional no âmbito restrito de uma “sociedade fechada de intérpretes”, composta por juízes engajados em procedimentos formalizados. Uma teoria da interpretação constitucional, que leve a sério o tema “Constituição e realidade constitucional”, deve necessariamente se perguntar por todos os participantes da interpretação constitucional, ou seja, deve se perguntar pela “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, ampla, plural e indeterminada, abrangendo todos os órgãos estatais, todas as potências públicas e todos os cidadãos. Deve igualmente se perguntar pelos procedimentos argumentativos que possibilitam o envolvimento dessa pluralidade de intérpretes na interpretação constitucional.
[15] O método concretista da Constituição aberta se desenvolve em torno de três premissas: a) a abertura do círculo de intérpretes das normas constitucionais; b) a concepção de que o processo interpretativo é essencialmente público e aberto; e c) a correlação desse processo público e aberto com a construção da realidade.
[16] Diferentemente dos métodos sistemáticos (jurídico e científico-espiritual), os métodos concretistas adotam um raciocínio aporético, partindo da reflexão sobre o problema a ser resolvido e não sobre o sistema normativo. Não se fala em interpretação da norma, mas em concretização, ou seja, na sua aplicação para resolver problemas concretos. Não se pode interpretar a norma sem considerar atentamente os dados concretos a respeito do problema sobre o qual se pretende aplicá-la.
[17] Os métodos clássicos de interpretação, definidos por Savigny, tem, na visão de Tércio Sampaio Ferraz Jr, uma finalidade de orientar o intérprete na tarefa de decidir os conflitos através de regras técnicas que o auxiliam na obtenção de um resultado (2003, p. 286), sendo tais problemas de ordem sintática, semântica e pragmática. O método gramatical de interpretação tem por escopo realizar uma interpretação morfológica e sintática do texto normativo. Noutras palavras, a mera leitura do texto já seria capaz de revelar o sentido e o alcance da norma jurídica. A operacionalidade do método gramatical foi posta em evidência pela chamada Escola de Exegese na França pós-revolucionária. Insta dizer que, após a Revolução Francesa, acreditavam os revolucionários (agora no poder do Estado francês) que o Direito Natural já estava positivado no Código de Napoleão, pelo que seria despicienda qualquer interpretação que não a literal, sob pena de desnaturar o sentido da norma.
Tal concepção teórica decorria da forte inspiração iluminista que permeava o ar daquele tempo e lugar. No ancien regime, o déspota era a lei. Melhor dizendo, a sua vontade, falível e volátil, era a norma. E mais que isso, o monarca a interpretava livremente, alterando seu alcance e conteúdo quando fosse conveniente. O método gramatical termina, em última análise, por resgatar antigo brocardo jurídico, que ensina que “na clareza cessa a interpretação”, pois, ante a evidente redação normativa, não caberiam discussões sobre o sentido da norma. Trata-se do conhecido “brocardo da clareza”. Outro método hermenêutico clássico é o sistemático. Esse método tem por característica a busca do sentido da norma através de sua análise interna e externa, que seja, a análise da norma frente às demais que estão dentro do mesmo diploma normativo (análise interna) e frente às demais normas que compõem o ordenamento jurídico (análise externa).
[18] As principais críticas direcionadas ao método integrativo se referem à formulação excessivamente vaga de seus conceitos, à carência de uma fundamentação jusfilosófica bem estabelecida e à variabilidade e indeterminação das soluções de interpretação alcançadas por esse método. Tendo em vista que o método integrativo busca fundamento na realidade social em determinado momento histórico, o resultado da interpretação está sujeito a variações que podem comprometer a estabilidade constitucional e a segurança jurídica. A força normativa da Constituição pode restar enfraquecida em decorrência dessa divergência de interpretações.
[19] Com a crise do positivismo jurídico deu-se a superação da rigidez entre o direito e a moral e a consequente abertura do debate filosófico-jurídico contemporâneo aos valores ético-políticos. Já não se sustentava mais possível reduzir os ordenamentos jurídicos a meras estruturas normativas, surgindo, daí, a concepção de que ao lado das regras (rules) também havia os princípios (principales). Neste novo contexto jusfilosófico, entende-se como aberto o sistema jurídico, de modo a, repita-se, albergar as regras e os princípios, conceitos e distinções que examinar-se-ão a seguir.
[20] A doutrina pátria de um modo geral vem tratando o neoconstitucionalismo – para nós o pós-positivismo à brasileira – como o novo direito constitucional, identificado como um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio as quais podem ser assinalados, como marco teórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; como marco filosófico, estaria o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre direito e ética e, finalmente, como marco teórico, encontraríamos o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. A doutrina brasileira, até certo ponto vai bem, quando afirma que no Estado Democrático a lei cede à força normativa da Constituição, assim como reconhece a jurisdição constitucional e as suas formas de interpretação, mas peca ao afirmar que o neoconstitucionalismo possui como marco filosófico o pós-positivismo. Em verdade, quando fazem essa afirmação, estão buscando no pós-positivismo o álibi para adotar a teoria da argumentação de Robert Alexy e a sua teoria da ponderação.
[21] No pós-positivismo, a função dos juízes, ao contrário do entendimento desenvolvido por Giuseppe Chiovenda, no início do século XX, deixou de ser apenas um atuar (declarar) a vontade concreta da lei, para consistir num ato de criação do direito.
[22] A metódica estruturante representa a rejeição absoluta do modelo legal de interpretação desenvolvido a partir dos postulados lógico-formais do positivismo metódico em qualquer das suas variações. Certamente, abordando o normativismo ancorado nas premissas da filosofia da consciência ou localizado fora do âmbito da experiência, realizou-se a ideia de um controle possível da correta aplicação normativa a principiar em cânones metodológicos desenvolvidos no âmbito interno do «sistema4 ». Expresso em termos genéricos, as diferentes correntes positivistas partem do reconhecimento de que o único objeto possível para a Ciência jurídica são as normas –positivas– de uma entidade com autoridade legítima, que por isso mesmo são consideradas normas válidas e de conteúdo imutável.
[23] Através as transformações havidas na Teoria Geral do Direito, e suas repercussões na Teoria Geral do Processo, os princípios deixaram de ser mera técnica de integração do Direito para constituírem espécie de norma jurídica, responsável, inclusive, na produção de outras normas jurídico processuais. Daí, com isso, afirmar-se a eficácia normativa dos princípios.